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Full text of "Revista da Sociedade de Instrucção do Porto"

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REVISTA 


DA 


SOCIEDADE  DE  INSTRUCÇÃO  DO  PORTO 


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REVISTA 


DA 


SOCIEDADE  DE   INSTRUCÇÃO  DO   PORTO 


VOLUME   TERCEIRO 


i883 


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PORTO 

TYPOGRAPHIA    CENTRAL 

DE  AVELINO  ANTÓNIO  MENDES  CERDEIRA 

Rua  do  Bom  jardim,  817 

1884. 


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•IFT«ÍF 
JUL    8192 


REVISTA 


SOCIEDADE  DE  INSTRÚCÇÃO  DO  PORTO 


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3.*  ANNO 


I    DE  MNEIRQ  DE  x883 


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DISCURSO  DO  PRESIDENTE  DA  SOCIEDADE 

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EMCEREAMENTO  DA  EXPOSIÇÃO  DE  CERÂMICA  E  DISTRIBUIÇÃO  DE  PRÉMIOS 

(16  de  noTembro  de  1889) 

A  sciencía  e  o  trabalho  são  duas  grandes  potencias,  é 
certíssimo;  mas  nâo  é  menos  certo  que  ellas  sós,  como  ex- 
pressão individual,  raras  vezes  produzem  as  maravilhas  que 
exige  a  civilisação  moderna  e  que  nós  todos  admiramos.  Para 
este  resultado  requerem-se  esforços  multiplicados,  a  coopera- 
ção de  muitos,  a  união  de  todos  os  que  lidam  para  o  mesmo 
fim— n'uma  palavra  —  a  associação!  Eis  a  grande  alavanca 
com  que  ao  serviço  d^aquellas  duas  potencias  se  transforma  a 
€iDciedade  moderna.  Um  operário  labutando  sem  repouso,  e 
eagidando  incessantemente,  pode  por  fortuna  inventar  novos 
meios  de  facilitar  o  seu  trabalho,  e  combinações  mais  felizes 
para  aperfeiçoar  a  sua  obra ;  mas  sendo  preciso  hoje  produzir 
muito  e  facilmente,  a  invenção  ficará  limitadíssima  ou  quasi 
estéril,  se  a  communidade  nao  tomar  conta  d^ella,  e  a  appli- 
car  nas  grandes  officinas. 

A  associação  é  um  principio  fecundo  de  melhoramento  e 
riqueza,  cria  as  forças,  multiplica  os  capitães,  baratea  os  pro- 
duetos,  ensina  e  ampara  os  operários,  e  por  todas  as  formas 
combate  a  inércia,  o  desleixo,  a  miséria. 

A  festa  que  nós  encerramos  hoje  é  um  exemi>lo  do  que 
vale  aquella  idea.. Nenhum  individuo  poderia  reunir  aqui  os 
productO|S,  çiue  de  distantes  partes  vieram  a  este  certamen, — 
nenhum  individuo  poderia  attrahir  para  esta  Exposição  a  atten- 
ção  e  a  bòa  vontade  de  tantas  pessoas  que  a  têm  visitado,  e  de 

UTISTA  DA  80GIIDADK  DK  DCSTRUCÇAO  DO  PORTO.  1 


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muitas  mais  que,  mesmo  de  longe,  a  applaudem,  nenhum  indivi- 
duo poderia  crear  no  publico  a  corrente  sympathica  da  opinião, 
que,  fazendo  justiça  a  este  commettimento,  talvez  único  na  his- 
toria da  cerâmica  de  todas  as  nações,  nos  anima  e  incita  a  faze-lo 
produzir  as  mais  proveitosas  consequências.  E  assim  deve  ser, 
porque  dbutra  maneira  não  valiam  os  sacrifícios  que  exigem. 

Felizmente,  os  oleiros  portuguezes  identificaram-se  de 
tal  modo  com  o  pensamento  da  Sociedade  dlnstrucção  do 
Porto,  que  se  congregaram,  e  procuraram  cuidadosamente 
aperfeiçoar  a  sua  industria  pelos  únicos  meios,  ^ue  podem  pro- 
duzir resultado  valioso  e  duradouro,  a  instrucçao  artistica  e  a 
protecção  ao  operário.  Honra  lhes  seja !  Abençoados  os  esfor- 
ços quê  crearem  a  primeira  escola !  Bemditos  os  socorros  que 
garantirem  ao  operário  uma  velhice  tranquilla ! 

Não  posso  dar-vos  conta  de  tudo  quanto  se  tem  feito 
n^aquelle  congresso.  Mais  tarde  o  sabereis.  Mas  ò  que  posso, 
o  que  devo  dizer-vos,  como  testemunha  insuspeita,  é  que  os 
seus  membros  são  todos  rivaes  nos  vehementes  desejos  de  le- 
vantarem a  sua  industria  á  maior  altura,  e  que  todos  elles 
teem  uma  fé  inabalável  no  futuro,  que  hão-de  crear  pela  es- 
cola e  pelo  auxilio  intelli&ente  aos  operários. 

Dos  trabalhos  do  Jury,  encarregado  da  apreciação  dos 
productos  expostos,  ides  ver  o  resultado.  Não  foi  fácil  a  sua 
tarefa,  senhores.  Tantos  productos  differentes,  tão  diversos 
materiaes,  variadíssimas  formas,  extraordinárias  cores,  e  pin- 
turas, usos  vários,  emíim  tantos  aspectos  differentes  para  ava- 
liar, que  foi  necessária  muita  diligencia,  muita  attenção,  e  muito 
estudo  comparativo  para  chegar  a  conclusão.  Faltaram  por 
justíssimos  motivos  alguns  dos  membros  nomeados,  mas  a 
maioria  que  ficou,  inspirou-se  tão  nobremente  do  seu  dever, 
que  eu  confio  que  a  opinião  publica  lhe  fará  a  mais  inteira  justiça. 

Senhores,  nem  só  os  expositores  merecem  galardão.  Ha 
prestantíssimos  obreiros,  infatigáveis,  tenazes  na  realisação  da 
suaidêa,  aos  quaes,  embora  elles  queiram  esconder-se  na  pe- 
numbra, é  dever  indeclinável  fazer  justiça.  Está  em  primeiro 
locar  o  snr.  Isaac  Newton,  espirito  culto  e  modestíssimo,  que 
foi  o  iniciador  doesta  sociedade,  e  que  foi  também  um  dos 
promotores  da  Exposição  de  Cerâmica.  Os  seus  relevantes 
serviços  a  esta  instituição  e  á  Exposição  são  taes  que  certa- 
mente lhe  cabe  o  primeiro  logar.  Pena  é  que  a  doença  o  rete- 
nha no  leito  em  dia  tão  festivo ;  mas  saudemol-o  d^aqui  e  faça- 
mos votos  pelo  seu  immediato  restabelecimento. 

Do  nosso  Secretario  Geral,  o  snr.  Joaquim  de  Vascon- 


cellos,  sabeis  ja  a  trabalhosa  tarefa  que  tomou  de  percorrer  a 
sul  do  reino ;  á  sua  sciencia  e  dedicação  deve-se  muito,  como 
mais  diurna  vez  tenho  referido. 

E^  longa  a  lista  das  dividas  que  contrahimos  para  con- 
seguir tão  explendido  resultado.  Aos  senhores  José  Maria  Nepo^ 
muceno  de  Lisboa,  João  CamíUo  de  Castro  Júnior,  Marciano  e 
Joaquim  de  Azuaga,  Dr.  Júlio  Henriques,  José  de  Macedo 
Araújo  Júnior,  Augusto  Luso  da  Silva,  Eduardo  Sequeira,  JoSo 
António  Marques  Gomes,  de  Aveiro,  e  Gabriel  Pereira  de 
Évora,  devemos  muito  especiaes  agradecimentos,  porque  alem 
da  sua  usual  dedicação  pela  nossa  Sociedade,  foram  incansáveis 
e  diurna  sollicitude  inexcedivel,  já  colligindo  objectos,  já  traba- 
Ihando  pessoalmente,  e  por  todas  as  formas  contribuindo  para 
enriquecer  a  Exposição.  Quizera  enumerar  todos  aue  a  coadju- 
varam com  a  sua  boa  vontade  e  serviços,  mas  e  impossivel. 
Confio  em  que  a  satisfação  da  própria  *  consciência  recompen^ 
sara  a  todos  o  auxilio  que  nos  deram,  por  que  sentiram  nos  re- 
sultados uma  parte  da  sua  obra. 

Ao  Governo  de  S.  Magestade  repito  novamente  os  agra- 
decimentos que  em  nome  da  Sociedade,  e  neste  logar,  já  tribu- 
tei com  reconhecimento. 

Está  chegado  o  ultimo  dia  doesta  festa,  e  nem  por  isso 
terminam  os  nossos  trabalhos.  Por  ella  contrahimos  novas 
obrigações.  Se  o  favor  publico  recompensou  os  esforços  e  as 
fadigas  doesta  Sociedade,  não  é  para  que  adormeçamos  á  sua 
somora,  mas  para  que  cobremos  nova  coragem,  accendamos 
os  nossos  brios,  e  caminhemos  avante  em  nome  da  Sociedade 
dlnstrucçâo  na  gloriosa  tarefa  da  educação,  e  da  civilisaçSo 
nacional. " 

Dr.  J.  Fruct.  Ayres  de  Gouveia  Osório. 


CARTAS  SOBRE  A  EDUCAÇÃO  DA  MOCIDADE 

(Oontlan&çlo,  t.  pag.  660) 

«El  Rey  Dom  Manoel,  como  refere  Álvaro  Ferreyra  deVi 
Vera  \  aperfeiçoou  os  estados  dos  Ricos  Homens  e  Infan- 
çoens,  e  deu  a  cada  hum  em  sua  Caza  Real  o  lugar  que  por 
sua  qualidade  merecia,  fazendo  três  sortes  de  gente.  No  pri- 


^    Origem  da  Nobreza  politica.  Lisboa  i63i,  4.^,  cap.  2,  pag.  3. 

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meiro  lugar  pôz  os  Ricos  Homens ;  no  segundo  os  Infançoens ; 
no  terceyro  os  Plebeos,  com  esta  distinção  na  moradia:  aos 
Filhos  dos  Ricos  Homens  tomou  por  Áíoços  Fidalgos  com 
mil  reis  de  Foro  *  cada  mes,  e  aloueyre  e  meyo  de  cevada 

Eor  dia;  te  daqui  os  acrescentava  a  Fidalgos  Cavallepros,  so- 
indolhe  a  moradia  té  quatro  mil  reis^  o  cjue  era  despois  de 
serem  armados  Cavalleyros,  por  algum  feito  honrozo  que  fa- 
ziaõ  na  guerra.  Aos  Filhos  dos  Infan^ns  tomou  por  Moços 
da  Camará^  com  quatrocentos  e  sets  reis;  e  três  quartas  de  ce- 
vada por  dia:  e  da  mesma  maneira  lhes 'acrescentava  a  mora- 
dia, que  a  mayor  subia  té  mil  e  quinhentos  reis  com  o  titulo 
de  Capalleyro  Fidalgo)  a  que  hoje  muitos  não  querem  subir 
por  ficar  antes  no  foro  de  moços  do  serviço,  pelas  mays  en- 
tradas que  tem  na  casa  e  serviço  do  seu  Rey.» 

cOs  Plebeos  taõbem  admittio  no  seu  serviço,  tomando- 
os  por  moços  da  Estribeira;  e  daqui  os  acrescentava  a  Es- 
cudeyros  e  Cavalleyros  razos  (que  he  Cavalleyros  sem  Nobre- 
za,) e  os  que  auena,  que  gozassem  de  alguns  Privilégios  se 
chamavaõ  Cavalleyros  confirmados;  no  que  havia  muita  ordem.  ]> 

Quem  quizer  saber  o  que  he  a  Nobreza  Natural  e  Poli- 
tica, como  se  adquire  e  como  se  perde,  e  outras  mais  proprie- 
dades^ 'que  tem  a  origem  dos  titulos  em  Portugal,  poderá  ler 
este  excellente  Autor,  esquecido  nos  nossos  tempos,  e  que 
merecia  ser  conhecido  de  todos  os  Nobres  Portuj^uezes,  para 
saberem  as  suas  obrigaçoens.  Vejase  taõbem  Noticias  de  Por- 
tugal de  Manoel  Severim  de  Faria,  Discurso  iii,  e  o  Prologo 


^  O  marco  de  prata  valia,  fio  tempo  dei  Rey  Dom  Manoel,  2340 
reis  e  como  os  Fidalgos  Cavalleyros  tínhao  da  sua  moradia  4000  reis  por 
mes,  e  por  anno  48000  reis,  e  que  o  marco  de  prata  amoedado  vale  hoje 
6000  reis,  os  48000  reis  daquelle  tempo  valem  hoje  91930  reis,  e  como 
taõbem  recebiaõ  alqueyre  e  meyo  de  cevada  por  dia,  contando  somente  a 
120  reis  por  alqueyre,  valiaõ  no  tempo  presente  63240  reis,  que  juntos  com 
os  91 02 o  reis  assima,  fazia  toda  a  soma  1 55 160  reis.  E  como  taõbem  os 
Cavalleyros  Fidalgos  tinhaÇ  moradia  que  chegava  a  i5oo  reis  por  mes,  e 
por  anno  18000  reis,  com  três  quartas  de  cevada,  reatada  por  anno  taõ- 
Sem  a  120  reis  por  alqueyre,  vafiaõ  pelo  preço  de  hoje  32400:  e  como  os 
18000  naquelle  tempo,  estando  o  marco  de  prata  a  2340  reis,  e  noje  a  6000 
reis,  valem  hoje  a  soma  de  61920  reis,  que  juntos  aos  32400  de  cevada,  fa- 
siaõ  94320  reis. 

Ajuntando  agora  estas  duas  moradias  de  Fidalgo  Cavalleyro,  e  de 
Cavalleyro  Fidalgo  em  huma  soma  e  repartindoas,  acharseha  que  cada 
huma  destas  moradias  vale  hoje  a  soma  de  124740  rei^  soma  siíffiçiente 
para  sustentar  e  educar  em  huma  Escola  Militar  hum  Moço  Fidalgo. 


ds  Memorias  Históricas  e  Genealógicas  dos  Grandes  de  Por- 
tugal por  António  Caetano  de  Sousa.  Lisboa  1742. 

Do  referido  se  coUige  que  os  Reys  de  Portugal  sempre 
tiverao  especial  cuidado  da  Educação  da  Fidalguia,  e  que  dahi 
veyo  chamaremse  creados  de  caza  Real,  estendendose  este  no- 
me por  corrupção  aos  que  servem.  Em  quanto  houve  guerras 
continuadas,  em  quanto  tinhaõ  necessidade  da  Fidalguia,  para 
guerrear  e  conquistar,  sempre  houve  a  Educação  no  Paço: 
acabouse  aquella  urgente  necessidade,  e  achou  el  Rey  Dom 
Manoel  a  propósito  de  desobrigarse  da  Educação,  e  de  pagar- 
Ihe  huma  certa  quantia,  como  vimos  assima;  para  serem  edu- 
cados em  caza  de  seos  Pays.  Em  quanto  se  continuarão  as 
Conquistas  da  índia,  é  a  ílorecente  navegação,  empregavaõ-se 
neste  serviço  os  Fidalgos,  e  nao  se  apercebia  o  Estado  da  falta 
da  Educação  no  Paço :  mas  no  tempo  dei  Rey  Dom  João  o 
Terceyro  acabou  a  Òonquista  da  Affrica,  e  da  índia;  ja  na5 
havia  mais  guerra,  que  para  conservar  o  conquistado :  e  como 
as  riquezas  erao  immensas,  introduziose  o  luxo  na  Fidalguia, 
e  ja  se  apercebia  o  Estado  da  falta  da  sua  Educação,  porque 
foi  o  mayor  que  se  conheceo  na  Europa. 

A  constituição  Gothica  do  Reyno,  determinava  a  Fidal- 
guia serem  guerreyros  forçozamente  no  tempo  da  guerra;  e 
acabada  ella  ficarem  nas  suas  terras,  e  cuidarem  da  agricultu- 
ra; naõ  tinhao  outro  intento  no  tempo  da  paz  que  conservarse 
vivendo  do  producto  das  suas  terras;  naõ  cultivavaõ  para  ven- 
der nem  comerciar  com  os  fructos ;  e  deste  costume  vieraõ  as 
nossas  Leis  das  Ordenaçoens,  que  defendem  fazer  comercio 
com  os  grãos,  vinho  e  azeite. 

Mas  tanto  que  os  Reys  tiveraS  mays  que  dar  que  as 
terras  da  Coroa;  tanto  que  tiverao  Commendas,  Governos  e 
Cargos  lucrativos,  tanto  nas  Conquistas,  como  no  Reyno,  logo 
os  Fidalgos  começarão  a  cercar  os  .Reys,  e  ficarem  na  Corte; 
porque  pela  adulação,  pelo  agrado,  e  pelas  artes  dos  Corte- 
soens  sabíaõ  ganhar  as  vontades  dos  Reys,  naõ  tendo  aquellas 
occasioens  forçozas  de  obrarem  acçoens  illustres  para  serem 

Íremiados  por  ellas.  Isto  Vemos  succedeo  no  tempo  dei  Rey 
K  Duarte,  quando  ordenou  que  todo  o  Fidalgo  que  naõ  tivesse 
Cargo  na  Corte,  que  fosse  a  viver  nas  suas  terras. 

Logo  que  todos  os  Fidalgos  fíxaraõ  a  sua  assistência  na 
Corte  no  tempo  da  paz,  logo  que  seos  filhos  eraõ  educados 
em  suas  cazas,  ja  ricas  e  poderosas  pelas  dadivas  dos  Reys 
cm  Commendas,  Pensoens,  Governos  e  Cargos,  necessaria- 
mente se  havia  de  seguir  huma  educação  estragada,  a  Meni- 


nice  entregada  na  maõ  das  amas  e  de  mulheres  commuas^  a 
puerícia  entre  as  maõs  dos  Criados  e  dos  Escravos;  ate  o 
tempo  dei  Rey  D.  Sebastião  poucos  sabiaõ  mais  que  ler  e  es- 
crever ;  porque  ja  a  Escola  do  Infante  Dom  Henrique  estava 
acabada;  e  toda  a  educação  se  reduzia  a  saber  os  Mysterios 
da  Fé,  porque  os  seos  Mestres  sendo  Ecclesiasticos  e  ignoran- 
tes da  obrigação  de  Súbdito,  de  Filho  e  de  Marido,  chegavaõ 
á  idade  da  adolescência  com  o  animo  depravado,  sem  numa- 
nidade,  porque  naõ  conheciaõ  igual ;  sem  subordinação,  porque 
eraõ  educados  por  escravas  e  escsavos;  ficava  aquelle  animo 
possuído  de  soberba,  vangloria,  sem  conhecimento^da  vida  ci- 
vil, nem  com  a  minima  idea  do  bem  commum :  assim  degene- 
rou aquella  educação  do  Paço  na  qual  pelo  menos  aprendiao 
a  obedecer,  na  mais  insolente  tyrania  de  todos  aqueiles  com 
quem  tratavaõ. 

A  questão  agora  he  somente,  se  será  do  Real  agrado  de 
S.  Magestade  continuar  nesta  piedosa  è  utilissima  intenção,  e 
no  cazo  que  assim  determinasse,  ficava  a  saber  que  sorte  de 
educação  convinha  á  Fidalguia  existente  ?  em  que  lugar  devia 
ser  educada  ?  e  quais  deviao  ser  os  Mestres  ?  Discutirei  estes 
três  pontos  com  a  clareza  que  me  for  possível. 


S 

Que  sorte  de  Educaçam  convém  á  Fidalguia  Portugue^a^ 
que  seja  útil  a  si  e  a  sua  Trairia? 

■  Quem  melhor  conhecer  a  Constituição  do  Estado  de  Por- 
tugal actual,  resolveria  melhor  esta  importante  questão.  Tanto 
quanto  eu  pude  alcansar  por  informação  e  por  lectura,  acho 
que  he  Reyno  pelo  seu  sitio,  entre  três  Mares,  nos  quaes  na- 
vega o  comercio  de  todo  o  mundo,  totalmente  marítimo;  bor- 
dado, pela  sua  mayor  parte,  do  Mar  Oceano  com  oito  portos 
navigaveis,  ainda  que  alguns  damnifícados,  e  que  com  custo  e 
trabalho  podiaõ  ^r  restaurados;  que  tem  Ilhas  e  Continentes 
vastíssimos  e  riquíssimos  nas  três  partes  do  mundo  conhecidas. 
Que  por  Tratados  e  Âllianças  de  Comercio  e  boa  amizade  está 
ligado  com  muitas  Potencias;  humas  que  o  podem  offender 
por  mar,  e  huma  só  por  terra. 

Estes  limitados  a)nhecimentos  determinarão  logo  a  quem 
pensar  na  conservação  da  nossa  Monarchia,  que  necessita  de 
Officiaís  de  Mar  e  Terra ;  isto  he,  de  hum  exercito,  e  de  huma 


frota.  He  certo  que  5Ó  entre  a  Nobreza  se  achaõ  as  pessoas  mais 
apias  para  exercitar  estes  Cargos ;  e  naõ  necessito  aaui  de  amon- 
toar lugares  communs  para  provar  o  que  todos,  sabem  por  ex« 
periencia.  Mas  ao  mesmo  tempo  toJos  assentarão  que  a  Educa- 
ção que  se  deve  dar  á  Nobreza  e  á  Fidalguia  Portugueza,  deve 
proporcionar-se  á  necessidade  e  ao  estado  actual  da  sua  pátria. 

Antes  que  se  usasse  da  pólvora,  e  que  se  fortificassem  as 
Prazas  pelas  Leis  da  Geometria  e  Trigonometria,  naõ  necessi- 
tava o  òeneral  do  exercício  das  Mathematicas,  e  de  al^uas  par- 
tes da  rhysica:  a  força,  o  animo  ouzado  e  a  valentia  ja  naõ 
saõ  bastantes  para  vencer,  como  quando  faziamos  a  guerra  ex- 
pulsando os  Moufos  da  pátria.  A  Arte  da  guerra  hcje  he  scien- 
cia  fundada  em  princípios  que  se  aprendem  e  devem  aprender, 
antes  que  se  veja  o  inimigo :  necessita  de  estudo,  de  applicaçaõ, 
de  attençaõ  e  reflexão ;  que  o  Guerreyro  tome  a  penna  e  saiba 
taõbem  calcular  e  escrever,  como  he  obrigado  combater  com  a 
espada  e  com  o  espontaõ;  o  verdadeyro  Guerreyro  he  hoje  hum 
misto  de  ho  riem  de  letras  e  de  soldado.  Deste  modo  adquirio 
DOS  no^sos  tempos  immortal  fama  o  Marechal  de  Sdxe,  e  por 
este  caminha  vai  com  igual  gloria  el  Rey  da  Prússia. 

Mas  hum  Almirante,  ou  hum  Capitão  de  Mar  e  Guerra 
naõ  somente  deve  ter  toda  a  instrução  de  que  necessita  hum 
General,  mas  ainda  aquella  de  mandar  no  mar:  naõ  somente 
necessita  da  instrução  das  Mathematicas,  Astronomia  e  Scien- 
cia  Náutica,  mas  de  muitos  e  muitos  conhecimentos  politicos 
para  comprir  os  seus  importantes  Cargos.  Deste  modo  neces- 
ces5Ítaõ  os  que  haõ  de  governar  hum  Regimento,  ou  hum  Exer- 
cito, hum  Navio  de  Guerra,  ou  huma  armada,  ter  tal  educação, 
que  sejaõ  capazes  de  obrarem  acçoens  illustres,  e  de  as  escre- 
ver, como  fez  Xenop!ionte,  César,  e  o  Marechal  de  Saxe  nos 
nossos  tempos,  e  outros  muitos  dignos  destes  importantes  Cargos. 

No  tempo  de  Philippe  Quarto  presentáraõ  ao  Conde  Du- 
que de  Olivares  hum  retrato  do  Estado  Politico  de  Castella,  e 
das  Cauzas  da  sua  decadência  ^:  e  huma  das  principais  que  al- 
lega,  se  reduz  á  seguinte  discussão;  que  a  Cauza  da  decadên- 
cia daquella  Monarchia  foi  que  o  valor  e  a  força  não  fora  con- 
duzida nem  ajudada  pela  sciencia,  nem  pela  arte:  que  confian- 
dosse  na  riqueza  da  Monarchia,  que  desprezarão  os  Tratados 


^  Indispostzione  ^enerale  delia  Monarchia  di  Spagna,  sue  cause  e  re- 
medi. Esta  representação  se  le  no  fim  da  Historia  delia  Desunione  dei  Re- 
gno  di  Portogallo  dalla  Corona  di  Castiglia,  dal  Dottore  Gio.  Bapt.  Birago. 
Amsterdam,  1S47.  8*^ 


8 


de  Allianças :  e  que  nas  Embayxadas  empregavaõ  os  Senhores 
mais  authorizados  e  ricos,  sem  attençSo  alguma  da  sua  capací* 
dade;  que  tomavao  por  Secretários  aquelles.  homens  que  esta- 
va6  de  antes  ao  seu  serviço,  ou  debayxo  da  sua  protecção,  sem 
dependência  alguma  da  Corte,  e  ignorantes  dos  negócios  políti- 
cos; que  deste  modo,  tudo  o  que  se  tratou  com  as  Potencias 
Estrangeyras,  foi  com  prejuízo  do  Reyno,  como  se  experimenta 
nos  Tratados  de  paz,  e  de  comercio,  e  nos  regramentos  dos 
Correyos,  e  outras  estipuiaçoens  publicas :  que  semelhantes  Se-' 
cretarios  deviaõ  ser  educados  conforme  pedia  o  seu  emprego; 
porque  estes  sa6  aquelles  que  põem  em  ordem  os  despachos,  e 
tudo  aquillo  que  o  Embayxador  ou  o  Enviado  considera  ou  nota 
ser  necessário  sahir  da  Secretaria ;  e  que  do  bem  ordenado,  ou 
bem  escrito,  he  que  depende  mui  frequentemente  o  feliz  successo. 

O  Duque  de  Lorena,  Generalíssimo  dos  %JExercitos  do 
Emperador  Leopoldo  ^,  reprezentou  a  este  Monarcha  que  naS 
podia  subsistir  aquelle  Império  por  falta  da  Educação  da  No- 
breza, sendo  incapaz  de  servir  os  Cargos  públicos,  ou  na  guerra 
ou  em  tempo  de  paz;  e  que  para  occorrer  á  total  ruina  do  Es- 
tado, que  propunha  huma  Escola  que  se  devia  erigir  a  propósito 
para  satisfazer  esta  necessidade. 

O  Historiador  Conestagio  '  relatando  a  desordem  e  a 

e>breza  em  que  estava  o  Heyno  antes  da  infeliz  expedição  dei 
ey  Dom  Sebastião  para  Aftrica,  diz  que  nunca  Portugal  fora 
tao  feliz,  que  tivesse  hum  homem  dotado  de  tanta  capacidade 
e  intelligençia  que  soubesse  governar  as  rendas  Reais,  porque 
o  Cargo  de  Veador  da  fazenda  se  dava  sempre  por  favor,  e 
para  gratificar  os  Gortezaõs,  sem  attenderem  a  nenhum  mere- 
cimento; e  por  essa  cauza,  não  havendo  nem  cuidado,  nem 
conhecimento  daquelle  emprego,  que  todos  os  rendimentos  se 
gastavaõ  nos  sallarios  dos  Ministros,  nos  dos  Magistrados,  e 
dos  Governadores ;  que  o  Estado  estava  taõ  pobre  que  os  Ec- 
clesiasticos  pagáraõ  entaõ  cento  e  cincoenta  mil  ducados;  e  os 
Christaõs  novos  duzentos  e  vinte  cinco  mil,  com  promessa  que 
se  fossem  prezos  pela  Inquisição  que  não  seriaõ  os  seos  bens 
confiscados. 


^  Testament  Politique,  da  Edição  de  Leipsic^  e  naõ  daquella  de 
Paris  i75...  (sic). 

>  Hieron.  G)nestagii  (alguns  dizem  que  Joaó  da  Silva  Conde  de 
Portalegre  fora  o  A.  verdadeyro  desta  Historia)  de  Portugalliae  e  Gastei- 
lae  Conjunctione,  Tom  n.  Hispan.  Illustrat.  Tradução  da  Lingoa  Italiana 
na  Latina,  page  xo66  e  1070. 


Do  referido  se  ve  a  necessidade  que  tem  o  Reyno  da  Edu- 
cação da  Fidalguia,  nSo  s6  nas  letras  humanas,  mas  taõbena 
na  Politica  e  nas  Mathematicas,  para  servir  a  sua  patriai  nos 
cargos  da  guerra,  e  nos  da  paz;  e  que  por  faltar  semelhante 
Educação,  chegarão  tantas  Monarchias  na  Europa  áquella 
decadência  desde  o  anno  de  i  Soo,  que  parece  impossível  rele- 
varse,  se  não  se  reformar  esta  omissão  taõ  considerável. 


S 

Continua  a  mesma  Matéria.  Em  que  lugar  devia  ser  educada 
a  Fidalguia  e  Nobreza  de  'TortugaL 

Todos  reprovarão  o  ensino  da  Mocidade,  que  vive  em 
caza  de  seos  Pays,  e  que  vaõ  duas  vezes  por  dia  a  aprender 
nas  Escolas  publicas.  Ja  vimos  assima  que  este  modo  de  apren* 
der  he  o  mais  prejudicial;  e  como  he  notório  a  cada  hum,  que 
aprendeo  assim,  este  dano,  naõ  necessito  outra  vez  repetir  o 
que  mostrei  assima. 

Milhares  de  tratados  se  tem  impresso  da  Educação  do- 
mestica, e  o  mais  excellente,  a  meu  ver,  he  o  de  Martinho  de 
Mendonça  e  Pina,  que  citei  assima:  esta  educação  pode  fazer 
hum  rapaz  hum  pio  Christaõ;  poderá  ser  instruido  naquelles 
conhecimentos  que  dependem  da  simples  memoria,  mas  sempre 
lhe  faltará  a  emulação,  que  eleva  o  juizo,  para  se  adiantar  aos 
seos  iguais;  sempre  lhe  faltará  a  imitação,  pelo  qual  se  formaõ 
as  ideas  mais  completas  das  acçoens  e  das  obras  dos  Mestres 
e  Governadores  públicos,  que  sempre  influem  no  animo  muito 
mais,  do  que  tuao  q  que  disser  ou  obrar  o  Mestre  domestico; 
deste  modo  ficará  sempre  o  natural  destes  meninos  acanhado 
e  encolhido^  faltando  lhe  o  trato  e  o  conhecimento  da  vida  ci- 
vil; quando  acabaõ  aquelles  estudos  domésticos,  ou  ficaõ  igno- 
rantes, ou  nos  costumes  da  vida  civil  meninos,  ou  com  o  animo 
depravado:  felicidade  grande  será  que  não  fiquem  estragados 
os  costumes,  pela  companhia  dos  Criados  e  dos  Escravos :  se 
os  Pays  foraÕ  taõ  cautelozos  que  evitarão  este  ordinário  pred-^ 
pido,  cayem  em  outro,  taõ  contrario  ao  bem  commum,  como 
a  perda  dos  bons  costumes,  a  sua  consciência  e  a  sua  conser- 
vação ;  ficaõ  estúpidos,  cheyos  de  vaidade,  naõ  conhecem  por 
superior  mais  que  seos  Pays,  porque  não  tem  a  minima  idea 
da  subordinação  que  deve  ter  como  Súbdito  e  como  Christaõ. 

Doesta  origem  provem  que  a  Nobreza  e  Fidalguia  he  hoje 


\ 

l 


IO 


empregada  nos  cargos  e  nos  ^overnos^  quando  che^a  áquella 
idade,  onde  começaõ  a  descahir  as  forças,  e  a  constituição  com 
achaques.  Na  idade  de  quinze  ou  vinte  annos,  como  a  sua  edu- 
cação foi  domestica,  tem  da  vida  civil  tanto  conhecimento  como 
hum  menino:  entra,  como  dizem,  no  mundo;  e  á  sua  custa,  e 
por  muitos  annos  adquirio  algua  experiência,  e  ess^  lhe  serve 
de  toda  a  imtruçaõ  para  servir  a  sua  pátria:  mas  não  he  co- 
nhecida a  sua  capacidade,  que  da  idade  de  quarenta  annos; 
entaõ  he  que  o  Soberano  o  emprega  nos  cargos  pubtícos,  e  ás 
vezes  de  idade  mais  crescida;  mas  nesta  idade  ou  as  forças  co- 
meçaõ a  enfraquecer  ou  a  constituição;  daqui  he  que  os  Estados 
hoje  onde  a  Criação  he  domestica  se  servem  semprç  de  pessoas 
a  quem  falta  aquelle  vigor,  altives,  ambição,  e  animo  da  ado- 
lescência e  da  idade  /iril. 

Admiramonos  hoje  quando  lemos  (|ue  Pompeo  e  Scipião 
Affricano  commandavaõ  exércitos  de  idade  de  vinte  e  hum  an- 
nos ;  e  que  os  Romanos  dessem  os  Cargos  de  Questor,  de  Pre- 
tor, de  Procônsul  á  Mocidade  da  Nobreza  Romana ;  mas  o  que 
mais  deviamos  admirar  he  que  naquella  primeira  idade  obra- 
vaõ  acçoens  taõ  illustres,  que  se  observaõ  na  historia :  na  ver- 
dade que  de  vinte  e  cinco  annos,  até  trinta  ou  quarenta,  está 
o  corpo  mais  apto  para  obrar  as  mais  elevadas  acçoens;  e  por 
isso  me  parece,  quando  comparo  a  Republica  Romana  com  os 
Reynos  dos  nossos  tempos,  que  roestes,  aquelles  que  os  servem, 
todos  saõ  velhos  e  decrépitos,  e  que  naquella  Republica  todos 
eraõ  Varoens  nas  armas  e  velhos  no  Concelho. 

Mas  se  quizermos  saber  a  cauza  desta  immensa  desigual- 
dade,  inquiramos  a  EJucaçaõ  da  Nobreza  Romana,  e  logo  ()a- 
rará  a  nossa  admiração.  O  seu  ensino,  no  tempo  da  puerícia, 
se  reduzia  a  Philosophia  Moral  e  trato  da  vida,  que  lhes  ensi- 
navaõ  os  Philosophos;  mas  esta  instrução  era  practíca;  entra- 
vaõ  no  Senado  com  seos  Pays  ou  Tutores,  como  ouvintes ;  ali 
ouviao  practicar  o  que  aprendiaõ  em  caza;  de  tal  moc'o  que 
hum  Menino  da  idade  de  desasete  annos  estava  instruido  na 
eloquência,  na  arte  de  saber  escrever,  porque  sabia  fallar,  nas 
Leis  Pátrias,  no  Sacerdócio,  nas  Leis  Civis  e  Politicas,  que  pela 

Eractica  aprendiaõ;  e  vendo  diante  de  si  aquelles  Senadores, 
um  que  tinha  triumphado,  outro  que  tinha  ganhado  hum 
Reyno,  outro  que  tinha  decretado  leis  como  Cônsul,  enchiase 
o  coração  daquelles  illustres  objectos,  para  imitar  aquellas  ac- 
çoens ordenando,  mandando  e  obrando.  Assim  vemos  que  Cé- 
sar de  desasete  annos  orava  com  tanto  applauso,  que  entrou  no 
cargo  do  Sacerdócio.  Lemos  a  Educação  de  Marco  Aurélio 


IX 


Emperador,  que  elle  mesmo  relata  logo  no  principio  das  suas 
obras,  que  são  os  pensamentos  da  sua  vida^ 

Nos  nossos  tempos  el  Rey  de  Danamarca  ordenou  que 
em  cada  Tribunal  assistisse  hum  certo  numero  de  Moços  No- 
bres, soaiente  para  serem  ouvintes,  e  para  aprenderem  ali  peila 
practica  as  Leis  Pátrias,  e  o  que  he  a  vida  Civil ;  os  Magistra- 
dos tem  poder  de  lhes  fazerem  perguntas  de  tempo  em  temp^ 
para  obrigar  esta  Mocidade  a  attenderem  ao  que  ouvem.  O 
mayor  proveito  que  retiraria  o  Estado  desta  Educação,  seria 
que  pensisse  e  que  reflectisse  maduramente,  e  que  naõ  passasse 
a  vida  naquella  variedade,  e  encadeamento  de  divertimentos, 
caças,  jogos,  dansas,  bayles,  e  outros  semelhantes.  Nenhuma  couza 
poderia  fixar  a  volatilidade  daquella  idade,  do  que  destinala, 
logo  que  estivesse  instruída,  a  assistir  nos  Tribunaes  como  ou- 
vintes, e  de  responderem  por  escrito  ou  de  palavra,  quando 
fossem  perguntados  pellos  Magistrados:  alem  de  que  lhes  naõ 
ficaria  tanto  tempo  para  empregar  naquella  vida  aérea,  se  cos- 
tumarias a  pensar  e  a  reflectir,  que  he  a  mayor  difficuldade 
que  se  encontra  naquella  idade,  e  o  mayor  bem  que  se  pode 
alcançar  na  sua  educação. 

Sem  que  eu  o  diga,  todos  verão  que  se  se  tomarem  taes 
meyos  com  esta  mocidade,  que  poderá  ser  empregada  nos  car- 
gos e  postos  do  Estado,  de  idade  de  vinte,  e  de  vinte  e  cinco 
annos,  e  que  evitaria  o  Reyno  ser  servido,  ou  por  velhos,  ou 
por  achacados  nos  cargos  que  necessitaõ  vigiar,  andar  a  Ca- 
vallo,  navegar,  inquirir,  ver,  observar,  e  despachar. 

Pareceme  que  vistos  os  notáveis  inconvenientes  da  Edu- 
cação domestica,  e  das  Escolas  ordinárias,  que  naõ  fica  outro 
modo  para  educar  a  Nobreza  e  a  Fidalguia,  do  que  aprender 
em  Sociedade,  ou  em  Collegios;  e  como  naõ  he  couza  nova 
hoje  em  Europa  esta  sorte  de  en*ino,  com  o  titulo  de  Corpo  de 
Cadetes,  ou  Escola  Militar,  ou  Collegio  dos  Nobres,  atrevome 
a  propor  á  minha  Pátria  esta  sorte  de  Collegios,  naõ  somente 
pella  summa  utilidade  que  tirará  desta  Educação  a  Nobreza, 
mas  sobre  tudo,  o  Estado  e  todo  o  povo. 


O  que  som  as  Escolas  SMilitares 

H*e  buma  Escola  Militar  hum  Corpo  de  Guarda,  onde  os 
Soldados  saõ  os  meninos  e  Moços  Nobres  ou  Fidalgos :  estes 


H 


464.  H.  longloorais  Qrav. 

Kraat\  Nat.  In».  Deut.,  ii,  p.  3oi. 

Gercz  (L.  v.  Heydco !). 

465.  H.  melanaria  Satã. 

Kraatj  Nat.  Ins.  Deut,  n  p.  3ia. 
Gerez  (L.  v.  Heydcn!) 

466.  H.  próxima  Eraatz. 

Kraatj  Nat.  Ins.  'Deut.,  n,  p.  3 14. 

Aveiro  (L.  v.  Hcyden  1). 

467.  H.  validioornis  Maerk. 

Kraatj  Nat.  Ins.  Deut.^  n,  p.  271. 
Bragança  I. 

468.  H.  Amgi  Qrav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.j  p.  683. 

Azambuja  (J.  Antunes!},  Aveiro  (L.  v.  Hcyden I),  Espi- 
nho!, Bussacol. 

469.  H.  SkaUtzkyl  miM. 

Ridfotestacea,  abdomine  ante  apicem  infuscaio^  thorace 
subguadraio,  basi  foveolato,  elytris  hoc  paulo  longtoríbtis,  abdo- 
mine subl^evigato. 

Mas.  Abdominis  segmento  penúltimo  tuberctdis  duobus 
in  ápice  insignis. 

Long  2  mm. 

Taille  et  forme  du  circellaris  Grav.  II  diíFère  de  cette  es- 
pèce  par  les  caracteres  suivants : 

Couleur  moins  foncée. 

Élytres  moins  densement  ponctués. 

Abdómen  presque  lisse. 

Avec  ces  diíTérences  je  n^oseraís  pas  proposer  une  nou- 
velle  espèce. 

Mais  le  seul  mâle  que  je  possède,  prís  à  Vizella  est  três 


i5 


distinct,  car  il  a  deux  tubercules  latéraux  dans  Textrémité  du 
6.^  segment  de  Tabdomen,  tandis  qu'on  ne  remarque  qu^un 
seuI  au  milieu  dans  le  circellaris  Grav. 

Je  remplis  un  devoir,  avec  le  plus  g^-and  plaisir,  en  de- 
diant  cette  espèce  à  mr.  le  Dr.  Skalitzky  que  j'ai  trouvé  tou- 
jours  prêt  à  me  dcnner  des  éciaircissements  sur  Tétude  des 
staphylins. 

Qbvbb  PHLOBOPOBA  BRIOHSON 

470.  P.  reptans  Qrav. 

Kraatiç  Nat.  Ins,  ^Deut.,  ii,  p.  337. 
Vizella !. 

471.  P.  oortioalis  Qrav. 

Kraatz  Nat.  Ins.  Deut,^  11,  p.  337. 
Bussacol,  Mafra  (C.  v.  Volxem!) 

Qmbb  oliqota  uanmbbhbim 

472.  O.  atoznaria  Er. 

Kraatj  Nat.  Ins.  Deut.y  11,  p.  348. 

Coimbra  I. 

473.  O.  flavioomls  Lao. 

Kraaij  Nat.  Ins.  Deut.,  11,  p.  35o. 
Bom  Jesus  de  Braga  (L.  v.  HcydenI). 

Qevbb  QTROPHíBRA  MANNBRHBIH 

474.  G.  puloliella  Heer. 

Kraatj  Nat.  Ins.  Deut.^  11,  p.  356. 
Bussaco  I. 

^  Gbvrv  MTLLABNA  ERI0H8OM 

475.  U.  intermédia  Er. 

Faw.  Faun.  G.  Rh.^  p.  625. 

Virella!. 


i6 


476.  M.  graoiliooniis  Fairm. 

Fauv.  Faun.  G.  Q{h^  p.  626. 

Felgueira!. 

477.  M.  brevioomis  Mattli. 

Fauv.  Faun,  G,  Rh,,  p.  627. 

Espinho  I  Bussaco!. 

478.  M.  graoilis  Matth. 

Fauv.  Fann.  G.  7?*.,  p.  628. 
Espidho  !• 

TACHYPORINI 

Omamu  HTPOOTFTUS  MAMMBSHBIM 

479.  H.  apioalis  Bris. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  61 5. 

Aveiro  (L.  v.  Hcyden !). 

V 

anu  HABROOERUS  BBRI0H8OM 

480.  H.  oapillariconiis  Grav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  591. 

Coimbra!,  Bussaco (L.  v.  HeydenI). 

Obmhb  lbucoparyphus  kraatz 

481.  L.  sllplioides  L. 

Fauv.  Faun.  G.  T^/r.,  p.  592. 

Mertola !. 

Qmnm  TÁ0HINU8  aRÁVBNHOBST 

482.  T.  marginellus  F. 

Fauv.  Faun.  G.  T^A.,  p.  582. 

Espinho!,  Coimbra!. 


í7 


483.  T.  flavolimbatus  Pand. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh,  p.  5S2. 

Coimbra!. 

484.  T.  obtosus  L. 

Fauv.  Faun,  G,  Rh.,  p.  595. 

Mentionné  parmi  les  Staphylins  récoltés  par  Mr.  C.  v. 
Volxem  en  Portugal. 

485.  T.  formosos  Mattb. 

Fauv.  Faun.  G.  "Rfi.,  p.  596. 

Coimbra!. 

486.  T.  rnfloeps  Elraatz. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  596. 

Coimbra!. 

487.  T.  cbrysoznelinus  L. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  598. 
Espinho!,  Monchique  (C.  v.  Volxem!)* 

488.  T.  hypnorum  F.         , 

Fattv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  598. 

Commun  partout. 

489.  T.  puslUus  Gtslv. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.,  p.  602. 
Vizclla!,  Espinho'. 

490.  T.  nltidulus  F. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh.,  p.  602. 

Bussaco!^  Felgueiral,  Vizellal. 

BKVISTA  DA  SOCIEDADE  DE  IN9TRUGCÃ0  DO  PORTO.  2 


i8 


491.  T.  píotos  Fainxi. 

An.  Soe.  EnS.  Pr.,  i852.  p.  71. 

Valle  d^ Azares !. 

Qmnm  OONUBUS  8TBPHBNS 

492.  O.  pub68062i8  Payk. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh,,  p.  609. 

Coimbra!,  Bussaco!  (C.  v.  Volxeml).  Gerez  (L.  v.  Hey- 

den !). 

V.  immaculatus  Steph. 

Fauv,  Faun.  G,  itt.,  p.  610. 

Vizella!|  Espinho!. 

493.  O.  pedicolarliis  Ghrav. 

Fauv.  Faun,  G.  ilA.,  p.  61 1. 
Cea !,  Gerez  (L.  v.  Heyden !). 

494.  O.  montlcola  Woll. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh.^  p.  6ia. 

Felgueira  !^  Vizella  I. 

Le  C  Itpidus  Er.  mentionné  du  Gerez  par  Mr.  L.  v. 
Heyden  appartient  à  cecte  espèce. 

GsvBS  BOLITOBIUS  8TBPHENS 

495.  B.  trinotatus  Er. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh,,  p.  549. 

Coimbra!,  Bussaco!. 

asvu  IfYCETOPOBUS  MANNERHEOI 

496.  M.  splendldus  Qrav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  56a. 

Coimbra !. 


19 


497.  M.  nanns  Er. 

Fauv.  Fauru  G.  Rk.,  p.  565. 

Du  Portugal,  d'aprés  Mi^.  Fauvel. 

498.  M.  angnlaris  Rey. 

Fauv.  Fauv.  G.  Rk^  p.  570. 

Azambuja  (J.  Antunes!),  G>iinbra !,  Vizellal,  Gerez  (L. 
"v.  Heyden !). 

QUEDIINI 

Qtwnm  QUBDIU8  8TBPHBH8 

499.  Q.  orasstui  Fairm. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh,,  p.  5oi. 

Coimbra !. 

500.  Q.  lateraUs  Ghrav. 

Fauv.  Fdun.  G.  BA^  p.  5oa. 

Monchique  (C.  v.  Volxem !),  Pena,  Gerez  (L.  v.  HeydenI). 

501.  Q.  ftUgldUB  F. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.-,  p.  5o5. 

Coimbra !,  Gerez  (L.  v.  Heyden !),  Bussaco  (C.  v.  Vol- 
:xein !). 

502.  Q.  oinotus  Payk. 

Fauv,  Faun.  G.  Rk,^  p.  514. 

Commun  partout. 

503.  Q.  tristis  Grav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  5i5. 

Douro !,  Coimbra !,  Bussaco,  Leiria  (C.  v.  Vobcem  1). 


M 


504.  Q.  fàligliiosas  Ghrav. 

Fauv,  Faun.  G,  Bh.y  p.  5x5. 

Coimbra!,  Freineda!,  Guarda  (L.  v.  Heydenl). 
Tous  les  exemplaires  que  je  possède  du  Portugal  sont  à 
peu  prés  de  la  taiUe  du  tristis  Grav. 

505.  Q.  moloohlnus  Ghrav. 

Fauv,  Faun.  G.  Bh.,  p.  5x6. 

Partout. 

Dans  les  individus  immatures  les  antenneS)  élytres  et  pat- 
tes  sont  rougeâtres. 

506.  Q.  robustos  Scriba. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  5x8. 

Trouvé  par  mr.  L.  v.  Heyden  en  Espagne  et  d^après 
mr.  Fauvel  il  se  trouve  aussi  en  Portugal.  - 

507.  Q.  ambriniis  Er. 

Fauv.  FcMn.  G.  Bh.,  p.  5ao. 

D'après  Mr.  Fauvel  il  appartient  à  notre  faune. 

508.  Q.  obliteratus  Er. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.,  p.  523. 

Monchique  (C.  v.  Volxem  I). 

509.  Q.  pinetl  Brls. 

An,  Soe.  Ent.  Fr,,  i866,  p.-  359. 

Bussaco  (L.  v.  Heyden!). 

510.  Q.  mauromflis  Grav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  526. 

Bussaco!,  Coimbra!,  Espinho!. 

{ContMa).  MaNOEL  PaULINO  DE  OlIVBIRA. 


21 


ESTUDOS  HISTÓRICOS 

■OBBB  A 

HISTORIA  DAS  SCIENCIAS  EM  PORTUGAL 

A  BOTÂNICA 
PARTE  I 

(DÁ  CONSTITUIÇÃO  DA  MONABQHIA  Á  REFORMA  POMBALIMA) 

Ensino  da  botânica :  Mosteiro  de  Santa  Cruz  <—  Universidade — Creação  das 
pharmacias.  Litteratura  botânica:  Século  xvi — Apreciação  do  estado  da 
botânica  no  extran^eiro — Portugal:  Pedro  Hispano,  Valesco,  Amato 
Lusitano,  Thomé  Pires^  Garcia  da  Horta^  Christovam  da  Costa,  os  histo- 
riadores do  descobrimento  da  índia — Sec.  xvii — Vista  de  olhos  sobre 
os  trabalhos  extrangeiros— Portugal:  decadência  do  estudo  das  scien- 
das— Isidoro  da  Baff  eira,  GabrielGrisley,  trabalhos  inéditos. — Século 
xrm — A  botânica  em  paizes  estranhos — Portugal:  João  Vigier,  Manoel 
Gomes  de  Lima,  Domingos  Vandelli.  7{ea/  Jardim  Botânico  da  Ajuda, 

A  botânica  foi  nos  seus  primeiros  tempos  uma  sciencia  de 
applicação.  Cultivada  imperfeitamente  como  era,  tinha  em  vista 
conhecer  apenas  as  virtudes  medicinaes  das  plantas  e  os  seus 
usos  nas  enfermidades;  esta  é  a  razão  porque  foi  confundida 
com  a  medicina. 

G>mo  tal  nos  apparece  nos  primeiros  tempos  da  nossa 
existência  politica.  Quando  em  1 1 3o  foi  estabelecido  o  mosteiro 
de  Santa  Cruz,  em  Coimbra,  ahi  foram  fornecidos  amplos  co« 
nhedmenros  nas  sciencias  aos  que  o&  buscavam,  e  d'entre  os 
cónegos  que  O  habitavam  muitos  foram  buscar  a  paizes  remo- 
tos o  que  ensinavam.  No  reinado  de  D.  Sancho,  este  costume 
accentuou^se  mais,  pela  liberalidade  do  soberano  em  conceder 
subsídios  aos  estudantes,  e,  d^entre  os  que  cursaram  em  Pariz^ 
Mendo  Diaz,  por  conselho  de  seu  tio  Gonçalo,  prior  do  mos- 
teiro, entregou-se  ao  estudo  da  medicina  de  que  se  julga  ter 
sido  o  primeiro  lente  no  nosso  paiz.  ^ 

Ora,  havendo  uma  cadeira  de  medicina  na  aual  todo  o 
complexo  edificio  d'esta  sciencia  era  apreciado,  a  tnerapeutica 


^    Víd.  Maximiano  Lemos  Júnior— c^f  medicina  tm  Portugal^  até 
40f/ftfJofec.  xvm— Porto,  1881. 


33 


deveria  ser  uma  das  partes  mais  estudadas  e  n^essa  algum& 
cousa  da  botânica. 

Se  isto  não  é  mais  do  que  uma  conjectura  é  forçoso  con- 
fessar que  tem  todas  as  probabilidades. 

Adiantaram*se  os  tempoS|  e,  no  século  xiii,  o  clero  por- 
tuguez,  desejando  conservar  o  prestigio  das  lettras,  para  d^te- 
modo  tornar  efficaz  e  jpermanente  o  seu  poderio,  dirigiu-se  a 
D.  Diniz,  pedindo-lhe  tosse  concedida  licença  para  a  fundaçaa 
de  um  estudo  geral,  ideia  que  foi  bem  recebida  por  parte  do 
monarcha  que,  como  se  sabe,  tinha  um  espirito  culto  e  muito 
dado  ás  lettras.  Reuniram -se,  em  Montemor  o  Novo,  em  12  de 
novembro  de  1288,  o  abbade  de  Alcobaça,  e  os  priores  de 
Santa  Cruz  de  Coimbra,  de  S.  Vicente  de  Lisboa,  de  Guima- 
rães, e  da  Alcáçova  de  Santarém  e  mais  vmte  e  dous  reitores 
de  diversas  egrejas  e  d^ahi  mandaram  ao  summo  pontífice  uma 
supplica,  pedindo* lhe  a  confirmação  do  estudo  geral,  documenta 
que  nSo  loi  assignado  pelos  bispos,  provavelmente  por  andarem 
em  litigio  com  o  rei  sobre  matéria  ae  jurisdícções,  n^um  tempo 
em  que  ainda  o  reino  estava  interdicto.  ^ 

Só  dous  annos  depois  foi  expedida  a  bulia  de  Nicolau  iv 
confirmando  a  Universidade  de  Lisboa,  cjue  n*esse  tempo  es- 
tava já  organisada,  mas  a  confirmação  veio  tornar  mais  solido 
e  duradouro  aquelle  nosso  primeiro  estabelecimento  scientifico. 

A  bulia  de  Nicolau  iv  é  o  primeiro  documento  que  nos 
revela  a  organisação  do  ensino  na  Universidade.  Sabemos  por 
elle  que  havia  cinco  cadeiras:  Leis,  Cânones,  Medicina, Gram- 
matica  e  Lógica,  cujo  estudo  era  necessário  fazer  por  um  es- 
paço de  tempo  indeterminado,  e  apenas  sujeito  á  determinação 
dos  lentes,  para  obter  perante  o  bispo  ou  vigário  capitular  da 
Sé  de  Lisboa  o  grau  de  licenciado,  que  lhe  dava  o  direito  de 
ensinar  sem  outras  formalidades  as  matérias  de  seu  curso,  ex- 
ceptuada todavia  a  theologia. 

As  rasSes  já  apresentadas  fazem-me  crer  que  a  botânica 
continuava  a  ser  ensmada  da  mesma  maneira  na  única  aula  de 
medicina  que  o  paiz  possuia. 

Transfere-«e  a  Universidade  de  Lisboa  para  Coimbra  em 
i3o7  ou  fins  de  i3o6;  muda-se  em  i338  para  Lisboa,  para  no- 
vamente, em  i354,  ser  transladada  para  Coimbra,  e  amda  em 


^    Fr.  Francisco  Brandão,  Monarchia  Lusitana.  Parte  5.%  lib.  z6^ 
l^ag.  i33,  Yid.  também  Lemos  Juniori  op.  cit.,  pag.  10  e  seg.  d'onde 
tranimos  a  maior  parte  d'estas  noticias. 


23 


i377  !)•  Fernando  a  torna  a  estabelecer  em  Lisboa,  o  que  se 
jQlga  devido  a  que  alguns  lentes  por  elle  mandados  vir  para  en- 
sinarem no  Estudo  ^eral  não  queriam  tomar  outra  residência 
que  não  fosse  a  capital  do  reino.  Apesar,  porem,  doestas  mu- 
danças, a  organisação  do  ensino  medico  persistia  na  mesma,  con- 
tinuava a  haver  apenas  uma  cadeira  de  medicina  e  n'ella,  se- 
gundo cremos,  a  serem  ensinados  uns  rudimentos  de  botânica. 
^  Nos  meados  do  século  xv,  com  a  introducção  das  phar- 
macias  em  Portugal,  a  parte  doutrinal  da  medicina  começou  a 
ser  separada  da  parte  ministrame,  e  a  botânica  medica  tomou 
um  desenvolvimento  novo  entre  nós,  pela  obrigação  que  os  phar- 
maceuticos  tinham  de  escolher  os  simplices  de  que  fabricavam 
as  composições.  O  Regimento  dado  pelo  physico-mor,  Mestre 
Rodrigo,  em  1497,  dá- nos  noticia  de  muitas  plantas  então  em- 
pregadas como  medicamentos  e  cujo  conhecimento  se  deveria 
ter  tornado  vulgar  entre  os  individuos  que  se  entregavam  á 
pharmacia.  * 

No  entretanto,  a  Universidade  era  novamente  reformada 

Kr  D.  Manoel  que  creava  uma  nova  cadeira  de  medicina  e  por 
João  III  que  elevava  o  numero  das  cadeiras  a  sés;  sendo  uma 
d'estas  a  de  matéria  medica,  facilmente  se  comprehende  que  se 
adiantassem  os  estudos  botânicos,  comquanto,  nos  faltem  subsi- 
dios  para  o  ajuizar. 

Este  desenvolvimento  foi  todavia  pouco  manifesto,  ao  que 
se  pôde  deduzir  dos  estatutos  de  i5gi,  confirmados  por  D.  Phi- 
lippe  I.  Ordenam  elles  que  na  cadeira  de  Prima  sejam  lidos  aos 
estudantes  de  sexto  anno  os  Capitules  3.%  4.^  e  5.^  da  obra  de 
Galeno=^e  simplicibus  —  accrescentando-lhes  uma  breve  ex- 
posição dos  simplices  ^.  Ora  os  livros  referidos  de  Galeno  oc- 
cupam-se  principalmente  da  acção  dos  medicamentos,  ventilando 
questões  sobre  as  suas  propriedades  e  virtudes ;  e  a  noticia  das 
.Vibstancias  empregadas  na  medicina  constituía  por  conseguinte 
o  único  conhecimento  que  da  botânica  ficavam  tendo  os  estu- 
dantes médicos  da  Universidade. 

A  reformação  de  161  s  em  nada  modificou  o  que  se  achava 
estabelecido  sobre  este  ponto,  e  as  disposições  dos  estatutos  de 
iSgi  passaram  integralmente  para  os  que  D.  João  iv  confirmou 


^  O  Regimento  oóde  ver-se  em  Pedro  José  da  Silva  ^ /ftsforta  de 
pharmaciaportuguexap  o.*  memoria,  pag.  8a. 

'  Éstatvtos  aa  Vniversidade  ae  Coimbra,  confirmados  por  El-rei 
D.  Phelippe. . .  em  o  anno  i^i  —  Coimbra,  por  António  de  Barreira,  i593 
—  Líy.  m.  Tit.  v$ao. 


24 


em  i653  e  que  foram  a  lei  por  que  se  regulou  a  Universidade 
até  á  reforma  de  1772  ^. 

Uma  provisão  datada  de  25  de  setembro  de  1691  modi- 
ficou todavia  o  estatuto,  melhorando-o  no  sentido  de  dar  maior 
latitude  ao  enbino  da  botânica. 

Mandava  que  o  Lente  de  Prima  fosse  três  vezes  por  anno 
ao  campo  com  dous  boticários  peritos  no  conhecimento  das 
hervas  para  que  os  estudantes  se  instruíssem,  mas  tal  disposi- 
ção tão  eminentemente  favorável  ao  estudo  da  phytographia  foi 
revogada  em  1 726,  voltando  as  cousas  ao  antigo  estado  K 

Por  outro  lado,  os  regimentos  dados  aos  pharmaceuticos, 
revelam-nos  a  introducçio  successiva  de  novos  medicamentos, 
pela  maior  parte  pertencendo  ao  reino  vegetal.  Vinham  da  ín- 
dia, cuja  flora  e  fauna  variadíssima  forneceram  por  muito  tem- 
po subsídios  importantes  á  medicina  portugueza,  e  cujo  conhe- 
cimento e  applicações  se  devem  sobretudo  ao  eminente  botânico 
portuguez,  universalmente  conhecido  pelos  seus  trabalhos  — 
Garcia  da  Orta. 

Se  o  ensino  da  botânica  era  isto,  e  bem  pouco  era,  é  certo 
que  possuímos  durante  o  longo  período  que  vae  da  constituição 
da  q[)onarchia  até  á  reforma  pombalina  cultores  muito  notáveis 
da  botânica  nas  suas  relações  com  a  medicina  visto  que,  como 
dissemos,  este  primeiro  período  da  sua  historia  entre  nós  foi 
todo  de  applicação  áquãUa  sciencia. 

Antes  porém  de  enfrarmos  na  exposição  dos  serviços  pres- 
tados pelos  portuguezes  á  parte  das  sciencias  naturaes,  cuja  his- 
toria nos  occupa,  vejamos  o  que  de  notável  se  fazia  no  es^ 
trangeiro. 

Século  XVI.  E^  pelos  fins  do  século  xv  q[ue  apoz  uma  es- 
terilidade manifesta  de  trabalhos  sobre  botânica  começa  esta  a 
ser  cultivada.  A  descoberta  da  America  e  o  renascimento  dos 
estudos  clássicos  foram  com  certesa  os  principaes  factores  doeste 
desenvolvimento  mais  accentuado  em  que  todas  as  nações  se 
fizeram  representar  mais  ou  menos  distinctamente.  A  Itália  deu- 


^  Estatvtos  da  Vniversidade  de  Coimbra  confirmados  por  Elrey 
nosso  Sflor  D.  João  o  4.^  em  o  anno  de  i653  impr.  por  mandado  de  Manoel 
de  Saldanha  na  oíficina  de  Thomé  Carualho,  io5^. 

s  Compendio  histórico  da  Universidade  de  Coimbra  no  tempo  da 
invasão  dos  denominados  jesuitas  e  dos  estragos  feitos  nas  sciencias  e  nos 
professores  e  directores  oue  regiam  pelas  maquinações  e  publicações  doa 
novos  estatutos  por  elles  labricados— Lisboa — 1771  — -pag.  3ao. 


25 


nos  João  Manardi,  António  Brassavola,  André  Mathiolo,  que 
oommentou  Díoscorides,  accrescentando-o  com  as  noticias  que 
lhe  foi  possível  obter,  Ghini,  Aloysio  Anguillara,  Castor  Du- 
rante, João  Ck)steo  e  sobre  todos  André  Cesalpino  (iSig-iõoS) 
que  no  seu  livro  Deplantts  libri  xvi  apresenta  o  primeiro  ensaio 
de  systhematisação  da  botânica. 

A  França  concorreu  com  João  Ruel,  com  Thiago  Dale- 
champs,  que  na  sua  obra  compendiou  tudo  o  que  se  conliecia  a 
propósito  de  botânica  ao  seu  tempo,  com  Mathias  Lobel  e  prin- 
dpalo:ente  com  Charles  de  PEcluse  que  nas  suas  viagens  nume- 
rosas, entre  as  quaes  se  conta  uma  feita  á  peninsula  hispânica, 
accrescentou  notavelmente  o  pecúlio  dos  conhecimentos  relativos 
a  esta  sciencía,  merecendo  por  esse  motivo  a  reputação  de  ser  um 
dos  primeiros  botânicos  do  século  xvi.  A  elle  devemos  nós,  os 
poTtaguezes,  o  ter  popularisado  com  as  suas  traducçoes  as  obras 
de  Garcia  da  Orta  e  de  Christovam  da  Costa,  que  sem  isso  não 
teriam  talvez  causado  a  sensação  que  produziram. 

A  Inglaterra  fãz-se  representar  por  António  Ascham,  Bui- 
leyn,  Maplet  e  Penny,  todos  elles  de  importância  secundaria, 
mas  aos  quaes  convém  accrescentar  William  Turner,  cuja  obra 
merece  menção  muito  notável  na  historia  da  botânica. 

Foi  sobre  tudo  na  Allemanha,  na  Hollanda  e  na  Suissa 
que  mais  avultaram  as  conquistas  feitas  no  estudo  do  reino  ve- 
getal. Brunfels  (1470-1534)  deu  á  luz  a  flora  das  cercanias  de 
Strasburgo  e  da  margem  esquerda  do  Rheno;  Jeronycpo  Bock 
continuou  a  obra  do  precedente  e  n^ellà  deu  provas  de  um  es- 
{Niito  observador,  Tabernasmontanus  reuniu  um  herbario  de 
três  mil  espécies  e  publicou  a  sua  descripção ;  Cordus  explorou 
a  flora  da  Suissa-saxonia ;  mas  sobre  todos  avultou  Conrad 
Gesner  cujos  trabalhos  merecem  uma  consideração  extrema, 
nSo  só  pelo  grande  numero  de  plantas  cujos  caracteres  fez  co- 
nhecer, mas  sobre  tudo  pelo  estudo  profundo  que  cada  espécie 
lhe  mereceu,  tendo  sido  o  primeiro  que  ligou  a  importância  de- 
vida ao  estudo  dos  fructos  e  das  flores,  como  elementos  servindo 
para  a  classificação.  São  de  menos  importância  os  que  vieram 
depois,  mas  emAretio,  em  Calceòlari,  em  Camerario  e,  mais  do 

3ue  n^estes,  eoo  Dodoens  teve  a  botânica  cultores  dedicados,  cre- 
ores-da  nossa  consideração  e  da  nossa  estima  ^. 


>^    Ferdinand  Hoefer — tíist.  de  la  Botanique  e  Brotero  Compendio 
de  Botânica,  d'onde  eztrahimos  os  elementos  para  esta  rápida  exposição. 


36 


Não  foi  na  península  que  nos  tempos  immediatamente  an- 
teriores ao  século  xvi,  e  durante  o  seu  decurso,  appar^ceram  me- 
nos indivíduos  que  olhassem  para  o  importante  estudo  da  bo- 
tânica com  cuidado  e  applicaçâo.  Os  próprios  historiadores  ex- 
trangeiros  são  de  accorao  eni  elogiar  os  trabalhos  que  n'esse 
tempo  produzimos. 

A  Hespanha  fez-se  representar  por  Gabriel  Alfonso  de 
Herrera,  Álvaro  de  Castro  \  Juan  Jarava,  Juan  Fragoso,  Fran- 
cisco Micon,  mas  principalmente  por  Monardes  e  André  Lagu- 
na. Este  commentou  notavelmente  a  obra  de  Dioscorides,  mos- 
trando a  vastissíma  erudição  que  possuia  e  contestando  muitas 
opiniões  de  Ruel ;  e  aquelle  deve  a  sua  reputação  de  botânico 
ás  numerosas  e  curiosíssimas  noticias  que  colligiu  sobre  a  flora 
das  índias  occidentaes,  trabalho  que  juntamente  com  os  de  Gar- 
cia da  Orta  e  Christovam  da  Costa  mereceu  ser  traduzido  por 
Carlos  de  L^Ecluse  K 

Como  concorria  Ponugal  para  o  desenvolvimento  da  bo- 
tânica ?  Vimos  de  que  maneira  ella  era  ensinada  e  por  esse  mo- 
tivo não  poderiam  tomar  grande  incremento  taes  estudos,  mas 
apesar  d^isso  podemos  orgulhar- nos  de  termos  possuído  homens 
notabiiissimos  na  especialidade. 

Fallarei  em  primeiro  logar,  segundo  a  ordem  chronolo-^ 
gica  no  Papa  João  xxi  —  Pedro  Julião  ou  Pedro  Hispano,  que 
em  pleno  século  xiii  escreveu  o  seu  Thesaurus  pauperum  ^  em 
que  dá  noticia  de  muitas  plantas  empregadas  em  therapeutica, 
e  se  é  certo  que,  na  maior  parte,  as  notícias  apresentadas  fo- 
ram extrahidas  de  Avicenna  e  Galeno,  não  é  menos  certo  que 
outras  foram  o  fructo  de  observação  pessoal.  ^ 

Na  obra  de  Vale^co  de  Taranta,  (que  depois  da  publicação 
da  nossa  these  inaugural  não  pôde  haver  duvidas  de  que  fora 
portuguez),  encontram-se  egualmente  noticias  de  espécies  botâ- 
nicas e  das  suas  applicações,  mas,  apesar  doesta  obra  ter  como 
livro  de  medicina  um  valor  incontestável,  a  imparcialidade  de 
que  sempre  usamos  n'e5te  assumpto  obriga-nos  a  confessar  que 


1  A  obra  Janua  vitae  d'este  notável  medico  hesp^nhol  parece  que 
não  chegou  a  ser  impressa. 

*  Vid.  Morejon— Hfi/orúi  bibliográfica  de  la  medicina  espanola 
t.  2.«,  pag.  227  e  seg.)  e  290  e  seg.  Colmeiro  -— La  botânica  y  los  botânicos 
de  la  península  hispano-lusitana. 

>  A  edição  que  vi  e  que  existe  na  Bibliotheca  municipal  do  Porto 
é  de  Francof.,  1576. 

^    Vid.  Morejon,  op.  cit  Vid.  também  a  nossa  these  inaugural^  pt^.  1 5. 


27 


n^está  parte  pouco  adianta  ao  de  Pedro  Hispano,  apesar  da  dis- 
tancia de  quasi  dous  séculos  que  os  separa.  ^ 

Somos  chegados  ao  século  xvi.  N'esse  período  de  ver- 
dadeiro explendor  litterario  e  scientifico,  o  estudo  das  scien- 
cias  naturaes,  como  o  que  mais  directamente  interessa  ao  ho- 
mem, não  podia  deixar  de  ser  cultivado  com  esmero.  Se  a 
legislação  não  dava  no  ensino  um  logar  importante  á  botânica, 
os  professores  da  Universidade  remediavam  os  inconvenientes 
da  lei,  dando  nas  suas  prelecções  uma  desenvolvida  noticia 
das  differentes  plantas  e  ensinando  a  conhccel-as.  Conta  Fran- 
cisco Franco  *  que  mais  de  que  uma  vez  saiu  com  os  seus 
discípulos  em  digressões  botânicas,  nas  quaes  os  ensinava  a 
distinguir  umas  plantas  das  outras,  despertando  doeste  modo 
o  gosto  por  um  estudo  já  de  si  tão  attrahente.  Demais  havia 
um  costume  extremamente  proveitoso  para  todos  aquelles  que 
desejavam  instruir-se  na  botânica;  nos  dias  de  festa  andavam 
pelas  ruas  os  herbanarios  com  grande  quantidade  de  plantas, 
raizes,  flores  e  sementes  que  vendiam  por  preços  extrema- 
mente commodos.  Creio  que  os  médicos,  sobretudo,  se  entre- 
gavam a  este  estudo,  á  imitação  de  Franco  que^nos  tempos 
de  ferias  gostava  de  exercitar-se  n'este  conhecimento  das  her- 
vas  ^. 

Merecem  sobretudo  ser  apontados  á  consideração  dos 
contemporâneos  João  Rodrigues  de  Castello-Branco,  mais  co- 
nhecido pelo  nome  de  Amato  Lusitano,  Thomé  Pires,  um  phar- 
maceutico  que  no  tempo  de  D.  Manoel  se  passou  á  índia  e 
dW  enviou  uma  noticia  das  drogas  ahi  encontradas,  Garcia 
da  Orta,  que  nos  CoUoquios  dos  Simples  nos  deu  uma  obra 
tão  completa  quanto  possível  n'aquelle  tempo  sobre  a  flora  e 
fauna  das  índias,  e  Cnristovam  da  Costa  que  continuou  a  obra 
do  precedente,  com  notável  critério  e  profundesa. 

Especifiquemos  melhor  o  modo  como  contribuiu  cada  um 
para  os  progressos  de  botânica  entre  nós. 

Castello-Branco,  cujos  serviços  á  medicina  ninguém  po- 
derá pôr  em  duvida,  publicou,  entre  outras  obras  não  menos 


1  Vid.  Portal— fri5f.  de  VAnatomie,  t.  i.»,  pag.  887,  —  Morcjon, 
op.  dt.,  pag.  235  e  3o2  do  i.»  volume— Malgaigne—Hr«/.  de  la  Chirurgie 
tn  Occidentf  pag.  26  e  Lemos  Júnior  op.  cit.  pag.  35. 

*  Aledicp  hes^aahol,  natural  de  S.  Filippe  de  Jativa,  que  D.  João  m 
coàvidou  para  vir  a  Coimbra  reger  uma  cadeira  de  medicina. 

'  Libro  de  enfermidades  contagiosas :  y  de  la  preservacion  delias, 
Sevilla,  por  Alonso  de  la  Barrera,  1569,  pag.  2j  e  39. 


V 


3o 


vez  um  primor  litterarío  estão  longe  de  ser  frequentemente  um 
modelo  de  exactidão. 

Tal  foi  a  maneira  como  contríbuimos  no  século  xvi  para 
os  progressos  da  botânica.  Com  os  escassos  meios  de  instruc- 
ção  que  possuiamos  na  especialidade,  com  uma  organisação  tão 
rudimentar  do  seu  ensino  dificilmente  poderíamos  ser  mais 
bem  representados. 

Maximiaho  Lemos  Jdniok. 


PREPARAÇÕES  ZOOLÓGICAS 

(OwCIbiuiçío,  t.  TOl.  n  psf  •  M4) 
VI 
SUBSTANCIAS  PRÓPRIAS  PARA   ENCBER  AS  PELLES 

Quasi  todas,  senão  todas  as  matérias  vegetaes,  servem 
para  encher  as  peíles,  mas  as  mais  usadas  são,  o  algodão,  a  es- 
topa e  o  musgo.  O  algodão,  em  virtude  do  seu  elevado  preço, 
emprega-se  só  em  aves  pequenas,  o  muito  até  ao.  tamanho  de 
uma  pomba ;  comtudo,  se  a  economia  não  protestasse,  era  elle 
a  melhor  substancia  para  encher  as  aves  de  todos  os  tamanhos, 
em  virtude  da  facilidade  e  innocencia  do  seu  emprego.  A  es- 
topa fina  pôde  também  substituiUo  com  vantagem ;  e  até  ge- 
ralmente os  pescoços  das  aves  costumam  ser  cheios  com  ella. 

Os  preparadores  podem,  ao  encher  o  exemplar,  especial- 
mente se  elíe  é  corpulento,  servirem-se  ao  mesmo  tempo  de  di- 
versas substancias  que  indicarei,  conforme  virem  que  lhes  é 
mais  útil  e  conveniente. 

Também  está  muito  em  uso  o  musgo  (hypnum)  para  os 
animaes  de  tamanho  regular,  assim  como  uma  raposa,  peru, 
etc,  mas  necessita  antes  de  repetidas  lavagens,  para  lhes  extra- 
hir  todas  as  substancias  gordurosas,  e  de  ser  secco  n'um  forte 
forno,  para  que  morra  qualquer  insecto  que  n'elle  exista.  O 
musgo  precisa  no  seu  emprego  de  ser  pouco  calcado,  porque 
se  o  fôr  demasiado,  torna  de  tal  modo  pesado  o  spedmen, 
que  muitas  vezes  os  arames  das  pernas  não  lhes  resistem  e 
elle  cae. 

Uma  ave,  embora  grande,  não  pôde  unicamente  ser  cheia 
com  musgo ;  no  pescoço,  pernas  e  j  unturas  das  azas  é  necessa- 


3i 


rio  o  algodão  ou  estopa,  a  fim  de  lhe  conservar  a  natural  de- 

Saneia,  e  mesmo  para  facilidade  da  montagem.  Para  os  gran- 
es mammiferos  faz-se  especialmente  uso  de  palha  (cecale  cereã' 
le  L.),  ou  esparto  (lygeum  spartum  L,),  bem  seccos  n'uma  ar- 
dente estufa. 

Alguns  preparadores  estrangeiros  visinhos  das  praias, 
costumam  encher  os  seus  specimens  com  sargaço  (s(astera  ma- 
rina L.)^  mas  este  uso  é  reprovado  em  virtude'  do  sargaço  le- 
var sempre  algum  sal,  que  mais  tarde,  n'uma  época  cnuvosa, 
attrahindo  a  humidade,  põe  em  risco  a  perfeição  do  individuo. 
De  modo  algum  se  deve  fazer  uso  de  substancias  ani- 
maes,  como  a  lã,  cabello,  etc,  de  que  os  insectos  são  muito 
ávidos.  Se  bem  que  a  lã  se  prestasse  excellentemente  a  encher 
as  aves  pequenas  em  virtude  da  sua  grande  elasticidade,  ape- 
sar de  todos  os  preservativos  que  com  ella  se  misturem,  com  o 
decorrer  dos  annos  corrompe-se,  e,  consequência  inevitável, 
amiina-se  também  a  ave. 

VII 

PINTURAS  E  VERNIZES 

A's  aves  que  como  o  gallo,  perá,  pintadas,  grous,  etc, 
são  ornadas  de  carunculas  na  cabeça  e  pescoço,  costumam  os 
preparadores  cortar  essas  glândulas  e  substituil-as  por  outras 
de  cera.  Mas  a  ave  preparada  d'esse  modo  fica  muito  defeituo- 
sa, por  Í5so  que,  por  mais  perfeitas  que  sejam  as  carunculas 
poatiças,  a  simples  inspecção  visual  é  bastante  para  se  lhe  co- 
nhecer o  artificio.  Além  d^^isso  é  muito  dispendioso  este  processo. 

Faço  uso  ha  muito  de  um  processo  descoberto  pelo  nos- 
so distincto  naturalista,  o  exc.''*  snr.  Augusto  Luso,  processo 
qoe  é  superior  a  todos  até  hoje  seguidos,  pois  ao  mesmo  tempo 
que  dá  uma  transparência  e  brilho  carnoso  ás  glândulas,  con- 
serva-as  por  tempo  indefinido* 

Completamente  acabada  e  montada  a  ave,  dá-se  com  um 
pincel  fino  uma  leve  pintura  de  sabão  arsenical  moído  junta- 
mente com  um  pouco  de  alvaiade.  Depois  moe-se,  sobre  a  pe- 
dra própria,  uns  poucos  de  pós  da  cor  que  se  precisa,  junta- 
mente com  uma  mesma  quantidade  de  sabão  arsenical  diluido 
em  agua. 

Este  sabão  substitue  vantajosamente  o  alvaiade  e  impede 
qie  de  futuro  se  desenvolvam  os  insectos. 

Finalmente,  pinta-se  e  esbatem*se  aa  cores  até  á  perfeita 


32 


imitação  do  natural.  Logo  que  esta  ultima  pintura  está  seccá, 
passa-^e-lhe  por  cima  um  pincel  levemente  molhado  em  verniz 
copal  branco  dissolvido  em  álcool. 

E^  preciso  haver  bastante  cauteila  na  graduação  do  ver- 
niz, para  que  o  brilho  demasiado  e  pouco  natural,  não  vá  ás 
vezes,  em  vez  de  embellezar,  prejudicar. 

A  maior  parte  dos  amadores  não  dão  verniz  de  expede 
alguma  nos  bicos  e  pennas  das  aves,  apesar  de  com  o  tempo, 
verem  essas  partes  mudar  completamente  de  côr  e  tornarem-*se 
defeituosas.  Mas  se  logo  que  se  acaba  de  montar  a  ave,  se  co- 
brem as  pernas  e  bico  com  um  leve  verniz,  estas  partes  além 
de  conservarem  indeãnidamente  a  mesma  côr,  possuem  o  bri- 
lho natural  que  aos  primeiros  falta  completamente.  Para  este 
fim  emprega-se  a  terebenthina  dissolvida  em  álcool.  Também 
se  pôde  empregar  o  verniz  copal  branco,  mas  geralmente  faz*se 
uso  da  tereoenthina,  por  isso  que  este  verniz  não  dá  o  dema- 
siado brilho  d^aquelle. 

Nas  pelles  dos  reptis  e  peixes,  também  é  conveniente  dar- 
Ihe  uma  leve  camadai  de  verniz,  o  qual,  além  de  os  tornar  ele« 
gantes,  ajuda  a  sua  conservação. 

VIU 

PELLES  ANTIGAS 
(ICodo  de  u  enoher) 

Não  é  conveniente,  depois  de  descarnado  o  individuo, 

§uardar-lhe  muito  tempo  a  pelle  sem  a  montar,  porque  seccan- 
o,  contrae-se  e  perde  a  elegância.  Mas,  muitas  vezes,  viajan- 
do, encontram-se  espécimens  raros  que  n^^aquella  occasião  é  dif- 
íicultoso  montar,  quer  por  não  haver  tempo  ou  substancias  pró- 
prias, quer  por  ser  depois  muito  mais  custoso  o  seu  transporte ; 
as  pelles  em  qualquer  recanto  da  mala  se  accomodam,  e  resis- 
tem muito  mais  a  todos  os  revezes  do  que  os  indivíduos  já 
montados. 

Do  extrangeiro,  especialmente  as  aves,  veem-nos  quasi 
todas  por  montar,  sendo  necessário,  quem  não  as  quizer  assim, 
dar-se  ao  cuidado,  de  as  amollecer  para  as  montar  depois. 

Para  esse  fim  manda -se  fazer  uma  caixa  de  lata  de  grande 
capacidade,  tendo  no  meio  uma  divisão  movei  de  ferro,  seme- 
lhante a  uma  grelha ;  em  cima  uma  tampa  fecha  hermetica- 
mente a  lata.  Quando  se  quer  amollecer  uma  pelle  antiga,  pra- 
ticasse do  seguinte  modo : 


33 


L4Sinça-se  no  fundo  da  lata,  até  á  altura  de  três  ou  qua- 
tro centiinetros,  areia  humedecida  o  mais  possível  com  agua 
doce.  Tíra-se  a  estopa  ou  algodão  que  enchia  a  pelle,  e  substi- 
toe^se  por  pequenos  pedaços  de  esponja  humedecidos  em  agua ; 
i  volta  das  pernas,  sendo  ave,  enrola-se  uma  tira  de  panno  em- 
bebida em  agua;  depois  de  isto  feito,  colloca-se  o  specimen  na 
grdba  da  caixa  e  tapa-se  esta  muito  bem. 

Se  o  individuo  é  de  tamanho  mediano,  deixa-se  lá  estar 
durante  vinte  e  quatro  horas,  mas  pôde  allí  permanecer  até 
cinco  dias,  segundo  é  mais  ou  menos  corpulento.  Uma  vez  por 
dia,  pelo  oienos,  deve  abrir-se  a  caixa  e  mudar-se  a  posição 
da  pelle,  para  não  tomar  cama^  o  que  difiScultaria  depois  a 
montagem.  I 

No  âm  do  tempo  necessário  para  o  completo  amolled- 
mento,  tempo  que  o  amador  de  per  si  marcará,  extrahem- se- 
lhe  as  esponjas,  enxuga-se-lhe  o  interior  e  prepara  se  depois 
como  um  individuo  descarnado  de  fresco.  Depois  de  montado 
sobstitne-se  a  substancia  que  enchia  as  orbitas  por  uma  pe- 
quena esponja  embebida  em  agua,  que  em  quatro  ou  cinco  no- 
ras amollece  as  pálpebras  e  as  p6e  em  estado  de  receber  os 
olhos  artificiaes.  Chegado  a  este  resultado,  tiram-se  as  espon- 
jas, dá-se-lhe  uma  camada  de  preservativo,  enchem-se  de  novo 
com  algodão,  e  termina-se  por  lhe  cpllocar  os  olhos  de  vidro, 
semelhantes  na  côr  e  forma  aos  que  tinha  em  vida. 

IX 
NINHOS   B   ovos 

Para  uma  collécção  de  ninhos  e  ovos  ter  o  seu  grande  e  es- 
pecial merecimento  deve,  primeiro  que  tudo,  ser  fiel.  Isto  que  á 
primeira  vista  parece  fácil,  transforma-se  n^uma  das  maiores  dif- 
ficuldades  para  o  amador,  por  isso  que  os  exemplares  que  os 
negociantes  d'esta  espécie  possuem,  são  trocados  e  aperfeiçoados, 
vendendo  muitas  vezes  ovos  em  ninhos  que  lhes  não  pertencem, 
e  até  fozendo  raridades  ao  seu  capricho. 

Uma  collécção  d'ovos  assim  adquirida  pôde  ser  agradável 
i  vista,  mas  sem  merecimento  algum,  porque  conscienciosamente 
não  serve  para  estudo  dos  usos  e  co>tumes  das  espécies,  Pre^ 
dsa  pob  o  individuo  que  se  dedicar  a  reunir  uma  doestas  collec- 
ções,  de  ir  elle  próprio  procurar  os  ninhos  e  fazer  todo  o  possível 
para  ver  as  aves  a  quem  elles  pertencem,  para  não  errar  na 
parte  mais  essencial,  a  classificação. 

BIYISTÀ  DA  SOGIKDADK  MB  QCSTBUCQIO  DO  PORTO.  3 


34 


Mas  não  se  cifra  n^isto  todo  o  trabalho,  como  bem  se  pôde 
prever,  porque  se  os  ovos  se  conservassem  cheios,  deteriorar- 
se-iam  em  breve,  e  os  ninhos,  principalmente  os  forrados  ou 
construídos  de  pennas,  seriam  transformados  em  pó  sob  o  po- 
tente trabalho  de  milhares  de  insectos,  que  n^elles  rapidamente 
se  desenvolvem.  E'  necessário  extrahir  o  conteúdo  do  ovo,  e 
submetter  o  ninho  a  diversas  preparações  para  que  ambos  pos* 
sam  resistir  mais  facilmente  aos  seus  encarniçados  inimigos. 
Achado  o  ninho  deve  este  tirar -se  com  cuidado,  de  modo  que 
nenhuma  das  partes  componentes  fique  no  supporte. 

Feito  isto,  coUoca-se  durante  algum  tempo  n^uma  forte  es- 
tufa, até  que  o  calor  mate  os  insectos  que  n^elle  existam,  ou  im- 
peça os  óvulos  que  lá  podem  estar  depositados  de  se  desenvol- 
verem. 

Se  o  ninho  é  construído  de  matérias  animaes,  como  pen- 
nas, lã,  etc,  mergulha-se  durante  alguns  minutos  no  seguinte  li- 
quido empregado  pelo  celebre  naturalista  ínglez  Smith,  e  que  elle 
diz  ser  excellente  preservativo  contra  as  futuras  tentativas  da  traça. 

Sublimado  corrosivo 2  partes 

Camphora 2      » 

Espirito  de  vinho i 


» 


O  preparador  deve,  sobre  tudo,  acautelar-se  doeste  liquido 
visto  as  suas  grandes  propriedades  toxicas. 

Algun?  amadores  em  lugar  d'este  preparado,  costumam 
collocar  nas  vitrines  ovologicas  grandes  pedras  de  camphora, 
que,  como  o  leitor  sabe,  possue  enérgicas  propriedades  anti-in- 
sectivoras,  mas  o  seu  emprego  é  reprovado  pelos  naturalistas 
por  impotente,  e  por  desbotar  os  ovos,  tornando  alguns  comple- 
tamente differentes. 

Para  obstar,  em  parte,  a  este  ultimo  inconveniente,  devem 
os  ovos  estar  resguardados  de  toda  a  acção  do  ar  e  luz  que  lhes 
é  muito  prejudicial. 

A  preparação  dos  ovos  requer  minuciosos  e  intelligentes 
cuidados.  Pega-se  com  toda  a  cautella  no  ovo  que  se  pretende 
esvasiar,  sem  o  comprimir  demasiado  entre  os  dedos,  porque 
alguns  possuem  uma  casca  tão  delicada,  que  o  mínimo  des- 
cuido despedaça,  e  faz-se  com  um  alfinete  um  pequeno  orifí- 
cio em  cada  extremidade.  Com  um  arame  delgado  e  muito  agu- 
çado fende-se  a  gemma  em  muitos  sentidos,  e  coUocando  o  in- 
dicador n^um  dos  orifícios  e  o  pollegar  no  outro,  agita-se  o  ovo, 
até  que  o  seu  conteúdo  se  misture  completamente.  Adherindo 
depois  os  lábios  a  um  dos  orifiicios,  e  soprando,  faz-se  saiiír  o 


35 


liquido  pelo  outro.  Se  o  amador  tiver  repugnância  em  tocar  o 
ovo  com  os  lábios,  pôde  servir-se  d'uma  seringa  de  tubo  de  vi- 
dro oa  d'um  pequeno  maçarico  adaptado  n^uma  seringa.  Deve 
comtudo  haver  muito  cuidado,  em  que  a  corrente  de  ar  que  se 
introduz  no  ovo,  náo  seja  muito  forte,  senão  sujeita-se  a  que 
elle  rebente  mui  facilmente.  Esvasiado  o  ovo,  injeta-se-lhe  agua 
com  uma  seringa,  para  expulsar  algum  resto  de  gemma  que  por 
acaso  fique  adherente  á  casca,  e  que  mais  tarde  o  tornaria  de- 
feituoso. Lava -se  também  o  exterior  com  agua  tépida,  esfre- 
gandoo  cuidadosamente  com  uma  escova  para  lhe  extrahir  o 
pó,  gorduras,  etc,  que  a  alguns  cobre  completamente,  tor- 
nando-os  não  só  pouco  elegantes,  mas  até  desconhecidos. 

Quando  o  ovo  está  fresco,  ainda  se  lhe  extrae  facilmente 
o  conteúdo,  mas  muitas  vezes  acontece  estar  já  o  feto  gerado  o 
que  torna  difficultosissimo  o  esvasiamento. 

Para  os  specimens  mais  vulgares  aconselho,  que  se  bus- 
quem sempre  os  que  não  estiverem  já  gerados,  porque  não 
só  são  mais  fáceis  de  preparar,  mas  também  não  perdem  a 
c5r,  como  acontece  aos  que  teem  o  feto  já  desenvolvido.  A 
casca  resente-se  quasi  sempre  da  incubação,  e  dos  líquidos  que 
se  lhe  introduzem  para  dissolver  a  pequena  avesinha  que  ella 
contem. 

Mas,  muitas  vezes,  o  ovo  é  raro,  o  que  obriga  o  amador, 
apesar  de  todos  estes  inconvenientes,  a  collocal-o  na  sua  collec- 
çSo  até  que  novo  e  mais  perfeito  exemplar  o  venha  substituir. 
Para  esvaziar  um  ovo  já  chocado  o  processo  é  um  pouco 
mais  moroso.  Furam-se,  como  acima  disse,  as  duas  extremida- 
des do  ovo,  com  nm  arame  aguçado  trespassa-se  o  mais  pos- 
sível o  embryáo,  injecta-se-lhe  uma  dissolução  de  alcali  fixo  de 
tártaro  ou  soda,  e  tapando-lhe  os  orifícios,  agita-se  um  pouco 
para  que  o  alcali  se  possa  igualmente  introduzir  por  todo  elle ; 
em  seguida  depeja-se.  Injecta-se-lhe  nova  quantidade  de  liqui- 
do, agíta-se,  tapam-se  cuidadosamente  os  dous  orifícios  com 
cera,  e  deixa-se  assim  estar  durante  dez  ou  doze  horas,  findas 
as  cjuaes  se  faz  sahir  a  quantidade  dissolvida,  se  introduz  novo 
liquido  que  d'ahi  a  quatro  horas  se  faz  sahir,  e  assim  succes- 
sivamente,  até  que  o  embryão  se  desfaça  completamente  e  o 
ovo  fique  vazio. 

Ao  injectar-se-lhe  o  alcali,  deve  haver  cuidado  em  que  não 
fique  gota  alguma  na  parte  exterior  do  ovo,  porque  nos  de  co- 
res mais  mimosas,  appareceria  depois  n''esse  sitio  uma  mancha 
que  o  tomaria  defeituoso.  Finda  a  operação,  lava-se  e  secca-se 
cuidadosamente. 


36 


Reunir  uma  collecção  de  ovos  e  ninhos,  é  um  dos  mais 
úteis  e  agradáveis  entretenimentos  de  que  pôde  lançar  mão  um 
individuo  de  gosto.  CoUecçoes  tenho  visto  só  de  ovos,  mas 
essas  perdem  em  parte  o  seu  merecimento,  porque  os  ninhos 
nâo  sao  um  acessório  como  muita  gente  cuida,  mas  sim  uma 
das  partes  mais  interessantes  e  essenciaes  d^aquellas  coUecções. 

Alguns  como  os  de  carriça  (Sylvia  troglòdytes) ,  rabi-lonç> 
(Parus  caudaius),  papa-figo  (Òrtõíus  galbuía),  rouxinol  (Sjrltna 
luscinia),  e  andonnha  (Hirundo  rústica),  são  uma  verdadeira 
maravilha,  uma  obra  prima  de  mechanica,  encanto  dos  olhos,, 
sublimes  paginas  de  historia  natural,  emfim.  Quanto  amor  não 
existe  no  pequenino  coração  d^aquellas  aves,  para  construir 
com  tanta  fadiga  esse  explendido  e  perfeito  berço  para  a  sua 
futura  prole!  Com  que  trabalho  não  amontoa  a  andorinha,  a 
lama  de  que  construe  o  ninho ! 

E  a  microscópica  carriça,  que  de  forças  sobrehumanas  e 
de  mais  admirável  paciência  não  necessita  para  concluir  o 
complicado  ninho,  dentro  do  qual  se  esconde  ella  e  toda  a  familia ! 

E  tudo  isto,  todos  estes  sublimes  exemplos  de  amor  ma- 
terno, não  devem  ser  de  preferencia  estudados  e  cuidadosa- 
mente interpretados,  para  a^elles  se  tirar,  senão  conhecimentos, 
ao  menos  puros  exemplos  de  moral? 

(obnífii^.)  Eduardo  Sequeira. 


Sociedade  de  Instrucção  do  Porto 

SEXTA   EXPOSIÇÃO 

INDUSTRIAS    CASEIRAS 

a  i5  de  Março  de  i883 


PROGRAMMA 

PRIMEltA  SECÇÃO 


1 


I.    Trabalhos  de  carpintaria  e  marcenaria:  Serra  mechanica. 
Trabalhos  embutidos  ou  marchetados  (intarsia)  etc. 


^  Esta  secção  abrance  todos  os  trabalhos  das  industrias  caaeiras, 
executados  tanto  por  particulares  para  simples  recreio,  como  pelos  peque* 
nos  productores  das  vilkis  e  aldeias,  para  consumo  próprio  ou  para  o 
commercio  interno. 


3? 


II.    Trabalhos  ao  tomo  em  madeira,  marfim,  osso,  etc. 

III.  Mobiliário  domestico,  rústico:  cadeiras,  mesas,  arma<- 

rios,  camas,  santuários,  cangas  de  bois  etc. 

IV.  Instrumentos  de  trabalho,  na  lavoura  e  em  casa. 

V.     Pintura  decorativa:  em  barro,  faiença,  porcelana,  vi- 
dro, madeira,  seda  etc. 
VI.     Esculptura  decorativa:  flores  artificiaes,  de  estofos,  de 
pennas,  de  couro,  cera,  papel. 

VII.  Desenho  decorativo.  Modelos  e  padrões  para  todos  os 

ramos  das  industrias  caseiras. 

VIII.  Gravura  em  madeira  para  illustração  da  industria  ty- 

pographica. 
IX.     Tecidos  de  linho^  lâ  e  mixtos,  como  toalhas,  mantas, 

tapetes  (Arraiolos)  serguilhas,  liteiros  para  cobertas 

de  cama,  arreioe  alemtejanos,  redes  de  pesca. 
X.     Obras  em  palha,  vime,  corrêa  (canastras,  cadeiras  de 

bunho)  esparto,  palma,  crina,  cabello,  etc. 
XI.     Bordados  brancos  e  de  côr,  em  linho,  algodão,  lâ,  seda, 

a  fio  de  prata  e  ouro,  etc.  Rendas  de  bilro  em  linho, 

algodão,  seda,  prata  e  ouro;  rendas  de  malheiro,  etc. 
XII.     Arte  de  cortar  e  talhar.  Modelos  e  padrões  para  o 

vestuário. 

XIII.  Cartonagens. 

XIV.  Fructas  confeitadas  e  ornamentadas  (em  bocetas). 
XV.     Trages  e  costumes  portuguezes  (figuras  vestidas). 

SEGUNDA  SECÇÃO 

A.  emei^la  poirtnfi^neza 

(Curso  normal  segundo  as  Ids  de  maio  de  i878  e  junho  de  1880)  ^ 

Primeiro  anno  do  curso  normal 

Introducção . — SMaierial :  —  Agulhas,  alfinetes,  dedal) 
tesouras,  almofadas,  lanceta  de  casear,  furador,  agulhas  de 
meia,  linhas  (de  algodão  e  linho),  retroz,  etc. 

Machinas  de  costura  e  sua  escolha — quaes  são  as  me- 
Ifaores.^ —  inconvenientes  que  podem  resultar  do  uso  immoderado 
de  trabalhar  á  machina. 


M ■      ■■!■■■■■     mmmm^-^m-r^F^ 


^  Transcrevendo  este  programma  official^  p  Sociedade  n&o  toma  a 
inteira  responsabilidade  d'elle,  sobretudo  na  parte  relativa  á  coordenação 
éas  tDãtCTíBs,  e  á  soa  ordem,  no  ensino. 


38 


Aspecto  dos  tecidos: — Aspecto  longitudinal,  transversal, 
ao  viez  (tanto  no  que  respeita  á  urdidura  como  ao  tecido).  — 
Tecidos  felpudos  ou  aveludados,  adamascados  e  estampados. 

Direito  e  avesso  dos  tecidos  —  tecidos  sem  avesso. 

Pontos  de  costura — espécies  d'esta.  —  a)  Pontos  di- 
versos:—  Ponto  adiante,  ponto  atraz,  ponto  de  cerzidura,  ponto 
de  luva  ou  por  cima,  dito  enviesado,  ponto  de  bainha,  ponto 
inglez  (dobrado  e  de  chulear),  pesponto,  ponto  de  cadeia,  ponto 
de  arenque,  ponto  furtado  (em  vestidos  e  roupa  branca),  pomo 
de  recorte,  ponto  de  casear,  ponto  furtado  completo,  ponto  de 
marca,  ponto  cruzado,  ponto  enlaçado,  etc. 

b)  Costuras  diversas: — Cerzidura  ordinária,  bainha  de 
ponto  adiante,  a  ponto  de  bainha,  bainha  redonda,  bainha  in- 
gleza  da  esquerda  e  da  direita,  bainha  a  pesponto  (bainha  pes- 
pontada), franzir,  perfilhar,  casear,  fazer  ilhós,  debruar,  repas- 
sar, costura  mixta,  de  ponto  adiante  e  atraz,  sobrecosida,  com 
duas  cerziduras,  fazer  pregas,  cerzidura  de  alfaiate  para  concer- 
tar panno. 

Bainhas  a  ponto  cruzado,  de  cerzidura — pregar  botões, 
fitas,  colchetes  e  fívellas  metallicas. 

TEcmos.  —  De  malha,  meia — suas  espécies  e  execução. 

Fazer  meia.  —  Meias  de  malhas  ás  avessas,  voltadas  e 
de  revesilho — meias  de  riscas. 

Concertos  diversos.  —  Concerto  das  meias  á  mão  — 
palmilhar,  remendar,  encabeçar,  descer  e  acrescentar  as 
meias. 

Espécies  de  concertos: — Passagens  ordinárias,  com  pe- 
daços ajustados,  a  ponto  de  luva,  a  ponto  de  renda,  passagens 
perdidas,  etc. 

Marcar.  —  Qualidades  diversas. 

Talhar. — Estudo  dos  pontos  essenciaes  e  auxiliares  do 
corte  —  preparação  dos  quadrados  e  dos  rectângulos  de  papel 
para  cortar  nos  diversos  sentidos. 

a)  Corte  rectilineo :  —  cortar  pequenas  tiras  rectan^la- 
res  em  comprimento,  largura,  ao  viez,  não  os  separando  mtei- 
ramente  para  rectificação  do  corte — cortar  os  dois  lados  maio- 
res do  rectângulo  em  grandes  recortes  dentados  (linhas  que- 
bradas). 

b)  Corte  curvilineo : — cortar  os  dois  lados  maiores  dos 
rectângulos  em  linhas  sinuosas,  em  grandes  recortes  e  eai 
grandes  cavas — arredondar  os  ângulos  de  um  quadrado  para 
o  transformar  em  circulo. 

c)  Carte  recto<urvilineo :  —  estudo  do  traçado  dos  padrões 


39 


escolhidos  para  estes  exercícios — inscrever  a  figura  em  um 
rectângulo  e  cortal-a. 

a)  Desenhar  primeiramente  em  ponto  reduzido  e  ir  au- 
gmentando,  gradualmente,  òs  moldes  de  todos  os  objectos  de 
roupa  de  ambos  os  sexos,  que  se  possam  prestar  ao  corte, 
á  vista  dos  respectivos  exemplares,  que  para  esse  fim  devem 
existir  na  escola  normal. 

IhiATiCA. — Applicaqão  dos  exercícios  precedentes  á  exe- 
cução de  vários  objectos  de  uso  ordinário  e  familiar. 

Segundo  anno  do  curso  normal 

Revisão  das  matérias  dadas  no  primeiro  anno,  com  fire- 
quentes  exercícios  práticos: 

Talhar.  —  Livro  para  assentar  as  medidas — maneira  de 
adaptar  o  molde  aos  dinerentes  corpos — medidas  que  se  devem 
tirar  para  as  necessárias  modificações — maneira  de  collocar  os 
moldes  de  corpete  justo  e  de  um  corpete  com  abas. 

Tirar  moldes. 

Uso  do  manequim. 

CÓRTE    DE   OBJECTOS   DE   ROUPA    BRANCA.  —  Córte   de  TOUpa 

branca  para  creança — colletinho  de  forma  ordinária — coUeti- 
nho  de  uma  só  peça' — touca  de  dormir  composta  de  três  peças. 

Exercidos  especiaes  ç  práticos — execução  de  pregas  de 
enfeite  e  duas  bainnas  para  os- dois  lados  —  abertos  para  cal- 
ças de  creanças. 

Costura  de  duas  bainhas  para  a  abertura  da  frente  de 
uma  camisa  de  mulher  e  de  menina. 

Execução  de  umas  calças,  de  uma  camisa  de  creança  e 
de  uma  camisa  de  dormir  para  mulher. 

CóRTE  EM  GERAL.  —  Regras  e  preceitos  fundamentaes — 
tirar  uma  collecção  de  padrões — corte  de  objectos  de  roupa 
branca,  tanto  para  homem  como  para  mulher. 

Camisas  de  uma  e  de  duas  nesgas,  tanto  para  homem 
como  para  mulher — já  cortadas  pela  metade  do  corpo  da  ca- 
misa, já  em  todo  o  seu  comprimento — camisas  de  linho — 
camisas  de  dois  pannos  simples  —  de  dois  pannos  dobrados  e 
entrecortados. 

Calças,  vestidos,  etc,  para  senhora. 

Calças,  colletes,  ceroulas,  jaquetas  e  casacos  para  homeni. 

Pratica.  —  Cortar  e  fazer  lençóes,  fronhas  de  travessei- 
ros, toalhas  de  mesa,  guardanapos,  aventaes  de  cozinha. 

Cortar  e  fazer  camisas  de  homem,  de  mulher,  camiso- 
las, etc. 


40 


Cortar  e  fazer  vestidos  de  mulher  e  roupa  de  homem. 

Bordados. — a)  bordado  de  branco — Com  ponto  real, 
liso,  inglez,  ao  alto,  de  cadeia,  de  esteira,  de  nós,  de  passa- 
gem, abertos  e  arrendados. 

b)  Bordado  a  cordão.  —  Ilhós  e  borbotos — pontos  de  se- 
gurança, turcos,  de  escada,  etc. 

c)  Bordado  de  crochet.  —  Liso  e  em  relevo  —  estofos  cm 
que  se  executa. 

d)  bordado  a  trança,  —  Como  se  executa. 

e^  bordado  de  seda  a  maU){.  —  Como  se  executa. 
j)  Bordado  de  lenttjoula. — Como  se  executa* 
Rendas.  —  Espécies  diversas  que  se  podem  executar. 

Terceiro  anuo  do  curso  normal 

Aperfeiçoamento  das  matérias  aprendidas  nos  dois  pri- 
meiros annos  e  exercicíos  práticos  na  escola  annexa  e  na  normal. 

Desenlio  de  ornato  applicado  aos  lavores  próprios 

do  sexo  fexninino 

Primeiro  anno  do  curto  normal 

Desenho  de  exemplares  fáceis,  que  representem  os  va- 
riados ornatos  com  que  se  costumam  adornar  os  vestidos,  ca- 
misas e  quaesquer  peças  de  fato  de  ambos  os  sexos,  e  ainda 
outros  objectos. 

Estes  exercícios  serão  feitos  primeiramente  nas  lousas  e 
depois  em  papel  ou  cartão. 

Segundo  anno  do  cnrso  normal 

Continuação  dos  exercidos  do  primeiro  anno,  não  só  nas 
lousas,  quadro  preto,  papel  ou  cartão,  mas  ainda  nas  diversas 
espécies  de  tecidos  em  que  téem  de  ser  executados,  e  no  vidro. 

Tereeiro  anno  do  enno  normal 

Direcção  de  classes,  tanto  na  escola  annexa,  como  das 
alumnas  da  escola  normal. 

Aperfeiçoamento  progressivo  dos  desenhos  já  executados, 
e  invenção  de  outros  que  possam  ser  úteis  e  vantajosos  na 
pratica. 


41 
LISTA  DOS  SÓCIOS 

DA 

SOCIEDADE  DE  INSTRUCÇÃO  * 

SÓCIOS    FUNDADORES 

i88o.   Isaac  Newton 

William  C.  Tait 

Alfred  Tait 

José  Pereira  da  Cunha  e  Silva 

Augusto  Luso  da  Silva 

Dr.  Eduardo  Augusto  AUen 

Joaquim  de  Vasconcellos 

José  Baptista  Vieira  da  Cruz 

Visconde  de  Villar  d' AUen 

Alfredo  Jordão 

José  Joaquim  Rodrigues  de  Freitas 

Dr.  G.  H.  Brandt 

Dr.  José  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia  Osório 

Dr.  Vicente  Urbino  de  Freitas 

Manoel  de  Albuquerque 

Dr.  Tito  Jorge  de  Carvalho  Malta 

Dr.  Pedro  Augusto  Dias' 

Joaquim  António  Gonçalves 

Joaquim  Casimiro  Barbosa 

George  H.  Delaforce 

Joaquim  d^ Azevedo  Albuquerque 

Joaquim  Duarte  Moreira  de  Souza 

Dr.  Eduardo  Pereira  Pimenta 

Conde  da  Silva  Monteiro 

Diogo  de  Macedo 

Dr.  Adriano  de  Paiva  de  Faria  Leite  Brandão 

Dr.  A.  J.  Ferreira  da  Silva 

George  H.  Selfers 

Roberto  Wengrovius 

Adolpho  Leuschner 

Edwin  J.  Johnston 

Alberto  Kendall 

Charles  Coverley 

Roger  Coverley 


^    Esta  lista  sobstitue  as  anteriores^  VoL  i  pag.  44  e  Vol.  n  pag.  3a. 


42 


i88o.   Frank  C.  Rawes 

Alberto  Rebello  Valente  Allen 

Wilson  M.  Rawes 

José  Maria  d^^Almeida  Outeiro 

Conselheiro  Dr.  Arnaldo  Braga 

Carlos  Lopes 

Visconde  de  Moser 

Henrique  Carlos  de  Meirelles  Kendall 

Dr.  António  Ribeiro  da  Costa  e  Almeida 

Henrique  Rumsey 

Manoel  Vieira  de  Andrade 

José  Teixeira  da  Silva  Braga  Júnior 

Dr.  José  Carlos  Lopes 

Conselheiro  José  Guilherme  Pacheco 

José  Taveira  de  Carvalho 

Conselheiro  José  da  Silva  Monteiro 

António  Maria  Kopke  de  Carvalho 

Dr.  Alexandre  Braga 

Conselheiro  Manoel  Maria  da  Costa  Leite 

Henrique  A.  Pereira  da  Silva 

Eduardo  Amsinck  Allen 

Dr.  Arnaldo  Amândio  Pereira  de  Faria 

A.  de  la  Rocque 

António  José  Duarte  Guimarães 

Visconde  de  Alves  Machado 

Francisco  Augusto  Vaz  Cerquinho 

Diogo  Gentil  Gomes  da  Silva 

António  Carneiro  de  Azevedo 

Dr.  Francisco  de  Paula  Albano  da  Silveira  Pinto 

José  Gomes  da  Silva 

António  Manoel  Lopes  Vieira  de  Castro 

Joaquim  Teixeira  de  Macedo 

Dr.  Pedro  Augusto  Ferreira 

Dr.  Henrique  Carlos  de  Miranda 

Dr.  António  Joaquim  de  Moraes  Caldas 

Ernesto  Chardron 

Conselheiro  Dr.  Manoel  Paulino  d'01iveira 

Barão  da  Roeda 

José  Pedro  da  Costa 

Jeronymo  Monteiro  da  Costa 

Luiz  Augusto  Guerreiro  Lima 

Manoel  Pereira  da  Costa  Basto 

Manoel  Custodio  Gomes 


43 


i88o.  Dr.  Aidolpho  Soares  Cardoso 
Bernardo  V.  Moreira  de  Sá 
Apolino  da  Costa  Reis. 
Tito  de  Noronha 
George  D.  Tait 
Dr.  Pedro  Roxa 

Augusto  Alberto  da  Silva  Ferreira 
António  Vieira  de  Tovar  Magalhães 
J.  E.  von  Hafe 

José  Maria  Charters  Henriques  d^Azevedo 
Dr.  Leonardo  Torres 
Augusto  Kopke  Severim  de  Souza 
Carlos  Augusto  Paes. 
Fernando  M.  Kopke 
Francisco  Affonso  da  Silva 
Eduardo  Sequeira 
Luiz  de  Souza  Gomes  e  Silva 
António  Domingos  Canedo 
António  José  Gonçalves  Porto 
Dr.  Thomaz  António  d^OIiveira  Lobo 
Joaquim  Baptista  de  Lemos 
António  Bernardo  de  Brito  e  Cunha 
José  Augusto  da  Silva 
Numa  Jorge  de  Carvalho  Malta 
William  Eatzenstein 
Manoel  Rodrigues  Miranda  Júnior 
António  Velloso  da  Cruz 
Dr.  António  Augusto  de  Mello 
Joaquim  Lourenço  Alves 
Dr.  Tito  Fontes 
Rev.®  Francisco  José  Patricio 
Patrício  Theodoro  Alvares  Ferreira 
Augusto  Pinto  Moreira  da  Costa 
A.  M.  da  Costa  Maia  e  Silva  Júnior 
Dr.  José  António  de  Anciães  Proença 
Dr.  Manoel  de  Jesus  Antunes  Lemos 
Conde  de  Samodães 
Henrique  Freire 
D.  Eduardo  Blanco  y  Cruz 
Júlio  Moreira 

Eduardo  Augusto  da  Costa  Moraes 
João  José  Rodrigues  Seara  Felgueiras 
António  da  Luz  Rebello 'Valente 

i88o.    Dr.  José  Barbosa  Leão 


44 


i88o.   António  Moreira  Cabral 

G>mmenda(lor  António  da  Rocha  Miranda  e  SOva 

Eduardo  Augusto  Falcão 

José  Maurício  Rebello  Valente 

Commendador  Thomaz  Joaquim  da  Silva 

Marcus  Archer  ^ 

i88i.  Clemente  Menéres 

Dr.  Agostinho  António  do  Souto 

Rodriço  de  Mello  e  Castro  Aboim 

António  Luiz  Teixeira  Machado 

Dr.  Henrique  A.  da  Silva  Maia 

Dr.  João  Carlos  Freire  Themudo  Rangel 

Dr.  António  Maria  Esteves  Mendes  Correia 

Dr.  António  Joaquim  dos  Reis  Castro  Portugal 

Manoel  José  Felgueiras 

Manoel  Ribeiro  Fernandes  Forbes 

António  Bernardo  Ferreira 

Dr.  Joaquim  José  Ferreira 

Dr.  Joaquim  Urbano  da  Costa  Ribeiro 

Gustavo  Cudell 

Dr.  Maximiano  de  Lemos 

Dr.  A.  Plácido  da  Costa 

Francisco  de  Faro  Oliveira 

Dr.  Wenceslau  de  Lima 

Dr.  José  Rodrigues  Leal  de  Faria 

Theophilo  Leal  de  Faria 
1882.  Jacob  Bensabat 

Visconde  de*  Barreiros 

Guilherme  Clavel 

José  de  Macedo  Araújo  Júnior 

Dr.  Florido  Telles  de  Menezes  de  Vascoocellos 

Cândido  Emílio  Cabral 

SÓCIOS    EFFECTIVOS 

1881.   Dr.  José  Augusto  Correia  de  Barros 
JoSo  Stuart  da  Fonseca  Torrie 
Augusto  Gustavo  d'Almeida 
D.  Fernando  de  Bonilla  y  Boville 
JoSo  Gonçalo  Pacheco  Pereira 
John  S.  Johnson 

Dr.  Illidio  Ayres  Pereira  do  Valle 
Arthur  Augusto  de  Albuquerque  Seabra 
Dr.  Ricardo  de  Almeida  Jorge 
Dr.  Júlio  de  Mattos 


45 


i88i.  Miguel  Augusto  Belleza  d' Andrade 

Domiu^os  A.  de  Souza 

Frederico  A.  de  Vasconcellos  Pereira  Cabral 

Marciano  do  Carmo  Azuaga 

António  Luiz  Soares  Duarte 

Álvaro  de  Castro  Neves 

D.  Félix  Fernandes  Torres 
1882.   Emilio  Augusto  Dias 

Carlos  Dubini 

Dr.  António  Victorino  da  Motta 

José  de  Castro 

Ricardo  Pinto  da  Costa 

Dr.  Albano  Pinto  de  Mesquita  Carvalho  e  Gama 

José  Augusto  Pinto  da  Cunha  Saavedra 

Dr.  Tibério  Augusto  Mendes  Maia 

João  de  Souza  Machado 

António  Correia  de  Magalhães  Ribeiro 

Nuno  Alexandre  de  Carvalho 

Dr.  João  Nepomuceno  Rebello  Valente 

Dr.  António  Maria  de  Senna 

Bento  de  Sousa  Carqueja 

Francisco  Xavier  Esteves 

Alexandre  José  Sarsfield 

Augusto  Júlio  Bandeira  de  Neiva 

José  Alves  Bonifácio 

António  Nicolau  d'Almeida 

António  José  Lopes  Antunes 

Diniz  Theodoro  de  Oliveira 

José  Leite  de  Vasconcellos 

Dr.  Licinio  Pinto  Leite 

Rev.«  Dr.  Domingos  de  Sousa  Moreira  Freire 

João  Lopes  dos  Rios 

Dr.  António  M.  d'Araujo  Leite 

António  José  da  Silva  Machado 

Cftsimiro  Palha 

José  Guilherme  de  Parada  e  Silva  Leít&o 

Fernando  Fricke 

Dr.  Agostinho  da  Rocha  e  Castro 

Dr.  Manoel  Marques  de  Lima  Figueiredo 

Dr.  Manoel  Rodrigues  da  Silva  Pinto 

Alfredo  Augusto  de  Barros 

José  Nicolau  Raposo  Botelho 

Joaquim  Manoel  Teixeira  Marinho 

Conselheiro  Adriano  d^Abreu  Cardoso  Machado 


46 


i882.   Dr.  José  Diogo  Arroyo 

Dr.  António  Augusto  d'AImeida  Pinto 

Dr.  António  Velloso  d' Araújo 

Francisco  de  Castro  Monteiro 

José  Marques  Loureiro 

Manoel  Pinto  Peixoto  Portella  de  Vasconcellos 

Dr.  José  Caetano  Preto  Pacheco 

Albano  Cordeiro  Cascão 

D.  Eusébio  de  Bonilla  Martel 

Constantino  Joaquim  Paes 

Isidoro  António  Ferreira 

Arnaldo  José  de  Castilho 

Dr.  António  Ayres  de  Gouvêa. 

Guilherme  de  La  Rocque 

Frederico  da  Camará  Leme 

Rev.^  J,  S.  Neves 

Leopoldo  Mourão 

Dr.  Joaquim  Mário  de  Castro 

Francisco  José  Ribeiro  Porto 

José  Ferreira  Guimarães  Júnior 

Augusto  Ernesto  Carneiro 

Dr.  Miguel  Maria  Guimarães  Pestana  da  Silva 

José  Victorino  Torrie 

Dr.  António  Lúcio  Tavares  Crespo 

Alexandre  José  Vieira  Brandão 

José  António  Pereira  Duarte 

João  Camillo  de  Castro  Júnior 

Amónio  José  da  Costa  Basto 

António  Simões  Lopes 

D.  Ellen  Jones 

João  Evangelista  da  Silva  Mattos 

Francisco  Coelho  de  Mattos  Fragoso 

António  José  Carneiro  e  Silva 

Anthero  Ferreira  d^Araujo  e  Silva 

Rev.<>  Francisco  Maria  Henriques  da  Silva  Pereira 

Dr.  Boaventura  da  Fonseca  e  Sousa  de  Viterbo 

Carlos  Brandão 

Roberto  Reid 

Bento  Rodrigues  d'01iveira 

Delfim  de  Lima 

Dr.  José  Gonçalves  Barbosa  de  Castro 

João  Eduardo  de  Brito  e  Cunha 

Fortunato  António  Mendes  d' Almeida 

Fernando  Maia 


47 


i882.  José  Arnaldo  Nogueira  Molarinho 
Germano  Courrége 
Justino  Moniz 

Manoel  Amândio  Gonçalves 
Augusto  Teixeira  da  Silva  Barroso 
Cyriaco  de  Cardoso 
Thomaz  Joaquim  Dias 
Joaquim  de  Sousa  Guimarães 
João  Gualberto  Povoas  ' 
Francisco  Bernardo  Braga  Júnior 
Justino  Marques  d'Oliveira 
António  Fadua  da  Silva 
João  Caetano  de  Lemos 
Visconde  de  Villarinho  de  S.  Romão 
Dr.  António  Ignacio  de  Sousa 
Rev.^  António  de  Magalhães  Campello 
Agostinho  Ribeiro  Gonçalves  Basto 
Dr.  Eugénio  Augusto  Perdigão 
Dr.  António  Ferreira  Augusto  Júnior 
Dr.  Adolpho  Pimentel 
António  José  Fernando  Coelho 
Rev.^  A<(cenço  de  Magalhães  Fonseca 
António  Xavier  Lourenço  da  Costa 
José  Maria  Alves  Tórgo  Júnior 
António  Tiburcio  Pinto  Carneiro  de  Vasconcellos 
Eduardo  Augusto  dos  Santos  Júnior 
José  Correia  Pinto. da  Fonseca 
Dr.  António  Ribeiro  Fernandes  Forhes 
António  de  Almeida  Costa 
António  Joaquim  Rodrigues  Portella 
José  Joaquim  Teixeira  Lopes 
Manoel  da  Terra  Pereira  Vianna 
Conde  de  Castro 

Jacintho  Pereira  Valverde  de  Miranda  Vasconcellos 
Guilherme  Monteiro  Rebello 
Manoel  Maria  Rodrigues 
Gabriel  Antunes  de  Carvalho 
António  Sequeira  Ferraz 
Emilio  de  Azevedo  Campos 
Eduardo  da  Cunha  Rego 
Rev/  José  Maria  de  Sant'Anna  e  Silva 
Albino  Coutinho  da  Silva  Moraes 
Atitonio  d^ Albuquerque  Amaral  Cardoso 
Joaquim  Ribeiro  de  Freitas 


48 


i882.  José  David  de  Azevedo  Barros 
Joaquim  da  Costa  Carregal 
Ernesto  da  Costa  PÍDto  Bastos 
Joaquim  Baptista  da  Silva  Guerra 
Dr.  João  Vieira  Pinto 
Joaquim  d^AImeida  Costa 
Júlio  Cardoso 
Eduardo  José  Alves 
Carlos  José  Alves 
José  Gregório  Baudouin 
Manoel  Leite  Pereira 
Duarte  Ferreira  Pinto  Basto 
António  José  da  Silva 
João  da  Rocha  Sousa  e  Lima 
António  Bernardo  Soares 
Cândido  Augusto  de  Sá  Castro 
Angelo  da  Silva  Macedo 
Manoel  Alves  Ferreira  Pinto 
Conde  da  Silva  (D.  Francisco) 
Dr.  Caetano  d' Andrade  e  Albuquerque 
Francisco  César  Supico 
Augusto  César  Supico 
Dr.  Ernesto  do  Canto 
Henrique  T.  Murat 
Guilherme  AfSalo 
Dr  Bernardino  Machado 
J.  A.  Marques  Gomes 
Affbnso  Henriques  da  Silva  Moreira 
Dr.  Adriano  Theodoro  de  Figueiredo  Malheiro 
Eduardo  Augusto  Paes  Villasboas 
José  Mendes  Leite 
José  Crispiniano  Júnior 
Abilio  de  Jesus  d^ Anciães  Proença 
Álvaro  Smith  de  Vasconcellos 
Augusto  Pereira  Nobre 
Miguel  Gonçalves  Pereira  Dantas 
Albino  Coutinho  Júnior 
José  António  Guimarães  Júnior 
Dr.  José  Pereira  da  Costa  Cardoso 
Sebastião  do  Canto  e  Castro 
Bernardo  do  Canto  e  Castro 
Manoel  Euzebio  de  Souza 

{(hiUbiéa.) 


3.»  ANNO 


I  DE  FEVEREIRO  DE  i883 


N.»  2 


CARTAS  SOBRE  A  EDUCAÇÃO  DA  MOCIDADE 

(ContinnaçSo,  r.  pag.  12) 

No  anno  1742  pouco  mais  ou  menos,  S.  Magestade  Im- 
perial a  Rainha  de  Hungria,  ou  por  lembrarse  do  projecto  do 
Duque  de  Lorena  assima  referido,  ou  pela  sua  alta  intelligen- 
áã^  instítuio  em  Viena  de  Áustria  o  Collegio  Thereziano  para 
o  mesmo  fim,  mas  mui  poucos  apováraõ  a  Escola  dos  Jesuítas 
por  Mestres,  e  que  se  admitissem  tielle  Pensionarios ;  e  por  esta 
cauza,  ou  pela  pouca  disposição,  naõ  se  tem  visto  atégora  da* 
quelle  magnifica  instituto  aquella  utilidade  que  se  esperava. 

No  anno  lySi  se  estabeleceo  em  Paris  a  Escola  Real  Mi- 
litar: a  sua  instituição  he  para  educarse  nella  quinhentos  Gen« 
tis  homens  a  casta  Real;  os  Militares  saõ  os  Mestres  para  en- 
sinar a  arte  da  guerra,  e  os  seculares  Homens  de  Lettras  as 
artes  e  as  sciencias :  mas  como  na  Enciclopédia  impressa  em 
Paris,  se  acha  huma  exacta  descripção  desta  famosa  Escola  no 
articulo  Ecole  Militaire^  tome  cinquième^  naõ  necessito  entrar 
aqui  em  mayor  explicação;  e  só  farei  algumas  observaçoens  so- 
bre o  que  se  podia  imitar  de  louvável  em  Portugal  desta  ins 
tituicão. 

Em  EMnamarca,  em  Suécia  e  em  Prússia,  se  instituraõ  e 
conservaõ  Escolas  Militares  Semelhantes,  instituídas  depois  de 
poucos  annos ;  e  não  fallo  da  Escola  Real  de  Madrid,  porque 
parece  que  a  sua  destinação  naS  he  para  que  os  seos  Estudan- 
tes sirvãõ  o  Estado. 

Parece  que  Portugal  está  hoje  quazi  obrigado,  naõ  só  a 
fundar  huma  Escola  Militar,  mas  de  preferila  a  todos  os  esta- 
bledmentos  litteraríos,  que  sustenta  com  taõ  excessivos  gastos. 
O  que  se  ensina  e  tem  ensinado  atégora  nelles,  he  para  chegar 
a  ser  Sacerdote  e  Jurisconsulto ;  e  como  já  vimos  assima,  naõ 
tem  a  Nobreza  ensino  algum  para  servir  a  sua  pátria,  em  tem- 
pos de  paz  nem  da  guerra.  Proporei  aqui  o  que  achar  mais 
oecessario,  para  establecer  esta  Escola;  e  no  cazo  que  seja  ac- 
ceite  o  meu  trabalho  e  o  dezejo  da  execução,  supprirei  as  omis- 
soens,  que  de  propósito  cometo  por  naõ  ser  porlixo,  com  a 
tDayor  exactidão,  se  me  for  ordenado. 

BXVISTA  DA  SOaEDADX  DB  QfSTBUCÇÃO  DO  PORTO.  A 


5o 


Propoemse  huma  Escola  Real  Portuguesa, 
para  ser  nella  educada  a  Nobreza  e  a  Fidalguia. 

ECONOMIA  INTERIOR. 

Quando  se  comprehender  o  intento  com  que  se  propõem 
esta  Escola,  poderá  ser  que  se  louve  a  sorte  da  economia  in- 
terior que  ha  de  servir  para  conseguilo.  He  educar  súbditos 
amantes  da  Pátria,  obedientes  ás  Leis,  e  ao  seu  Rey;  intelli- 
gentes  para  mandar,  e  virtuozos  para  serem  úteis  a  si,  e  a  to- 
dos com  quem  devem  tratar. 

Será  tacil  conceber  a  quem  estiver  inteyrado  deste  intento, 
que  esta  Escola  Real  deve  ficar  afFastada  tanto  da  Corte,  que 
nem  Estudantes  nem  os  Mestres  estejao  distrahidos  peilas  vi- 
sitas dos  parentes  e  amigos^  e  muito  menos  pellos  divertimen- 
tos de  huma  capital.  Seria  fácil  acharse  edifício  já  feito,  ou  dois 
ou  três  edifícios,  juntos,  reparados,  e  concertados  para  se  es- 
tablecer  esta  escola;  deyxando  para  melhor  occasiaõ  fazer  hum 
aproposito,  ou  occupar  algum  que  prezentar  o  acazo. 

i.^  Que  naõ  habitaria  dentro  d'este  edifício  Governa- 
dor, Mestre,  ou  outro  qualquer  empregado  no  serviço  desta 
Escola,  sem  ser  cagado. 

2.°  Que  nao  seria  permitido  a  nenhum  estudante  ter 
criado  em  particular. 

3.°  Que  para  o  serviço  dos  mesmos  Estudantes,  quer 
dizer,  barrer  os  seos  quartos,  alimpallos,  fazerlhe  a  cama,  e 
outros  serviços  domésticos,  haveria  huma  molher  de  idade  de 
cincoenta  annos  para  diante,  destinada  a  servir  a  cada  cinco, 
de  tal  modo  que  nenhum  destes  Educandos  se  considerasse  que 
tinha  criado  ou  criada  em  particular.  ^ 


1  Bem  se  pode  considerar  a  necessidade  da  observância  destas  dis- 
posiçoens.  Evitar  os  crimes  que  saõ  contra  a  Religião,  e  que  pelas  nossas 
Ordenaçoens  saõ  castigados,  he  da  obrigação  do  Legislador:  mas  neste 
cazo,  sendo  el  Kty  o  Pay  desta  Educação  da  Nobreza,  deve  haver  entaõ 
mais  effectiva  providencia;  todos  entendem  esta  matéria  e  os  males  que 
resultaõ  da  dissolução  da  Mocidade ;  permitte  a  Disciplina  Ecclesiastica  aos 
Parrhocos  terem  amas  de  cincoenta  annos  era  suas  cazas;  e  podia  a  Escola 
Militar  imitar  esta  instituição :  no  livro  i^  tit  94  das  Orden.  Sam  obrigados 
os^ue  tem  qfficio  de  julgar  e  de  escrever  serem  cajados;  e  quanto  mais  se- 
rão obrigados  os  que  haõ  de  governar  e  ensinar  a  Mocidade  ? 


5i 


4.^  Todos  os  quartos,  salas,  Camarás,  tanto  do  Gover- 
nador, Officiais,  Mestres,  como  dos  educandos,  seriaõ  adorna- 
dos da  mesma  sorte  de  alfayas  sem  distincçSo  de  pessoa^,  e 
todas  ellas  deviaõ  ser  feitas  no  Reyno. 

5.^  Tudo  o  que  servisse  de  alimento  e  de  bebida  nesta 
Escola  Real  devia  ser  produção  do  Reyno,  c  dos  dominios  de 
S.  Majestade,  como  taõbem  tudo  aquillo  que  vestissem,  calças- 
sem ;  ainda  mesmo  as  espingardas,  espadas,  bandoleyras,  e  tudo 
que  servisse  no  manejo,  e  na  cuzinha.  * 

6.^  Como  estes  educandos  haviaõ  de  estar  alistados  em 
companhias  cada  huS  de  vinte,  ou  vinte  e  quatro,  governadas 
petla  disciplina  militar,  ja  se  ve  que  devem  vestirse  com  uni- 
formes; e  do  mesmo  modo  os  Officiais,  e  Inspectores,  cada 
qual  com  distinção  do  seu  gráo.  * 

j,^  Todos  estes  educandos  deviaõ  comer  em  communi- 
dade,  e  naõ  serlhe  permitido  nenhuma  sorte  de  alimento  no  seu 
quarto.  *  / 

8.^  De  sol  nacido  até  sol  posto,  sempre  haverá  humacom- 
panhia  de  educandos  de  Guarda :  seraõ  os  que  estarão  de  sinti* 
nella  dentro  do  edifício  nos  lugares  que  o  Commandante  achar 
aproposito.  E  como  para  a  guarda  de  todo  o  edifício  deve  ha- 
ver huma companhia  de  Soldados  tirada  do  regimento  da  guar- 
nição mais  chegada,  estes  seraõ  os  que  estarão  de  sintinella  ás 
portas  de  entrada  e  sahida  dia  e  noyte. 

9.*  A  nenhum  deste^  educandos  seria  permitido  entrar 
no  quarto  ou  camará  dos  seos  collegas;  nem  dos  Officiais  de 
guerra^  Mestres,  ou  Officiais  de  economia  sub  pena  de  rigo- 
roza  prízSo. 

10.*    Ao  tenente  dei  Rey,  ou  Commandante  d'esta  Es- 


2  No  intento  que  aprendaõ  os  Educandos  a  viver  com  o  necessário, 
e  naõ  haver  distinção  nesta  matéria  naquella  Escola,  e  taõbem  para  que 
aprendaõ  aroar  a  sua  pátria,  e  naõ  ficarem  desde  meninisse  imbebidos  que 
tudo  que  naõ  he  estrangeyro,  he  mao  e  mal  feito. 

*  Era  huma  Le^  dos  antigos  Reys  da  Pérsia  e  do  Egypto.  Só  deste 
modo  mostra  bum  patriota  que  ama  sua  pátria,  e  que  faz  estimação  delia ; 
quem  assim  naõ  for  educado  nem  saberá  o  que  he  o  bem  commum,  nem 
as  obrígaçoens  com  que  naceo.  Estes  dois  artículos  se  observaÕ  a  risca  na 
Escola  Militar  de  Paris. 

>  No  coUegio  Thereziano  de  Víenna  cada  educando  se  veste  como 
quer:  a  distinção  entre  os  mesmos  SocioSi  todos  filhos  adoptivos  do  Es« 
tado  faz  perder  o  objecto  da  instituição. 

*  £'  para  exercitar  a  ley  deste  Instituto^  «Que  ninguém  ha  de  viver 
por  soa  vontade,  mas  conforme  á  Ley». 


02 


cola  Real,  Intendente  Director  dos  Estudos,  Offidais  de  Guerra, 
e  Mestres,  e  outros  Offidais  econoofiicos  lhes  seria  dada  a  cada 
hum  sua  particular  instrução  para  exercitarem  o  seu  cargo. 

1 1.*  Naõ  seria  permitido  aos  Mestres,  nem  aos  Oficiais 
de  Guerra  castigar  com  ca^-tigo  corporal :  só  poderiaõ  mandar 
prender;  e  dar  por  escrito  a  falta,,  ou  culpa  do  educando  ao 
Conselho  económico  da  Escola,  que  se  teria  huma,  ou  duas  ve- 
zes por  semana,  no  qual  se  determinaria  o  castigo.  O  Mayor 
?|ue  sente  a  Nobreza  hé  a  deshonra:  o  ser  condenado  a  naõ 
requentar  as  classes :  o  estar  de  pé  em  parada  sem  espada,  e 
sem  espingarda  á  vi  «ta  dos  Mestres  e  de  seos  iguais,  serviria 
da  mais  efficas  correçaõ.  ^  Vejasc  a  dita  Encydopedia  tom.  v, 
no  lugar  citado  assima. 

S 

Em  que  idade  deviam  entrar  os  Educandos 
na  Escola  Real  Militar? 

Se  os  educandos  entrassem  nesta  Escola  na  única  inten- 
ção de  sahirem  instruídos  nas  lingoas  e  nas  sciencias,  nenhum 
deveria  entrar  antes  da  idade  de  do^e,  ou  quator:(e  annos.  Mas 
o  intento  principal  he  que  seu  animo  saya  deitas  escolas  t^o- 
bem  informado  na  virtude,  no  amor  da  Pátria,  e  na  obediên- 
cia ás  Leis;  que  pella  imitação  da  boa  companhia,  e  pella  pra- 
ctica  das  boas  acçoens,  fiquem  instruKlos  nestas  taS  importantes 
obrigaçoens:  pelo  que  bem  poderão  entrar  os  educandos  desde 
a  idade  de  oito  ou  nove  annos,  e  se  fosse  possível  ainda  mais 
cedo  pellas  razoens  seguintes. 

Tanto  que  as  riquezas  da  ÂfTrica  e  do  Criente  entrarão 
em  Portugal,  logo  começou  a  mostrarse  o  luxo  nos  vestidos, 
comidas,  e  mais  commodidades  estrangeiras;  começou  a  es- 
fríarse  o  amor  das  familias,  e  por  ultimo  da  Pátria.  El  Rey 
Dom  João  o  Terceyro,  foi  o  ultimo  Rei  que  foi  criado  com  ama 
Nobre;  e  ja  seos  Filhos,  nem  seu  Neto  el  Rey  D.  Sebastião, 
tiveraõ  amas  mais  que  da  classe  plebea :  indicio  certo  que  as 
Senhoras  naS  criavao  ja  seos  filhos,  como  nos  tempos  anterio- 


^  O  castigo  que  daõ  os  quatro  Collegios  Mayores  de  Salamanca  aos 
Noviços  (que  todos  são  Nobres)  he  ordenarlhes  que  fiquem  de  pé  arrima- 
dos aos  lados  das  portas  dos  Claustros,  e  ás  vezes  por  hum  dia  enteyro,  a 
vista  de  todos  os  que  entraõ  e  sayem ;  e  por  experiência  se  sabe  que  tem 
produzido  este  castigo  admiráveis  mudanças  nos  costumes. 


53 


rcs,  Introduziose  este  destruitvo  costume  da  ra(;a  humana,  do 
amor  filial  e  dos  bons  costumes ;  e  a  pezar  de  tanto  serma6| 
missocns,  e  practicás  espirituais,  nenhuma  Senhora  quer  sacrifi- 
car a  sua  formozura  á  criação  de  seos  filhos,  que  hão  de  ser  a 
cauza  da  felicidad?,  ou  dos  infortúnios  do  resto  dã  sua  vida. 
Seria  loucura  persuadir  c  que  ninguém  quer  abraçar.  ^ 


s  : 


Cònseqttencias  por  nam  criarem  as  Mays  seos  filhos. 

Tem  para  si  estas  Mays,  que  naÕ  criaõ,  que  conservarão 
por  mais  tempo  a  formuzura,  e  que  dilatarão  a  vida  com  mais 
vigor  e  forças,  e  que  perderiaõ  a  sua  boa  constituição  criando 
por  dezoito  mezes  ou  dois  annos.  Mas  he  engano  manifesto;  e 
o  contrario  se  sabe  pela  experiência,  e  pela  boa  Physica. 

A  molher  que  pario,  e  que  naõ  cria  o  seo  parto,  em 
pouco  tempo  vem  a  conceber  de  nove :  a  prenhes  de  nove  me- 
zes he  huma  enfermidade,  que  enfraquece  mais  o  corpo  do  que 
criar  aos  peitos  por  anno  e  meyo:  e  como  concebem  antes  que 
as  partes  da  geração  adquirissem  pelo  repouzo  a  sua  natural 
consistência,  succede  que  estas  Senhoras  abortaõ  mais  frequen- 
temente :  enfermidade  ta6  considerável,  que  muitas  ou  perdem 
a  vida,  ou  ficao  achacadas,  perdendo  em  poucos  annos  o  idolo 
da  sua  belleza,  ficando  frustradas  do  seu  mtento,  e  expostas  a 
viverem  por  toda  a  vida  a  mil  desgostos  e  pezarcs.  A  molher 
que  cria  o  seu  parto  fortifica  o  seu  corpo ;  porque  a  natureza 
fnclinandose  a  lançar  para  os  peitos  muita  parte  dos  alimentos, 
nesse  mesmo  tempo  as  partes  da  geração  se  alimpaõ  dos  hu- 
mores qre  estiveraS  detidos  por  nove  mezes,  e  alimpandosse 
cada  dia  adquirem  o  seu  vigor  natural;  e  deste  modo  a  niolHer 
que  cria  o  seu  parto,  e  que  o  sustenta  só  com  o  seu  leite  por 
hum  anno,  naõ  concebe,  que  dificilmente;  se  concebem  de  an- 
tes, he  por  que  naõ  daõ  leite  na  quantidade  necessária,  temendo 
estas  Mays  e  Amas  enfraquecerse,  o  que  he  engano  manifesto. 

Este  o  mal  que  cauza  ás  Mays  naõ  criarem  seos  filhos, 
vejamos  agora  os  danos  a  que  estaõ  expostos  os  partos  viven- 
tes e  ainda  os  mais  vivazes.  A  molher  que  concebeo  dentro  do 


*     Et  qua?  Despcrat  iractata  nitescere  posse,  relinquit. 

Horat.  dt  Árt.  PotL  v.  150. 


54 


anno  em  que  pano,  naõ  deu  tempo  para  que  as  partes  da  ge* 
ração  adquirissem  aquelle  vigor  natural,  que  lhe  he  natural:  a 
prole  concebida  naõ  terá  tanto  espaço  para  se  estender;  ficará 
mais  fraco,  porque  6  lugar  onde  vai  crescendo  está  relaxado, « 
fatigado  pela  prenhes,  e  parto  antecedente:  daqui  he  que  sahirá 
á  luz  com  menos  vigor  e  com  menos  esforço  para  crescer.  E 
será  esta  a  causa  que  nos  nossos  séculos  a  espécie  humana  he 
mais  piquena  e  mais  fraca,  que  nos  seeulos  anteriores?  pelo 
menos  parece  ser  huma  cauza  desta  pequenhés. 

Atégora  os  danos  que  sofrem  as  Mais  e  os  seos  partos 
no  corpo;  mas  os  mais  consideráveis  e  lamentáveis  saõ  aquel- 
les  que  se  imprimem  no  animo  das  crianças  criadas  por  amas. 
Se  fôramos  nacidos  para  viver  nos  dezertos  da  Affrica,  ou  nos 
bosques  da  America,  pouco  importava  que  as  amas  imprimis- 
sem no  nosso  animo  aquellas  ideas  de  terror,  de  feitiços,  de  fei- 
ticeyras,  de  dunendes,  de  crueldade,  e  de  vingança;  mas  so-nos 
nacidos  em  sociedade  civil,  e  christS;  aquellas  ideas  que  nos 
daõ  as  amas  saõ  destrutivas  de  tudo  o  que  devemos  crer,  e 
obrar:  ficaõ  aquellas  crianças  expostas  ao  ensino  de  molheres 
ignorantes,  superstiziozas;  saõ  os  primeyros  Mestres  da  lingoa, 
dos  dezejos,  dos  apetites,  e  das  payxoens  depravadas.  Chegou 
o  menino  a  fallar,  ja  esta  cercado  de  duas  ou  três  molhei  es, 
mais  ignorantes  mais  superstiziozas,  do  que  a  ama;  por  que 
estas  saõ  mais  velhas,  e  sabem  mais  destruir  aquella  primeira 
intelligencia  do  menino;  chega  a  idade  de  caminhar,  ja  tem  seu 
mocinho,  ordinariamente  escravo,  e  como  foraõ  pelas  Mays 
criados  por  taes  amas,  e  velhas,  saõ  os  lerceyroi  Mestres  até 
d  idade  de  seis  ou  sete  annos:  e  se  o  máo  exemplo  do  Pay  e 
da  May  póem  o  seMo  a  esta  educação  fica  o  menino  embebido 
nestes  detestáveis  princípios,  que  mui  dificilmente  os  milhares 
Mestres  podem  arrancar  aquelles  vícios  pelo  discurso  da  idade 
pueril. 

Será  impossivel  introduzirse  a  boa  educação  na  Fidalguia 
Poriugueza  em  quanto  naõ  houver  hum  Collegio,  ou  Recolhi- 
mento^ quero  dizer  huma  Escola  com  clauzura  para  se  educarem 
ali  as  menin^is  Fidalgas  desde  a  mais  tenra  idade;  porque  por 
ultimo  as  Maens,  e  o  sexo  femenino  saõ  os  primeyros  Mestres 
do  nosso;  todas  as  primeyras  ideas  que  temos,  provem  da  cria- 
ção que  temos  das  mays,  amas,  e  ayas ;  e  se  estas  forem  bcn> 
educadas  nos  conhcdmentos  da  veruadeyra  Religião,  da  vida 
civil,  e  das  nossas  obrigaçoens,  reduzindo  todo  o  ensino  destas 
meninas  F*idalgas  á  Geographia,  á  Historia  sagrada  e  pro- 
fana, e  ao  trabalho  de  maõs  senhoril,  que  se  emprega  no  risco. 


55 


no  bordar,  pintar,  e  estofar,  naõ  perderiaõ  tanto  tempo  em  ler 
novellas  amorozas,  versos,  que  necn  todos  sa5  sagrados:  e  em 
outros  passatempos,  onde  o  animo  naõ  só  se  dissipa,  mas  ás 
vezes  se  corrompe;  mas  o  peyor  desta  vida  assi  empregada  he 
que  se  communica  aos  filhos,  aos  irmãos,  e  aos  maridos.  Da- 
qui vem,  que  sendo  ua  mesma  Naçaõ,  da  mesma  familia,  e  da 
mesma  caza,  estaõ  introduzidas  duas  sortes  de  lingoa,  ou  mo- 
dos de  fallar:  a  conversação  que  se  deve  ter  com  as  senhoras, 
não  ha  de  ser  sobre  matéria  grave,  séria ;  estás  conversaçoens 
judiciosas  ficaõ  reservadas  para  algum  velho,  ou  para  algum 
notado  de  extravagante :  e  assim  succede  que  íicaõ  as  Senho- 
ras por  toda  a  vida  (ordinariamente)  meninas  no  modo  de  pen- 
sar; e  com  taõ  miseráveis  principios  vem  ellas,  as  suas  amas, 
as  soas  ayas,  e  donas,  a  serem  os  Mestres  daquelles  destinados 
a  servir  os  Reis. 

Naõ  me  acuze  V.  Illustrissima,  que  sahi  fora  do  intento 
que  lhe  prometi.  Achei  que  tratar  da  educação  que  deviaõ  ter 
meninas  Nobres  e  Fidalgas  merecia  a.  mayor  attençaõ  porque 
por  ultimo  vem  a  ser  os  primeyros  Mestres  de  seos  filhos,  ir- 
maÕDs  e  maridos.  V.  Illustrissima  sabe  muito  melhor  do  que 
eu^  aquelles  monumentos  que  temos  na  Historia  Romana,  e 
taõbem  na  nossa,  de.  tantas  Mays  que  por  criarem  e  ensinarem 
seos  filhos  foraõ  os  que  salvarão  a  Pátria,  e  a  iliustraraõ:  houve 
em  Roma  muitas  Cornelias,  como  em  Portugal  muitas  Pheli- 
pas  de  Vilhena.  Mas  naquelle  tempo  ainda  o  luxo  ou  a  disso- 
lução naõ  se  tinha  apoderado  do  animo  Português,  porque  as 
riquezas  naõ  eraõ  taõ  apetecidas.  A  connexaõ  que  tem  a  edu- 
cação da  Mocidade  Nobre  que  prometi  a  V.  Illustrissima,  me 
obriga  a  ponderar,  se  não  seria  mais  útil  para  a  conservação  e 
iQgaicDto  da  Religião  Catholica,  transformarse  tantos  Convén- 
ios de  Freyras  e  das  Ordens,  principalmente  Militares  sem 
exerdcio  algum  da  sua  destinação,  nestes  establecímentos  que 
proponho,  tanto  para  a  Mocidade  Nobre  Masculina,  como  Fe- 
minina? Com  o  exemplo  das  educandas,  ou  Filies  de  Saint 
Cyr,  fundação  perto  de  Ver^ailles,  e  com  o  da  Escola  Real 
MiHtar,  se  poderiaõ  fundar  no  Reyno  outros  ainda  mais  ven- 
tajozos,  para  a  mesma  Nobreza^  e  p^ra  conservação  e  augmento 
da  Religião  e  do  Reyno,  Mas  espero  ainda  ver  nos  meos  dias 
cstablecimentos  semelhantes  em  tudo,  ou  em  parte,  que  satis- 
fação todo  o  meu  dezcjo. 


56 


S 

Dos  Mestres  da  Escola  Real  Militar,  para  a  Arte 
da  Guerra  e  das  Sciencias, 

Ainda  que  na  Encyclopedia  citada,  no  articulo  Escola 
Militar  se  contem  o  que  devem  aprender  os  Educandos  da 
Escola  Militar,  julgu  n  aproposito  aplicar  o  que  contem  de  útil  á 
Escola  proposta  em  Portugal;  sendo  essa  a  razão,  que  me  move 
a  notar  o  que  se  deve  seguir  ou  evitar,  deyxando  para  os  que 
a  dirigirem  entrar  nas  particularidades  do  ensino,  que  só  com 
a  experiência  e  com  o  tempo  se  pode  fixar  huma  Ley  constante 
e  universal;  bem  entendido  que  subsistaS  as  mesmas  circums- 
tancias. 

O  primeyro  e  quotidiano  ensino  desta  Escola  deve  ser  a 
Religião^  para  comprirmos  a  obrigação  de  Christaõ:  esta  Es- 
cola devia  considerarse  como  huma  Parrochia  debayxo  da  Juris- 
dição immediata  do  Ordinário  que  presentaria  o  Parrhoco  e 
hum  ou  dois  Vigários,  nao  só  para  administrar  os  Sacramen- 
tos, mas  para  instruir  nos  r3omingos  e  dias  de  Festa  na  Reli  • 
giaõ:  mas  sem  Novenas,  Irmandades,  Confrarias,  e  outras  Insti- 
tuiçoens,  que  naõ  saõ  essenciais  á  Religião  Catholica :  este  mesmo 
Parrhoco  e  Vigários,  ja  se  sabe  que  inculcarão  nao  \6  o  que 
saõ  obrigados  a  ensinar,  mas  a  serem  os  milhores  Súbditos, 
porque  saõ  os  mais  bem  premiados  do  Estado. 

A  segjnda  sorte  de  Mestres,  seriaõ  os  Militares  e  todos 
aquelles  que  ensinariaõ  os  exercicios  corporais,  para  foriificar 
o  corpo,  fazelo  ágil  e  endurecido  ao  trabalho  e  á  fadií^a  que 
requer  a  guerra.  He  necessário  considerarse  em  Portugal  «^e 
acharão  Officiais  Militares,  que  ensinem  o  manejo  das  armas, 
as  Evoluçoens  e  a  Táctica:  he  necessário  ponderar  qual  sono 
de  Officiais  devem  ser  preferidos  para  ensinar  nesta  Escola,  se 
os  Estrangeyros,  se  os  Nacionais? 

Parece  que  o  fim  e  o  principal  objecto  desta  Escola  deve 
ser,  «Que  a  Nobreza  e  a  Fidalguia  fique  taõbem  inst^^uida,  e 
taõbem  morigeradas  que  obedeçaõ  ás  Leis  Pátrias,  á  subordi- 
nação dos  Mayores,  e  que  percaõ  aquella  idca  que  devem  ser 
premiados  por  descenderem  de  lal  ou  tal  caza:  e  que  fiquem 
no  habito  de  pensarem,  que  só  pelo  seu  merecimento  chegarão 
aos  postos  e  ás  honras  a  que  aspira  a  sua  educação». 

Se  este  for  o  intento  de  sun  Magesiade,  ficará  fácil  deci- 
dir que  devem  ser  preferidos  os  Officiais  Militares  Estrangeyros 


/ 


aos  Nacionais :  o  Official  Portuguez,  que  ensinar  ou  instruir  na 
sua  obrigação  hum  Menino  Fidalgo,  sempre  lhe  mostrará  huma 
distinção  ou  sumissaõ,  e  não  se  atreverá  a  executar  com  elle,  o 
que  pede  a  disciplina  Militar:  esta  he  e  deve  ser  cega  para  man- 
dar a  Nobreza,  ainda  da  mayor  esphera :  e  deste  modo  parece 
que  só  os  OfiSciais  Militares  bstrangeyros  podiaõ  cabalmente  sa- 
tisfazer esta  tao  essencial  parte  do  ensino  q^ue  se  pretende. 

Seis  até  oito  Oíficiais  Mayores,  como,  por  exemplo,  hum 
Mayor,  hum  Vice-Mayor,  três  ou  quatro  capitaens,  e  outros 
tantos  Tenentes  Estrangeyros  seriaõ  bastantes ;  porque  o  Com' 
mandante,  ou  Tenente  dei  Rey,  a  cujo  cargo  estaria  a  dita  Es- 
cola, sendo  Official  Geral  devia  ser  Nacional,  e  dos  mesmos 
educandos  podiaõ  sahir  os  Sargentos  de  numero,  de  supra,  os 
Cabos  de  esquadra,  etc.  e  por  muitas  consideraçoens  que  naS 
pertencem  aqui,  deviaõ  ser  estes  Estrangeiros  da  Naçaõ  Suissa, 
naõ  sendo  obstáculo  para  este  effeito  a  Religião  Protestante  que 
seguem  aquelles  Republicanas  pela  mayor  parte. 

O  dia  da  quinta  feira  seria  destmado  enteyramente  para 
o  exercício  militar,  o  manejo  da  Espingarda^  as  Evoluçoens 
^Militares  e  a  Táctica. 

Âssima  íica  proposto  que  cada  companhia  constaria  de 
vinte  ou  vinte  e  quatro  Educandos,  o  que  se  deve  entender  no 
principio  deste  tstablecimento ;  mas  podia  estenderse  este  nu- 
mero até  cem  em  cada  companhia,  e  poderiaõse  completar  os 
Oficiais  de  cada  huma  delias,  como  Alferes  e  Tenentes,  com 
Oficiais  Educandos. 

Seria  útil  que  o  resto  dos  Mestres,  para  ensinar  todos  os 
exercicios  do  corpo,  como  sao  a  dansa,  a  esgrima,  montar  a 
cavallo  e  nadar,  fossem  Portuguezes,  com  aquellas  qualidades 
necessárias  para  ensinar;  estes  exercicios  seriaõ  quotidianos  e 
di>tribuidos  no  tempo  que  indicaremos  abayxo,  quando  tratar- 
mos da  instrução  nas  Lingoas  e  Sciencias. 

Os  Mestres  para  ensinar  a  Lingoa  Castelhana,  Francesa 
e  Inglesa,  necessariamente  deviaõ  ser  Estrangeiros;  e  na  Es- 
co-a  Militar  de  Paris  os  serventes  saõ  Âlemaens  e  Italianos, 
para  que,  pelo  uzo,  aprendaõ  aquelles  Educandos  estas  Lin- 
goas, alem  do  ensino,  que  tem  dos  Mestres:  methodo  que  se 
devia  inr.itar. 

Igualmente  seria  necessário  haver  mais  Mestres  Estran- 
geiros, para  ensinar  as  sciencias,  ou  na  Lingoa  Franceza,  ou 
na  Latina,  c  mesmo  de  Religião  Protestante,  o  que  naõ  sei,  se 
^erá  b.  in  aceite  c>ta  proposta.  Mas  considerando  que  só  entre 
o>>  Aleniaens  e  os  Suissos  saõ  bem  conhecidas  a  Philosophia 


58 


Moral,  Origem  do  Direito  das  Gentes  e  do  Civil,  a  Historia 
Antigua  e  a  Politica  dos  nossos  tempos,  ninguém  duvidará  es- 
colher os  Homens  doutos  destas  Naçoens,  para  este  ensino. 

Naõ  he  novo  ensinarem  os  Protestantes  nas  Escolas  pu- 
blicas Catholicas:  a  Universidade  de  Pádua  teve  Lentes  de 
Mathematica  Protestantes,  como  foi  M.  Herman  Suisse,  Autor 
da  Vhoronomia.  Em  muitos  Estados  Catholicos  de  Alemanha 
he  a  Practica  ordinária,  porque  cada  Mestre  ou  Lente  se  con- 
tem a  ensinar  unicamente  a  Sciencia  que  professa,  e  como  os 
Educandos  serão  instruídos  cada  dia  pelos  Ecclesiasticos  da 
mesma  Escola,  e  pelos  Mestres  Portuguezes  ao  mesmo  tempo, 
naõ  se  poderá  temer  com  razaõ,  que  o  ensino  dos  Estrangeiros 
possa  prejudicar  a  Educação  no  que  toca  á  Religião,  nem  á 
santidade  dos  costumes. 

As  leis  da  economia  interior  desta  Escola,  e  a  sua  exacta 
observância,  as  instruçoens  que  cada  Mestre  havia  de  receber, 
quando  entrasse  no  seu  cargo,  com  juramento  de  as  observar, 
conforme  á  sua  Religião,  seria  o  methodb  effectivo  da  boa  or- 
dem e  da  utilidade  desta  Escola.  Porque  como  toda  ella  devia 
depender  immediatamente  de  S.  Magestade,  e  ficar  na  depen- 
dência do  Secretario  do  Estado,  por  o  Governo  interior  do 
Reyno,  seria  mui  facil  obviar  a  qualquer  desordem,  e  executar 
tudo  o  que  estivesse  decretado. 


§ 

^as  Lingoas  e  Sciencias  que  se  deviam  ensinar 
nesta  Escola,  e  em  que  tempo  ? 

Nos  cinco  dias,  vem  a  saber,  secunda  feira,  terça  feira, 
quarta  feira,  sexta  feira,  é  sábado  poderiaõ  estes  Educandos 
occuparse  .em  vinte  liçoens. 

Cinco  liçoens  dê  Grammatica  da  sua  própria  lingoa;  es- 
crevela  e  compor  nella  com  propriedade  e  elegância;  a  liogoa 
Latina,  Castelhana,  Franceza  e  Ingleza. 

Três  liçoens  de  Arithmetica,  Geometria,  Álgebra,  Tri- 
gonometria, Scççoens  cónicas,  etc. 

Tt^es  liçoens  de  Geographia,  Historia  profana,  sagrada, 
e  militar. 

Duas  ou  três  do  Risco,  Fortificação,  Architectura  mili- 
tar, naval,  civil,  com  os  instrumentos  e  modelos  necessários 
para  aprender  estas  Sciencias. 


59 


Duas  de  Hydrographia,  Náutica,  com  os  instrumentos. 

Ciuco  dos  exercícios  corporaes:  dança,  esgrimir,  manejo 
da  espingarda,  montar  a  cavallo,  e  nadar. 

Ja  se  vê  que  ao  passo  que  os  educandos  souberem  a  sua 
lingoa,  a  Latina,  e  a  Franceza,  a  Geographia,  a  Chronologia, 
e  os  Elementos  da  Historia,  que  devem  passar  a  outras  ciasses 
onde  se  en^^inaraõ  as  sciencias  que  dependem^  destes  conheci- 
mentos. Alem  das  referidas  necessariamente  se  deviaõ  ensinar : 

A  Philosophia  Moral  por  theoria  e  practica : 

O  Direito  das  Gentes,  os  Principios  do  Direito  Civil,  Po- 
litico, e  Pátrio,  que  deviaõ  ser  as  nossas  Ordenaçoens  refor- 
madas, á  imitação  daquella  de  Turin  publicadas  e  decretadas 
por  Victor  Amadeo  no  anno  de  1721  e  1724: 

A  Economia  Politica  do  Estado,  isto  he  o  conhecimento 
da  Agricultura  universal:  a  Navegação,  e  o  Commercio  nos 
Mares  conhecidos. 

Pode  se  duvidar  com  razaõ  se  todos  os  educandos  devem 
aprender  sem  distinção  a  Lingoa  Latina,  e  as  Sctencias  mais 
elevadas.  He  certo  que  devia  haver  excepção  nesta  matéria ;  e 
conformar  o  ensino  ao  génio,  inclinação  e  engenho  dos  educan- 
dos; sem  embargo  desta  precaução  todos  seriaõ  obrigados  apren- 
der sem  distinção  o  seguinte : 

Saber  escrever  a  sua  lingoa  com  propriedade,  e  com  a 
mesma  fallar  a  Castelhana  (de  que  injustamente  fazemos  pouco 
cazo),  a  Franceza,  e  a  Ingleza. 

A  Geographia,  sem  a  qual  naõ  saberemos  nem  ainda  a 
nossa  Historia  que  deviaõ  todos  saber,  com  a  de  Castella,  de 
França,  Inglaterra,  e  o  principal  da  Ecc^esiastica :  pelo  menos 
aquelles  T>iscursos  de  rHistoíre  Ecclesiastique  de  SM.  PoAbòé 
de  Fleury. 

A  Arte  da  Guerra  e  da  Náutica ;  esta  também  por  pra- 
ctica, embarcandose  em  cada  viagem  de  Navios  de  Guerra 
para  as  nossas  Colónias  alguns  destes  educandos. 

Todos  os  Estatutos  Militares,  e  Náuticos;  mas  naõ  su- 
perficialmente, como  he  maõ  costume;  mas  com  exactidão  e  in- 
telligencia. 

Todos  os  exercícios  do  corpo  referidos ;  e  saber  arte  de 
conhecer  os  cavallos,  os  seus  petrechos,  o  seu  sustento,  e  tudo 
qae  toca  ao  Inspector  General  da  Cavallaria ;  necessária  pre- 
caução para  ser  official  perfeito  nesta  parte  do  exercito:  do 
ntcsmo  modo  se  devia  aprender  tudo  que  pertence  a  hum  na- 
vio de  guerra :  e  na  Artilharia,  e  Architectura  Militar. 

O  que  se  contem  naquelle  livrinho,  que  dissemos  assima 


6o 


se  está  compondo  tocante  ás  Obrigaçoens,  que  sa5  os  Princí- 
pios da  Phiiosopbia  moral  practica. 

No  cazo  qoe  o  juizo  de  algum  educando  fosse  taõ  estú- 
pido que  naõ  seja  capas  de  aprender  o  referido,  pelas  instru- 
çoens  Reais  para  as  Escolas,  devia  ser  rejeitado  desta  Escola 
Real;  e  como  ihe  ficassem  ainda  braços  para  manejar  huma  es- 
pingarda, ou  para  defender  o  seu  posto  em  hum  navio  de 
guerra,  esta  seria  sua  distinção;  servindo  de  utilíssimo  monu- 
mento  esta  piedoza  resolução  para  o  Estado  e  para  esta  Escola 
Real  Militar;  que  assim  sabia  tratar  os  educandos  menos  babeis. 


S 
Pouderaçam  sobre  a  Lingoa  Latina. 

Entender  e  saber  a  Lingoa  Latina  com  algua  perfeição 
naõ  se  estima  ordinariamente  por  qualidade  necessária :  mas  he 
notado  de  mâ  creaçaÕ  e  he  reputado  por  ignorante,  quem  a 
naõ  entende;  tantos*  Authores  que  escreverão  era  inútil  a  hum 
Militar,  a  hum  Capitão  de  Mar,  e  outros  Cargos  públicos,  naÕ 
tem  outro  fundam  >nto  mais,  do  que  mostrarem  que  tem  na  sua 
própria  Lingoa  todas  as  Sciencias  e  Artes  escriptas,  e  que  sa- 
bendoa  com  perfeição  aproveiíaõ  o  tempo  em  aprendellas,  que 
perdiaõ  certamente  em  quanto  estudavaõ  o  Latim :  mas  he  en- 
gano manifesto.  Quem  assim  escreve,  e  assim  declama,  sabe  a 
Lingoa  Latina,  e  naõ  se  apercebe  que  se  a  naõ  soubesse,  teria 
milhares  de  occasioens  de  dezejar  sabéla.  Notou  M.  de  Voltaire 
que  Louis  Quatorze,  e  M.  Colbert  seu  Secretario  de  Estado 
naõ  sabiaõ  Latim,  e  que  elles  promoverão  as  Sciencias  mais 
que  os  Reis,  e  Ministros  que  foram  doutos;  e  que  M.  Colbert, 
sendo  ja  Ministro  aprendia  esta  Lingoa.  Carlos  Quinto,  e  ii en- 
rique Terceyro  de  França  lamentáraõse  muitas  vezes  que  a 
ignoravam :  tcdos  aquelles  de  quem  se  pode  esperar  tiveraõ  boa 
creaçaõ,  saõ  reputados  saberem  latim:  porque  todos  os  Mys- 
terios  da  nossa  Religião,  todos  os  actos  Religiosos  delia  saõ 
nesta  Lingoa,  e  será  couza  lamentável  que  hum  Oentilhomem 
na  Igreja  intenda  tanto  como  o  Villaõ,  ou  huma  criada.  No  trato 
do  mundo  occorrem  mil  occazioens  de  saber  Latim,  huma  sentença 
que  se  dis  nesta  Lingoa  em  conversação;  o  titulo  de  hum  livro 
latinizado,  ou  em  latim;  estando  nos  Cargos  ou  civis  ou  poli- 
ticos,  ou  nos  da  guerra  ha  milhares  de  occazioens  onde  o  La- 


6i 


tim  he  necessário ;  de  outro  modo  fica  o  Ministro,  ou  o  Gene- 
ral envergonhado,  e  confuzo. 

Para  resolver  se  hum  mosso  Nobre,  nesta  Escola  que 
se  propõem,  devia  aprender  o  Latim  ou  naõ,  naõ  devia  ser 
aquelle  que  o  sabe.  Pelo  contrario  devia  ser  hum  Gentilhomem, 
ou  Fidalgo  com  conhecimentos  da  vida  civil  e  politica,  que  o 
naõ  soubesse:  estou  certo  que  o  seu  voto  nesta  matéria  seria 
pela  affirmativa,  porque  terá  exprimentado  quanta  confuzaõ,  ver^ 
gcnha,  e  mortificação  lhe  cauzou  ás  vezes  não  entender  o  Evan- 
gelho, os  textos  dos  Pregadores ;  os  Hymnos,  as  Sentenças,  e 
Ealavras  Latinas  encadeadas  na  lectura  da  Lingoa  vulgar,  e  so- 
re  tudo  na  conversação.' 

Alem  do  referido,  que  he  a  nossa  Lingoa,  acharemos  que 
a  Castelhana,  a  Italiana,  a  Franceza,  e  muita  parte  da  In- 
gleza,  naõ  he  mais  que  a  Lingoa  Latina,  ou  corrupta,  ou  com 
terminaçoens  differentes:  como  he  possível  que  hum  Português 
tenha  huma  idça  distincta,  clara  e  completa  destas  palavras :  Con- 
ceder sujeitar,  reservar,  resolver,  publicar,  exceaet\  promover, 
etc,  sem  saber  a  Lingoa  Latina?  Ainda  que  aprenda  a  Gram- 
matica  da  nossa  Lingoa,  ainda  que  venhaõ  Bluteaus  novos  de 
Irlanda  a  fazemos  Dicionários  \  jamais  a  saberemos  bem,  sem 
ter  primeiro  aprendido  o  Latim,  e  naõ  creyo  que  jamais  Por- 
tuguês sem  ella  a  escreverá  rectamente,  apezar  das  orthogra- 
phias  á  Italiana  que  começaõ  a  vogar  nas  pennas  dos  Novelei- 
ros e  de  quem  se  preza  saber  antes  a  Lingoa  Estrangeyra  do 
que  a  sua  própria. 

Por  estas  razoens,  parece  que  he  indispensável  que  esta 
Lingoa  entre  na  educação  da  Mocidade  Nobre :  todo  o  ponto 
está  que  quando  a  aprenderem  lhes  naõ  ensinem  Grammatica 
em  lugar  da  língua  latina;  a  Grammatica  ou  se  deve  ensinar 
explicando  a  Lingoa  materna,  ou  depois  de  saber  medíocre- 
niente  a  Latina;  e  o  primeiro  dia  que  começaríaõ  a  aprender 
esta,  nesse  mesmo  começaríaõ  a  traduzir  ou  algum  Evange- 
lho, ou  os  Provérbios  de  Salamaõ,  por  ser  o  Latim  mais  co- 
mum, como  saõ  ordinariamente  todas  as  versoens  ou  interpre- 
taçoens. 


1^  o  Dictionario  de  Bluteau,  em  tantos  volumes  em  folio,  merecia 
correçaõ  de  muitos  lugares,  por  algum  douto  Portuguez,  para  ser  verda- 
deiramente útil. 


62 


S 

'   Empregos  e  Honras  com  que  haviam  de  sahir 
os  beneméritos  desta  Escola. 

Chegados  os  educandos  áquelle  tempo  que  podem  ter  al- 
gum emprego  fora  da  Bscola  Militar,  deviao  ser  empregados 
conforme  o  génio,  a  capacidade,  as  forças,  e  os  seos  Estudos : 
o  Director  dos  Estudos  daria  conta  ao  Conselho  desta  Escola, 
onde  presidiria  hum  Secretario  do  Estado,  naõ  só  do  proveito 
que  cada  educando  adquirira  nos  seos  Estudos,  mas  que  tal  e 
tal  poderia  ser  útil  nos  Negócios  Estrangeyros ;  outro  nos  Tri- 
bunais económicos  do  interior  do  Reyno;  outro  no  serviço  da 
frota,  e  outro  no  eiercito.  Antes  de  serem  decorados  com  Car- 
gos públicos,  seria  conveniente,  que  se  exercitassem  aquetles 
destinados  a  navegar  nos  Navios  de  Guerra  expedidos  a  com- 
bater os  Corsários,  ou  a  conduzir  as  frotas:  outros  assistirem 
em  certos  Tribunais,  e  Conselhos,  como  ouvintes,  outros  fa- 
zendo campanhas,  ou  ficando  por  alguns  mezcs  nas  Praças 
frontevras  do  Reyno;  e  taõbem  algum  numero  delles  no  ser- 
viço da  Corte;  mas  sempre  com  obrigação  de  voltar  a  viver 
na'  Escola  Militar,  onde  deviao  conservar  o  seu  posto  até  sahi- 
rem  empregados  nos  Cargos  públicos,  e  com  tenças  procedidas 
de  alguma  Ordem  Militar,  ou  ja  establecída  ou  que  devia  esta- 
blecerse  para  esse  fim. 

Os  Educandos  que  sayem  da  Escola  Militar  de  Rússia 
depois  de  rigurozo  exame  no  que  aprenderão,  saõ  empregados 
primeiramente  no  exercito  no  posto  de  Tenentes,  de  Capitaens, 
de  primeiro  e  de  segundo  Mayor:  outros  saõ  destinados  a  sir- 
virem  no  Collegio  dos  Negócios  Estrangeiros,  outros  nos  Col- 
legios  de  Justiça  e  Rendas  Reais.  Como  naquelle  Império  o 
Almirantado  tem  huma  Escola  de  Náutica,  conri  Pensionarios  ou 
Guardas  Marinhas,  todos  igualmente  Nobres,  nenhum  Edu- 
cando da  Escola  Militar  he  empregado  no  Almirantdo. 

Os  Educandos  da  Escola  Militar  de  Paris,  sayem  para 
ser  empregados  no  exercito,  e  tem  por  premio  do  seu  apro- 
veitamento nos  Estudos,  os  postos  de  Tenentes,  Capitaens  e 
segundos  Mayores ;  alem  disso  sahem  decorados  com  huma  Or- 
dem Militar,  e  huma  pensão  por  toda  a  vida  de  So.ooo  reis,  até 
48.000  reis,  paga  ás  vezes  pela  mesma  Escola,  e  outras  á  custa 
da  Ordem  Militar  que  professaõ.  Assim  somos  feitos :  Se  naõ 
conservamos  a  esperança  fundada  na  honra,  no  proveito  e  na 


63 


distinçaS  gloríoza,  he  impossivcl  forçar  a  nossa  natureza  a  tra- 
balhar, nem  a  cultivar  o  entendimento,  sorte  de  trabalho  mais 
penivel,  e  que  requer  mais  constância,  do  que  o  corporal. 

§ 

Utilidades  que  resultariam  tanto  ao  Reyno, 
como  ao  Soberano  ao  exacto  exercido  desta  Escola  SMilitar, 

que  se  propõem. 

Tenho  mostrado  por  todo  este  papel,  lUustrissioio  Se- 
nhor, que  o  trato  e  os  costumes  de  huma  Naçaõ  provem  ongi- 
nalmente  daquelles  que  tem  os  Senhores  das  terras,  e  os  que 
exercitaõ  os  Cargos  do  Estado.  Que  me  concedaõ  que  os  Ge- 
nerais, os  Almirantes^  os  Magistrados,  e  todos  os  Cargos  da 
Corte  sejao  administrados  por  homens  educados  em  huma  es- 
cola, como  a  que  acabo  de  propor,  estou  certo  que  será  hum 
reyno  bem  governado,  com  tanto  que  o  Soberano  prcmée  e 
castigue  á  risca,  conforme  as  leis  decretadas.  Isto  he  fácil  de 
conceber :  mas  se  pelo  contrario  os  mesmos  Generais  e  Cargos 
da  Corte  forem  administrados  por  homens  educados  em  caza 
de  seos  pays  (como  he  hoje  costume), .  onde  os  Mestres  te- 
ntem de  advirtir  e  castigar  os  seos  discipulos;  onde  a  ama  ou 
a  aya,  o  criado  e  o  page  são  os  companheyros  dos  meninos, 
os  seos  manos,  toda  a  sua  companhia,  os  seos  confidentes  em 
todos  os  seos  dezejos  e  apetites,  entaõ  poderemos  julgar  que 
este  menino  conservará  em  quanto  viver  aquelles  péssimos  há- 
bitos, que  adquirio  corn  os  seos  inferiores :  naõ  saberá  repar- 
tir o  tempo  para  exercitar  o  seu  emprego,  para  descansar,  nem 
para  dormii::  buscará  em  quanto  viver  todos  os  meyos  para 
divertirse,  e  jamais  considerará  occuparse,  e  mpito  menos  cum- 
prir com  a  sua  obrigação. 

Os  louváveis  effeitos  da  boa  educação  nesta  Academia, 
será  o  primeiro  de  saber  regrar  cada  qual  o  seú  tempo  em 
todo  o  dia :  costumados  a  ievantarse  cedo,  fícalhes  tempo  para 
applicarse  e  para  se  divertir  honestamente.  Todas  aquellas  ma- 
ravilhas que  obrou  Pedro  Primeiro,  Emperador  da  Rússia, 
acho  que  não  tiverao  outra  origem  que  saber  regrar  o  seu 
tempo.  Este  raro  e  grande  Príncipe,  era  o  primeiro  homem  que 
se  levantava  no  seu  Império,  e  o  primeiro  aue  se  deitava  a 
dormir.  Levanta vase  de  veraõ  e  de  inverno  as  três  horas  da 
manhãa,  ou  estivesse  na  Corte,  ou  em  campanha,  ou  viajando ; 
tanto  que  se  levantava  estava  presente  o  Secretario  do  cabi- 


64 


nete,  com  as  petiçoens  e  papeis,  que  necessitavas  de  despacho ; 
punhase  a  despachál-as  até  as  quatro  ou  cinco  horas  da  manhãa : 
Sahia  dali  e  partia  sem  ceremonia  na  carruagem  de  veraõ  ou  de 
inverno,  acompanhado  somente  de  dois  Dragocns  a  cavallo :  entra- 
va no  Âlmirantado,  onde  já  estavaõ  lá  os  Almirantes  e  os  cargos  do 
Conselho  d^aquelle  Tribunal;  e  aquelle  que  faltava  era  apontado 
o  sallario  d^aquelle  dia,  pela  primeira  vés.  Ali  prezidia  despa- 
chando com  huma  taõ  ordenada  actividade  que  admirava,  mesmo 
áquelles  os  mais  practicos  n^aquelle  cargo.  Ali  ficava  das  seis 
até  ás  sete  da  manhãa.  Sahia  daquelle  Tribunal  e  chegava  ao 
Senado,  que  he  o  Tribunal  supremo  que  corresponde,  me  parece, 
ao  nosso  Desembargo  do  Paço:  com  a  mesma  ordenada  exa- 
ctidão despachava,  e  as  nove  horas  da  manhãa  enava  já  na  sua 
Corte:  onde  achava  o  Gran  Chanceller,  ou  primeiro  Secretario 
de  Estado,  com  dois  mais,  que  lhe  prescntavaõ  os  Negócios 
Estrangeiros,  que  ouvia  c  despachava:  depois  deste  tempo 
dava  audiência  aos  Ministros  Estrangeiros^  e  a  todos  os  mais 
que  lha  pediaõ.  As  onze  horas  sem  falta  jantava  ou  na  Corte 
ou  em  caza  de  aigum  Grande  ou  de  algum  Ministro  Estran- 
geyro:  recolhiase  a  meyo  dia;  e  até  ás  três  da  tarde,  tudo  es- 
tava na  Corte  no  mais  recatado  silencio,  porque  sempre  durmia 
a  sesta.  Sahia  ás  três  horas  a  examinar  o  que  se  passava  no 
Collegio  de  Guerra;  outras  vezes  hia  ao  Collegio  do  Commercio 
e  das  Minas;  outras,  a  ver  as  Fabricas  que  tinha  erigido ;  outras, 
a  ver  as  obras  publicas  que  tinha  ordenado;  ceava  entre  as  seis 
e  as  sete,  e  ás  sete  horas  da  noite  se  deitava :  apagavaõ-se  as  lu- 
zes na  Corte;  o  silencio  era  ig;ual  ao  de  hum  Convento;  e  deste 
modo  conheci  eu  muitos  Senhores  Russos,  e  o  Feld-Marechal 
Conde  de  Munich,  que  viviaS  do  mesmo  modo,  educados  no 
serviço  daquelle  gran  Monarcha. 

Este  foi  todo  o  segredo  daquelle  Emperador,  para  obrar 
em  trinta  e  seys  annos  que  reynou;  que  parece,  pelas  incríveis 
couzas  que  fes,  que  viveo  duzentos.  Em  saber  distribuir  e  apro- 
veitarse  do  tempo,  consistio  todo  este  artifício,  que  só  com  a 
educação  masculina  se  aprende. 

Se  consultarmos  os  monumentos  da  Historia,  acharemos 
que  a  gloria  e  augmento  dos  Reynos  na5  lhes  veyo  dos  nume- 
rozos  exércitos,  nem  das  riquezas ;  acharemos  que  foraõ  illustres 

Eda  Educação  dos  seos  Monarchas  e  dos  seos  Súbditos.  Relata 
iodoro  de  Sicilia  \  que  o  Pay  de  Sesostris,  Rey  do  Egypto, 


^    Lib.  I.  Historíarun^  p.  49.  Ed.  Francof. 


65 


veDdo  que  lhe  nacera  hum  filho  ordenou  que  todos  os  Meninos 
quenacerao  no  mesmo  dia,  fossem  creados  e  educados  com  tanto 
cuidado  e  doutrina,  que  viessem  capazes  de  serem  Companhey- 
ros  e  Mestres  por  habito  e  companhia  do  Principe;  e  que  este 
viera  taS  excellente  e  taõ  admirável,  pelas  virtudes  daqudles 
companheyros,  que  naõ  só  na  Mocidade  conquistara  as  A^ra- 
bias,  mas  em  idade  avançada,  sendo  ja  Rey  conquistara  desde 
a  índia  até  o  Mar  Negro.  Excellente  modo  de  educar  os  Prín- 
cipes, pela  companhia  dos  iguais  na  idade,  nas  inclinaçoens,  e 
divertimentos,  e  seriao  bem  aventurados  os  nossos  tempos,  se 
esta  sorte  de  ensino  resuscitasse  nelles. 

(On^teda).  António  Nunes  Ribeiro  Sanches. 


CATALOGUE  DES  INSEGTES  DU  PORTUGAL 

(Conitnaaçio,  t.  pag.  SO) 

511.  Q.  sdiitíllaiLS  Orav. 

Fauv,  Faun.  6.  Rh,,  p.  527. 
Monchique  (C.  v.  Volxem !). 

512.  Q.  semiesneus  Stepli. 

Fauv.  Faun.  O.  Rh,^  p.  53 1. 

Cca,  Guarda,  Bussaco,  Gcrcz  (L.  v.  HeydenI),  Espinho  I, 
Vizdla!,  Coimbra!. 

513.  Q.  nifipes  Qrav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  33o. 

Coimbra !. 

514.  Q.  attenuatus  Gyll. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  532. 
Cea,  Guarda,  Gerez(L.  v.  Heyden !),  Bussaco  I,  Coimbra. 

515.  Q.  boops  Orav. 

Fauv.  Faun.  6f.  Rh.,  p.  534. 

Bassaco  (C.  v.  Volxem !). 

BKVISTA  DA  SOCDSDADB  DB  INSTRUCÇÃO  DO  PORTO.  6 


66 


V.  brepipennis  Fairm. 
Fauv.  Faun.  G.  Rh.y  p.  535. 

Pena  (L.  v.  HeydenI). 

QURB  ASTBAPiBUS  QBAYBMHOBST 

516.  A.  ulmi  Bossl. 

Fauv.  Faun,  G,  Rh.,  p.  540. 

Sans  indication  de  Ia  localité,  ou  je  Pai  pris,  je  possède  ua 
seul  individu. 

STAPHYLININI 

QniBB   EMUS  0UBTI8 

517.  E.  mazlllosus  L. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.j  p.  3g5. 

Monchique!,  Bejal,  Coimbra!,  Braga. 

GuM  LEISTBOPHUS  PEBTT 

518.  L.  murinus  L. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.j  p.  397. 

Coimbra !«  Gerez  (L.  v.  Heyden!). 

QniKB  STAPHTLINUS  LINNÉ 

519.  S.  flilvlpes  Soop. 

Fauv.  Faun.  G,  Rh,f  p.  4o3. 

Monchique!,  Arrifana  (prés  de  Guarda)!. 

520.  S.  OaesareuB  Oederh. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.,  p.  408. 

Serra  de  Montesinho !,  Chaves  !• 

Serra  d'Estrella!,  Arrifana  (prés  de  Guarda}!.  j 

521.  S.  olens  M11II. 

Fauv.  Fdun.  G.  Rh.j  p.  409. 

Dans  tout  le  Portugal. 

522.  S.  oplithalmious  Soop. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  411. 

Monchique  (C.  v.  Volxem !),  Serra  d'Estrella  (L.  v.  Hey- 
den!), Leça!. 


j 


67 


523.  S.  nltens  Solir. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh.y  p.  411. 

Bussacol,  Coimbra!^  Azambuja  (J.  Antunes!},  Evorá!. 

524.  S.  86thlops  Waltl. 

Fauv,  Faun,  6.  Rh.^  p.  413. 

Dans  le  sud  du  Douro  je  Tai  trouvé  partout.  U  se  trouve 
probablecnent  dans  le  nord. 

525.  S.  ploipennis  F. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.j  p.  414. 

Serra  de  Rebordaos!,  Coimbra  I. 

526.  S.  saneooeplialus  De  Gteer. 

Fauv,  Faun,  G,  Rh.,  p.  417. 

Beja!,  Guarda!,  Estarreja!,  Serra  de  Rebordaos!. 

527.  S.  pedator  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.y  p.  417. 

Bragança!. 

Le  seuI  individu  que  je  possède  appartient  â  la  variété  in- 
diquée  par  Kraatz  (Nat.  Ins.  Deut.  11,  p.  56])  avec  Ia  base  des 
antennes,  les  jambes  et  tarses  d'une  couleur  de  poix. 

528.  S.  ater  Oray. 

Fcuiv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  418. 

Azambuja  (J.  Antunes!). 

529.  S.  edentolus  Blook. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  419. 

Bussaco !,  Bragança !,  Espinho !,  Douro  I. 

r 

anu  0Á7IU8  8TBPHEHS 

^530.    O.  oribratus  Er. 

Fauv.  Faun.  G.  7?A.,  p.  422. 

Mentionné  par  Mr.  Fauvel,  du  Portugal. 


68 


531.  O.  zantholoma  Orav. 

Fauv.  Faun,  G,  Rh^p.  424. 

Espinho!,  Leça!.  Três  commun  sous  les  plantes  mariti- 
mes  jetées  par  Ia  mer. 

Qmnm  AOTOQIUS  FAUVBL 

532.  A.  prooerulus  Orav. 

Fauv,  Faun,  G.  Rh.,  p.  43x. 

Tavira!  (C.  v.  Volxem!). 

533.  A.  prolixos  Er.      • 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.y  p.  432. 
Monchique  (C.  v.  Volxem  I). 

Gbvbb  PHILOMTHUS  OUBTIS 

534.  P.  Intermédios  Lao. 

Fauv.  Faun,  Cf.  Rh.,  p.  439. 

Bussaco !. 

535.  P.  seneos  Rossi. 

Fauv.  Faun.  Q.  Rh,,  p.  442. 

Je  possède  trois  individus  du  Portugal* 

536.  P.  ombratilis  Orav. 

Fauv,  Faun,  G,  Rh.,  p.  447. 

Cannas  de  Senhorim !,  Monchique  (C.  v.  Volxem  1).  Fel- 
gueira* 


•• 


537.  P.  sórdidos  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.  p.  44. 

Coimbra!. 

538.  P.  soavis  Bris. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.  p.  449. 

Coimbra !,  Felgueira  I. 


69 


539.  P.  ebeninus  Grav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  460. 

Gommun  partout 

540.  F.  nlgrritolns  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  7?*.,  p,  469. 

Coimbra!  (C.  v.  Volxem!,  L.  v.  Heyden!).  Bussaco!^ 
VizcUal,  Espinho!,  Gercz!  (L.  v.  Heyden!). 

541.  P.  politus  P. 

Fauv.  Faun.  G.  Tih.y  p.  4^3. 

Je  possède  un  seuI  individu  du  Portugal. 

542.  P.  varius  QyU. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  476. 

Coimbra!  (L.  v.  Heyden  1),  Estarreja!. 

543.  P.  esourialensls  Perez. 

Abeillty  vni^  p.  294. 
Guarda !,  (L.  v.  Heyden !). 

544.  P.  tennis  F. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.,  p.  477. 

Bussaco!,  Guarda  (L.  v.  Heyden  I). 

545.  P.  fenestratus  Fauv. 

Fauv.  Faun.  G.  TÇ/i.,  p.  479. 

Cite  parmi  les  staphylins  recoltés  par  mr.  C.  v.  Volxetn 
en  Portugal. 

546.  P.  oraentatns  Qmel. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  479.  ' 

Mr.  L.  V.  Heyden  mentionne  du  Gcrez  le  Ph.  bipustu- 
laius  Van:^,  synonime  de  celui-ci. 


70 


547.  P.  varlans  Payk. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh,^  p.  481. 

Gté  du  Gerez  par  Mr.  L.  v.  Heyden  sous  Je  nom  de 
Ph.  opacus  Thoms.  Coimbra  I. 

548.  P.  nigrita  Pryk. 

Fauv.  Faun.  G.  M.,  p.  484. 

D^après  Mr.  Fauvel  un  individu  qu^il  a  étudié  du  Portu- 
gal a  lea  élytres  un  peu  moins  densément  ponctuées,  avec  ud 
très-leger  reflet  verdâtre. 

549.  P.  mioans  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  484. 

Serra  de  Rebordaosl. 

550.  P.  virgo  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  486. 

Mentíonné  du  Portugal,  par  Mr.  Fauvel. 

GuniB  XAirrHOLIKUS  SEBVIIXB 

551.  X.  glabratas  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  387. 

Beja !,  Cintra  (C.  v.  Volxem !).  Coimbra  I,  Bussaco  I. 

552.  X.  hesperious  Er. 

Erich.  Gen.  et  Sp.  St.  p.  329. 

D^après  Erichson  il  a  été  pris  par  Hoffmansegg  â  Lis- 


bonne. 


553.    X.  linearis  Ollv. 

Kraat!f  Nat.  Ins.  Deut.,  11,  p.  641. 

Espinho  I  Bussaco !. 


V 


554.  X.  longiventris  Heer. 

Kraat^  Nat.  Ins,  Deut.y  n,  p.  641. 

PIus  commun  que  le  linearis.   Dans  tout  le  nord  du 
Portugal. 

555.  X.  punotulatus  Fayk. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh.^  p.  385. 

Consmun  partout. 

556.  X.  fulgidus  F. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  384. 

II  n^est  pas  rare  dans  les  provinces  du  nord. 

s 

Orna  LVPTOLINUS  KBAATZ 

557.  L.  nothus  Er. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  374. 
Bragança!,  Coimbra! 

558.  L.  othioldes  Baudi. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh,,  p.  3j5. 

Coimbra  I  Espinho  I. 

QÉKUm  LErrAOINUS  ERI0H8OR 

559.  L.  parompiinotatus  Oyll. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh,^  p.  374. 

Azambuja  (J.  Antunes  1} 

asna  ÓTHIUS  8TBPBBN8 

560.  O.  fiilvipenxiis  F. 

Fauv.  Faun.  G.  Qih,,  p.  368. 

Bassaco!,  Coimbra  I,  Gerez  (L.  v.  Heyden!)  Dáns  le 


73 


petit  nombre  d'individus  que  j^ai  examine  le  corselet  est  tout-à 
lait  noir  ou  légèrement  rougeâtre  dans  les  angles  antérieurs. 

561.  Ó.  laeviasoulus  Steph. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh.,  p.  370. 

Bjssacol. 

Mr.  L.  V.  Heyden  a  pris  dans  Ia  Pena  et  Guarda  le 
punctipennis  Lac.  II  n'est  pas  différent  du  Iceviusculus  Steph. 

562.  O.  xnyrmeoopliilus  Elesw. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh.,  p.  369. 

Bussacol.  Coimbra!. 

Le  melanocephalus  Grav.  mentionné  de  Cêa  par  mr.  L. 
V.  Heyden  appartient  à  cette  espèce. 

PAEDERINI 

QnftB  LATHROBIUH  aRAVENHORST 

563.  li.  lablale  Er. 

Fauv.  Faun.  G,  Rh.,  p.  35o. 

II  appartient  à  notre  faune  d^après  Mr.  Fauvel. 

564.  L.  multipunotatain  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh,,  p.  35o. 

Dans  tout  le  Portugal. 

565.  L.  anerastatam  Lao. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  35i. 

Bussaco!.  Rare. 

566.  L.  Lusltanloam  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  358. 

Beja  (Jozé  Lúcio f),  Coimbra!.  Rare. 
KChmkiúa).  Manoel  Paulino  de  Ouvbiia.. 


73 


CERÂMICA  PORTUGUEZA 

subsídios  histobioos 

DOCUMENTO  XII 

Ultimamente  examinámos,  por  obsequio  do  possuidor,  duas 
medalhas  de  biscuit  muito  curiosas,  que  vem  confirmar  a  acti- 
vidade de  João  Manso  Pereira  no  Brazil.  Pertencem  ambas 
ao  snr.  Dr.  Pedro  Augusto  Dias,  nosso  consócio  e  pessoa  muito 
dedicada  ao  estudo  das  nossas  antiguidades,  cuja  attençSo  foi 
despertada  pelos  nossos  artigos  anteriores. 

A  primeira,  grande,  no  género  camapheu  (busto  branco 
sobre  fundo  cinzento)  é  a  maior  que  temos  visto:  6o  millime- 
tros  de  alt.  sobre  5i  de  largura;  grossura  4.  O  busto  (47  Mil- 
limetros)  representa  D.  João  vi,  trajando  á  antiga,  com  longa 
cabelleira  e  coroa  de  louros.  No  verso,  que  é  cinzento,  tem  na 
parte  inferior,  a  seguinte  inscripçio  gravada  na  massa,  em  itálico : 
rfa  Ilha  Grande.  Não  seria  possível  achar  prova  mais  conclu- 
dente do  trabalho  de  Pereira. 

A  Ilha  Grande  está  situada  ao  sul  do  Rio  de  Janeiro,  nas 
cercanias  da  capital  (v.  Wappãus  Handbuch,  Leipzig,  i87i.pag. 
1222  e  confrontese  com  o  Atias,  n.*  84  de  R.  Andree  ou  de 
Brockhaus,  n.^  5] -52  da  Encycl.)  W  a  segunda  das  duas  gran- 
des Ilhas  das  visinhanças  do  Rio,  ao  sul.  A  primeira  é  a  Ilha 
SMarambaia^  a  qual  Pereira  chama  península.  Na  mesma  nota 
(v.  Revista  vol.  11,  pag.  548)  cita  a  Ilha  Grande^  de  cujas  im- 
mediações  (Fazenda  da  Pedra)  declara  ter  recebido  amostras 
de  argilla  kaolinica. 

O  medalhão  é  um  ensaio,  já  se  vê,  imperfeito.  A  massa 
dozenta  é  bôa,  egual,  e  com  fracturas  brilhantes;  mas  a  massa 
branca  do  busto  nSo  é  limpa;  está  salpicada  de  pontos  cinzentos. 
A  modelação  do  busto  é  muito  soffrível,  e  a  semelhança  com  o 
personagem  histórico,  evidente. 

O  outro  camapheu  é  muito  pequeno :  25  millim.  de  alt. 
sobre  19  de  larg.  Representa  El- Rei  D.  José  com  vestido  de 
corte,  do  sec.  xviii,  coroado  de  louros,  busto  branco  sobre  um 
fundo  pardacento,  desegual,  cheio  de  bolhas.  A  modelação  da 
figura  e  excellente.  No  verso,  que  é  branco,  lê-se :  Lisboa  •  lygS. 
Garantimos  a  leitura  da  data,  que  foi  eifaminada  com  uma  lente, 
porque  as  informações  que  temos  de  outros  camaplieus  datados 
qSo  concordam  n^este  caso. 


74 


O  nosso  amigo  Sr.  Rodrigo  Vicente  de  Almeida,  corri- 
gindo   a    noticia   que   demos   dos  seus  camapheus  {Retrista 
coov    ^-ç  ^|t^  gg^  jç  1782; 

is  extensa,  lê -se:  Lis 
Figueiredo  fedi  ijHí 
sSo,  pois,  de  Pereira. 

O  camapheu  pequeno  de  1793,  supracitado,  pode  ser  de 
Pereira,  porque  tem  a  data  do  anno  em  que  elle  obteve  a  provi- 
sffo  rep^ia.  D.  José  fallcceu  em  1777,  é  verdade,  mas  a  coroa  de 
louros  ;(S  f  jr  si,  indica  que  o  busto  representado  nao  pôde  ser 
o  de  D.  I^edro  iii;  alem  d^sso  este  príncipe  figura  sempre  em 
segundo  logar,  com  a  Rainha  D.  Maria  r,  nas  medalhas  e  moe- 
das da  época.  O  snr.  Soares  dos  Reis,  professor  da  Academia 
de  Bellas  Artes  tem  outro  exemplar,  com  a  mesma  data,  1793. 

Em  todo  o  caso  o  camapheu  grande  é  uma  preciosidade ; 
e  d'aqui  felicitamos  o  feliz  possuidor. 


DOCUMENTO  XIII 

AZULEJOS  NACIONAES 

Não  pretendemos  fazer  a  historia  da  industria  dos  azule- 
jos em  Portugal  ^,  mas  fornecer  apenas  uma  lista  de  azulejos 
datados^  de  superfide  lisa^  que  são,  na  maior  parte  desconheci- 
dos, e  que  tivemos  occasiSo  de  descobrir  no  decorrer  dos  últi- 
mos annos  em  varias  viagens  que  fizemos  pelas  províncias. 

Azulejos  datados  são  muito  raros ;  uma  descoberta  de  um 
exemplar  é,  só  por  si,  um  facto  importante,  quanto  mais  a  se- 
rie que  apresentámos  desde  1584-1748. 


1    O  snr.  Almeida  diz-nos  ainda :  «...  o  gravador  Figueiredo  ibi  o 
mesmo  que  abriu  o  ponçâo  para  as  três  medalhas  maiores,  em  que  vem  o 


tal  da  estatua :  Lisboa  anno  lyjg,  em  lettra  mtuda  e  sumida,  que  o  snr. 
Aragão  não  viu.» 

'  Já  demos  bastantes  informações  sobre  este  assumpto  nos  estudos 
sobre  a  Exposição  de  ceramicaf  que  publicámos  no  Commercio  do  Porto 
de  Novembro  e  Dezembro  de  18S2  (treze  artigos).  Os  dous  primeiros  arti- 
gos tratam  especialmente  dos  asfulejos  hispano-portugue^es ;  alli  promette- 
mos  dar  conta  de  uma  serie  de  composições  data£í$,  promessa  cjue  hoje 
cumprimos.  Em  outra  occasião  daremos  uma  lista  dos  azulejos  mais  notá- 
veis que  conhecemos,  não  datados. 


73 


Todas  as  datas  estão  nos  próprios  azulejos,  salvo  em 
alguns  casos,  que  serão  especialmente  marcados  e  que  se  refe- 
rem ás  noticias  que  o  nosso  amigo  snr.  Gabriel  Pereira  deu  so- 
bre alguns  azulejos  de  Évora.  ^  Em  dous  casos  pudemos  verificar 
que  as  datas  marcadas  não  são  as  dos  próprios  azulejos  '.  Em 
um  terceiro  caso  (i65i)  é  provável  que  a  data  seja  a  da  con- 
atrucção  do  edificio,  mas  nem  sempre  é  fácil  provar  que  o  azu- 
lejo de  um  certo  edifício  pertenc:  á  data  da  sua  construcção;  em 
quatro  casos  (datas  1654,  1678,  1698  e  1702)  não  nos  foi  pos- 
sível fazer  a  verificação,  porque  muitas  egrejas  de  Évora  não 
se  abrem  senão  em  certos  e  -determinados  dias  festivos.  Ainda 
assim^  as  indicações  do  nosso  amigo  teem  interesse  e  são  mesmo 
as  únicas  de  valor,  que  sahiram  á  luz  desde  Raczynski.  '  As 
datas  positivas,  que  nós  conhecíamos  de  Évora,  antes  de  lermos 
o  seu  interessante  artigo,  eram  somente  i63i,  1711,  17 16  e 
1736;  o  snr.  G.  Pereira  não  cita  esta  ultima. 


^  Eis  a  passagem  do  artigo  do  snr.  Gabriel  Pereira,  que  nos  im- 
porta citar : 

.  • . ;  «comecemos  por  estabelecer  algumas  datas  certas. 

Os  azulejos  em  relevo  da  capella  de  Garcia  de  Rezende,  na  cerca  do 
E^inbeiro,  são  de  i520. 

Os  da  sacristia  da  Casa  Pia^  '^99* 

Capella-mór  da  egreja  da  Casa-Pia  — i63i. 

Egreja  da  Senhora  das  Brotas  (á  porta  do  Ray mundo  —  i65i. 

No  refeitório  de  S.  Bento— 1654. 

Portaria  do  Paraizo — 1678, 

Santa  Martha  — 1698. 

S.Pedro — i7o2. 

Loyos —  i7ii. 

Misericórdia  •—  i7i6.» 

Do  Jonal  O  UànoéUH»  de  19  d«  Jalbo  d«  1881. 

s  i520.  Capella  de  Garcia  de  Rezende.  E'  a  data  da  construcção 
da  capella^  o  azulqo  não  tem  data,  mas  é  da  época,  isto  é :  do  sec.  xvi. 

1399.  Sacristia  da  Casa  Pia  (Collegio  dos  Jesuítas).  Esta  data  é  a  da 
pintura  do  tecto,  os  azulejos,  fingindo  pedras  preciosas,  ^diamantes  tavo- 
letas)  não  teem  data  -  assemelham-se  porém  muito  aos  ae  S.  Roque,  de 
Lisboa,  que  téem  a  cifra  1596.  Vide  a  respectiva  data,  adiante. 

'  O  nosso  amigo  snr.  Ad.  de  Ceuleneer  publicou  ha  pouco  um  ar- 
o  (20  pag.)  sobre  os  azulejos  em  Hespanha  e  Portugal  (Le  Portugal. 
^otes  d^art  et  d'archéologie,  Anvers,  1882).  O  único  trabalho  datado  que 
conhece  em  Portugal  é  o  de  1711,  de  Evora«  já  citado,  por  Raczynski.  Na 
parte  relativa  á  Hespanha  o  autor  reuniu  habilmente  o  que  havia  disperso 
esD  publicações  hespanholas  pouco  conhecidas,  e  em  algumas  francezas.  A 
parte  relativa  a  Portugal  é  muito  pobre. 


S« 


76 


ií>84*  Lisboa.  Egreja  de  S.  Roque.  Alizar  de  azulejo  na  capella 
do  lado  esquerdo  \  que  contém  o  quadro  da  apparíçSo 
do  anjo  a  S.  Roque.  Pintura  azul  claro  sobre  fundo 
amarello;  estylo  de  ornamentação:  rótulos  e pendura- 
dos^ no  gosto  da  Renascença.  *  Execução  excellente.  A 
moldara  do  quadro  de  azulejos  compõe-se  de  uma  fa- 
cha ovulada,  verde  e  côr  de  vinho.  Em  baixo,  do  lado 
direito,  a  assignatura  do  artista  FRCO  (Francisco) 
DE  MATTOS  |  ib84.  Falta  em  Raczynski.  Assigna- 
tura e  data  inéditas. 

i5g6.  Lisboa.  Egreja  de  S.  Roque^  á  entrada,  de  ambos  os  la- 
dos; revestimento  da  parede  com  um  azulejo  fingindo 
pedras  preciosas,  lapidadas,  e  joialheria.  ^  Um  rotulo 
com  a  inscripção  Regni  ccelorum  e  a  data  iSgõ,  de 
ambos  os  lados.  Inédita. 

1626.  Villa-Viçosa.  Contento  das  Chagas.  Revestimento  inter- 
no da  egreja  com  bellos  azulejos  do  sec.  xvii,  imi- 
tando um  tapete;. pintura  azul  e  amarella  sobre  fundo 
branco.  Por  cima  da  grade  de  ferro  do  coro  a  data 
1626.  Inédita.  * 

i63i.  Évora.  Collegio  dos  Jesuítas.  Azulejos  qu^  revestem  a 
parte  interna  da  Capella-mór;  pintura  figurando  gé- 
nios e  arabescos  (rótulos  e  pendurados).  Bom  effeito 


^  O  lado  direito  ou  lado  esquerdo  considera-se  sempre  o  lado  do 
espectador^  estando  elle  em  frente  do  respectivo  objecto. 

'  Esta  ornamentação :  rótulos  e  pendurados  (em  hespanhol  rótulos 
y  colgantes)  corresponde  ao  termo  cuir  em  francez^  ou  Lederornament  em 
allemfio.  Ha  n'este  género  magníficos  azuldos  em  Portugal,  além  dos  de 
i63i  (v.  abaixo),  p.  ex.,  na  antiga  sacristia  aa  egreja  da  Graça,  em  Lisboa 
de  cerca  de  1 570-1 53o,  muitíssimo  notáveis.  Outros  em  Villa  Viçosa,  no  pa- 
lácio Real ;  estes  talvez  da  escola  italo-hespanhola,  aquellcs  da  escola  fla- 
menga, emquanto  ao  estylo.  Relacionam-se  também  com  este  grupo  os 
azulejos  da  egreja  de  Santo  Amaro  de  Lisboa,  de  fins  do  sec.  xvi  a  princí- 
pios ao  sec.  XVII,  e  os  da  egreja  de  S.  Mamede  de  Évora,  do  meado  do  sec. 
XVII.  Propomos  a  seguinte  ordem  chronologica :  i.  Villa  Viçosa  (espéci- 
mens da  Exp.  de  Lisboa).  2.  Azeitão  (collecção  Nepomuceno).  3.  S.  Ro- 
que. 4.  Santo  Amaro.    5.  Collegio  dos  Jesuítas  de  Évora.  6.  S.  Mamede. 

0  O  mesmo  estylo  de  ornamentação  se  encontra  até  em  Tavira,  na 
^eja  de  Santa  Maria,  n'uma  capella  que  tem  na  abobada  o  escudo  dos  Al- 
meiaas.  Vid.  também  egreja  de  êanta  Iria  em  Thomar. 

^  ^  Os  typos  de  azulejos  em  tapetes  são  muito  interessantes  no  sul 
do  reino.  Veja-se  a  egreja  de  Santo  Antão  em  Évora,  com  uns  cinco  a  seis 
padrões  differentes.  Em  Villa  Viçosa,  alem  d'este  convento  das  Chagas,  os 
conventos  da  Santa  Cruz  e  da  Esperança. 


77 


decorativo,  mas  execução  muito  inferior  aos  de  S. 

Roque.  A  meia  altura  da  parede  a  data  i63i. 
i65i.   Évora.  Egreja  de  Nossa  Senhcra  das  brotas  (á  porta 

do  Raymundo).   E'  citação  do  snr.  Gabriel  Pereira. 

Não  tivemos  occasião  de  examinar  o  interior  da  egreja, 

e  de  verificar  se  a  data  apontada  não  é  simplesmente  a 

que  achámos  na  porta  da  entrada  e  diz:  Esta  igr.^*  fes 

o  D.*^  F.««  Boroalh.®  C.«  |  da  See  de  Évora  natvral 

destrenrsoz  |  e  20  de  Agosto  de  i65i  | 
1654.   Évora.  No  refeitório  de  5.  Bento.  Citação  do  mesmo 

autor.  Não  tivemos  tempo  de  fazer  a  verificação. 
1678.   Évora.  Convento  do  Paraiio.  Na  portaria.  Citação  do 

mesmo.  Idem. 

1697.  Lisboa.  Collecção  do  snr.  J.  Maria  Nepomuceno.  Pin- 

tura azul  sobre  fundo  branco,  representando  uma 
dama  em  trages  da  época,  sustentando  uma  rede,  cheia 
de  corações.  Em  baixo,  no  canto  do  lado  direito,  a 
assignatura  do  artista:  Gabriel  dei  Barco  f.  16 gj. 
Foi  do  Palácio  do  Conde  da  Ponte,  ao  Calvário.  As- 
signatura e  data  inédita. 

1698.  Évora.  Santa  SMartha.  Citação  do  snr.  Gabriel  Pereira; 

não  pudemos  verificar. 

1702.   Evorai   6\  Pedro.  Citação  do  mesmo.  Idem. 

I71 1.  Évora.  Egreja  dos  Loyos.  Revestimento  interno  de  todo 
o  corpo  da  egreja  com  Scenas  da  Vida  de  S.  Lou- 
renço Justiniano,  primeiro  patriarcha  de  Veneza,  fal- 
lec.  em  1455.  São  quatro  composições  do  lado  direito, 
e  deviam  ser  outras  tantas  do  lado  opposto,  mas  nSo 
succedeu  assim.  A  ordem  do  lado  direito  é  a  seguinte, 
caminhando  do  altar-mór  para  a  porta  da  egreja: 
I .  O  Santo  despede-se  da  família.  —  2.  O  Santo  prega 
ao  povo.  —3.0  Santo  recebendo  as  ordens.  —  4.  O 
Santo  ministra  os  sacramentos.  Do  lado  opposto  ha 
dous  quadros :  O  Santo^é  sagrado  Bispo  e  a  Celebra- 
ção da  missa.  Os  espaços  das  duas  outras  composi- 
ções estão  occupados ;  n^um  está  uma  tribuna  em  c^ue  a 
familia  Cadaval,  proprietária  da  egreja,  assistia  á  missa; 
o  outro  espaço  serviu  para  a  formação  de  um  arco 
que  dá  entrada  para  uma  capella  lateral.  No  quadro 
da  Missa  lê-se  a  assignatura  e  data  Antonius  ah  oliua 
fecit  i^iz.  Já  citado  por  Raczynski,  Les  Arts,  pag. 
434.  A  pintura  d'estes  quadros  é  azul  sobre  fundo 
branco.  A  composição  é  de  grande  merecimento ;  os 


78 


assumptos  teecn  vida,  movimento  dramático  e  notável 
expressão;  repare-se  p.  ex.  no  quadro  da  pregação  e 
da  missa  I  O  desenho  é  largo,  mas  correcto,  sem  ne- 
nhuma ideia  convencional.  Em  summa,  este  azulejo  é 
um  trabalho  de  primeira  ordem,  muito  bem  conser- 
vado, e  de  dimensões  extraordinárias,  porque  o  reves- 
timento sobe  até  á  abobada  artezoada  da  egreja.  Na 
parte  central  de  cada  vão  está  o  quadro  com  o  seu 
caixilho,  como  se  fosse  um  gobelin;  por  baixo  uma 
balaustrada  com  pintura  de  albarradas,  e  génios,  car- 
regando cestos  de  ílõres;  por  cima  o  triangulo  for- 
mado pela  ogiva  do  arco,  com  uma  janella  quadrada, 
que  rompe  o  revestimento.  ^ 

1712.  Estremoz.  Egreja  da  Misericórdia.  Composição  de  fi- 
guras em  estylo  rococo;  trabalho  de  mediano  mereci- 
mento. Scenas  da  Bíblia:  Rebecca  e  Abrahão  (ves- 
tindo segundo  a  época  de  D.  Pedro  11);  Lot  recebendo 
os  peregrinos ;  Azalias  redime  e  veste  os  captivos,  etc, 
em  quadros,  simulando  gobelins.  Por  baixo  dos  qua- 
dros as  virtudes.  A  data  está  por  cima  da  porta  da 
entrada,  do  lado  de  dentro,  a  grande  altura.  Inédita. 
Em  algumas  salas  e  corredores  do  antigo  edifício 
(hoje  alugado  a  um  particu4ar)  outros  azule)os  do  sec. 
xviir,  de  variado  desenho.  Notam-se  principalmente 
em  uma  sala  os  quadros  das  Obras  de  Misericórdia; 
no  quadro  da  segunda  obra  as  figuras  bebem  por  va- 
sos semelhantes  aos  que  ainda  hoje  se  fazem  na  loca- 
lidade; na  sexta  obra  o  dinheiro  dos  captivos  é  con- 
tado em  cima  de  uma  mesa  antiga  de  pau  preto,  com 
pés  torneados,  etc.  Ha  mais  elementos  tradicionaes. 

1716.  Évora.  Egreja  da  Misericórdia.  Composição  de  fisuras 
com  scenas  da  vida  de  Chrísto,  muito  semelhante 
em  estylo  á  dos  quadros  da  egreja  dos  Loyos,  pinta- 
dos por  António  de  Oliveira.  Não  é  só  o  desenho,  em 
geral,  que  revela  próxima  afinidade;  são  os  typos  das 


^  Na  egreja  da  Misericórdia  de  Vianna  do  Çastello  encontrámos 
ouadros  de  azulejos  com  assumptos  sacros,  no  estylo  da  época  de  D.  Pe- 
aro  D,  e  assignados :  Policar  \  pus  oliua  \  fecit,  do  lado  esquerdo  da  capella- 
mor.  E*  provável  que  no  lado  direito  esteja  a  data,  também  dentro  de  um 
rotulo.  Quando  fizemos  esta  descoberta  estava  a  parede  do  lado  direito  oc- 
cupada,  e  havia  festa  na  ef^reja,  por  isso  não  pudemos  verificar  se  ha  data 
ou  não.  £'  possível  que  haja  relação  entre  estes  dous  Oliveiras. 


79 


'  figuras,  o  caracter  da  expressão;  vide  p.  ex.  o  quadro 
em  que  Christo  expulsa  os  vendilhões  do  templo  I  ^  A 
data  está  á  direita,  por  cima  da  porta  que  dá  entrada 
á  sacristia. 

1719.  Lisboa.  Museu  do  Carmo.  Quadro  que  representa  a 
tentação  de  Santo  António.  A  data  em  baixo,  dentro 
d^um  rotulo,  com  a  seguinte  inscripcâo  itiutilada: 
ESTE  AZULE...  O  SE  j  FES  NO  ANNO  DE 
1719.  Composição  de  mediano  valor.  O  quadro  está 
maltratado.  Data  inédita. 

1719.  Estombar  (Algarve).  Egreja  matrii  de  S.  Thiago.  Este 
templo  contém  bellissimos  azulejos  perfeitamente  con- 
servados, que  revestem  completamente  o  interior.  Per- 
tencem a  dous  grupos,  um  de  1719  e  outro  de  1743. 
Trataremos  d'este  ultimo  no  logar  competente.  O  se- 
guinte desenho  explica  a  distribuição  dos  assumptos: 
Na  abobada  da  Capella-mór  onze  quadros  com  suas 
molduras,  representando  scenas  da  Vida  de  Christo: 


1.  O  lavapés. 

2.  A  adoração  do  SS.  Sacramento. 

3.  A  cêa  do  Senhor. 

4*  A  apresentação  no  templo. 

5.  Chnsto  em  casa  de  Martha. 

6.  A  adoração  dos  Reis. 


1  Pertencem  ainda  á  mesma  escola^  em  nossa  opinião,  os  quadros 
com  assumptos  da  historia  sagrada  no  cruzeiro  da  egreja  de  S.  FranciscOí 
sem  dau;  e  outros  da  egreja  da  Graça,  de  que  logo  fallaremos.  Segundo 
a  ordem  do  seu  merecimento  deveriam  collocar-se  assim:  i.  Loyos.— 
2.  Misericórdia.— 3.  Graça. -^4.  S.  Francisco. 


8o 


7.       A  adoração  dos  Pastores. 

8-1 1.  Grupos  de  Anjos,  uns  brincando  com  animaes, 
outros  tocando  vários  instrumentos;  de  per 
meio  os  fructos  das  quatro  estações. 

No  quadro  da  adoração  dos  pastores  lê-se  a  inseri- 
pçSobem  característica,em  dialecto  popular:  Golria 
in  esersi  Decs. 

As  paredes  lateraes  da  capella-mór  também  estão 
completamente  revestidas.  A  disposição  dos  assum- 
ptos, que  não  teem,  em  geral,  linhas  divisórias,  é  a  se- 
guinte : 

A'  esquerda : 


e 


a. 
b. 
c. 
d. 

e. 


Distribuição  dos  pães  e  dos  peixes. 
Batalha  de  S.  Thiago  contra  os  mouros. 
cDeixae  vir  a  mim  os  pequeninos.» 
Um  pavão  sobre  uma  arvore. 
E'  uma  porta  que  dá  passagem  para  a  capella  da 
nave  lateral  do  lado  esquerdo. 


^     A'  direita : 


e.    Chrísto  presidindo  á  pesca  milagrosa. 


8i 


f,  O  martyrio  de  S.  Thiago. 

g.  Uma  batalha  naval  entre  galeões  christSos  e  turcos. 
h.    Uma  janella  que  dá  luz  para  a  cspella-mór. 

N^esta  janella,  revestida  também  de  azulejo,  está  a 
data:  1719.  No  quadro^  um  dos  galeões  chrístãos  tem 
na  popa  a  bandeira  de  Casiella  (escudo  real,  esquar- 
telado,  com  leões  e  três  castellos,  alternando)  e  no  mas- 
tro grande  uma  bandeira  com  três  vieiras  (S.  Thiago). 
Os  galeões  turcos  leem  bandeiras  com  meias  luas. 

A  composição  de  todos  estes  quadros  revela  a  mão 
de  um  artista  muito  hábil.  O  desenho  é  largo,  cor- 
recto ;  a  côr  igual ;  o  fabrico  excellente.  Data  inédita. 

1736.  Évora.  Capella  ae  N.  Senhora  da  Cabeça.  A  porta  su- 
perior do  frontispício  está  coberta  com  uma  grande 
composição,  que  representa  a  Senhora,  cercada  de  an- 
jos. Este  quadro  está  dentro  de  uma  grande  construo- 
ção  architectonica  de  estylo  rococo.  Data  inédita. 

1741.  Beja.  Convento  de  N.  Senhora  da  Conceição.  Quadros 
de  azulejo,  só  do  lado  da  entrada  (esquerdo),  com 
scenas  da  Vida  da  Virgem  e  de  S.  João  Baptista: 
a  DegolaçSo,  o  Baptismo  de  Christo,  o  sermão  no 
deserto,  etc.  A  composição  denota  habilidade;  as  fi- 
guras estão  bem  desenhadas,  e  algumas  com  excel- 
lente modelação  (o  Baptismo).  Ao  pé  do  púlpito  lê-se 
a  seguinte  ínscripcão,  dentro  d'uma  moldura:  SO- 
ROR BRITIS  I  BAP.**  ABB.».  A  data  achase  no 
quadro  do  Nascimento  da  Virgem,  em  baixo.  A  So- 
ror Britis  Baptista,  abbadessa,  mandou  também  fazer 
em  1747  a  obra  do  revestimento  (emtalho  e  doura- 
dura)  do  tecto  da  egreja,  como  consta  do  respectivo 
letreiro.  No  quadro  do  Nascimento,  citado,  vêse  um 
fogareiro,  tal  como  elle  se  usa  ainda  no  Alemtejo  e 
Algarve.  Data  inédita. 
1743.  Estombar  (Algarve).  Eqreja  matriz  de  S.  Thiago.  Ga- 
pellas  lateraes.    - 

Capella  do  lado  direito;  disposição  do  revestimento 
da  abobada :  No  centro :  Christo  no  Horto  das  Olivei- 
ras; dos  lados  composição  architectonica  de  estylo  ro- 
coco, com  dous  rótulos  que  téem,  o  do  lado  esquerdo, 
a  inscripção:  Esta  obra  man  \  dou  fa:{er  o  m.*^  [Re- 
verendo  Tri  |  or  Afonço  \  Coneg.  de  ai  \  meida ;  o  do 
lado  direito  a  data :  Anno  \  De  1^43  \ ;  os  azulejos 

BSnSTA  DA  SOOEDADB  DB  mSTBUGÇXo  DO  PORTO.  • 


«fe 


das  paredes  Uteraes  doesta  capdla  represefitam  á  di- 
reita :  A  primeira  pisiia  da  Virgem  ao  templo^  á  es- 
querda o  Nascimento  da  Virgem. 

Capella  do  lado  esquerdo;  na  abobada:  A  Ascen- 
ção  da  Virgem^  e  dos  lados  lavores  no  ehtylo  rococo; 
naa  paredes,  á  direita :  a  Pentecostes^  e  por  debaixo, 
n'uin  rotulo,  a  lua;  i  esquerda  Jesus  entre  os  douto- 
res^ e  por  debaixo,  n^outro  rotulo,  o  sol, 

A  composição  doestes  quadros  é  digna  de  louvor;  o 
desenho  tem  uma  correcção  e  expressão  pouco  vul- 
gar, mesmo  nos  melhores  azulejos  do  sec.  xviii.  Re- 
pare-se  na  fina  interpretação  do  quadro  da  visita 
ao  templo.  O  receio  dos  pães  da  Virgem,  o  espanto 
do  grupo,  que  rodeia  o  sacerdote.  A  factura  do  azu- 
lejo é  excellente;  o  tom  azul  claro,  egual,  com  bellos 
eáeitos  de  luz.  Não  temos  duvida  em  classificar  estes 
azulejos  de  Estombar  entre  os  mais  notáveis  que  co- 
nhecemos em  Portugal  do  sec.  xviii,  na  primeira  li- 
nha, perto  dos  painéis  da  egreja  dos  Loyos  de  Évora. 
Dita  e  inscripção  inéditas. 
1748.  Tavira.  Sattía  Maria  do  Castello.  Capella  grande  late- 
ral (lado  esquerdo).  Scenas  da  vida  de  Christo;  á  di- 
reita o  Lavapés,  á  e>querda  a  Cea,  Por  debaixo  de 
cada  um  d''estes  quadros  ha  ainda  duas  composições, 
em  moldura  oval ;  a  chupa  do  maná  no  deserto,  o  ou- 
tomno,  o  estio,  e  outro  assumpto.  Por  cima  das  com- 
posições das  paredes  lateraes  existe  de  cada  lado,  um 
olhai  quadriiobulado,  com  dous  santos;  por  cima  do 
quadro  da  Cea  vê-se  S.  Domingos  e  S.  Aggaton  e 
por  cima  do  outro  quadro  ò\  Dâmaso  e  S.  Éhespho^ 
*  rus  (?).  Por  cima  do  arco  da  entrada,  da  parte  interna, 
está  a  seguinte  inscripção,  mutilada,  no  meio  de  uma 

frande  phantasia  architectonica,  de  estylo  rococo : 
?5/a  capella  mand(o)v  fa(i)er  a  sva  custa  Dona  \  Isa- 
bel de  Al(mei)da  e  oAra^ão  vewa  \  de  (<:*4n)to(ftjto 
Martins  Cara  \  peto  Civitão  (mo)r  da  villa  de  \  Ca- 
cella  ^osso  Ft(dalg)o  aa  \  Camará  do  Sen(hor)  (Jjn- 
fante  \  ^.  Francisco.  oAnno  \  174S.  Data  e  inscripção 
inéditas.  A  composição  e  o  desenho  doestes  quadros 
approxima-os  da  serie  do  convento  da  Conceição  de 
Beja.  As  iiguras  dos  quatro  santos  e  o  estylo  dos 
quatro  medalhões  ovaes  teem  merecimento. 
1748.  Évora.  Egrga  da  Graça.  Composições  sacras,  em  mol* 


» 


doras  de  estalo  rococo ;  os  quadros  da  egreja  estSo  em 
parte  destruídos,  outros  mahratados ;  os  do  pequeno 
atrío^  que  dá  passagem  para  a  nave,  estão  porém  ra* 
soavelmente  conservados ;  como  trabalho  artístico  po- 
dem collocar-se  em  seguida  aos  da  Miaericwdia.  A 
data  está  do  lado  esquerdo,  no  atigulo  extremo,  for* 

mado  pela  parede  do  fundo  da  egreja, 

« 

Joaquim  de  Vasconcellos. 


FETOS  LUSITANICOS  EM  GERAL 

E  DOS  SUBÚRBIOS  DO  PORTO  EM  ESPECIAL 
(Ooatliroaçio,  t.  toI.  u,  pag .  5S9) 

III.— -PoLTPODHJM.  Linnen. 

{MuUm  pá9) 

• 

Distinguem  este  género  de  fetos  os  seguintes  caracteres: 
ráos  simples,  forcados  ou  pinnados,  e  livres;  os  esporangos 
terminaes  ou  lateraes,  sendo  em  alguns*  casos  situados  sobre  a 
fronde  e  em  outros  immersos ;  os  soros  na  maior  parte  das  ve- 
zes circulares,  transversos,  em  uma  só  serie,  solitária  ou  irre- 
gularmente Áspostoa;  o  rbizoma  rasteiro  e  em  alguns  casos 
cespitoso.  E^  um  dos  géneros  omis  abundante  em  espécies,  va- 
riedades e  monstruosidades,  das  quaes  algumas  são  curiosis- 
simas.     , 

D'este  género,  diz  OrísL  que  possoe  Portugal  o  Dryopte- 
rís;  além  d'este  temos,  como  é  geralmente  sabido,  o  Vulgare. 

!.•  PdypocHum  drjr(^íeris.  Linoeu. 

Synonimos  —  Gymnocarpium  dryopterts,  Newman. 

Lastrea  drjropteris,  Bory, 
Phegqpterts  aryopteris,  Fee, 
Polrpodium  dryopterís,  Bolton» 
Poírpodium  pulchellum,  Salisbury. 
Poljrêtickum  dryopteris,  Roth. 

Nome  vulgar — ? 


«4 

Descripção  —  Frondes  ternadas,  contorno  geral  em  fórma 
de  pentágono,  perfeitamente  lizas,  membranosas,  de  um  verde 
brilnante;  os  ramos  pinnados  ou  sub-bipinnados;  as  pinnas 
profundamente  pinnatifidas,  oppostas.  As  pinnulas  oblongo  ob- 
tusas, crenadas,  pouco  divididas  e  diminumdo  para  o  vértice. 

f  Os  veios  simples  ou  forcados;  os  soros  peqjenos,  circulares, 

numerosos,  espalhados  sobre  todo  o  bordo  do  reverso  da  fron- 
de. A  grandeza  das  frondes  varia  entre  o^^fio  e  o",35  occupan- 
do  as  estipes  duas  terças  partes  d^aquelle  comprimento.  Cres- 

j  cem  verticalmente,  delgadas,  tintas  de  vermelho,  muito  frágeis, 

lizas,  e  com  poucas  escamas.  Rhizoma  rasteiro,  muito  ratni- 
ficado. 

Habita  —  Nos  bosques  sombrios.  GrisL  affirma  que  existe 
em  Portugal  como  indigena  do  paiz.  Nem  o  encontrámos  ainda 
nos  logares  que  temos  visitado,  nem  o  possuímos  na  nossa  col- 
IccçSo. 

Cultura  —  Terra  ordinária  das  mattas,  poucos  cuidados, 
e  propaga-se  por  meio  de  divisões  do  rhizoma. 

2.^  Polypodium  vulgare.  Linneu. 

(JíiiilM  pU  OU  cmlcgMia  vtOgor). 

Synonimos  —  Ctenopterís  vul garis,  Newman. 

Polypodium  vulgare,  Bolton. 
»          cambricum,  Linneu. 
»  canariense,  Willdenow. 

»  ctenopterís  vulgare,  Presl. 

»  tntermedium,  Hooker  &  Arnott. 

»  karwinskianum,  Braun. 

9  virginianum,  Morison. 

»  víterbiense,  JSoecone. 

Nome  vulgar '^  Polypodio,  Ricos,  Feto  dos  carvalhos. 

Descripção  —  Frondes  extensamente  pecioladas,  pinnati- 
fidas  com  segmentos  lanceolados,  obtusas,  margem  crenuiada ; 
lóbulos  alternados,  pinnatifidos ;  o  comprimento  das  frondes  va- 
riando desde  duas  até  desoito  pollegadas  (5  a  5o  centimetros) ; 
as  divisões  alternas  ovaes-agudas  ou  oblongas,  ^osseiíamente 
denticuladas.  A  côr  verde  desbotada.  Os  soros  juntos,  nó  ex- 
tremo da  parte  inferior  da  fronde,  de  fórma  circular,  dispostos 
em  linha  sobre  o  reverso  de  cada  lado  dos  lóbulos  pararella- 
mente  á  nervura  media  das  divisões  da  mesma  fronde.  Os  es- 
porangos  amarellos  ou  côr  de  laranja,  enfeitando  agradável- 


85 


meote  a  parte  da  fronde  por  elles  occupada.  O  rhizotna  com- 
pletamente rasteiro,  coberto  de  escamas  denegridas.  FructtficaçSo 
pereone  no  verão  e  outomno. 

Habita — Nos  rochedos,  nas  sebes,  nas  cristas  dos  muros 
e  nos  troncos  das  arvores  velhas.  Encontra-se  em  todo  o  paiz. 
E'  abundante  no  Rprto  e  seus  subúrbios. 

Cultura  —  Serra  ordinária,  misturada  com  caliça  e  areia 
grossa.  Pouca  agua  e  muita  drenagem.  Reproduzem-se  facil- 
mente pela  divisão  dos  pés  e  pelos  rhizomas,  feita  de  preferen- 
tía  a  separação  na  primavera.  Requer  mais  luz  do  que  os  de- 
mais fetos  em  geral,  isto  é,  uma  exposição  semi-sombria.  Não 
deve  enterrar-se  o  rhizoma  d'esta  espécie  de  fetos,  mas  collo- 
car-se  sobre  a  terra.  E'  conveniente  juntar  á  terra  em  que  o 
quizermos  cultivar  pedaços  de  madeira  podre. 

O  Polypodio  vulgar,  é  uma  das  espécies  que  apresenta 
maior  numero  de  variedades,  algumas  das  quaes  curiosas  e  ex- 
quísitas.  Citaremos  principalmente  as  seguintes: 

I.*  y.  vulgare,  var.  cristatum,  Perry. 

Esta  bella  variedade  tem  os  extremos  das  pinnulas,  mul- 
tifidos  ou  franjados,  isto  é,  terminados  em  tufos  cristados ;  algu- 
mas vezes  a  parte  superior  da  fronde  bipartida ;  os  soros  se- 
parados e  prominentes.  Assim  esta  como  as  mais  variedades 
ou  monstruosidades,  propagam-se  por  sementeira,  aproveitando 
para  esse  fim  as  frondes  mais  pronunciadas  na  monstruosidade 
OQ  aborto.  Não  possuímos  esta  variedade,  porém  cremos  que 
a  encontrou  o  snr.  A.  Luso,  e  d'ella  possue  exemplar  na  sua 
coUecçãa 

2.*  Polypodium  vulgare,  var.  truncatum.  SMoore. 

Esta  variedade,  da  qual  possuímos  exemplares  na  nossa 
collecção,  colhidos  por  nós  mesmo  na  parede  marginal  do  pe- 
queno ribeiro  do  VaUe-da*Mõ,  na  freguezia  da  Labruja,  con- 
celho de  Ponte  do  Lima,  apresenta  os  seguintes  caraaeres  dis- 
tinctivós:  lobos  profundamente  serrulados,  sendo  as  lóbulos 
miudamente  denticulados.  As  frondes  são  algumas  vezes  tron- 
cadas,  e  os  veios  dispostos  de  maneira  apropriada  a  formarem 
pontas  irregulares.  As  pinnulas  são  alternadas,  e  as  frondes 
chegam  a  attingír  3o  a  35  centímetros  de  comprimento.  Tam- 
bém se  encontra  sobre  o  muro  junto  ao  portão  do  bosque  do 
Palácio  de  Crystal  do  Porto,  que  dá  serviço  para  Entre-Quintas. 

3.*  Polypodium  vulgare^  var.  marginatum,  Lowe. 

E'  uma  variedade  aistincta.  Os  seus  caracteres  distincti- 
▼os  são :  a  epiderme  da  superfície  inferior  da  fronde  aberta  aa 


8S 


comprido,  como  se  fora  das  margens  dos  lobos,  e  SfMirtiiub-ie 
próximo  ao  veio  médio.  As  margens  das  ptnnulas  irregolir  e 
profundamente  serruladas.  Encontra-se  na  Labruia^  logar  citado. 

Ê*  Pdjrfodium  vulgare,  par.  urratum^  Wãldeoow. 
ita  variedade  tem  as  divisões  da  fronde  mais  estrdus 
do  que  as  do  typo  originai  e  muito  profundamente  denticula* 
das.  E'  abundante  na  Labruja,  no  logar  dtado,  onde  colhemos 
os  exemplares  que  possuímos  na  nossa  coUecç£o« 

5/  Polypodium  vulgare,  var.  cambricuni,  Lin. 

Os  lébos  da  fronde  d'esta  variedade  são  profundamente 
divididos  e  pennifidos. 

Existem  muitas  mais  variedades  como  o  bipartido,  com 
a  fronde  dividida  em  duas  na  parte  superior,  ou  com  as  divi- 
sões da  fronde  bipartidas,  ou  entSo  com  excresoenças  junto  á 
nervura  media  ou  prolongamento  do  peciolo  e  origem  de  cada 
divisSo  da  fronde  na  sua  parte  inferior,  simiUiaiido  taes  excres- 
cenças  novas  divisões  acanhadas  ou  rachiticas  var.  lobaia;  o 
ramoso,  de  cujo  peciolo  se  destacam  duas  ou  três  frondes. com- 
pletas, etc.  De  todas  estas  Tariedades  possuímos  na  nossa  col- 
lecçSo  exemplares  da  já  citada  proveniência. 

Alguns  auctores  apresentam  ainda  maior  numero  de  va- 
riedades  que  nos  não  consta  que  hajam  sido  encontradas  em 
Bortugal,  taes  como :  o  Auritum,  Canariense,  Deltoideum,  Kar- 
mnskianam^  Omni-lacerum,  Semi-lacerum,  etc. 


CONSELHO  SaENTIFICO 


CONSULTA 

SOBRE    A    ADOPÇÃO    DE   UM   MERIDTAHO    UNIVERSAL 
Riipotto  á  Oomvlto  da  8o«tod«de  dt  QMfrâpàU  éê  Ilebo» 

O  estabelecimento  de  um  primeiro  merediano  unico  de 
origem  de  longitudes  geographicas,  sem  ter  importância  aden- 
lítca  e  notável  vantagem  pratica,  deve  -encontrar  difficuldades 
em  se  realisar  e,  sobre  tudo,  na  permanência  da  sua  conser- 
vação. 

Esta  oflíformidade  ecístiu  já  entre  as  nações  europeas^ 
fiie,  segundo  a  indicação  das  mais  antigas  cartas  geograpbkas 


»7 


--as  de  Ptolomeu — adoptaram  para  primeiro  merediaoo  o  que 
copMspoQde  á  Uha  de  Ferro,  a  mais  occidental  das  Cauarias  e 
limite  occidental  das  terras  ent§b  conhecidas  dos  antigos,  as 
qoses  se  achavam  situadas  em  pm  &ó  hemispherio. 

Este  uso  manteve^se  durante  toda  a  idade  media  pela  ia- 
laencia  do  peder  central  que,  sob  o  regimen  monotheista,  re- 
gulava as  diversas  relações  europeas.  Em  breve  se  operou  de- 
pois a  divergência  a  tal' respeito,  em  virtude  de  causas  que  con- 
vém ponderar. 

Deve  Dotar-se  primeiro  que,  sob  o  ponto  de  vista  da  de- 
terminação de  origem,  existe  entre  as  duas  coordenadas  ^eo- 
graphicas  differença  essencial. 

Para  com  as  latitudes,  o  equador  pelas  próprias  circum- 
stancias  do  movimento  da  terra,  offereceu-se  naturalmente  como 
termo  commum  de  referencia,  não  podendo,  por  isso,  nenhum 
paiz  raaoavelmente  reclamar  contra  o  previl^io  espontâneo  dos 
habitantes  da  linha  equatorial.  Mas,  para  com  as  longitudes,  a 
faha  de  determinação  análoga,  permittiu  a  divergência  creada 
pelo  espirito  de  nacionalidade  que  o  uso  marítimo  mais  forte- 
mente accentuou.  De  facto,  desde  que  as  observações  astronó- 
micas se  tornaram  mais  frequentemente  empregadas  na  nave- 
gação, as  taboaa  que  dão  a  hora  dos  phenomenos  celestes  e  a 
posição  dos  as  troa  em  diversas  épocas,  achando-se  sempre  cal- 
culadas para  o  meridiano  do  observatório  principal  úe  cada 
oação,  era  mais  simples  aos  náuticos  referirem  a  esse  meridiano 
os  lagares  da  sua  derrota.  Por  isso,  os  náuticos  francezes  con- 
tam as  longitudes  do  meridiano  de  Pariz,  e  os  inglezes  do  de 
Greenwich. 

Poderá  uma  convenção  estabelecer  e  conservar  essa  de« 
sejada  uniformidade  de  origem  contra  a  causa  permanente  de 
cBspersão  apontada  ?  Cremos  que  nSo.  E  não  nos  parece  que 
este  emprehendimento  se  recommende  por  taes  vantagens  pra* 
ticas  que  tome  muito  desejada  a  sua  reaiisaçao. 

A  uniformidade  de  origem  náo  tem,  com  effeito,  por  fim 
senão  fazer  deiiapparecer  doa  cálculos  geographicos  uma  simples 
operação  de  addição  ou  subtração,  «quasi  sempre  mental»  cor^^ 
respondente  á  coordenada  que  determina  a  posição  mutua  das 
doas  or^jens  e  que,  sob  o  pomo  de  vista  do  eoaino,  fornece 
matéria  para  problemas  simples,  mui  próprios  para  exercerem 
a  iotelligcnda  na  consideração  das  grandesas  de  origem  arbi-' 
traria. 

Bem  mais  urii  seria  submetter  á  lei  centesimal  as  divisões 
«t^anas,  como  já  se  tentou  sem  resukadOt 


88 


Comtudo,  se  se  julgar  possível  estabelecer  esta  uniformi- 
dade, dever-se-ha  restabelecer  a  antiga  origem  adoptada — o 
meridiano  que  passa  pela  ilha  de  Ferro  —  embora  tivesse  ces- 
sado o  motivo  de  preferencia  depois  do  descobrimento  da  Ame- 
rica ;  não  só  por  ser  esta  origem  adoptada  ainda  hoje  por  um 
dos  paizes  mais  cultos  e  populosos  da  Europa  —  a  AUemanha 
— mas  porque  tem  a  seu  favor  o  apoio  histórico,  o  que  deve 
attenuar  as  dificuldades  da  adopção  universal  no  que  respeita 
á^  susceptibilidade  nacional.  E  para  não  ter  de  se  contar  as  lon- 
gitudes em  dous  sentidos  oppostos,  deve  o  seu  computo  seguir 
em  todo  o  giro  do  equador,  no  sentido  do  movimento  da  terra. 

Pmtto,  Janeiro  de  i883. 

J.  A.  Albuquerque. 

Discutido  nas  sessões  de  2  e  9  de  Janeiro,  e  approvado. 

Joaquim  de  Vasconcellos. 


PORTUGAL  NO  ESTRANGEIRO 

(Noiíft  re?itto.  0«ntiiiQa^O|  t.  toI.  n  |>aff.  98t) 

Esta  secção  está  atrasada,  não  por  falta  de  material,  mas 
sim  por  falta  de  tempo  do  redactor.  Mencionaremos  hoje  ape- 
nas os  titulos  das  obras,  reservando-nos  melhor  occasião  para 
analysarmos  detidamente  alguns  dos  trabalhos  citados,  priDci- 
palmente  os  que  se  referem  á  historia  da  arte  nacional.  NSo 
temos  espaço  para  isso  n'este  numero. 

Ad.  de  Ceuleneer.  Le  Portugal.  Notes  cFart  et  cTArchéo- 
logie:  Anvers  1882,  8.^  de  00  pag.  E'  uma  tiragem  separada 
do  ^úlletin  de  VoAcadémie  cToãrchéologie  de  ^etgique.  Trata 
primeiramente  do  Corresse  de  anthf^opologia  e  Archeolog-ta 
prehistorica  de  Lisboa;  em  secundo  jogar  dos  Azulejos  penin- 
sulares, e  por  ultimo  da  questão  Grão-  Vasco. 

Teremos  de  lhe  dedicar  uma  analyse  especial. 

O  Athenaeum  belge  deu  uma  noticia,  simples  coifn?i/ereittfir, 
doeste  trabalho.  N.*  i5  de  1882.  O  snr.  Ad.  de  Ceubneer  pu- 
blica ainda  no  mesmo  oAthenaeum  n.®  24  de  i5  de  dezembro 
de  1882  um  outro  artigo  Vart  en  Portugal,  em  que  analysá  os 
escriptos  do  snr.  Yriarte  sobre  a  exposição  de  Lisboa,  com 
alguns  reparos,  e  £bz  em  seguida  o  el<^o  dos  trabalhoa  do 


89 


sigDatarío :  Reforma  do  Ensino  de  Vellas-Artes  (Porto  1 877-79, 
três  estados)  e  Historia  da  ourivesaria  e  joialheria  portuguesa, 
extractos  publicados  na  revista  A  Arte  portuque^a;  falia  ainda 
favoravelmente  de  outros  artigos  publicados  na  mesma, revista 
pelos  snrs.  Sarmento,  R.  Vicente  d' Almeida,  etc. 

Sobre  a  exposição  de  arte  ornamental  de  Lisboa  appare- 
ceu  ainda  o  seguinte,  que  se  deve  accrescentar  ao  que  fica  apon- 
tado 00  vol.  I  pag.  402-405  e  vol.  11  pag.  27. 

A.  Bredius.  Een  brief  uit  Ussabon.  E'  uma  carta  diri- 
gida á  revista  hoUandeza  tíederlandsche  Kunstbode  (19  de  no- 
vembro de  1881,  n.<*  47)  sobre  alguns  objectos  da  exposição. 

Do  mesmo.  7>e  catalogus  der  tentoonstellin^  te  Jjssabon 
DO  jornal  Nederland.  Spectator,  28.  £^  uma  noticia  sobre  o  ca- 
talogo da  exposição. 

Ch.  Yriarte.  Vexposition  rétrospective  de  Usbonne.  No 
jornal  Le  temps  de  12  de  abril  de  1882. 

Do  mesmo.  Vexposition  f  étrospectipe  de  Lisbonne.  Uart 
en  Vortuífal.  Na  Ga^ette  des  Beaux-Arts  de  maio,  junho  e  ju- 
lho de  1882,  com  gravuras;  e  na  Repue  des  deux  mondes  do  i.^ 
de  junho  de  1 882. 

A  propósito  da  Ga:iette  des  Beaux-o^rts  de  Paris  dire- 
mos que  em  o  n.^  de  abril  de  1882  (pag.  897,  nota)  um  snr. 
collaborador  attribue  ao  fallecido  Charles  Grauz  a  descoberta 
do  precioso  retrato  de  Miguel  Angelo  pelo  nosso  Francisco  de 
HoUanda  . .  •  «auquel  nous  devons  cette  précieuse  décou verte;». 

A  descoberta  está  íeita  ha  quasi  vinte  annos,  porque  em 
i863  publicou  a  revista  El  arte  en  Espana  vol.  i  p.^g.  1 15  uma 
eicellente  reproducção  doesse  retrato  com  um  artigo  do  snr.  Don 
Gregório  Cruzada  Villaamil. 

Tractaremos  por  miúdo  dos  artigos  dos  snrs.  Yriarte  e 
Bredius,  quando  fizermos  a  analyse  do  Catalogo  ojicial  da  ex- 
posição de  Arte  ornamental  de  Lisboa,  em  os  números  seguintes. 

E.  Harder.  ^Der  Einjluss  Portugals  bei  der  Wahl  Pius  vii. 
(1775-1790)  Kõnigsberg,  Haitung,  1882,  8.^  de  i3o  pag.,  2 
marcos.  É'  uma  dissertação  inaugural.  (Informação  do  snr. 
Moreira  de  Sá). 

M.  Livrct.  Le  Père  SMalagrida.  Na  Revue  historique  n.* 
de  março-abril  publica  Livret  um  artigo  em  que  discute  a  cum- 
plicidade d'este  celebre  jesuita  na  tentativa  d'assassinato  de  D. 
José.  fim  appendice  offerece  o  seguinte  poema  latino :  Lqyoli- 


9^ 

dum  circa  facinus  in  regis  Lusitmice  pitam  pie  amceptum  niu^ 
diá^.  O  manuscripto  doeste  poema,  que  é  ucna  apologia  do 
regicídio,  provém  do  arcbivo  dos  jesuitas  de  Saint-Omer. 
(Informarão  do  snr.  Moreira  de  Sá). 

C.  von  Rcinhardstocttncr,  occupa-se  i»o  LitteraturblcUt 
n.**  5  de  uma  Grammaiica  portugueia  de  Júlio  Ribeiro.  São 
P^uio,  1881  ed.  Jorge  Seckler  8.«  de  299  pag.  A  critica  é  rela- 
tivamente favorável. 


Na  AcaJemr  de  1  de  abril  de  i88à  o  snr.  Webster  pu- 
blica um  artigo:  Popular poeiry  o f  Spain  and  Gascony,  crn  que 
analysa  a  seguinte  obra  de  Costa,  Poesia  popular  espanola  jr 
mitologia  f  literatura  celto  hispana.  Madrid,  i88i. 

Gerson  da  Cunha.  Contributions  to  the  study  of  Indo- 
portuguese  numismatics.  Bombay,  1881,  8.*  E^  já  o  fascículo  iv 
da  serie,  pag.  35  68,  com  3  est.  (Uda  fase  custa  2  sh.  6  d.  Na 
capa  annunciam-se  outras  publicações  importantes  do  autor 
sobre  a  índia  portugueza  e  ingleza.  E^  depositário  em  Lisboa  o 
snr.  António  Maria  Pereira. 

Ernest  de  la  Rochette.  Jacob  Rodrie^es  Pereira,  premier 
instituteur  des  Sourds-muets  en  France.  Sa  vie  et  ses  travaux. 
Paris,  1882,  8.^  de  576  pag.,  c.  retrato,  editor  Paul  Dupom. 

Alfred  Morei- Fatio.  Catalogue  des  mss.  espagnols  de  la 
Bibliothè^e  nationale,  i.®  fase,  243  pag.  4.^  O  autor  promette 
DO  2.*  fase.  a  relação  dos  mss.  portuguezes,  uma  introducção, 
supplemento  e  mdices.  Este  trabalho  do  erudito  escríptor  *é  o 
complemento  da  grande  obra  de  D.  Pascual  de  Gayangos. 
Catalogue  of  the  manuscripts  in  the  spanish  language  in  tke 
british  Museum.  London.  Estâ'^  publicados  três  grossos  volu- 
*mes  em  4.^  de  800-goo  pag.  cada  um. 

Carolina  Michaelis  de  Vasconcellos.  Palmeirim  de  Ingla- 
terra^ na  revista  de  Grôber,  vol.  vi,  1882,  fase.  2-3  pag.  2ii6- 
255.  E'  a  conclusão  (40  paginas)  do  estudo  que  anteriormente 
annunciámos,  quando  sahiu  a  primeira  parte  (v.  Revista  vol.  11, 
pag.  263).  O  autor  prepara  uma  tiragem  á  parte,  com  texto 
correcto  e  augmeDtade. 

Hugo  Schuchhardt.  Kreólische  Studien.   Extracto 


9« 

Siijkngshtrichíe  da  classe  philosoph.^histor,  da  Academia  Im« 
'.  dAs  Sciencias  de  Vienna,  voL  cr,  fase.  ii,  3 1  pag.  Versa  so 
o  dialecto  creouto  de  S.  Thomé.  Vide  a  aoaíyse  do  snr» 
A  d.  Coelho  a  este  estudo  no  Jornal  do  Commercio  de  Lisboa 
de  IO  e  18  de  janeiro  de  i883. 


per. 
ore 


Coosiglieri  Pedroso.  Portuguese  Folktãles  collected  by.  •  • 
and  translated  from  the  original  ms.  by  Miss  Henriqueta  Mon- 
teiro. With  «n  introdoaion  by  W.  R.  S.  Ralston.  M.  A.  Lon- 
don,  published  for  the  Foik-Lore  Society  by  Elliot  Stock.  Loa- 
don,  1882,  8.®  Vide  a  analyse  do  snn  Ad.  Coelho  a  esta 
pobltca<;âo  no  Jornal  do  Commercio  de  Lisboa,  de  22  de  de- 
zeflobro  de  1882;  afai  mesmo  dá  conta  dos  outros  trabalhos  do 
sor.  Pedroso,  que  teem  merecido  a  attençSo  da  crítica  estra»- 
gqra,  e  que  temos  apontado  n'esta  secção.  Recapitulamos : 

Contribuições  para  uma  mjrtholqgia  popular  portuguesa, 
ÉBSC.  i-vi,  Pono,  1880- 1881. 

Tradições  populares  portugué^M;  continuação  da  colle- 
cção  anterior,  fase.  vii-xii.  Porto,  1881-1882. 

Ensaios  críticos;  fase.  i-w,  Porto  1880-1881. 

O  snr.  Consiglieri  Pedroso  responde  a  alguns  reparos  do 
snr.  Coelho  no  Jornal  do  Commercio  de  19  de  janeiro  de  i883 : 
O  Plana  das  traãiçôes  populares  portuguesas. 

J.  Cornu.  Estudes  de  grammaire  portugaise  (Suite).  Na 
Bomania  vol.  xi,  p.  76.  Vide  Revista  vol.  11,  p.  29. 

Do  mesmo.  oÂnciens  textes  portugais  Vie  de  Saint  Eu- 

i^osyne.  Vie  de  Saiote  Marie  PEgypttenne.  Traité  de  dévotion. 

^a  Romania  vol.  xi  pag.  357-390.  E'  a  publicação  de  um 

^onento  de  um  códice  do  sec.  xiv  do  fundo  de  Alcobaça  (n.° 

966).  O  snr.  Cornu  deu  no  vol.  x  pag.  S34  da  Romania  conta 

AÍoda  doeste  códice  e  de  outros  do  mesmo  fundo :  n.^  36,  37 

244,273,6*91. 

D.  Pedro^  el  condestahle  de  Portugal  considerado  como 
éscriptor  erudito  y  anticuario  (1429-14W).  Estúdio  historico- 
bibliográíico  por  Andrés  Balaguer  y  Merino.  Gerona  1881,  69 
Mg.  8.\  Tiragem  separada  da  Revista  de  ciências  históricas  de 
Barcelona,  vol.  m.  Tracta  sedo  fiUiodo  Infante  D.  Pedro,  Du- 
qae  de  Coimbra,  que  morreu  em  Alfarrobeira  (1449).  E^  um 
tttudo  importante,  feito  sobre  documentos  inéditos.  O  snr.  Mo- 
rei-Fatio  analysa-o  n'um  estudo  cheio  de  erudição,  contriboindo 
com  âiaos  novos,  Romania  vol.  xi  pag.  i53-i6o.  O  crinco, 


9» 


Sarece,  comtúdo,  ignorar  a  existência  de  um  estudo  do  snr.  D.  José 
[.  Octávio  de  Toledo  El^uquede  Coimbra  jrsuhijo  el  Condes- 
table  na  Revista  Occidental  Lisboa,  1873.  VoU  ii,  pag.  295-31 5. 

G.  Baist.  Etjmologisches  (Grõber,  voL  vi,  pag.  116  e 

Í25) ;  etymologias  hespanholas  e  italianas.  E'  continuação  de 
rrõber,  vol.  v,  p.  53o;  citado  na  Repista,  vol.  n,  p.  263. 

F.  Liebrecht.  Revista  d^^Ethnologia  e  de  s^lottologia  de 
Coelho;  Grõber  vi  pag.  145,  crítica  muito  favorável. 

Dr.  Karl  Miilíer.  Vasco  de  Gama^  oder  die  Auffindung  des 
Seeweges  nach  Indien.  Breslau,  1882,  8.^  ed.  Trewendt.  5  Mar- 
cos, com  illustrações  do  prof.  L.  Burger.  Pertence  ao  género 
das  Jugendschrifien  ou  publicações  para  instrucção  da  mocidade. 

Wattemare.  Vasco  de  Gama»  Bi<^raphia  resumida,  para 
vulgarísação  na  Bibliothèque  des  écoles  et  des  familles.  Paris, 
Hachette,  1882,  8.*  pag. 

Ferdinand  Denis.  Les  vo^ages  du  Dr.  Lacerda  dons 
r Afrique  orientale.  Paris,  1882,  8.®,  ^^^^K-  Imprimerie  ix>u- 
velie.  E'  tiragem  á  parte  do  jornal  Le  ^é{il.  Éscripta  muito 
sympathico  sobre  o  celebre  explorador  portuguez,  mas  imparcial 
e  exacto,  como  tudo  o  que  sahe  da  penna  do  autor. 

R.  Francisque  Michel.  Lesportugais  en  France^  les  fran- 
çãis  en  Portugal.  Paris,  1882.  8.^  de  v-285  pag.  Guilhard,  Ail- 
laud  &  C»- 


O.  Crawfurd.  Ceramic  exhibition  at  Oporto.  Na  revista 
The  Academf  de  Londres,  n.*  56o,  27  de  janeiro  de  i883.  Um 
rasgado  elogio  á  nossa  exposição,  principalmente  á  abundantís- 
sima olaria  popular. 

Joaquim  de  Vasí^ncbllos. 


EXTRACTO  DO  NOSSO  ARCHIVO 

(OoBtlaiuçlo,  T.  Tol.  n  |«ff.  6Tf) 

5  de  Dezembro  de  1882.  Reunião  ordinária  do  Ck>nselho 
sdentifico.  Primeira  depois  de  ferias.  Vide  nSais  adiante  a  no- 
ticia doesta  sessão. 


93 


14  de  Dezembro.  São  encetados  os  trabalhos  para  a  fu- 
tura Exposição  de  tecidos  nacionaes  em  Outubro  de  i883.  Te- 
ddos  de  todas  as  qualidades :  em  linho,  lã,  algodão,  seda,  teci- 
dos mixtos  etc. 

i5  de  Dezembro.  Reunião  ordinária  do  Conselho  scienti- 
fico.  Discussão  dá  proposta  do  snr.  Moreira  de  Souza,  relativa 
á  Reforma  de  instrucção  secundaria.  (Continuação). 

2  e  9  de  Janeiro  de  i883.  Reuniões  extraordinárias  do 
Conselho  scientifico  para  a  discussão  da  Consulta  da  Sociedade 
de  Geographia  de  Lisboa,  relativa  á  adopção  de  um  meridiano 
universal  de  origem  de  longitudes. 

12  de  Janeiro.  Installação  da  Commissão  Organisadora 
da  Exposição  de  Ourivesaria  nacional  em  Abril  de  i883. 

i5  de  Janeiro.  Reunião  ordinária  do  Conselho  scientifico. 
Continuação  da  ordem  da  noute  anterior. 

Além  d'estas  reuniões  officiaes  houve  varias,  particulares, 
de  differentes  commissõe&  Citaremos  as  da  Commissão  promo- 
tora do  Bazar  de  prendas,  cujo  producto  é  destinado  ao  fundo 
da  Escola  de  artes  e  ojicios.  Os  snrs.  consócios,  que  andam 
muito  activos  e  empenhados  no  bom  êxito  do  Bazar,  publica- 
ram um  convite  ás  senhoras  portuguezas  e  estrangeiras,  que 
vae  adiante  reproduzido. 

Concluiu  os  seus  trabalhos,  que  foram  demorados  e  labo- 
riosos, a  Commissão  encarregada  de  elaborar  a  Reforma  dos 
Estatutos.  O  Secretario  geral  informou  o  Conselho  da  conclu- 
são da  tarefa  na  sessão  de  i5  de  Dezembro  de  1882.  O  novo 
projecto  está  impresso,  e  será  distribuído  muito  brevemente  ao 
sócios. 

A  Commissão  orgnnísadora  da  Exposição  de  Cerâmica 
despediu-se  da  imprensa  portugue/a  com  um  ofBcio  de  agrade- 
cimento, que  adiante  publicamos.  Por  falta  de  espaço  só  piídé- 
mos  dar  publicidade  tardia  ao  Discurso  do  snr.  Presidente  no 
encerramento  da  dita  exposição,  e  tornar  assim  mais  publica  a 
gratidão  que  sentimos  pelas  pessoas  que  tanto  nos  coajuvaram 
particularmente  (v.  retro  pag.  i-3). 

A  propósito  da  Exposição  de  Cerâmica  devemos  ainda 
informar  os  nossos  leitores  do  honroso  convite  que  nos  dirigiu 
o  Governo  de  S.  M.  C.  por  intermédio  do  Digno  Cônsul  de  Hes- 
panha  n^esta  cidade,  para  concorrermos  á  Exposicion  nacional 
de  mineria,  artes  metalúrgicas^  cerâmica,  cristaleria  y  aguas 
minerales,  que  abrirá  no' da  i  de  Abril  d'este  anno,  em  Madrid. 

Infelizmente  os  recursos  da  Sociedade  são  tão  modestos, 
e  as  despezas  causadas  pela  ultima  exposição  tão  consideráveis, 


»f 


dando  mesmo  um  prejuízo  de  434438o  reb^  qse  tivemos  de 
renunciar  a  este  concurso,  cooi  verdadeiro  peear  de  todos  os 
sócios  que  no  Conselho  discutiram  o  assumpto. 

O  Conselho  acceitou  uma  proposta  muito  vantajosa  que 
lhe  foi  feita  pelo  chimico  francez  Mr.  Ducloux,  actualmente 
n  Vsta  cidade,  para  a  analyse  da  grande  coliecção  de  barros  oa- 
cionaes  que  pertencem  ao  Museu  de  cerâmica  da  Sociedade. 

Antes  de  nos  despedirmos  da  Exposição  de  cerâmica  te- 
mos especial  prazer  em  consignar  aqui  o  testemunho  do  pro- 
fundo reconhecimento  de  todos  os  consócios  a  S.  M.  El  Rei^  o 
snr.  D.  Luiz,  o  qu^l  se  dignou  conceder  no  Palácio  Reald'esia 
cidade  um  abrigo  provisório  ás  nossas  collecções  de  cerâmica 
nacional.  S.  M.  sabendo,  pela  direcção  das  condições  em  que 
nos  achamos,  apertados  em  uma  pequeníssima  saia,  pela  qual 
pagamos,  ainda  assim  um  pezadisstmo  tributo,  como  brevetnente 
se  demonstrará,  mandou  jfcanquear,  sem  demora,  uma  sala  do 
paço,  onde  os  obfectos  ficarão,  por  emquanto,  guardados  nas 
competentes  caixas. 

Nos  últimos  dias  do  anno  findo  (28  de  Dezembro)  fiooa 
approvado  o  programma  da  nova  R^osição  de  industrias  ca«* 
seiras  em  mar^o  de  i883,  repetição  da  que  fizemos  em  maio 
de  1882.  Vae  publicado  de  pag.  36-40;  apresenta  algumas  nao- 
dificações  (v.  Revista,  vol.  11,  pag.  i3a). 

Nas  reuniões  ordinárias  do  Conselho  scientifíco  de  5  e  i5 
de  dezembro  e  i5  de  janeiro  tratou  dos  assumptos  que  atraz 
indicamos. 

Na  segunda  proseguiu-se  sob  a  presidência  do  snr.  J.  E. 
Von  Hafe  na  discussão  da  proposta  do  snr.  Moreira  de  Souza 
relativa  á  reforma  da  instrucção  secundaria.  Tomaram  parte 
n^^sta  discussão  os  snrs.  presidente,  Manoel  José  Felgueiras  e 
Joaquim  de  Vasconcellos,  sendo  votadas  algumas  conclusões, 
das  quaes  a  mais  importante  foi  a  definição  dos  fins  da  instruc* 
ção  secundaria,  fins  que  o  snr.  Moreira  de  Souza  estabelece  de 
uma  forma  positiva. 

Foram  approvados  sócios  efiPecnvos  os  snrs.  dr.  Ernesto 
do  Canto,  Augusto  César  Supico,  Francisco  César  Supico,  dr. 
Caetano  de  Andrade  e  Albuquerque,  conde  da  Silvã  (D.  Fran- 
cisco) e  Henrique  T.  Murat;  este  ultimo  proposto  pelo  snr.  Isaac 
Newton  e  os  restantes  pelo  snr.  Luiz  de  Souza  Gomes  e  Silva. 

Foram  participadas  varias  offertas  feitas  pelos  snrs.  Er- 
nesto Chardron,  padre  Francisco  José  Patrício,  José  António 
Castanheira  e  Dias  Mufiiz.  Entre  estas  ofifertas  avulta,  pelo  seu 
valor  a  que  foi  obtida  por  interferência  do  rev.  Patrício,  e  que 


9i>  . 


consta  de  uma  coliecçio  dos  trabalhos  cartographicos  publica- 
dos pela  commissão  offidial  de  trabalhos  geodésicos,  na  qual  se 
contam  alguns  de  muito  preço. 

O  secretario  geral  participou  que  brevemente  seria  apre- 
sentado o  programma  para  o  monumento  á  memoria  do  Infante 
D.  Henrique. 

O  snr.  Isaac  Newton  propoz  que  na  acta  se  consignasse 
um  voto  de  sentimento  pela  morte  da  sogra  do  snr.  Henrique 
Kendall,  membro  do  conselho  fiscal  da  Sociedade. 

Na  primeira  reunião  do  conselho  scientifico  da  Sociedade 
de  Instrucção,  foram  approvados  sócios  na  leitura  do  expediente 
os  seguintes  senhores : 

António  Xavier  Lourenço  de  Almeida^  José  Maria  Alves 
Torgo  Júnior,  António  Tiburcio  P.  Carneiro  Va.sconcellos, 
Eduardo  Augusto  dos  Santos  Júnior,  José  Correia  Pinto  da 
Fonseca,  dr.  António  Ribeiro  Fernandes  Forbes,  António  de 
Almeida  Costa,  António  Joaquim  Rodrigues  Porteíla,  Jo^é  Joa- 
quim Teixeira  Lopes,  Manoel  da  Terra  Pereira  Viaona,  conde 
de  Castro,  Jacintho  P.  V.  Miranda  Vasjoocellos,  Guilherme 
Monteiro  Rebello,  Manoel  Maria  Rodrigues,  Gabriel  António 
Carvalho,  António  Sequeira  Ferraz^,  Emílio  de  Azevedo  Cam- 
pos, Eduardo  da  Cunha  Rego,  José  Maria  Sant^Anna  e  Silva, 
Albino  Coutinho  de  Souza  Moraes,  António  de  Albuquerque, 
Joaquim  Ribeiro  de  Freitas,  José  David  Azevedo  Barros,  J. 
da  Costa  Carregai,  Ernesto  da  Costa  Pinto  Basto,  Joaquim 
Baptista  da  Silva  Guerra,  dr.  João  Vieira  Pinto,  Joaquim  de 
Almeida  Costa,  Júlio  Cardoso,  Eduardo  José  Alves,  Carlos 
José  Alves,  José  Gregório  Baudoin,  Manoel  Leite  Pereira, 
Duarte  Ferreira  Pinto  Basto,  António  José  da  Silva,  António 
da  Rocha  Souza  Lima,  António  Bernardo  Soares,  Cândido 
Augusto  Sá  Castro,  Angelo  da  Silva  Macedo  e  Manoel  Al/es 
Ferreira  Pinto. 

O  presidente,  snr.  dr.  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia  Osó- 
rio, notou  que  todos  os  membros  do  conselho  saberiam  que 
um  dos  seus  mais  distinctos  collegas  o  snr.  Joaquim  de  Aze- 
vedo Souza  Vieira  da  Silva  Albuquerque  acabava  de  passar 
por  um  duro  infortúnio  com  a  morte  de  seu  pae.  Propunha  ix)r 
isso  que  na  acta  se  lançasse  um  voto  de  sentimento  por  tão  in- 
fausto motivo ;  que  uma  commissão  fosse  desanojar  o  snr.  Aze- 
vedo Albuquerque,  em  nome  do  conselho. 

Esta  proposta  foi  unanimemente  approvada. 

O  rev.  Francisco  José  Patrício  propoz  igualmente  que  na 
acta  se  consignasse  um  voto  de  sentimento  pela  morte  do  illus- 


.    9í> 


tre  geólogo  o  snr.  Carlos  Ribeiro,  a  cuja  memoria  consagrou 
algumas  palavras  de  veneração. 

Finalmente,  o  snr.  Isaac  Newton  propoz  ainda  um  voto 
de  sentimento  pela  morte  do  pae  do  nosso  consócio  e  dedicado 
collaborador  snr.  José  de  Macedo  Araújo  Júnior. 

Foram  também  approvadas  estas  propostas. 

Em  seguida  foi  levantada  a  sessão,  indo  quasi  todos  os 
membros  presentes  a  casa  do  snr.  Azevedo  Albuquerque. 

Na  terceira  presidiu  o  Vice-presidente  da  Sociedade,  snr. 
Joaquim  de  Azevedo  Souza  Vieira  da  Silva  Albuquerque* 

Foi  dada  conta  de  vario  expediente,  entre  o  qual  um  of- 
ficio  da  direcção  do  Palácio  de  Crystal,  em  resposta  a  dous  que 
lhe  foram  dirigidos,  pedindo  a  cedência  de  um  recinto  para  ce- 
lebração da  exposição  de  ourivesaria*  e  industrias  caseiras.  A 
propósito  doesse  oíficio  travou-se  larga  e  acalorada  discussão, 
sendo  resolvido  que  a  meza  ficasse  autor isada  a  responder,  depois 
de  ouvida  a  commissão  promotora  da  exposição  de  ourivesaria 
sobre  a  conveniência  das  propostas  da  Direcção  do  Palácio. 

Deu-se  conta  de  varias  offertas  de  livros  e  jornaes. 

Finalmente,  foram  proclamados  sócios  os  snrs.  Sebastião 
do  Canto  e  Castro,  Bernardo  do  Canto  e  Castro,  Manoel  Eu- 
zebio  de  Souza,  Augusto  Peneira  Nobre,  Miguel  Dantas  Gon- 
çalves Pereira,  Albino  Coutinho  Júnior,  José  António  Guima- 
rães Júnior  e  dr.  José  Pereira  da  Costa  Cardoso. 

Foi  presente,  para  ser  remettida  á  redacção  da  Repista 
da  Sociedade,  uma  circular  da  delegação  da  Exposição  agri^ 
cola  de  Lisboa  em  maio  do  corrente  anno. 

Como  a  discussão  do  officio  da  Direcção  do  Palácio  de 
Crystal  occupou  o  Conselho  até  ás  1 1  horas  da  noute,  não  foi 
possível  continuar  na  discussão  da  Ordem  da  noute  (proposta 
do  snr.  Moreira  de  Souza.) 

As  duas  sessões  extraordinárias  do  Conselho  (2  e  9  de 
janeiro;  vide  retro),  realisaram-se  sob  a  presidência  do  snr. 
Albuquerque,  o  qual  apresentou  um  desenvolvido  projecto  de 
parecer,  no  qual  se  revelam  os  conhecimentos  especiaes  do  eru- 
dito professor  e  consócio.  Vae  publicado  retro  pag.  86-88. 

O  snr.  Azevedo  Albuquerque  fundamentou  largamente  o 
seu  parecer;  e,  depois  de  usarem  ainda  da  palavra  os  snrs. 
Tito  de  Noronha,  Joaquim  de  Vasconcellos  e  Manoel  José  Fel- 
gueiras, foi  plenamente  approvado,  decidindo-se  que  fosse,  sem 
demora,  expedido  para  Lisboa,  o  que  teve  logar  dous  dias  depois. 

Foram  participadas  diversas  offertas  feitas  pelos  snrs.  dr. 
Wenceslau  de  Lima,  A.  de  Oliveira,  Diaz  y  Perez,  visconde 


97 


de  Sanches  de  Baena  e  dr.  Ayres  de  Gouyeta.  A  doeste  cava- 
lheiro consiste  em  um  formoso  tinteiro  de  prata ;  e  a  do  snr.  Diaz  y 
Perez  consiste  em  um  busto  em  gesso  do  illustré  pedagogo  hes- 
panhol  Montesinos,  acompanhado  de  uma  memoria  biographica. 
Entre  a  correspondência  lida  achava-se  um  officio  do  snr. 
D.  Eduardo  Bonilla  Martel,  digno  cônsul  de  Hespanha  n^esta 
ddade,  a  que  )á  alludimos. 

Foram  approvados  sócios  os  snrs.  Guilherme  AfiSalo,  dr. 
Bernardino  Machado,  J.  A.  Marques  Gomes,  Affonso  Henri- 
ques da  Silva  Moreira,  dr.  Adriano  Theôdoro  de  Figueiredo 
Malheiro,  Eduardo  Augusto  Paes  Villasboas,  José  Mendes 
Leite,  José  Chrispiniano. Júnior,  Abiliode  Jesus  Anciães  Proença 
e  Álvaro  Smith  de  Vasconcellos. 

Na  sessão  inaugural  dá  Commissão  organisadora  da  Ex- 
posição de  ourivesaria  nacional^  a  1 2  de  Janeiro,  houve  traba- 
lhos preparatórios.  Eis  como  o  Commercio  do  'Tório  de  14  de 
Janeiro  dá  conta  do  que  ali  se  passou : 

cO  vice-presidente  da  Sociedade  de  Instrucção,  o  snr. 
Joaquim  de  Azevedo  Sousa  Vieira  da  Silva  Albuquerque,  ins^^ 
tallou  ante-hontem  a  commissão  organisadora  da  exposição  de 
ourivesaria,  que  promove  aquella  distincta  quanto  prestimosa 
instituição.  Ao  fazer  esta  installação,  s.  exc/  agradeceu  aos 
vogaes  da  commissão  a  distitlcção  que  faziam  á  Sociedade,  ac^ 
cedendo  ao  seu  appêllo  e  o  serviço  valiosissimo  que  prestavam 
á  industria  portugueza,  organisando  uma  exposição  que  ha  de 
mais  uma  vez  testemunhar  os  méritos  do  trabalho  nacional, 
restituindo-lhe  a  conãança  no  próprio  valor. 

Occuparam  em  seguida  os  respectivos  lugares  os  diversos 
membros  da  commissão,  ficando  presidente  o  snr.  dr.  José  Au- 
gusto Correia  de  Barros;  vice  presidente,  o  snr.  Augusto  Mo- 
reira da  Costa;  secretario,  o  snr.  Albino  Coutinho;  vice-secre- 
iBrío^f  o  snr.  Joaquim  de  Vasconcellos ;  e  vogaes,  os  snrs.  Emi- 
lio  Augusto  Dia5,  António  Lui?  Teixeira  Machado,  Isaac  New- 
t00|  Augusto  Luso  da  Silva  e  José  António  Guimarães  Júnior. 
O  snr.  dr.  Correia  de  Barros  agradeceu  a  honra  que  aca- 
bava de  receber  com  a  nomeação  para  o  lugar  de  Presidente; 
e  em  seguida  accentuou  a  graude  importância  e  utilidade  das 
exposições  que  a  Sociedade  tem  organisado  e  que  lhe  teem  cap- 
tivado  sempre  toda  a  attenção  e  sympathia. 

Reconhecia  que  a  tentativa  que  se  preparava  era  difficil, 
porque  a  industria  da  ourivesaria  se  acha  em  uma  situação  de 
crise,  mas  confiava  em  que  lhe  alvoreceria  futuro  mais  risonho, 
attenta  a  importância  que  ella  teve  em  outros  tempos  e  a  im- 

BETISTA  DA  SOCISDADB  DB  QfSTBUCÇÃO  DO  POBTO.  1 


98 


portancia  que  conquistou  no  nosso  paiz.  Para  se  conseguir  isso 
era  necessário  que  se  estudassem  com  sinceridade,  energia  e  de- 
dicação as  causas  que  haviam  levado  a  ourivesaria  ao  estado 
em  que  ella  hoje  se  encontra. 

«Não  desesperar,  n&o  parar  no  trabalho  —  tal  devia  ser  a 
palavra  de  ordem.  Embora  a  exposiçlo  se  realisasse  em  mo* 
destas  condições,  nem  por  isso  deixaria  de  representar  um  bom 
serviço;  e,  além  d'isso,  uma  primeira  tentativa  devia  merecer, 
mesnr.o  por  este  facto,  a  maior  sympathia  do  publico,  dos  in* 
dustriaes,  dos  homens  influentes  e  das  pessoal  abastadas,  cujo 
concurso  se  não  pôde  dispensar. 

«De  resto,  a  Sociedade  de  Instrucção  declarava  nos  seus 
programmas  que  não  promettia  nem  realisava  grandes  empre- 
zas ;  que  se  contentava  em  indagar  os  meios  de  augmentar  a 
fortuna  do  operário  portuguez,  até  agora  tão  reduzida,  e  de 
melhorar  a  sua  modestíssima  sorte. 

«Passando-se  a  tractar  do  modo  de  organisar  o  program* 
ma  da  exposição,  das  proporções  que  esta  devia  assumir,  dos 
meios  necessários  e  disponiveis  com  que  se  podia  contar,  da 
sua  distribuição,  etc,  usaram  por  mais  de  uma  vez  da  palavra 
os  snrs.  Augusto  Moreira,  Albino  Coutinho,  Teixeira  Machado, 
Joaquim  de  Vasconcellos  e  Isaac  Newton.  O  snr.  Joaquim  de 
Vasconcellos  accentuou  a  sua  opinião  contraria  a  que  se  pedisse 
o  auxilio  ofiScial,  desejando  que  a  exposição  fosse  realisada  pela 
Sociedade  com  os  recursos  próprios.  Tocou  ainda  larga  e  pro- 
fidentemente  outros  pontos. 

cO  snr.  Augusto  Moreira  offereceu-se  para  apresentar  na 
exposição  todos  os  elementos  necessários  para  a  demonstração 
do  trabalho  das  officinas  de  prata,  nas  suas  variadas  phases ;  e 
para  apresentar  também  alguns  operários,  que  executem  certos 
processos  especiaes  de  fabrico  diante  do  publico. 

f  O  snr.  Albino  Coutinho  prometteu  igualmer.te  apresentar 
alguns  artistas,  para  exemplificação  dos  trabalhos  em  ouro  e 
cravação. 

<0  snr.  presidente  agradeceu  estas  offertas,  que  conside- 
rou de  elevado  interesse  para  a  exposição,  e  disse  serem  uma 
prova  da  importância  que  os  offerentes  ligam  á  classe  a  que 
pertencem  e  a  instrucção  do  publico. 

cPor  ultimo  foram  encarregados  de  elaborar  o  projecto  do 
programma  da  exposição  os  secretários,  snrs.  Albino  Coutinho 
e  Joaquim  de  Vasconcellos.» 

Parece-nos  útil,  honroso  e  justo,  em  homenagem  á  Com- 
missão  de  sócios  que  tanto  se  empenha  no  bom  êxito  do  Bazar 


99 


para  a  Escola  de  artes  e  qfficios,  resumir  aqui  o  que  dizia  no 
seo  numero  de  20  de  Dezembro  de  1 882  o  mesmo  jornal,  já  citado: 

cMais  um  empenho  generoso  da  prestimosa  Sociedade  de 
lostrucçSo:  agora  ésfor«;a-se  por  fundar  n^esta  cidade  uma  es- 
cola de  artes  e  officios,  instituição  de  alta  valia;  que  viria  mar- 
car am  passo  avantajado  no  ensino  technico  em  Portugal. 

«Nas  nações  mais  adiantadas  ha,  pelo  menos  uma  escola 
pratica  de  artes  é  ofScios,  onde  se  formam  trabalhadores  con- 
scientes e  de  grande  capacidade  productiva;  entre  nós  quiz-se 
remediar  essa  falta  com  a  fundação  dos  Institutos  Industriacs 
de  Lisboa  e  Porto,  mas  é  preciso  confessa r-se  que  bem  peque-. 
DOS  resultados  se  teem  attingido,  porque  ao  ensino  falta  o  cara- 
cter puramente  pratico.  Poucas  são  as  industrias  que  disfructam 
no  nosso  paiz  as  regalias  do  ensino  technico ;  tire-se,  como  ex- 
cepção, a  industria  agricola,  e  que  mais  fica?. •  • 

cDe  resto  o  ensino  industrial  com  feição  um  tanto  pratica 
não  passa  de  desenho,  que  raramente  é  desenho  industrial ;  e, 
n'estas  condições,  ninguém  espere  próxima  florescência  indus- 
trial, porque  a  mão  do  operário  tem,  como  única  educação, 
uma  aprendizagem  tantas  e  tantas  vezes  bem  irregular. 

cPorque,  o  novo  serviço  publico  que  a  benemérita  Socie- 
dade de  Instrucção  projecta  Ieva^  a  effeito  é  da  maior  valia  e 
pôde  ou  deve  exercer  a  mais  salutar  influencia  no  futuro  do 
trabalho  em  Portugal . . . 

cA  Sociedade  vai  appellar  para  as  senhoras,  pedindo  a 
soa  coadjuvação  para  utii  bazar  de  prendas  a  benefício  da  in- 
stituição que  projecta  fundar;  e  appella  muito  bem,  porque  a 
mulher,  sendo  na  familia  um  guia,  deve  ser  na  sociedade  um 
pharol,  um  exemplo,  um  incitamento  para  tudo  quanto  se  dirija 
a  definir  um  grande  futuro.  Depois,  ella  tem  duas  fontes  de  per- 
cepção: tem  a  intelligencia,  rem  o  coração;  e  d'este  modo  o 
estorço  da  Sociedade  de  Instrucção  deve  apresentar-se-lhe  aos 
olhos  em  toda  a  nitidez  das  suas  vantagens  incontestáveis.» 

Segue  a  circular  ás  Senhoras : 

Exc."»  Snr.» 

A  Sociedade  de  Instrucção  dp  Porto,  no  seu  aturado  em- 
penho de  promover  pelo  ensino  a  mais  segura  prosperidade  na- 
cional, deliberou  consagrar  os  seus  esforços  á  creação  de  uma 
escola  de  artes  e  qfficios^  fazendo  doeste  modo  com  que  nós  imi- 
temos os  exemplos  salutares  que  outros  povos  nos  estão  dando. 

Não  desconhece,  certamente,  v.  exc.^  os  elevadissimos  in- 
tuitos de  uma  escola  de  artes  e  officios,  que  promova  a  educa- 


100 


ção  pratica  do  operário,  que  crie  verdadeiros  trabalhadores ;  não 
ignora  também,  por  certo,  quanto  influe  na  riquesa  de  uma  na- 
ção o  elemento — trabalhador  consciente.  Alquier,  exaltando  a 
influencia  das  escolas-  de  artes  e  officios  sobre  os  operários,  es- 
creveu a  seguinte  afirmação  sublime :  //  faut  leur  faire  voir 
plus  qWil  ne  faut  leur  parler. 

Adoptemos,  portanto,  como  estandarte  de  uma  nova  cru- 
zada o  conceito  de  Alquier ;  procuremos  transformar  em  reali- 
dade o  principio  que  elle  sabiamente  enunciou  e  prestaremos, 
doeste  modo,  a  nossa  pátria  um  serviço  que  ella,  se  não  imme- 
diatamente,  pelo  menos  mais  tarde,  nos  agradecerá  com  o  seu 
conhecimento  de  mãe  affectuosa.  A^radecer-nos-ha  esse  serviço 
quando  o  oleiro,  o  tecelão,  o  constructor,  os  multíplices  agen- 
tes da  industria  humana,  trabalharem  illuminados  por  uma  luz 
fecundante,  que  lhes  aperfeiçoará  a  producção,  lhes  abrirá  o 
consumo,  e  creando  a  prosperidade  individual,  creará  também 
a  prosperidade  nacional. 

Nós,  5Ó^,  pouco  podemos  fazer  na  cruzada  que  pregamos. 

A^s  senhoras,  como  as  mais  efficazes  protectoras  de  tudo 
quanto  é  generoso,  e  dedicado,  supplícamos  que  nos  coadjuvem 
n>fta  obra  de  adiantamento. 

N'esse  intuito  promovemos  a  realisação  de  um  bazar  de 
prendas  para  o  qual  ousamos  pedir  a  valiosa  cooperação  de 
v.  eic*  que,  com  um  trabalho  seu,  fará  um  benendo  e  dará 
ao  mesmo  tempo  um  exemplo. 

Accedendo  benevolamente  ao  nosso  pedido,  v.  exc*  não 
haverá  só  distinguido  a  Sociedade  de  Instrucção  —  haverá,  o 
que  mais  vale,  certamente  alimentado  a  realisação  de  um  ím- 
portantissimo  melhoramento  publico.*  E\  sem  duvida,  uma 
agradabilissima  consolação. 

Somos  com  a  maior  consideração 

De  V.  exc.% 

attentos  veneradores  e  criados^ 

Dr.  E.  H.  "Brandi, 

José  de  Macedo  Araújo  Júnior, 

Wilson  Rawes, 

Dr.  Pedro  Augusto  Ferreira, 

Augusto  Lu. o  aã  Silva, 

João  Camillo  de  Castro  Jwiior, 

Bento  de  Sou^a  Carqueja  Júnior, 

Eduardo  Sequeira. 

Porto,  I  de  dezembro  de  1882.» 


101 


As  prendas  podem  ser  enviadas  para  as  seguintes  locali- 
dades: 

Largo  da  Carvalhosa,  i66.  "^ 

Rua  do  TriumphOi  70. 

Largo  de  S.  Pedro  de  Miragaya,  ii. 

Rua  do  Bomjardim,  612. 

Rua  da  Assumpção,  27  e  3o. 

Rua  da  Alegria,  21 5. 


Não  devemos  concluir  esta  rápida  revista  sem  agradecer 
cordealmente  em  nome  da  Sociedade  as  pahvras  com  que  o 
D05S0  consodo  snr.  Bernardino  Machado  saudou  na  camará 
dos  deputados  (sessão  de  19  de  janeiro)  os  esforços  que  ella 
tem  feito  a  bem  da  instrucção  nacional. 

No  momento  em  que  nós  dirigimos  ao  Parlamento  uma 
representação,  pedindo  alguns  palmos  de  terra,  em  que  possa- 
mos.  estabelecer-nos  seguramente,  ao  abrigo  de  exigências  e  sa- 
crificios  que  absorvem  uma  parte  muito  considerável  da  nossa 
receita  —  iorporta-nos  muito  que  uma  voz  auctorisada  accentue 
a  justiça  com  que  fazemos  o  pedido. 

Pek  nossa  parte  forneceremos  ao  Parlamento  os  docu- 
mentos mais  insuspeitos,  confiando  na  eloquência  dos  factos, 
porque  é  com  estes  que  temos  argumentado.  O  numero  de 
março  publicará  os  documentos. 

A  imprensa,  não  só  do  Porto,  mas  de  todo  o  paiz,  tem 
ajudado  sempre  a  Soci^^dade,  generosamente,  mas  nos  últimos 
tempos  tivemos  a  consolação  de  iêr  uma  serie  de  artigos  que 
aqui  reproduziríamos  com  o  maior  prazer,  se  não  estivéssemos 
luctando  sempre  com  a  falta  de  espaço,  apesar  de  successivos  au- 
gmentos  n^esta  Revista,  que  não  íoram  compensados  na  receita. 

Esperamos  ter  um  dia  a  fortuna  de  coordenar  em  uma 
publicação  especial  os  pareceres  da  imprensa  portugueza  ácçrca 
das  emprezas  que  temos  realisado. 

Entretanto,  desde  já  agradecemos  os  artigos  que  ultima- 
mente appareceram,  a  propósito  do  projecto  da  Escola  de  artes 
e  ojícios,  nos  seguintes  periódicos,  todos  do  mez  de  Dezembro : 

Primeiro  Se  Janeiro  (Porto)  de  20 ;  Commercio  Vortu- 
guei  (Porto)  da  mesma  ádX2i\  Aurora  do  Cavado  (Barcellos)  de 
19,  Cori  esDOiidencia  de  Portt^al  (Lisboa)  de  20  e  29;  O  Pro- 
gressista de  21 ;  a  Correspondência  de  Coimbra  de  19 ;  o  Com- 
mercio de  Penafiel  de  20;  a  Gaveta  da  Beira  de  29  (Mangual- 
de) ;  as  Noticias  do  Algarve  de  3o,  etc. 


RECEITA  E  DESPEZA  DA  SOCIEDADE 

NO  ANNC 


RECEITA 


Saldo  do  anno  próximo  passado  . 
Da  ^^fivistadaSociedade^^cobrsiáo 

-«°d-^«'i;Sra°ngeiro 


Dos  sodos— cobrado. 
»        •    — em  divida 


De  diversos : 
Juros  em  conta  corrente 
Diversas  contas    .     .     . 


Exposiç&o  de  Historia  Natural : 
Entradas  em  Janeiro 

Exposição  de  Industrias  Caseiras : 

Entradas 

Objectos  vendidos  de  conta  de  diversos  . 


Exposição  de  Camélias  em  Lisboa : 
Entradas 

Centenário  de  Frcebel : 
Biographias  vendidas 

Escola  Frcebel : 
Recebido  da  Direcção  do  Palácio  de  Crystal  terça- 
parte  do  producto  liquido  da  exposição  de  flores 

Exposi^o  de  Cerâmica : 

Entradas  7:143  a  200  reis 

Objectos  vendidos  de  conta  de  diversos  .... 
Recebido  do  Governo  de  S.  M.  para  prémios  .     . 


Total 


261^125 
3424300 
34B4823 


1:002^600 
358^200 


50^320 
212^010 


7464680 
56*775 


1:428*600 
125*040 
3oo*ooo 


1:443^715 

1:450^800 

362^330 

8«85o 

803^455 

370^700 
19*^00 

34^145 
i:853^40 


7:199  J(6a 


3 


PortOi  9  de  Fetereiro  de  1888. 


GOMiaSSAO  DK  KXÀMB  OK  CONTAS 

r 

Hsnrique  C.  M.  tendaU, 

Carloi  Augtuto  Paei, 

JuUo  Moreira, 

Conselheiro  José  da  Silva  Umteiro, 

Josi  Maria  d^ Almeida  Outeiro. 


DE  INSTRUCÇÃO  DO  PORTO 

[>£  iBfti 


DESPEZA 


Revista:  despesas  de  impressão  e  expedição,  etc.  . 
Despesas  geraes :  ordenados,  expediente,  etc.    .     . 

Exposição  de  Historia  Natural: 
Despesa  de  expediente,  fretes,  vidros,  etc.    .     .     . 

Exposição  de  Industrias  Caseiras : 

A  ordenados,  expediente,  diplomas,  etc * 

Despesa  com  as  rendeiras 

Rendas  compradas  èm  Peniche 

Ao  Palácio  de  Crystal  lo  por  cento,  sobre  623^280 
Dito  33  por  cento,  sobre  1234400 

Exposição  de  Camélias  em  Lisboa : 
Âlu^er  do  salão  da  Trindade,  conducções  do  ca- 
minho de  ferro,  etc 

Centenário  de  Frcebel : 
Diversas  despesas,  impressão  de  biographias,  etc.  . 

Exposição  de  Cerâmica : 
A  ordenados,  expediente,  fretes,  passagens  no  Ca- 
minho de  ferro,  diplomas,  conta  de  carpinteiro, 

etc 

Ao  Palácio  de  Crystal : 

Percentagem  sobre  7:143  entradas 

Objectos  vendidos  de  conta  de  diversos  .... 
Viuva  Moreira  êt  Filhos,  conta  de  premies  do  Gov. 

Bibliotheca : 

Magalbáes  ft  Monis,  conta  de  livros 

Moveis 

Monumento  ao  Infante  D.  Henrique : 

Despesa  de  expediente 

Saldo  no  Banco  Gommercio  e  Industria  .... 
Em  moa  promissória  do  mesmo  Banco  .... 
Cobrança  a  realisar 


Total 


553*760 
80JÍ120 
40*500 

io5*52o 


i:56ifi5o 


3oi*65o 
125*040 
3oo*ooo 


368*275 

7i3*5éo 

1:049*325 


75*060 
94^955 

177*615 


789*900 

333*960 
230*495 


2:287*840 


20*45o 
8*000 

33o 


a:i3i*i8o 
7:199*685 


o  GON8KLHO  ADMINISTRATIVO 

Visconde  de  Barreiros,  Presidente. 

José  Teixeira  da  SUva  Braga  Júnior, 

Tito  Jorge  de  Carvalho  Malta, 

Pedro  Augusto  Ferreira, 

Marcos  Archer, 

AniofUo  Domingues  Canedo, 

Wilson  W.  Rawes, 

Eduardo  Sequeira, 

António  Manoel  Lopes  Vieira  de  Castro, 

Alberto  Rehello  Valente  Allen, 

Isaac  Newton,  Tbesoureiro. 


104 


CIRCULAR  Á  IMPRENSA  PORTUGUEZA 

III.-^  Ex."^  Snr. 

No  momento  em  que  se  fecham  os  trabalhos  da  exposi- 
ção de  Cerâmica,  a  Direcção  da  Sociedade  de  Instrucção  do 
Porto  passa  ipais  uitia  vez  em  revista  os  elementos  que  concor- 
reram para  o  bom  êxito  da  sua  empreza,  e  lejnbra-se  da  im- 
prensa do  pais:. 

A()esar  do  aproveitamento  d'uma  serie  de  drcumstancias 
favoráveis,  a  Sociedade  não  poderia  ter  fixado  a  attenção  do 
publico  por  tanto  tçmpo,  se  a  imprensa  não  viesse  em  seu  au- 
xilio. Não  temos  illusões  a  respeito  do  valor  relativo  dos  nos- 
sos esforços  e  cremos  hoje,  como  sempre,  ser  necessafio  appel- 
lar  para  a  protecção  constante  e  desinteressada  d'aquelles  que 
teem  a  elevada  missão  de  guiar  a  opinião  publica  no  meio  de 
correntes  corítradictorias. 

De  um  extremo  do  paiz  ao  outro  a  imprensa  portugueza 
não  só  se  transformou  em  fiel  interprete  das  nossas  idéas  e  dos 
nossos  desejos,  mas  achou  ainda  palavras  de  louvor,  que  foram 
além  d^aquirio  que  nos  era  dado  ambicionar. 

Não  podemos  esquecer  isto,  e  por  isso  mesmo  desejamos 
confessal-o,  e  levar  ao  conhecimento  d^essa  illustre  redacção 
este  singelo  testemunho  do  nosso  reconhecimento. 

Deus  Guarde  av. 

.  Sociedade  de  Instrucção  do  Porto,  i6  de  dezembro  de  1882. 

N*  AoieaeU  d»  presidente 
0  leeretario  feral 

Joaquim  de  Vasconcellos. 


3.«  ANNO 


I  DE  MARÇO  DE  i883 


N.»  3 


CARTAS  SOBRE  A  EDUCAÇÃO  DA  MOCIDADE 

(CoatlnoAçiOi  t.  p«ff.  86) 

A^  Educação  que  teve  el  Rey  Dom  Dinis  devemos  tanta 
gloria  como  alcançou  o  Reyno  em  ser  povoado,  rico,  potente  e 
respeitado;  el  Rey  D.  Duarte  taõ  cheyo  de  virtudes,  como  .ve- 
xado por  disgraças,  sendo  educado  por  sua  May  a  Rainha 
Dona  Phelipa,  mostrou  quanto  as  Mays  podem  contribuir  para 
a  felicidade  dos  filhos.  Q  poder  a  que  chegou  França  no  tempo 
de  Luis  Quatorze,  e  glojia  que  conserva  ainda,  teve  origem  na 
boa  educação  de  Henrique  o  Quarto  e  do  seu  Ministro  o  Duque 
de  Sully;  ambos  nascidos  de  pais  protestantes,  ambos  educa- 
dos austeramente,  com  Mestres  excellentes  nas  sciencias  e  nos 
costumes,  iormáraõ  o  animo  deste  Rey  e  deste  seu  privado,  que 
toda  a  sua  vida  foi  hum  modelo  da  ordem  nos  negócios  e  na 
applicaçaõ.  O  Duque  de  Sully  sendo  de  huma  familia  tao  Nobre 
naõ  erá  a  pessoa  para  administrar  as  Rendas  Reais,  porque  es* 
tes  cargos  andarão  sempre  exercitados  pelos  Rendeyros  da  Fa- 
zenda Real:  mas  a  necessidade  em  que  se  achava  Henrique 
Quarto  pedia  hum  amigo  para  remediála,  e  naõ  achou  outro 
que  o  duque  de  Sully,  o  qual  naõ  reparando  bayxarse  para  le- 
vantar o  seu  Rey,  com  o  Reyno,  dezempenhou  o  Estado,  ajun- 
tou thezouros,  destruio  os  inimigos,  resuscitou  a  agricultura  do 
Reyno  que  estava  perdida,  introduzio  o  comercio,  e  instituio  a 
cultura  das  sedas,  e  fabricas  destas  e  das  lans.  Que  se  leam  as 
Memorias  ^  deste  grande  Ministro,  e  então  ficarão  todos  per- 
suadidos que  o  segredo  de  adquirir  immortal  fama  nos  postos 
e  nos  cargos  com  utilidade  publica,  consiste  na  distribuição  do 
tempo,  na  ordem  da  vida  e  regra  de  viver;  o  que  somente  se 
aprende  na  primeira  idade,  como  habito  que  fica  por  toda  a 
vida. 

Dizia  Sócrates,  que  era  couzi  notável  que  havendo  Mes- 


1    Mémoires  du  Duc  de  Sully.  M.  de  Rosny.  4  Vol.  4.»  Paris. 

BXVISTA  DA  SOCIBDADK  Dl  QfSTRUCÇlo  DO  PORTO.  8 


io6 


três,  e  Escolas  para  aprender  tudo  o  que  era  necessário  para 
ser  rico,  considerado,  e  auctorisado,  que  só  naõ  conhecia  huma 
onde  os  honrens  e  os  meninos  fossem  a  aprender  a  ser  bons.  Ea 
sem  tantos  conhecimentos,  e  com  menor  virtude  acho  que  em 
Portugal  terá  a  Nobresa  e  a  Fidalguia  Mestres  a  milhares  que 
lhes  ensinem  as  lingoas,  dançar,  esgrimir,  montar  a  cavallo,  e 
sobre  tudo  as  genealogias,  mas  naõ  posso  considerar  que  haja 
hum,  que  lhes  ensine  que  he  obrigado  a  obedecer  aos  Magistra- 
dos, e  a  todos  aquelles  empregados  no  serviço  do  Estado,  como 
sejaõ  seos  Mayores;  naõ  posso  considerar  que  possa  a  Fidalguia 
perder  aquella  soberba  com  que  nace,  e  aquella  independência, 
do  que  em  huma  Escola  Militar,  governada  pella  disciplina  Mi- 
litar^ que  naõ  conhece  outra  Genealogia,  nem  Sangue  Real,  do 
que  o  cargo  e  o  merecimento.  Se  esta  mocidade  desde  a  idade 
de  nove  ou  dés  annos  estiver  costumada  ser  mandada,  e  posta 
em  prizaõ  por  hum  Tenente,  ou  Capitão  nobre,  ou  naõ  no- 
bre ;  se  for  castigada  por  ter  insultado  o  seu  Mestre^  oú  huma 
criada  ou  servente  da  dita  Escola,  perderá  aquelle  habito  que 
contrahio  em  caza  em  companhia  das  ayas,  e  dos  creados  gra- 
ves, e  queyra  Deos,  que  não  fosse  contrahido  com  domésticos  de 
esfera  mais  inferior? 

Esta  disciplina  Militar,  esta  ordem,  e  saber  repartir  o 
seu  tempo,  se  espalharia  por  todas  as  tropas,  e  por  toda  a  ar- 
mada, porque  ja  dissemos  que  todos  os  subalternos  ímitaõ  os 
vícios,  ou  as  virtudes,  o  trato,  e  o  modo  de  viver  dos  su- 
periores. Que  Escolas  temos  no  Reyno  onde  a  Fidalguia  na 
primeyra  idade  possa  aprender  a  moderar  as  suas  payxoens? 
a  ser  constante  nas  adversidades,  e  nos  perigos  ?  Feliz  seria  a 
Corte  que  constasse  dos  que  foram  as^im  educados !  As  Leis  te- 
riaõ  vigor,  porque  os  Súbditos  a§  executariaõ;  e  estando  au- 
torizados, as  observariaõ;  conhecendo  interiormente  terem  su- 
perior, e  que  saõ  nacidos  Súbditos.  Em  que  Escola  se  apren- 
ae  hoje  no  Reyno  amar  a  sua  Pátria?  naõ  consiste  este  amor 

Eerder  a  vida  por  ella,  atacando  hum  Corsário,  ou  subindo  por 
uma  brecha;  a  gloria  que  redunda  destas  acçoens,  recompensa 
bem  o  perigo :  este  amor  consiste  em  serlhe  útil,  e  em  augmen- 
tar  por  todos  os  meyos  a  sua," conservação,  e  a  sua  grandeza: 
ama  a  sua  Pátria  o  Senhor  de  terras,  que  as  faz  férteis,  que 
multiplica  por  cazamentos  as  aldeãs,  contribuindo  com  o  seu, 
e  com  as  suas  terras  a  sustentar  estes  Súbditos,  e  os  que  haS 
de  vir  desta  uniaõ :  ama  a  sua  Pátria  aquelle  que  podendo 
comprar  hum  vestido  de  pano  de  Inglaterra  o  manda  fazer  de 
Covilhãa;  estes  saõ  os  Patriotas,  e  aquelles  que  conhecem  no 


107 


que  consiste  a  sua  conservação,  e  a  sua  ruína.  Somente  na  Es- 
cola proposta  se  poderão  adquirir  estes  conhecimentos,  e  ad- 
quirir  e^tes  hábitos  virtuozos. 

Adtniramonos  da  temeridade  dei  Rey  Dom  Sebastião, 
naõ  só  por  expor -se  cotidianamente  aos  perigos  mais  iminen- 
tes,, mas  de  passar  a  AíTrica  como  hum  aventureyro ;  acuza- 
mos,  ainda  que  com  razão  seos  Mestres  os  Jesuitas,  e  sobre 
todos  Pedro  Gonsalves  da  Camará,  e  naõ  acuzamos  os  costu^ 
mes  estragados,  e  a  ignorância  da  Fidalguia  daquelles  tem* 
pos.  E  nenhum  incentivo  mayor  teraÕ  jamais  os  Nossos  Reys 
para  cuidarem  da  severa  educação  da  sua  Fidalguia  do  que  a 
catastrophe  do  referido  Rey;  porque  he  certo  que  se  fosse 
como  pedia  o  seu  nacirfiento,  que  naõ  cahiria  o  Reyno  na- 
quelle  taõ  lamentável  abatimento. 

Os  Reys  que  tiverem  particular  cuidado  da  educação 
dos  Nobres  e  dos  Fidalgos,  he  o  mesmo  que  fortificar  praças, 
fazer  frotas,  e  multiplicar  a  felicidade  dos  seos  domínios,  fim 
de  toda  a  Legislação  de  qualquer  Estado.  Relata  Dd.  Ricaut  ^ 
que  a  grandesa  e  a  conservação  do  Império  de  Turquia  depende 
totalmente  da  educação  que  o  Gran  Senhor  dá  no  Seraillo  á 
mocidade,  que  elle  adopta  e  cria  á  sua  custa. 

O  referido  Auctor  no  lugar  citado  dis  assim  *  «O  Graõ 
Senhor  naõ  considera  nos  seos  Ministros,  nem  o  nacimento, 
nem  as  riquezas :  elle  tem  por  máxima  empregar  aquelles  que 
foraõ  educados  a  sua  custa ;  e  como  elles  nao  tem  outro  arri- 
mo, nem  outra  esperança,  daqui  he  que  saõ  obrigados  á  gra-* 
tidaõ  e  a  servirem  com  a  mayor  fidelidade • .  • 

cOs  meninos  destinados  a  servir  os  mayores  Cargos  da- 
quelle  Império,  que  os  Turcos  CheLmaô  Ichoglans,  forçosamente 
hão  de  ser  filhos  de  Christaõs  tomados  na  guerra,  e  de  ter- 
ras distantes  da  capital Antes  que  estes  meninos  entrem 

no  lugar  destinado  para  se  criarem  os  prezentaõ  ao  Graõ  Se- 
nhor ;  e  os  envia  ou  ao  serrail  de  Vera,  ou  ao  de  Adríanqpolt, 
ou  ao  de  Constantinopla.» 

Ali  saõ  doutrinados  naquelles  três  Collegios,  ou  pensoens 
com  toda  a  severidade  pelos  Eunuchos ;  ali  aprendem  todos  os 
exercícios  militares,  escrever,  e  a  sua  Religião,  e  as  Lingoas 
Persiana,  e  Arábiga :  e  neètes  filhos  adoptivos  se  provem  todos 


^    Histoire  de  FEtat  présent  de  1'Empire  Ottoman.  Lib.  i  Cap^  V. 
Paris,  1670.  S.» 

*    Pag.  83. 


io8 


os  Cargos  do  Impeno ;  estes  saõ  aquelles  que  vem  a  ser  Ra- 
chas, Vizires,  etc. 

He  facil  prever  que  sendo  educados  assim  todos  aquelles 
que  haõ  de  servir  hum  Estado,  que  seraõ  os  mais  gratos,  e 
os  mais  fieis  ao  seu  Soberano,  que  sempre  considerarão  coma 
piissimo  Pay.  Se  fossem  educados  ingenuamente  com  os  co- 
nhecimentos da  Europa,  e  com  as  máximas  da  Religião  Christa, 
tao  excellentes  para  conservar  a  paz,  a  humanidade,  e  cor- 
dialidade entre  os  iguais  e  superiores,  sentiria  aquelle  Estado 
muito  mayor  utilidade  daquella  excellente  educação,  porque 
naõ  he  possível  considerar  outro  melhor  methodo  para  conser- 
var huma  monarchia,  e  para  promover  a  felicidade  de  hum  Rey. 

Tenho  acabado  o  que  prometi  a  V.  Illustrissima,  e  sem 
embargo  que  esteja  persuadido  que  naõ  satisfiz  a  tudo  que  per- 
tence a  matéria  que  tratei,  naõ  duvido  será  de  alguma  utilidade, 
e  será  a  mayor,  a  meu  ver,  haver  mostrado  a  necessidade  que 
tem  o  Reyno  de  huma  educação  universal  da  Mocidade,  gover- 
nada por  hum  novo  Tribunal,  dependente  de  hum  Secretario 
de  Estado.  Os  defeitos,  ou  omissoens  que  V.  Illustrissima  no- 
tar neste  papel,  ou  cauzados  pela  auzencia  de  tantos  annos  da 
Pátria,  ou  pela  ignorância  das  circunstancias,  facilmente  se  re- 
mediarão, se  V.  Illustrissima  for  servido  notaJos,  porque  entaõ 
me  será  mais  facil  acertar  com  a  idea  da  perfeita  educação  da 
Mocidade  Portugueza.  Fico  para  obedecer  a  V.  Dlustríssima 
com  o  mayor  respeito. 

Deos  guarde  a  V.  Illustrissima  muitos  annos 

Paris,  29  de  Novembro  1759. 

António  Nunes  Ribeiro  Sanches. 


TABOA  DAS  DIVISÕES 

VOLUME  11 

IntroducçSo ^83 

Das  Escolas  e  dos  Estudos  dos  Chrístaons  até  o 

tempo  de  Carlos  Magno,  no  anno  800 «...  28S 

Reflezoens  sobre  as  Escolas  Ecciesiasticas     •     •     •  290 

Continua  a  mesma  Matéria 293 

Idéa  das  Obrigaçoens  da  Vida  Civil  e  do  Vinculo 


109 


da  mesma  Sociedade 297 

A  G>Dstituçam  Fundamental  da  Sociedade  Chrístaâ  317 

Continua  a  mesma  Matéria 3 18 

Gofflo  os  Ecclesiasticos  introduziram  governar  os  Es- 
tados Catholicos,  pelas  Congregaçoens  dos  primei* 
ros  Christiaons,  e  pelas  Regras  dos  Conventos     •  328 

Das  Universidades   •     • 357 

Dos  Estudos  da  Universidade  de  Coimbra,  depois  da 
sua  Renova<;am  no  anno  i553 36 1 

Resumo  do  Referido •     •     •  364 

Effeitos  que  cauzáram  em  Portugal  as  Escolas,  e  as 
Universidades  da  Europa  e  do  mesmo  Reyno  38 1 

Continua  a  mesma  Matéria.  Effeitos  que  causaram  nos 
Costumes  as  Leis  referidas 384 

Continua  a  mesma  Matéria.  E  sobre  a  Escravidam, 
e  sobre  a  Intolerância  Civil 388 

Que  a  nossa  Monarchia  se  podia  conservar  com  a 
Educaçam  Ecciesiastica  que  tínhamos,  em  quanto 
conquistava ;  mas  que  nam  he  sufficíente  depois  de 
acabadas  as  Conquistas 393 

Objecto  que  devia  ter  a  Educaçam  da  Mocidade  Por- 
tugueza,  no  tempo  dei  Rey  Dom  Joam  o  Terceyro, 
e  parece  que  ainda  hoje  .•••..••  453 

Da  Natureza  da  Educaçam  da  Mocidade,  e  do  Objecto 
que  deve  ter  no  Estado  onde  he  nacida     •     .     .  458 

Qualidades  dos  Mestres,  para  ensinar  a  ler  &  a  es- 
crever, &c •     •     •     •     .  462 

Do  que  haviam  de  aprender  os  Mininos  alem  de  ler, 
escrever  e  contar  &c  • •  465 

Das  Escoias  da  Lingoa  Latina  e  da  Grega,  Humani- 
dades, e  da  Lingoa  Materna 578 

Dos  Mestres  e  dos  Discípulos  das  Escolas  do  Latim,  &c  583 

Necessidade  que  tem  o  Reyno  de  Escolas  em  modo 
de  Seminários 584 

Continua  a  mesma  matéria,  e  das  Pensoens  das  Es- 
colas do  Latim  no  Reyno^  por  causa  da  Educaçam 
da  Mocidade  das  Colónias  e  das  Conquistas  de  Ul- 
tramar    585 

Das  três  Classes  de  Discípulos  das  Escolas  Lat.  &c  •  i         ggg 

Continua  a  mesma  Matéria       • f 

Digressam  sobre  as  Pensoens  e  sobre  a  Lingoa  La- 
tina tanto  no  Reyno,  como  nas  Colónias   •     •     •  5g% 


lio 


Da  terceyra  Classe  de  Estudantes  que  aprenderia  nas 
Escolas  Heais  a  Lingoa  Latina,  Grega,  &c.     .     .  65? 

Dos  Estudos  Mayores,  ou  Collegios  Reais     ...  658 

Sobre  o  ensino  que  deve  preceder  as  Escolas  Mayo* 
res,  quer  dizer  da  Pbysica  e  da  Legislaçam     •     .  662 

Em  que  lugar  se  haviam  de  ensinar  as  Sciendas  re- 
feridas?     .     • 666 

Da  Educaçam  da  Fidalguia  e  dos  Fidalgos,  que  tem 
Assentamento  e  Foro  na  Caza  Real      •     .     •     •  668 

Que  sorte  de  Educaçam  convém  a  Fidalguia  Portu- 

VOLUME  III 

gueza,  que  seja  útil  a  si  e  a  sua  Pátria  ?     .     •     •  6 

Continua  a  mesma  Matéria.  Em  que  lugar  devia  ser 
educada  a  Fidalguia  e  Nobreza  de  Ponugal    •     .  9 

O  que  sam  as  Escolas  Militares 11 

Propoem-se  huma  Escola  Real  Portugueza,  para  ser 
nella  educada  a  Nobreza  e  a  Fidalguia.  Economia 

interior 5o 

Em  que  idade  deviam  entrar  os  Educandos  na  Es- 
cola Real  Militar? .  52 

Consequências  por  nam  criarem  as  Mays  seos  filhos  53 

Dos  Mestres  da  Escola  Real  Militar,  para  a  Arte  da 

Guerra  e  das  Sciencias 56 

Das  Lingoas  e  Sciencias  que  se  deviam  ensinar  nesta 

Escola,  e  em  que  tempo? 58 

Ponderaçam  sobre  a  Lingoa  Latina 60 

Empregos  e  Honras  com  que  haviam  de  sahir  os  Be- 
neméritos desta  Escola 62 

Utilidades  que  resuluriam  tanto  ao  Reyno,  como  ao 
Soberano  do  exacto  exercício  de^ta  Escola  Mili- 
tar, que  se  propõem 63 


FETOS  LUSITANICOS  EM  GERAL 

E  DOS  SUBÚRBIOS  DO  PORTO  EM  ESPECIAL 
(OoBtimui^iOv  T.  Tol.  n,  pac.  W) 

3.*  Família,  das  Pterideas.  J.  Smith. — São  distinaivo 
doesta  populosa  família  dos  fetos  os  soros  circulares  ou  alop^a- 
4os,  e  transversos,  marginaes,  intramarginaes  ou  costaes,  sim- 


111 


P^^i  Salvo  quando  se  tornam  conâuentes,  que  então  são  com- 

postos;  teem  um  indusio  lateral  particular,  que  é  produzido  na 

jfarte  exterior  do  receptáculo  esporangifero.  A  sua  margem  inte- 

nor  e  /;Vre.  As  Pterideas  sáo  distinctas  das  Polypodiaccas  pelo 

seu  iDdosiutn  especial. 

Com  prebende  esta  familia  um  grande  numero  de  géneros 
que  coDteem  muitíssimas  espécies  com  suas  variedades. 

Os  differentes  géneros  dos  quaes  encontramos  em  Portu- 
gal algumas  espécies,  são  os  que  se  seguem : 

/•^  ^diantum. 
%^^  Allosorus. 
3-^.  F^ieris. 
A-**    Cheilanihos, 

^^  TVoodwarduz. 

(}-^  Ijomaria. 

I. — Adiamtum.  Liimeo. 

Este  género  de  plantas  deriva  o  seu  nome  da  palavra 

/  ggx^^  adiantas,  que  significa  não  molhado.  Deram-lhe  este  nome 

^g0  consequência  da  propriedade  que  tem  a  sua  folhagem  de 

Permanecer  secca  immediatamente  depois  de  haver  sido  mer- 

^bada  na  agua. 

'^       Distinguem  esta  planta  os  caracteres  seguintes :  soros  re- 
jiíformes,  oblongos,  redondos  ou  lineares,  situados  nos  bordos 
^as  pinnulas  em  linha  continuada  ou  interrompida.  Veios  di- 
reitos terminando  nos  eixos  do  indusium.  Indusium  venoso,  es* 
Eorangífero  no  reverso.  Frondes  simples,  pinnadas^  pediceladas, 
ipínnadas,  reniformes  ou  decompostas,  de  1 5o  a  çSo  millimetros 
de  comprimento.  Hastes  negras  e  luzidias.  As  pmnulas  ordina- 
jiamente  obliquas,  truncadas,  aguçadas  para  a  base,  e  só  fru- 
ctificadas  no  extremo  das  margens  e  articuladas  com  o  peciolo. 
São  numerosíssimas  as  espécies  doeste  género,  como  po- 
derá vêr-se  na  obra  intitulada  Species  Filicum,  de  William 
Kooker,  na  qual  se  acham  descriptas  io8  espécies. 

A  nossa  flora  só  conta  orna  espécie  única,  da  qual  va- 
mos occupar-nos. 


]t 


C^dianlum  Capillus  Venerú.  Lin. 

(CbMIo  ii  7«M  «1*  mOUáa).  • 

Synonitnos — oâdiantum  africanum,  Brown. 

»  capillus,  Swartz,  etc. 

»  cuneifolium,  Stoker. 

>  dependens,  Chapman. 

>  fontanum,  Gray. 

>  Morit\iamim,  Link,  etc. 
»  repandum.  Tausch. 

>  irifidum,  Willdenow. 

Nome  vulgar — Avenca. 

DescripçSo  —  Frondes  decompostas  de  fórma  oval  ou  trian- 
gular, excepcionalmente  oblongas  ou  lanceoladas,  membrana- 
ceas,  bi  ou  tripinnadas;  foliolos  alternados,  pinnulas  cuneifor- 
mes,  lobadas,  psdicelladas,  variando  excessivamente  d;  fórma. 
Veios  com  ramificações  dichototnas,  os  pequenos  veios  desuni- 
dos nos  seus  extremos.  Fronde  de  cõr  verde  brilhante.  Soros 
oblongos  de  grandeza  variada,  o  indusio  membranoso,  contendo 
os  esporulos  na  face  inferior.  As  raizes  e  estipulas  de  um  ne- 
gro de  ébano  brilhante,  com  algumas  escamas  na  base.  Esti- 
pulas lateraes.  O  rhizoma  rasteiro,  muito  escamoso.  Alguns 
auctores  apresentam  três  variedades  d'esta  espécie  de  Adtan- 
tum:  var.  Mullijidum,  Vollaslon;  var.  Tncisum,  Moore;  par. 
Rotundatum,  Moore. 

Habita  —  Nas  fontes,  poços,  minas  e  outros  logarés  som- 
brios, paredes  húmidas,  etc,  em  todo  o  paiz.  Fructifica  na 
primavera. 

Cultura  —  Em  grades  de  madeira  ou  cestos  de  suspen- 
sões, cm  vasos  com  muita  drenagem,  em  cascatas,  etc,  ad- 
quirindo á  sombra  e  na  humidade  todo  o  seu  viço  e  vigor. 
Gosta  da  caliça  e  terra  podre  misturadas.  Conserva -se  nas  sa- 
las, e  pó:le  dizer-se  que  é  o  melhor  adorno  dos  aquários,  hoje 
tanto  em  moda  por  toda  a  parte.  O  seu  cheiro  fresco  um  pouco 
amendoado  torna-se  bastante  agradável,  e  parece  que  esta  planta 
refresca  demasiado  o  ambiente. 

U  — Allosohds.  Bembardi. 

(Do  rrar>  ■Um  •  tirtt,  êírf  élfinulu) 

Género  pouco  abundante  em  espécies,  com  as  frondes  fér- 
teis diversas  das  estéreis,  sendo  aquellas  contrabidas  e  com  os 


> 


ii3 


bordos  virados,  parecendo  formar  um  mdusium  em  toda  a 
volu. 

Esporangos  terminaes  situados  sobre  as  nervuras  obli- 
quas, reunidos  em  soros  lineares,  arredondados  ou  ovaes,  la- 
teralmente confluentes;  os  veios  livres  e  forcados;  as  frondes 
bitripinnadas  ou  decompostas,  tendo  as  estéreis  as  pinnulas  den- 
ticuladas crenadas  ou  laciniadas. 

Doeste  género  só  possue  a  flora  portugueza  uma  espécie 
onica,  que  é  a  que  se  segue. 

Allosorus  crispus.  Bemhardi. 

(Dlifwentei  maim  enearMoUdot) 

Synonimos  —  oAcrostichum  crispum,  Villars. 

QÂllosorus  Stelleri,  Buprecht. 
Cryptogramma  cpispa,  R.  Broun,  etc. 
Onoclea  crispa,  HofTmann. 
Osmunda  crispa,  Linneu. 

»        rupestris,  Salisbury. 
Phorohbus  crispus,  Desvaux,  etc. 
Píeris  crispa^  Smith,  etc. 

»      Stelleri,  Gmelin. 

»      tenuifolia,  Lamarck. 
St^ania  onocleoides,  Gray. 

Nome  vulgar  —  ? 

Descripção  —  Esta  espécie  de  feto  tem  frondes  férteis  e 
estéreis  no  mesmo  rhizoma,  annuaes,  desabrochando  em  maio 
para  desapparecerecn  no  outomno.  As  frondes  estéreis  folhu- 
das,  bipinnadas,  e  algumas  vezes  tripinnadas;  pinnas  curtas  em 
forma  de  cunha,  inciso -denticuladas,  ovado  triangulares,  alter- 
nadas, diminuindo  de  grandeza  para  a  extremidade  da  fronde; 
as  pinnulas  egualmente  alternadas,  ovaes,  pinnatifidas  ou  pin- 
nadas;  os  lóbulos  cortados  parecendo  dentes  agudos  lineares. 
As  frondes  férteis  contrahidas,  tripinnadas  e  excepcionalmente 
quadripinnadas  na  parte  inferior  das  intimas  pinnas;  estas  al- 
ternadas, ovaes;  pinnulas  alternadas,  pinnadas  na  parte  supe- 
rior e  pinnado-pmnati fidas  na  parte  inferior  das  pinnas.  As 
ultimas  divisões  oblongo-lineares,  obtusas  e  pecioladas.  Estas 
frondes  são  de  uma  côr  verde  aiiarellada,  ao  passo  que  as  es- 
téreis são  de  um  verde-gaio.  Fructificaçâo  no  reverso  da  fronde; 
soros  pequenos  muito  unidos  e  formando  uma  linha  contínua, 
e  de  íorma  quasi  redonda,  ficando  quasi  encobertos  sob  o  en- 


114 


rolado  dos  bordos  das  pinnulas.  As  frondes  variam  entre  lo  e 

53  centímetros  de  comprimento. 

Habita  —  Rochedos  das  montanhas  das  províncias  do  suL 
Cultura  —  Gosta  da  scmbra,  muita  drenagem  que  o  livre 

das  aguas  estagnadas.  A  humidade  com  excesso^  sobretudo  no 

inverno,  após  á  queda  das  folhas,  mata- o  irremediavelmente. 

in. — Pnais.  Uimeo. 

(De  PUriê  on  Pteim»,  Amo,  pâUvra  «om  qo*  ot  ffNffot  daBonlBATan  ot  fetM  em  farei) 

Este  género,  cujo  principal  representante  é  o  Pteris  aqui- 
Ufia,  do  qual  brevemente  teremos  occasiâo  de  fallar,  deve  o 
seu  nome  á  similhança  que  tem  a  forma  de  ramificação  das 
suas  frondes  com  uma  aza.  E^  talvez  o  mais  numeroso  de  to- 
dos os  géneros  dos  fetos.  Entre  elles  ha  uns  cujas  frondes  não 
excedem,  no  seu  máximo  desenvolvimento  uns  35  centímetros  de 
comprimento,  emquanto  outras  se  elevam  a  dez  vtzts  aquella 
grandeza.  Ha-os^innados,  bipinnatifidos  ou  decompostos,  li- 
sos ou  pelludos.  Os  veios  são  forcados,  e  os  ramúsculos  does- 
tes sustentando  nos  seus  extremos  os  esporangos,  os  quaes 
constituem  um  receptáculo  nerviforme,  ornando  os  vários  seg- 
mentos da  fronde  e  constituindo  uni  soro  linear,  ordinariamente 
contínuo,  raras  vezes  interrompido ;  o  indusio  plano,  continuado 
com  o  bordo  da  fronde,  abrindo-se  pe^a  parte  interna,  e  com 
a  base  muitas  vezes  coberta  de  espK)rangos.  As  frondes  são 
()uasi  sempre  compostas.  G>ntém  este  género  muitas  espedes 
interessantes  e  notáveis  pela  belleza  de  suas  formas  graciosas, 
dignas  de  serem  aproveitadas  para  decoração  dos  logares  som- 
bnos^  como  parques,  grutas,  rochedos,  etc. 

Doeste  género  encontram-se  em  Portugal  as  três  espécies 
que  vamos  indicar. 

I.— Pnais  ABauTÀ.  Smiúi. 

Synonimos  —  Vterís  incompleta»  Cavanillef^. 

»     palustrís,  Poiret  et  Willdenow. 

Nome  vulgar  —  > 

Descripção  —  Frondes  attingindo  um  metro  e  meio  de 
comprimento,  estendidas,  palmadas,  bítripínnadas,  verde-palli- 
das.  Pinnulas  lineares  acuminadas,  com  segmentos  oblongo-li- 
neares,  de  forma  obtusa,  e  tendo  a  margem  denticulada.  As 
estipes  teem  ordinariamente  metade  do  comprimento  da  fronde, 
e  são  de  uma  c6r  verde  pardacenta  com  algumas  manchas  de- 


ii5 


n^rídas,  tendo  algumas  escamas  similhantes  a  cabellos.  O  rhi- 
zoroa  é  erecto.  Os  soros  lineares,  começando  na  base  das  pin- 
nulas  e  estendendo-se  quasi  até  ao  extremo  d^ellas.  Veios  muito 
pronunciados  e  de  cêr  mais  pallida  do  que  a  da  fronde. 

Habita — Serra  de  Cintra,  e,  conforme  o  afiSrma  Tour- 
nefí,  os  terrenos  arenosos  e  sombrios  das  provincias  occiden- 
taes.  O  exemplar  que  possuimos,  devemol-o  á  obsequiosa  offerta 
que  d^elle  nos  fez  para  a  nossa  coUecçâo,  com  outras  espécies  mais, 
o  snr.  W.  Tait,  dizendo-nos  o  mesmo  snr.  que  o  colhera  em 
Santo  André  de  Canidello  em  Villa  Nova  de  Gaya. 

Cultura  —  Propaga  se  facilmente  esta  espécie  de  fetos  pe- 
los esporangos.  Cultivam- se  em  terra  bem  adubada  para  que 
as  frondes  possam  desenvolver-se  e  attingir  o  máximo  de  seu 
crescimento,  sendo  conveniente  regal-os  com  ourína  e  agua, 
devendo  regular  aquella  por  um  terqo  d'esta. 

II.— Ptbris  AQuiLiifA^  Lioiíea. 

(Asa  dê  agula) 

Synoninios — Allosorus  amilinus,      Presl. 

»         Hotientotus      » 
^ »         lantíginosus      » 
»        recurvatus        » 
»         tauricus  » 

»         pillosus  » 

Cincilanis  aquilina,  Gleditsch. 
Eiq>terís  aquilina,  Newman. 
Pterís  borealis,  Salisbury. 
»      brevipes,  Tauscb* 
»      capensis,  Thunberg. 
»      caudata,  Link. 
»      excelsa,  Blume. 
»     firma,  Wallich. 
jí      fcemina,  Gray. 
»      lanu^inosa,  oory. 
»      nudtcaulis,  Culdenstadt. 
»      recwvata,  Wallich. 
»      terminalis,  Wallich. 
»     pillosa,  Fee. 
B      Wightiana,  Wallich. 

Nome  vulgar — Feio,  Feto  comnuith.  Feio  grande.  Feto 
fêmea  das  boticas,  e  Feiio  ou  Fento  no  Minho. 


n6 


DescrípçSo  —  Frondei  coríaceas,  erectas,  sapra-decom- 
postas,  ordinariamente  bitrípinnadas,  pinnas  lanceoladas,  sendo 
as  inferiores  ou  secundarias  pinnatifidas,  e  as  superiores  meno- 
res, de  forma  ovada,  oppostas,  frequentemente  affastadas:  a 
forma  geral  da  fronde  ordinariamente  triangular;  o  peciolo 
comprido,  forte,  escuro  na  base  e  profundamente  enterrado.  O 
rhizoma  muito  extenso  em  grande  profundidade.  Os  veios  for-* 
cados  ou  simples.  Os  soros  marginaes  lineares,  em  duas  series 
oppostas,  paralielas  ás  margens  das  pinnulas.  O  indusio  mem- 
branoso, e  nuUo  após  a  maturação.  O  comprimento  das  folhas 
varf a  de  o,*"  1 5  nos  logares  altos,  calmosos  e  ásperos,  até  3  me- 
tros nos  logares  sombrios  e  húmidos,  taes  como  as  margens  dos 
lios  quando  assombradas  por  arvoredo  denso.  Fructifica^ão  pe- 
renne  no  estio.  Nas  ilhas  Canárias  são  usados  como  alimento 
os  rebentos  doeste  feto,  segundo  o  affirma  Ledru. 

Nos  bosques  dos  terrenos  siliciosos  esta  espécie  de  fetos 
chega  a  formar  uma  povoação  completa,  e  então  as  suas  fron- 
des costumam  ser  aproveitadas  depois  de  sêccas  para  coberta-- 
ras  e  abrigos  dos  jardins  e  das  hortas,  e  para  estrado  ou  cama 
do  gado  nos  curraes.  No  hemispherio  meridional  abunda  ena 
diversas  paragens  a  variedade  esculenta  (T^teris  aquilina,  par. 
esculenta,  Hooker).  Entre  nós  apparecem  vários  abortos  da  es- 
pécie commum,  encontrando-se  as  frondes  bifurcadas  ou  ali^ 
/ armes;  as  pinnas  ora  amontoadas  ou  sobre-postas,  ora  tam- 
bém bifurcadas,  comprovando  a  tendência  que  teem  os  fetos 
em  geral  para  a  dichotomfa. 

Habita  —  Quasi  por  toda  a  parte,  desde  as  margens  cios 
rios  e  das  estradas  até  ás  planícies,  e  doestas  até  ás  montanhas, 
preferindo  elles,  como  já  o  deixámos  dito,  para  seu  maior  des- 
envolvimento os  logares  baixos,  húmidos  e  sombrios.  E^  vul- 
garissimo  no  Porto  e  em  todas  as  suas  cercanias. 

Cultura  —  E^  rebelde  por  extremo  á  cultura  esta  espécie 
tão  selvagem  de  fetos.  Consegue-se  a  custo  cultivar-lhe  os  rhi- 
zomas  em  vazo,  fazendo  a  plantação  na  primavera  em  terra  ás- 
pera e  siliciosa,  com  muita  drenagem  e  poucas  re^as.  O  melhor 
meio  de  reproducção  porém  é  a  sementeira  na  primavera. 

lY.  —  Chuláiithbs.  Swartc. 

(De  KêBoê,  loU»! «  MfM,  flAr ;  por  «llatlo  á  ftnu  do  iadoilo  d*«ftM  fetoi). 

Este  género  de  pequenos  fetos  é  distinao  pelo  recorte  mi- 
moso de  suas  frondes,  e  é  o  único  que  nos  otTerece  uma  espé- 
cie odorifera.  As  frondes  ordinariamente  bipinnadas,  teem 


117 


margens  recurvadas  servindo  de  falso  indusio ;  os  veios  furcados 
e  livres ;  os  reunidos  em  soros'  pequenos,  marginaes  e  arredon- 
dados. D'este  género  possuimos  uma  única  espécie,  que  vamos 
descrever. 

Cheilâivthxs  pràgrans.  Hooker. 

SjíiOTámos^^C^diafttufn  /ragrans,  Viviani. 

Cheilanihes  líaderensis,  Lowe. 
»  odora,  Swartz,  etc. 

9  suaveolens,  Schkukr. 

Polypodium  fragrans,  Linneu. 
Pteris  acrosticha,  Balbis. 
»      fragrans,  Lag. 

Nome  vulgar — ? 

Descripçao — Esta,  como  todas  as  outras  espécies  do  gé- 
nero, nSo  attin^e  grande  desenvolvimento.  Por  exhalar  algum 
cheiro,  lhe  adveiu  a  denominação  pela  qual  é  conhecido.  Tem  as 
frondes  bipinnadas,  ovado-lanceoladas;  as  pinnulas  ovaes,  obtu- 
sas, sub-lobadas;  o  peciolo  escamoso  e  bem  assim  o  rhizoma. 
D'este  destacam-se  as  frendes  em  tufo  não  excedendo  o'",! 5  a 
o",i8  de  comprimento.  Os  soros  confluentes,  e  a  côr  das  fron* 
des  verde-escura.  O  snr.  A.  Luso  da  Silva  possue  a  var.  bipar^ 
tida  na  sua  importante  collecção.  Fructifica  no  verão  e  é  annual. 

Habita — Coimbra,  Belém,  Vallongo,  Fanzeres,  Rio  Tinto 
e  Porto,  nos  muros  velhos  e  nas  fendas  dos  schistos.  Diz  o 
snr.  A.  Luso  que  também  o  ^encontrou  nas  ruinas  do  Castello 
de  Aguiar  do  Sousa. 

Cultura  —  Terra  saibrenta,  muita  drenagem,  pouca  humi- 
dade, e  posição  inclinada,  nunca  horisontal. 

(OmiIIii^) 

M.  J.  Felgueiras. 


O  LYCEU  DE  ARTES  E  OFFICIOS 

DO  RIO  DE  JANEIRO  ^ 

Promettemos  fallar  do  movimento  a  favor  do  ensino  pro- 
fissional que  se  observa  no  Brazil  ha  annos.  Vamos  cumprir 


^    Transcrípto,  com  a  devida  licença,  do  Jornal  do  Commercio  de 
Lisboa  de  X  e  i6  de  janeiro  de  i883. 


Ii8 


esta  promessa,  feita  na  primeira  revista,  e  provar  como  o  mo« 
vimento  iniciado  com  a  escola  de  South-Kensington  se  refleaia 
no  império. 

No  dia  23  de  novembro  de  i856  reuniam-se  varias  pes- 
soas n^uma  das  salas  do  museu  nacional  do  Rio  de  Janeiro^ 
para  ouvir  da  boca  do  architecto  sr.  Francisco  Joaquim  Bet- 
tencourt da  Silva  o  projecto  de  fundação  de  uma  sociedade, 
?|ue  teria  por  fím  promover  o  desenvolvimento  das  artes  e  of- 
ícios, os  quaes  tinham  cabido  em  profunda  decadência.  Doesta 
proposta,  que  recebeu  geraes  applausos  e  que  foi  logo  garan- 
tida com  99  assignaturas  de  pessoas  presentes,  sahiu  e  nasceu 
a  Sociedade  propagadora  das  Bellas-artes.  A  8  de  dezembro 
estava  eleita  a  directoria,  que  ficou  cumposta  do  seguinte  modo  : 
— presidente,  o  conselheiro  Eusébio  de  Queiroz  Coutinho  Mat- 
toso  Camará;  i.^  vice-presidente,  o  dr.  Manoel  de  Oliveira 
Fausto;  2.®  vice-presidente,  o  brigadeiro  António  Joaquim  de 
Sousa;  1.^  secretario  perpetuo,  Francisco  Joaquim  Bettencourt 
dB,  Silva  (o  fundador  da  sociedade);  2.^  secretario,  Francisco 
Portella;  thesoureiro,  Joaquim  José  Marques. 

A  nova  associação  tinha  principalmente  por  fim,  segundo 
o  seu  estatuto: 

I  .^  Fundar  e  conservar  um  lyceu  de  artes  e  officios,  em 
que  se  proporcionasse  a  todos  os  indivíduos,  nacionaes  e  es- 
trangeiros, o  estudo  das  bellas-artes,  não  só  como  especialidade, 
mas  também  como  applicação  necessária  aos  officios  e  indus- 
trias, explicando-se  os  princípios  scientificos  em  que  ellas  se  ba- 
seiam. 

2.°  Publicar  regularmente  uma  re\nsta  artistica,  a  que  se 
addicionassem  estampas  originaes,  ou  copias  dos  melhores  tra- 
balhos dos  artistas  no  império. 

3.®  Crear  uma  bibhotheca,  especialmente  artística,  á  dis- 
posição de  quem  a  quizesse  consultar,  pela  forma  que  fosse 
determinada  em  regulamento  interno. 

4.^  Fazer  sessões  publicas,  em  que  se  lessem  escriptos  so- 
bre artes  e  industrias,  e  se  expozessem  trabalhos  de  alumnos 
do  lyceu  e  outros  quaesquer  artefactos  artisticos  e  industriaes. 

5.^  Fazer  exposições  publicas,  em  que  se  concedessem 
prémios  de  distinção  aos  expositores  das  melhores  obras. 

6.^  Fazer  concursos  públicos,  com  prémios  aos  melhores 
trabalhos,  sendo  estes  preferidos  para  ornar  as  galerias  do  ly- 
ceu, quando  a  sociedade  os  podesse  comprar. 

7.^  Auxiliar  as  viagens  dos  alumnos  mais  disu netos  do 
lyceu  á  Europa,  para  completarem  os  seus  estudos. 


119 


8.^  Estabelecer  correspondências  com  as  sociedades  nacio- 
naes  e  estrangeiras  de  idêntica  natureza,  solicitando  o  seu  auxilio. 

Emfim,  9.^  Promover  a  creação  de  sociedades  similhan- 
tes  nas  provinciâs  do  império  (Resumo  dos  Estatutos  e  Regu^ 
lamento  da  sociedade  publicados  em  appendice  á  obra  do  sr. 
Félix  Pereira  sobre  o  Lyceu  de  artes  e  officios,  Rio,  1876). 

Este  programma  foi  executado  gradualmente,  no  meio 
das  maiores  dificuldades  e  com  uma  energia  e  tenacidade  ex- 
cepcionai. 

A  revista  artística,  annunciada  ro  §  2.^  não  pôde  viver; 
sabiu  em  março  de  1857,  e  apenas  durou  um  anno.  Chama- 
va-se  O  Braiii  artístico. 

A  questão  do  ensino,  porém,  essa  foi  resolvida;  ahi  se 
concentraram  todas  as  forças,  e  bom  foi  que  assim  succedesse, 
porque  era  a  questão  capital.  A  9  de  janeiro  de  i858,  data 
para  sempre  memorável  na  historia  do  Brazil,  o  lyceu  abriu  a 
sua  escola  e  de  22  de  março  em  diante  começou  a  fu  accionar 
regularmente  nas  salas  do  consistório  da  matriz  do  SS.  Sacra- 
mento da  corte,  cedidas  generosamente  pela  administração  da 
irmandade. 

Escusado  é  dizer  como  a  maioria  acolheu  o  novo  estabe- 
lecimento. Bspanto  e  duvidas,  riso  e  intricas  rebentaram  de  to- 
dos os  lados.  Uma  escola  nocturna  de  bellas  artes,  com  pro- 
fessores gratuitos,  sem  casa  e  sem  meios,  a  ensinar  desenho  — 
para  que?  De  que  servia  isso?  O  que  era  evidente,  o  que  dava 
na  viita,  era  ser  aquella  escola  €um  arremedo,  um  simples 
emulo  da  academia  das  bellas  artes»  (Ferreira,  pag.  77). 

A  20  de  janeiro  de  i858  celebrava  a  Sociedade  o  primeiro 
anniversario  da  fundação  da  escola  diante  de  Soo  pessoas.  A 
imprensa  applaudiu  sinceramente  na  festa,  e  a  21  de  julho  fun- 
damentou se  na  camará  dos  deputados  um  projecto,  concedendo 
á  Sociedade  Propagadora  oito  loterias  para  a  construcção  de 
uma  casa  apropriada  ao  lyceu,  sob  as  seguintes  condições : 

1/  Que  as  loterias  concedidas  corressem  no  espaço  de 
três  annos. 

2.*  Que  o  thesouro  nacional  adiantasse,  por  empréstimo, 
o  produao  de  três  loterias,  para  que  a  Sociedade  podesse  desde 
logo  cuidar  da  organisação  do  terreno  e  tratar  da  construcção 
do  edificio. 

Por  estes  favores  a  Sociedade  obrigava-se: 

A  apresentar  ao  governo  o  plano  da  casa,  com  o  respe- 
ctivo orçamento,  assim  como  também  a  demonstrar  outras  ne- 
cessidades e  empenhos  que  ella  tivesse  de  satisfazer. 


I20 


A  prestar  contas  annuaes  do  estado  e  marcha  do  lyceu, 
que  poderia  ser  fiscalisado  por  um  delegado  do  mesmo  governo. 

A  entregar  á  fazenda  nacional  o  edifício  e  mais  pertences 
do  lyceu,  quando  este,  por  qualquer  motivo,  deixasse  de  func* 
cionar  por  mais  de  um  anno,  ou  em  caso  de  dissoluçSoda  so- 
ciedade. 

Este  projecto  passou  na  camará  dos  deputados,  mas  ca<- 
hiu  no  senado,  €onde  foi  julgado  menos  proveitoso  ao  paiz,  do 
que  outros  alli  approvados  a  favor  de  estabelecimentos  de  quasi 
puro  interesse  particular,  como  por  exemplo :  a  fabrica  de  pro« 
duetos  chimicos  do  finado  Ezequiel  Correia  dos  Santos,  que 
teve  quatro  loterias,  além  do  terreno  gratuito  para  a  edificação 
de  prédios  domiciliários  (Ferreira,  p.  92). 

Isto  é  typíco,  sem  duvida ;  mas  a  direcção  do  lyceu  é  que 
se  não  importou  com  o  senado,  e  andou  para  diante. 

Tendo  a  irmandade  do  SS.  Sacramento  requisitado,  em 
27  de  novembro  de  i858,  a  entrega  das  salas  do  consistório, 
onde  funccionavam  as  aulas,  foram  estas  mudadas  para  a  sa- 
christia  da  antiga  egreja  de  S.  Joaquim,  abandonada  do  culto, 
por  estar  comprehendida  no  dominio  das  expropriações  para  a 
strada  de  ferro  D.  Pedro  11. 

Por  uma  circumstancia  feliz,  a  demolição  não  teve  legar 
e  ahi,  na  velha  igreja,  se  recolheu  o  lyceu  e  festejou  a  sua  ins- 
tallaçâo  a  i  de  fevereiro  de  1859.  A  demora  n^esta  nova  casa, 
imprópria  a  todos  os  respeitos,  havia  de  ser  longa,  como  ve- 
remos, e  levar  a  instituiçío  a  uma  crise  aguda. 

Pouco  antes,  a  21  de  janeiro  de  1859,  tinha  a  Sociedade 
Propagadora  das  Bellas-artes  celebrado  em  uma  das  saias  do 
imperial  collegio,  D.  Pedro  u  o  seu  segundo  anniversario.  Não 
faltaram  discursos,  parabéns,  muitos  elogios,  etc.  O  imperador 
dignou-se  até,  em  nome  dos  professores  do  lyceu,  entregar  ao 
fundador  Bettentourt  da  Silva  uma  medalha  de  ouro,  gravada 
pelo  artista  brazileiro  Quintino  José  de  Faria. 

Os  trabalhos  escolares  foram  então  expostos  por  três  dias 
á  apreciação  do  publico. 

Emjulho  de  1860  assistiram  SS.  MM.  11.  á  festa  do  ter- 
ceiro anniversario,  que  não  foi  menos  apparatosa*  A  actividade 
da  escola  continuou  sempre  progressivamente  até  i863,  mas 
a  exposição  annual  dos  trabalhos  havia  parado  em  1860,  por 
falta  de  meios,  e  depois  foram  o  director,  o  thesoureiro  e  até 
alguns  professores  (que  ensinavam  gratuitamente !)  contribuindo 
do  seu  bolsinho  particular,  atai  era  o  indifferentiscfio  com  que 
o  povo  encarava  esta  instituição,  da  qual  tanto  depende  o  seu 


121 


roturo  pro6ssional».  O  governo  fa^da  outro  tanto,  deixava  cor- 
'  ter  tudo  á  revelia.  Em  1 864,  a  escola  do  lyceo  não  se  abriu, 
loão  por  faltar  ao  seu  fundador  a  precisa  coragem  para  con-« 
tjnaar  na  lucta,  que  sustentara  contra  todas  as  difficuldades, 
oão  por  ir  também  escasseiando  aos  dignos  professores  o  amor 
8  arte,  nem  o  devotamento  ao  ensino,  mas  porque  o  então  mi- 
nistro do  império,  inesperadamente,  recusou  algumas  centenas 
de  mil  réis  para  concluir  as  obras  que  eile  mesmo  autorisára  á 
fazer-se  no  edifício  da  escola,  com  o  fim  de  lhe  augmentar,  di- 
zia elle,  «o  espaço  já  então  escassissimo,  para  os  alumnos  que  a 
frequentavam». 

O  caso  verdadeiraoní^nte  vergonhoso,  deu-se  da  seguinte 
forma: 

Em  1869  o  Marquez  de  Olinda,  então  presidente  do 
conselho  de  ministros,  visitou  a  escola  do  lyceu,  de  repente^ 
por  recommendação  do  imperador.  A  impressão  recebida  foi 
tão  agradável,  que  o  Marquez  approvou  as  obras  pedidas,  que 
foram  orqadas  o£SciaImente  em  ?:840iSlooo  réis.  Gastou-se  a 
verba,  que  foi  insuficiente,  como  succede  sempre  com  os  re- 
mendos em  edificios  velhos;  faltaram  algumas  centenas  de  mil 
réis;  o  fundador  procurou  o  Marquez,  debalde. 

Nem  o  seu  successor  José  Bonifácio  de  Ândrada,  nem  o 
ministro  Liberato  Barroso,  herdeiro  de  Andrada,  souberam 
achar  remédio  para  o  caso  de  i865;  só  no  exerciciode  i865- 
1866  é  que  o  governo  concedeu  3:oooiSíooo  para  a  conclusão 
das  obras,  que  não  podiam  ser  acabadas  com  a  verba  antiga, 
por  um  erro  de  calculo  official,  e  por  falta  de  cautela  e  clareza 
no  contracto  com  o  empreiteiro. 

Não  podemos  indicar  os  pormenores  d'esta  campanha, 
mas  ella  é  característica.  O  lyceu,  que  havia  atravessado  seis 
annos  de  uma  existência  laboriosa  e  honrada,  com  os  mais  li- 
mitados recursos,  sem  o  menor  auxilio  do  estado,  foi  assim  re* 
compensado. 

Depois  da  concessão  das  camarás,  subiu  ao  poder  nova- 
mente o  Marquez  de  Olinda,  que.  sobraçando  a  pasta  do  im- 
pério, se  negou  a  fazer  effectivo  o  suosidio  auctorisado,  allegando 
as  exigências  da  guerra  do  Paraguay,  que  corria  risco  de  se 
perder,  sem  os  três  contos. 

Cansada  de  tantas  miseriasi  a  directoria  da  sociedade  reu- 
nia a  assemblca  geral,  e  achou-se  com  vinte  sócios,  quando 
havia  começado  em  i856  com  noventa  e  nove,  como  vimos. 
Mudaram  os  ventos,  mudaram  os  costumes;  e  parece  que  tam- 
bém mudaram  os  rostos.  Chegou-se  a  fallar  em  dissolução  da 

BinSTÀ  DÀ  SOCIBDADS  DB  mSTRUCÇÃO  DO  PORTO.  9 


122 


sociedade,  D^essa  triste  reunião  de  22  de  fevereiro  de  1867;  mas 
resolveu-se,  afinal,  fazer  roais  um  esforço,  que  seria  talvez 
inútil^  se  o  económico,  mas  bellico  Marquez  não  tivesse  abdi- 
cado antes.  O  ministro  Fernandes  Torres,  do  novo  gabinete 
Zacharias,  concedeu,  finalmente,  os  três  contos,  em  9  de  marqo 
de  1867.  Em  setembro  teve  logar  a  reabertura  das  aulas  —  três 
annos  perdidos,  uma  bella  economia,  quando  o  paiz  havia  gasto 
dois  milhões  n'uma  valia  immunda,  chamada  um  canal;  quando 
se  gastaram  400  contos  com  a  Flora  ^ra:[ilien$is^  de  Martius, 
cujos  exemplares  estavam  cuidadosamente  fechados  á  chave,  ar- 
mazenados; quando  a  edição  da  Flora  Fluminemis,  do  sábio 
nacional  Conceição  Velloso,  tinha  sido  reduzida  a  papelão  — 
«Soo  contos  do  governo,  á  custa  do  qual  se  imprimiram  as 
gravuras  em  Paris,  para  serem  depois,  inaudita  e  incomprehen- 
sivelmente,  transformadas  em  papelão»  (Ferreira.  Op.  cit.  pag. 
106).  Isto  escreve  um  escriptor  competente,  braziieirò,  n'uma 
obra  de  que  S.  M.  o  Imperador  acceitou  a  dedicatória. 

Ainda  não  acabara  a  lucta.  Com  o  pagamento  do  subsi- 
dio parecia  ter-se  emfím  consolidado  o  lyceu ;  engano.  Uma  ir- 
mandade, chamada  de  Nossa  Senhora  da  Batalha,  veiu  reclamar 
contra  o  lyceu,  allegando  que  a  egreja  de  S.  Joaquim  estava 
sendo  profanada.  O  reverendo  vigário  capitular  dava,  é  verda- 
de, uma  péssima  informação:  aa  casa  estava  servindo  de  officina 
de  pintura  e  carpintaria,  com  grande  escândalo  publico».  Era 
já  a  segunda  ve^  que  a  devota  irmandade  se  escandalisava  e  re- 
clamava justiça,  allegando  uns  direitos  imaginários  sobre  a  egreja, 
cuja  posse  pedia. 

Ha  ainda  mais.  O  ministro  Fernandes  Torres,  o  mesmo  que 
havia  concedido,  finalmente,  em  1867,  o  subsidio  votado  em 
l865,  parecia  disposto  a  servir  a  irmandade  contra  o^lyceu,  quan- 
do o  Jornal  do  Commercio  entrou  em  campo,  defendendo  n'um 
artigo  sympathico  os  direitos  do  inquilino.  A^  noite  o  imperador 
appareceu,  inesperadamente,  no  lyceu,  e  depois  de  uma  visita 
demorada  ás  aulas,  assegurou  ao  snr.  Vieira,  i  .^  secretario,  que 
o  edifício  não  seria  retirado  ao  lyceu^emquanto  não  tivesse  casa 
própria  onde  podesse  installar-se  convenientemente  e  continaar 
«  elercer  a  sua  nobre  missão,  de  que  via  tão  bons  fructos. 

O  requerimento  da  irmandade  foi  adiado.  Em  fevereiro  de 
1868  o  conselheiro  Euzebio  de  Queiroz  pediu  a  demissão  de 

{)residente  da  sociedade  por  falta  de  saúde,  entrando  em  seu 
ogar  o  conselheiro  Zacharias  de  Góes  e  Vasconcellos,  então 
presidente  do  conselho  de  ministros.  D'ahi  em  diante  o  lyceu 
caminhou  desassombradamente.  A  3o  de  novembro  foi  honrado 


X23 


com  mais  tíma  râita  do  imperador  que  appareceu,  como  sem- 
pre, sem  ninguém  o  esperar,  e  no  dia  25  de  janeiro  de  1869 
oelá>rou  a  sociedade  propagadora  de  Bellas  Artes  o  seu  12.^  an- 
niversarío*  no  meio  de  Suas  Magestades  e  Altezas  Imperiaes  e 
de  um  concurso  de  centenas  de  pessoas. 

Vejamos  agora,  depois  de  doze  annos  de  existência,  como 
a  sociedade  cumpriu  o  seu  programma  na  escola  de  artes  e  of- 
fidos. 

Em  setembro  de  1867,  quando  as  aulas  se  reabriram, 
depois  da  longa  interrupção  de  três  annos,  o  ensino  abrangia: 
a  aritbmetica,  álgebra,  musica,  desenho  de  figura,  de  machinas, 
de  architeaura  e  geométrico.  Em  i86q  accrescentou-se  o  en« 
sino  da  esculptura  de  ornatos  e  a  estatuária.  A  divisão  das 
matérias  e  a  sua  distribuição  por  cadeiras  faziam-se  do  seguinte 
modo: 

Grupos  de  sctencias  e  de  artes ; 

Grupo  supplementar  e  grupo  complementar. 

Grupo  de  sctencias  (sete  cadeiras): 

Aritbmetica;  álgebra  até  ás  equações  do  2.^  grau;  geo- 
metria plana  e  no  espaço;  geometria  descriptiva  e  stereotomia; 
ph3rsica  applicada;  chimica  applicada;  mechanica  applicada. 

Grupo  de  artes  (dez  cadeiras): 

Desenho  de  figura  (corpo  humano);  geométrico,  inclusive 
as  trez  ordens  clássicas;  de  ornato,  flores  e  animaes,  de  ma- 
chinas,  de  architectura  civil  e  regras  de  construcção;  de  archi* 
tectura  naval  e  idem;  de  ornatos  e  arte  cerâmica;  estatuária; 
gravura  a  talho  doce,  agua  forte  e  xilographia;  pintura;  (estu* 
dos  a  tempera,  estudo  particular  de  diversas  tintas,  mordentes, 
vernizes,  processos,  etc,  empregados  na  pintura  e  douradura 
de  artefactos). 

Grupo  supplementar  (seis  cadeiras): 

Porcuguez,  elementos  e  grammatica;  francez;  inglez;  geo- 
graphia;  historia  pátria;  calligraphia. 

Grupo  complementar  (cinco  cadeiras): 

Philosophia  ou  moral  social;  esthetica;  historia  das  artes 
e  officios;  anatomia  e  physiologia  das  paixões;  musica. 

Como  se  vê,  o  plano  é  grande,  em  todo  o  sentidoj^  pinte 
e  oito  cadeiras,  regidas,  gratuitamente  desde  a  fundação,  no 
mdo  das  singulares  xlifficuldades  que  temos  historiado.  Este 
plano  não  foi  logo  traduzido  completamente  na  practica,  como 
)á  dissemos,  e  ainda  em  1 876  notamos  n^uma  publicação  semi- 
official  que  nSo  estavam  preenchidas  as  de  geometria  descriptiva, 
chimica  e  mechanica;  cadeiras  de  gravura  e  pintura;  geogra- 


124 


phia,  historia,  calligraphia,  philosophia,  esthetica,  historia  das 
artes  e  ofiBcios,  e  anatomia. 

No  relatório  official  do  lyceu  do  anoo  de  1878  notamos 
que  funccionaram  mais  três  cadeiras:  chimica  appiicada,  geo* 
graphia  e  calligraphia,  total  dezenove,  servidas  por  53  profes- 
sores! No  anno  lectivo  de  1879  ^  respectivo  relatório  accusa  o 
mesmo  numero  (pag.  8-11)1  prometteodo  para  1880  mais  duas 
cadeiras:  historia  das  artes  e  officios  e  esthetica.  O  ensino  pra- 
tico era  dado  n'um  gabinete  de  physica  e  em  dois  laboratórios^ 
lastimando  o  relatório  de  1878  não  haver  ainda  um  gabinete 
de  mechanica,  e  accentuando  a  necessidade  da  creação  de  ofi- 
cinas para  a  aprendizagem  dos  vários  officios. 

A  frequência  cresceu  extraordinariamente  nos  últimos  an* 
nos.  Em  1 858,  primeiro  anno  da  escola,  a  matricula  foi  de  35 1 
alumnos;  quando  se  deu  a  interrupção  no  ensino,  tinha  de»* 
eido  a  204,  mas  depois  da  reabertura  das  aulas  subiu  a  542 
em  1868;  em  1872  contava  1:129  alumnos;  em  1874  attingiu  o 
máximo:  1:268,  decahindo  um  pouco  de  1 874-1878,  mas  su- 
bindo em  1879  novamente  a  1:262  alumnos,  com  2:638  ma- 
triculas, das  quaes  pertenceram  ao  desenho  1:039. 

O  relatório  d'esse  anno  diz  ainda  que  foi  necessário  cne- 
gar  a  matricula  a  muitos  individuos  que  vinham  solicital-a» 
(pag.  4),  por  não  haver  espaço,  apesar  das  notáveis  obras  e 
melhoramentos  que  se  fizeram  no  lyceu  de  1876  a  1878. 

O  lyceu  permaneceu  na  egreja  de  S.  Joaquim  de  1859 
até  1876.  A  20  de  agosto  d'este  anno  o  governo  imperial  recla- 
mou a  egreja  para  a  restituir  ao  culto.  Kesuscitava  a  questSo 
da  irmandade  de  Nossa  Senhora»  que  parecia  morta!  Doesta 
vez,  porém,  o  governo  offerecia  como  compensação  o  edifício 
em  que  funccionára  a  secretaria  doestado  dos  negócios  do  império* 

A  nova  casa  exibia,  no  emtanto,  obras  importantes  de  ada- 
ptação, e  só  em  princípios  de  1878  pôde  o  lyceu  installar-se  no 
novo  edificio,  gastando  do  seu  cofre  particular  9l  razoável  soai-» 

ma  de  55:oooi$ooo  réis,  producto  dos  seguintes  donativos : 

• 

Barão  de  S.  Roque 10:000^000 

António  Pereira  de  Sousa  Barros  ....  10:000^000 

Dr.  Francisco  Xavier  Calmon  da  Silva  Cabral  10:000^000 

João  da  Cunha  Magalhães 10:000^000 

Francisco  Pinto  de  Oliveira 6:000^000 

Luiz  Vieira  Machado  da  Cunha     ....  4:000^000 

Emilio  José  de  Barros 4:000^000 

José  Maria  Vieira i:ooof  000 


Réis    •     •     .        55:ooofooo 


laS 


Esgotados  estes  recursos,  o  governo  imperial  continuou  as 
obras,  podendo-se  reabrir  as  aulas  só  no  dia  3  de  setembro  de 
1878.  As  obras  do  governo  continuaram  lentamente  com  o  sub- 
«dio  mensal  de  dois  contos,  até  que  em  I87Q  o  ministro  Sodré 
Pereira  retirou  o  subsidio,  allegando  o  estado  precário  do  tbe- 
souro  I  O  director  do  lyceu  e  fundador  da  sociedade  Bettencourt 
da  Silva  deu,  em  signal  de  sentimento,  a  sua  demissão;  o  corpo 
docente  acudiu  em  janeiro  de  1880  com  um  generoso  protesto 
para  invalidar  a  demissão.  As  instancias  foram  baldadas,  e  dias 
depois,  a  3i  de  janeiro,  o  fundador  repetiu  a  sua  demissão  na 
sessão  magna,  annual,  diante  do  imperador  e  diante  dos  minis- 
tros do  império,  da  guerra,  dos  negócios  estrangeiros,  da  fazenda 
e  da  agricultura,  e  da  numerosa  assembleia  que  enchia  o  salão. 
O  corpo  docente  respondeu  a  Bettencourt  da  Silva  repetindo  o 
seu  protesto  de  dedicação  e  amisade,  e  reclamando  contra  a 
retirada. 

Esta  nobre  coragem,  longe  de  desagradar  ao  monarcha  e 
ao  ministério,  e  prejudicar  o  lyceu^  influiu  favoravelmente  para 
a*  resolução  dos  seus  justíssimos  pedidos,  como  veremos.  No 
orçamento  de  1880-1 881,  o  corpo  legislativo  elevou  o  subsidio 
annual  de  loiooo^Síooo  a  i5:oooiSíooo  reis,  e  o  lyceu,  respondendo 
sempre  a  um  favor  do  governo  com  um  beneficio  muito  maior, 
inaugurava  a  1 1  de  outubro  de  1881  as  aulas  para  o  sexo  femi- 
nino. A  mulher,  a  futura  mãe  de  familia,  entrava  triumphante 
no  lyceu  imperial  de  artes  e  officios  I 

Apesar  do  longo  caminho  percorrido,  temos  muito  que 
dizer,  tantos  sSo  os  factos,  tão  grande  a  nossa  admiração  pe- 
rante os  resultados  obtidos  pela  iniciativa  de  Bettencourt  da 
Silva  e  dos  seus  poucos  alliacfos.  Só  em  1867,  onze  annos  de- 
pois da  fundação  do  lyxeu,  é  que  o  governo  imperial  concedeu 
um  subsidio  annual  de  3:ooofooo  (ministro  Liberato  Barroso), 
elevado  a  6:000^000  de  réis  pelo  ministro  Paulino  José  Soares 
de  Sousa,  e  novamente  au^mentado  pelo  conselheiro  Correia 
de  Oliveira  até  jo:oooiilooo  réis.  Em  i8Ho«i88i  eram  i5:ooOi9[ooo. 

E^  verdade  que  n'esse  intervallo,  desde  a  concessão  do 
subsidio,  a  lista  dos  alumnos  sobe  de  542  em  1868  a  1:296  em 
1880.  A  lista  de  matriculas,  segundo  os  últimos  dados  que  te- 
mos presentes  (outubro  de  1881),  attingiu  a  cifra  de  17:879;  a 
Ibta  dos  alumnos,  desde  i858  a  1880,  a  cifra  de  14:917,  re- 
presentando 22  nacionalidades  (sendo  2:427  portuguezes). 

A  primeira  matricula  das  aulas  do  seio  feminino  attingiu 
a  dfra  de  601  alumnos. 


126 


II 


Incluir  o  ensino  profissional  da  mulber  no  plano  do  lyceu 
foi  sempre  um  dos  pensamentos  mais  predilectos  do  fundador» 
Vimos  na  revista  anterior  que  a  primeira  matrícula  deu  6oi 
alumnas!  Tratava-se  por  emquanto  apenas  de  uma  modesta 
aula  de  instrucção  primaria,  e,  comtudo,  vejam  a  sede  de  in> 
strucção  e  o  credito  do  lyceu  f  Eram  bjg  brazileiras,  14  porta* 
guezas,  5  italianas,  uma  norte-americana,  nima  de  Montevideo 
e  uma  austríaca.  Com  relação  ás  edades  distríbuiam-se  do  se-» 
guinte  modo: 

De  IO  a  x5  annos 298 

»  i3  a  20      »       .    *. id7 


»  20  a  25 
»  25  a  3o 

>  3o  a  35 

>  35  a  40 
»  40  a  45 

5  a  5o 
o  a  55 


'A 


81 

H 

12 

2 
I 
X 

€01 


Emquanto  aos  estados  eram:  solteiras,  56o:  casadas^  22; 
e  viuvas:  19. 

«Este  facto,  diz  a  Gaveta  da  Tarde,  do  Rio,  só  por  ^ 
basta  para  demonstrar  até  que  ponto  se  tornava  necessária  a 
creação  de  taes  aulas,  a  sede  de  instrucção  que  existe  nas  clas- 
ses proletárias,  e  o  descuido  do  nosso  paternal  governo  em  re- 
lação á  instrucção  popular,  que  anda  sob  sua  protectora  vigi- 
lância. Se  não  fora  a  instituição  do  lyceu  e  o  noore  pensamento 
de  iniciar  o  curso  especial  para  educação  de  nossas  patrícias 
menos  protegidas  pela  fortuna,  onde,  e  quando,  sabe  Deus,  de- 
parariam as  míseras  Com  os  recursos  de  que  tanto  carecem  para 
alimentar  o  espírito,  educar  as  faculdades,  e  preparar,  emfiniy 
pelo  trabalho  e  pelo  estudo,  os  meios  de  garantir  o  seu  futuro 
e  o  de  seus  filhos? 

«Além  do  professorado,  que  lhes  offerecia  a  nascente,  tnas 
já  viciada,  escola  normal,  que  outra  fonte  se  lhes  deparava  onde 

f>odessem  buscar  os  elementos  para  uma  profissão  honesta,  que 
hes  fornecesse  os  meios  de  subsistência  ?»  {A  imprensa  e  o  fy^ 
ceu^  etc  Rio,  1881,  p.  6.)  ^ 


127 


Outro  jornal  dizia : 

«Não  ha  aqui  nenhum  estabelecimento  de  ensino  secun-* 
dario  para  meninas;  só  os  ha  particulares,  de  sorte  que  as  me- 
ninas pobres  só  poderão  aprender  o  que  lhes  ensinam  as  escolas 
primarias»  (Do  Atirador  Franco). 

Sentia  o  mesmo  jornal  que  a  idéa  não  tivesse  sido  posta 
em  pratica  ha  mais  tempo. 

Mas  o  lyceu  luctou  sempre  com  a  falta  de  espaço,  como 
teaios  visto;  e  quando  o  mudaram  de  S.  Joaquim  para  o  antigo 
ediíido  da  secretaria  do  império,  obrigaram-n^o  a  gastar  todas 
as  suas  economias,  55  contos,  em  obras,  e  só  depois  lhe  acudi- 
ram, para  começarem  logo  *a  regatear  o  subsidio  indispensável 
para  a  conclusão  dos  trabalhos  I  O  lyceu  pediu  o  antigo  edificio  da 
typographia  nacional,  para  a  fundação  das  ofiScinas,  mas  a  in- 
triga e  os  interesses  paniculares  impediram  a  entrega.  Afinal  o 
ministro  Silveira  Martins  acabou  com  a  questão  e  deu  o  edificio. 

«A  antiga  typographia  nacional  transformou-se  como  por 
encanto.  D^aquelle  escuro  pardieiro  surgiram  salas  amplas,  cia* 
ras,  arejadas.»  (Do  Cruzeiro). 

Mas  o  fundador  Bettencourt  da  Silva  nãodescança  —  tem 
a  febre  da  generosidade;  já  pedia  os  terrenos  do  convento  da 
Ajuda,  e  os  da  praia  da  Lapa,  para  dar  ao  lyceu  do  sexo  fe- 
minino toda  a  amplitude.  Não  Ih^os  deram  logo ;  mas  é  de  crer 
que  vencerá  mais  uma  vez. 

ixlníelizmente,  estamos  a  duvidar  do  futuro,  diz  ainda  o 
Cru:{etro,  e  a  fazer  as  coisas  em  miniatura». 

Não  é  possível  avaliar  até  onde  caminhará  o  lyceu  com 
om  fundador  doesta  tempera,  ajudado  com  o  voto  unanime  de 
luna  imprensa,  que  na  questão  do  lyceu  tem  dado  as  provas 
mais  eloquentes  da  sua  alta  inteliigencia  e  inexcedivel  patriotis^ 
aio;  mas  o  que  nós,  portuguezes,  podemos  ter  por  averiguado 
é  que  a  amiga  colónia  nos  preparou  uma  das  lições  mais  elo- 
quentes que  era  possível  inventar  no  dominio  intellectual  e  moral. 

Nós  tivemos  também  uma  Sociedade  promotora  de  bellas- 
artes,  que  publicou  um  programma,  um  estatuto ;  que  fez  pro- 
messas de  todo  o  género,  para  nunca  as  cumprir;  que  absorveu 
M>cDmas  consideráveis,  illudindo  constantemente  o  publico  du- 
rante uma  vida  inglória  de  vinte  annos.  Essa  sociedade  compro-^ 
metteu-se  ainda  mais,  indo  ao  Brazil  pedir  um  auxilio,  não  pe- 

2ueD0,  que  recebeu  durante  annos,  para  o  malbaratar,  como 
í7  aos  dinheiros  que  levantou  no  paiz.  Foi  pedir  ao  Brazil  um 
auxilio,  na  cidade  que  havia  fundado  uma  sociedade  idêntica^ 
com  quasi  o  mesmo  titulo,  um  modelo,  que  lhes  podia  ensinar 


128 


como  se  vivia  honradamente  e  utilmente  para  a  pátria.  Que  au- 
dácia e  que  falta  de  vergonha! 

Sim,  o  termo  é  este  próprio,  e  nSo  outro ;  porque  a  Sò- 
ciedade  promotora  de  Lisboa  não  só  se  comprometteu  a  si,  mas 
ao  paiz  inteiro.  Com  que  direito,  com  que  rosto  iremos  pectir 
outra  vez  o  concurso  dos  nossos  irmãos  do  império  ?  Que  fru- 
cto  produziram  os  29:966^416  reis  arrecadados  pela  sociedade 
de  Lisboa  em  dez  annos  de  exercicio  (1862-1874)1  segundo 
documentos  officiaes  ?  Onde,  e  quando,  foram  as  suas  promes- 
sas cumpridas?  Onde  ficou  o  jornal  que  ella  prometieu,  as  pa- 
lestras artísticas,  os  cursos  nocturnos,  etc,  etc.  ?  E  toda  essa 
triste  existência  desenrola-se  no  mero  de  favores  excepcionaes  do 
publico,  do  reclamo  da  imprensa,  immerecido,  e  das  contribui- 
ções do  Brazil. 

A  sociedade  promotora  de  bellas-artes  de  Lisboa  fun- 
dou-se  por  iniciativa  de  Luiz  Filippe  Leite,  que  publicou  ena 
junho  de  iSSy  no  Jornal  de  delias  Artes  (3.'  serie  n."  vi)  uoi 
programma  para  uma  Sociedade  dos  c/lmigos  das  Artes,  Era 
a  cópia  de  uma  ideia  que  unha  nascido  no  Porto  em  i833,  anno 
em  que  alli  se  fundou  uma  associação  com  o  mesmo  nome,  cu- 
jos estatutos  foram  approvados  a  2  de  novembro  de  i835,  de- 
clarando-se  a  rainha  D.  Maria  11  protectora  da  associação. 

Portanto,  nem  a  sociedade  promotora  de  Lisboa  iniciou 
o  movimento  com  o  seu  programma,  nem  sequer  o  nome  do  fu- 
turo presidente,  o  marquez  de  Sousa,  figura  n^esse  programma 
(Estatutos  e  lista  dos  tundadores  no  Diário  do  Governo  de  6 
de  novembro  de  1861). 

Pôde  affirmar-se  até,  com  segurança^  comparando  o  es- 
tatuto do  Rio  com  o  de  Lisboa,  que  este  é  o  reflexo  d^aqueile. 
Com  effeito,  a  ideia  de  Bettencourt  da  Silva  é  de  23  de  novem- 
bro de  i856 :  n^esse  dia  foram  lidas  as  bases  e  assignadas  por  g^ 
pessoas.  A  o  de  dezembro  de  1857  estava  eleita  a  primeira  di- 
rectoria da  Sociedade  propagadora  do  Rio,  e  publicados  os  seus 
estatutos,  e  só  seis  mezes  depois  é  que  Filippe  Leite  apresenta 
a  sua  ideia  da  Sociedade  dos  amigos  das  artes. 

Abrimos  aqui  este  parenthese  para  uma  referencia  passa- 

feira,  porque  teremos  de  voltar  á  Sociedade  promotora  de  Lis- 
oa,  quando  houvermos  concluido  com  a  do  Rio.  E'  preciso 
que  o  governo  faça  cumprir  o  estatuto  d'essa  sociedade,  que  elle 
approvou,  ou  que  os  sócios  ainda  existentes  tratem  da  sua  reor- 
ganisação — se  sentem  forças  para  tanto — ou  da  sua  dissolu- 
ção, por  dignidade  própria. 

(OMteAa.)  Joaquim  de  Yasconcellos. 


139 


CATALOGUE  DES  INSECTES  DU  PORTUGAL 

(0«ntlnnAçÍo,  t.  pag.  Tf) 
ama  AOHBKNIUM  OU&TlB 

567.  A.  depressum  Orav. 

Fauv.  Faun,  G.  Bh.f  p.  362. 

Azambuja  (J.  Antunes  I). 

anta  DOLIOAOH  LAPOBTB 

568.  D.  graoOis  Grav. 

Eriehs<m.  Qen.  et  Sp,  Staph,^  p.  337. 

Azambuja  (J.  Antunes  I) 

Qmnm  LITH00HABI8  UlOOBDAIBS 

569.  L.  flisoula  ManTi. 

Faup.  Faun.  G.  10^.,  p.  3 18. 

Vizella!,  Guarda!. 

570.  L.  pioea  Eraatz. 

Fauv.  Faun.  G.  Bih.,  p.  3i8. 

l^zella!,  Coimbra!,  Alcafache! 

571.  L.  ooliraoea  Orav. 

Fauv.  Faun,  G.  Bh.,  p.  32o. 

Farol,  Azambuja I,  Coimbra!  Espinho! 

572.  L.  obsoleta  Nordm. 

Fauv.  Faun.  G.  Bh.,  p.  3ai. 

VizcUal. 

573.  L.  proplnqua  Bris. 

Fauv.  Fann.  G.  Rh.,  p.  325. 

Onmbra!,  Buasacol,  Espinho I.  Leça!. 


i3o 


574.  L.  rufloollis  Eraatz. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.,  p.  325. 

Guarda!. 

OníBB  800PJSUS  BBI0B80K 

575.  S.  didymus  Er. 

Fauv.  Faun.  6.  Rh.,  p.  3ii. 

VizelIaI,.G>imbra!,  Bussacol,  Espinho!,  Alcafache!. 

Onrna  8TILI0U8  LATBJULLB 

576.  S.  festiviis  Rey. 

Fauv*  Faun.  G.  Rh.,  p.  3o5. 

Je  l'ai  trouvé  dans  les  décritus  des  iaondatioos  du  Mon- 
dego, à  G>imbra. 

577.  S.  orbloaaltas  Payk. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh,,  p.  3o3. 

G)imbral,  Leça!,  Estarreja!. 

Gwu  SUNIUS  8TBPHBNS 

578.  S.  latas  Bos. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  293. 

Bragança  I,  Coimbra  I. 

579.  S.  melannrus  Eust. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  296. 

Bragança!. 

580.  S.  graolUs  Payk. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  298. 

Bragança!,  Felgueira!,  Coimbra!. 


i3i 


Gana  HA2BBI8  FAUV. 

581.  M.  pnlQlier  Aubô. 

JFatiy.  FoKft.  G.  Bh.,  p.  299. 

Gerezl  (L.  v.  HeydenI),  Vízella!,  Espinho !,  Coimbra!,. 
Bussaco !. 

La  tete  et  le  corselet  est  d^un  brun  de  poix  dans  plu- 
sicora  individus, 

Gwu  PABDBBUS  QBAYBMUOBfiT 

« 

582.  P.  lusitaulous  Aub. 

Pttuv.  Faun»  G.  Bh.j  p.  329. 
Ceai,  Gerez  (L.  v.  Heyden!). 

583.  P.  gregarlus  L. 

Fauy.  FautL  G.  Rh.^  p.  332. 

Bragança!. 

584.  P.  fusoipes  Ourt. 

Fauy.  Faun.  G.  Rh.,p.  334. 

Coimbra  I,  Vizellai,  Estarreja  I. 

585.  P.  oaUgatas  Er. 

Fauy.  Faun.  G.  Bh.,  p.  333. 

Commun  dans  le  nord  du  Portugal. 

586.  F.  ruflcollis  F. 

Fauy.  Faun.  G.  Rh.,  p.  336. 

Eztrêmement  commun  partout,  au  bord  dea  eaax. 

STENINI 

Qwnm  STBMUS  LATBBlIiLB 

587.  S.  ooellatos  Fauv. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.j  p.  233. 

Bragança!,  Felgueiral,  Coimbra!  (L.  v.  Heyden!). 


i3i 


588.  S.  firattnla  Mnll. 

Fauv,  Faun.  G,  Rh.,  p.  234. 

Vizella!;  Bragança!,  Espinho!. 

589.  S.  Ouynexneri  Duv. 

Fauv,  Faun»  Q.  AA.,  p.  aSy. 

Bussaco!,  Coimbra!,  Vizellal,  Gerez!  (L.  v.  Heydenl). 

590.  S.  oreoplillus  Falrxn. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh,<f  p.  a38. 
Espinho  I. 

591.  S.  nanus  Stepli. 

Fauv.  Faun.  6.  7{A.,  p.  240. 

Bussaco!,  Espinho!. 
92.    S.  olaviconiis  Scop. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.  p.  24a. 

Indique  parmí  les  staphylins  que  Mr.  C.  v.  Volxem  a  pris 
en  Portugal. 

593.  S.  luno  F. 

Fuuv.  Faun.  6f.  Rh.,  p.  246. 

Guarda !. 

594.  S.  ater  Manh. 

Fauv.  Faun.  fif.  Rh.,  p.  247.  ^ 

Tavira!  (G.  v.  Volxem!),  Aveiro  (L.  v.  Heyden!). 

595.  S.  gallious  Fauv. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  248. 

Je  possède  deux  individus  sans  que  je  puisse  detenniner 
la  localite  ou  je  les  ai  captures. 


L 


|S3 


596.  8.  mendious  Er. 

Erichion  Gen.  et,  Sp.  Staph,^  p.  702. 

Cette  espèce  a  été  décrite  par  Erichson  d^après  les  exem- 
plaíres  que  mr.  Hoffmannsegg  a  pris  en  Portugal. 

597.  S.  bnumipes  Stepli. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.j  p.  265. 
Espinho!. 

598.  S.  EdmiUs  Herbst. 

Fauy.  Faun.  Q.  Rk.,  p.  267. 

Espinho I,  Guardai,  Serra  de  Rebordaos!. 

599.  S.  (dolxideloldes  Sohall. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  268. 

Coimbra!. 

600.  S.  canescens  Rosenh. 

Fauv.  Fdun.  6.  Bk^  p.  270. 
Espinho  I. 

601.  S.  iBJisraldus  Er. 

Fauv.  Faun.  6.  Rh.,  p.  276. 

Espinho!. 

602.  S.  flaTipes  Stepli. 

Fauv  Faun.  G.  Rh»f  p.  278. 

Espinho!. 

603.  S.  cordatus  Orav. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  278. 

Bussacol,  Azambuja  (J.  Antunes!). 


i 


l34 


604.  S.  aerosns  Er. 

Fauv,  Faun.  G.  Bh.^  p.  282. 

Guarda!. 

605.  S.  impressas  Oerm. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh.  p.  283. 

Douro I,  Espinho!. 

606.  S.  ossium  Steph. 

Fauv.  Faun.  G.  AA.,  p.  284. 

Vizellal,  Espinho!. 

607.  S.  fosoioomis  Er. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  287. 

Du  Portugal,  d'après  Mr.  Fauvd. 

608.  S.  Eriolisoiii  Rye. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.y  p.  289. 

Vizellal. 

OXYTELINI 

Qkvsb  BLEDIUS  MANNEBHBIK 

609.  B.  taurus  Oerm. 

Fauv.  Faun.  G.  7Ç*.,  p.  190. 

Monchique  (C.  v.  Volxem!). 

610.  B.  tinioomis  Gtorm. 

Fauv.  Faun.  G.  T^A.,  p.  192. 

Aveiro  (L.  v.  Hcydenf). 

611.  B.  Oraellsi  Fauv. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh,,  p.  194. 

Espinho  I,  Aveiro  (L.  v.  Heyden  I). 


í35 


612.  B.  speotabills  Kr. 

Fauv,  Faun.  G.  Rh.,  p.  lo. 

Avdro  (L.  V.  Heydcn !). 

613.  B.  verres  Er. 

Fauv.  Faun.  G.  *lik^  p.  196. 
Aveiro  (L.  v.  íícyden !). 

614.  B.  fossor  Heer. 

Fauv.  Faun.  Q.  Rh..,  p.  197. 

Mentionné  da  Portugal  par  Mr.  Fauvel. 

615.  B.  hlspidulns  Fairm. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  199. 

Aveiro  (L.  v.  Heyden !). 

GuBB  PLATTSTETHUS  MÀMKBBHEIM 

616.  P.  comutas  Qyll. 

Fauv.  Faun.  6.  Rh.,  p.  181. 
Azambuja  (J.  Antunes!),  Monchique  (C.  v.  Volxem!). 

617.  P.  spinosus  Er. 

Fauv.  Faun.  Q.  Rh.,  p.  182. 

Azambuja  (J.  Antunes  !)• 

618.  P.  nodifrons  Sahlb. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p.  i83. 

Aveiro  (L.  v.  Heyden !). 

619.  P.  nitens  Sahlb. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  184. 

Coimbra !,  Aveiro  (L.  v.  Heyden  !)• 


i36 


■  OXTTBLUS  GBATOBIHOBST 


620.  O.  sonlptos  Orav. 

Fâtiv.  Faun,  C,  M.,  p.  169. 

Guarda!,  Farol,  Monchique  (C.  v.  Volxem!). 

621.  O.  Inustos  Qrav. 

Fauv*  Faun,  6.  Rh.,  p.  170. 

Faro !,  Alcantarilha  (A.  E.  M.  OrtígSo !). 

622.  O.  sonlptoratas  Qrav. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh,^  p.  171. 

Bragança  I,  Leça !,  Guarda !  (L.  v.  Heyden  I),  Coimbra  f , 
Espinho  I,  Felgueira!. 

623.  O.  nitidiilus  Qrav. 

Fauv»  Faun.  6.  Rh.j  p.  171. 

Coimbra  1  (C.  v.  Volxeoi!),  Espinho!,  Vizella!, 
(L.  V.  Heyden !). 

624.  O.  speoulifirons  Eraatz. 

Fauv.  Faun.  G.  7?A.,  p.  173. 
Bussaco !,  Coimbra !,  Espinho. 

625.  O.  tetraoarinatus  Blook. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.^p.  176. 

Felgueira!,  Vizella!,  Cêa!  (L.  v.  Heyden!). 

Qmnm  HAPL0DBBU8  8TBPHBN8 

626.  H.  oaelatus  Orar. 

Fauv,  Faun»  G.  Rh.,  p.  161. 

Felgueira  I; 

(OtnMnúa).  MaNOEL  PaUUNO  DE  OUYBIRA. 


i37 


DOCUMENTOS 

ENVIADOS  AO  PARLAMENTO  E  Â  IMPRENSA  DO  PAIZ 

A  Sociedade  de  Instrucção  do  Porto  vem  sollicitar  um 
momento  a  vossa  attencão  para  um  asssumpto  que  nos  parece 
digno  do  vosso  exame. 

Ao  Parlamento,  que  já  uma  vez  nos  deu  clara  prova  do 
interesse  com  que  acompanha  os  nossos  trabalhos,  vamos  pedir 
a  resolução  de  uma  questão,  da  qual  depende  o  futuro  da  nossa 
Sociedade. 

Ha  muito  que  ella  procura  fundar  uma  casa  própria,  um 
asylo  seguro,  que  a  ponha  ao  abrigo  de  dificuldades,  que  au- 
goientam  á  proporção  que  a  sua  actividade  se  alarga.  D'este 
modo,  ou  o  remédio  é  prompto  ou  o  animo  desfallece,  porque 
do  trabalho  não  se  tira  conforto,  porque  duplicar  o  esforço  não 
éj  n'este  caso,  progredir,  é  apenas  accumular  os  obstáculos; 
porque  não  ha  ar,  nem  campo  para  os  obreiros  que  acodem  ao 
nosso  appello. 

Não  pôde  uma  associação,  que  apenas  se  sustenta  da  mo- 
desta contribuição  mensal  de  Soo  reis,  paga  pelo  sócio,  deixar 
de  recorrer  ao  Parlamento  em  semelhante  caso,  e  apesar  de  se 
tratar  de  um  auxilio  que  não  reclama  sacrificios  do  thesouro, 
mas  tão  somente  da  concessão  de  um  terreno  para  a  sua  futura 
casa,  a  Sociedade  não  se  atreveria  a  sollicital-a,  se  não  podesse 
provar,  de  um  modo  evidente,  que  não  é  indigna  do  beneficio, 
qu«  pede  em  nome  dos  elevados  interesses  que  representa. 

O  resumido  quadro  da  nossa  vida  social,  em  dous  annos, 
£al)a  claro  a  este  respeito.  Por  clle  podereis,  Senhores,  reconhe- 
cer facilmente  que  não  é  sem  fundamento  que  alludimos  a  ele« 
vados  interesses,  que  sollicitamos  a  vossa  protecção  para  uma 
causa  que  é  de  todo  o  paiz,  que  é  a  do  futuro.  Por  esse  quadro 
podereis  concluir  o  que  faremos,  quando  já  não  tivermos  de  an- 
-dar  em  romaria  por  casa  alheia,  soffrendo  pezadissimos  encar- 
gos, que  absorvem  uma  parte  considerável  dos  nossos  mingua- 
dos recursos,  arriscando,  alem  d'isso,  objectos  de  valor,  que 
fbrann  dados  generosamente  para  serem  vistos  e  ap^reciados. 

Já  S.  M.  El-Rei,  convencido  da  lealdade  das  nossas  in- 
tenções e  dos  serviços  que  temos  prestado  á  causa  da  instrucção 
nacional,  se  dignou  ultimamente  conceder-nos  no  Palácio  Real 
do  Porto  abrigo  para  uma  parte  das  nossas  collecções,  os  the- 
souros  da  olaria  popular;  outra  parte  anda  dispersa  pelas  casas 

BXnSTA  DA  SOCIKDADX  DX  mSTRUCÇlO  DO  PORTO.  10 


i36 


de  vários  sócios,  e  só  um  pequeno  grupo  de  objectos  pôde  ser 
exposto.  Mas  estamos  chegados  a  um  limite  extremo ;  não  ha 
mais  campo«  Nâo  é  possível  a  fundação  do  Jardim  de  infância, 
em  projecto,  e  ofãcialmente  protegido  pela  exc.™*  Junta  Geral 
do  Districto  e  pela  exc."^  Camará  Municipal.  Falta  a  Escola  ele- 
mentar de  artes  e  officios,  faltam  as  suas  officinas,  que  não  podem 
ser  creadas  sem  terreno  apropriado.  Já  nem  as  suas  conferendas 
pódé  a  Sociedade  realisar  na  antiga  sala,  por  falta  de  espaço ! 
Até  aqui  temos  trabalhado  por  merecer  a  confiança  de 
uma  grande  cidade,  que  está  habituada  a  exigir  obras  por  pa- 
lavras. Queira  o  Parlamento  offerecer-nos  occasião  para  con- 
tinuar na  dura  prova,  e  come  elia  é  e  será  publica,  não  ha  para 
nós  senão  uma  sahida :  ou  progredir,  ou  abdicar. 

Porto,  3i  de  janeiro  de  i883. 

A  DIRECÇÃO, 

^Dr.  José  Fructuoso  Ayres  de  Gouveia  Osorío, 

Presidente. 

Joaquim  crA:{evedo  Albuquerque, 

Vice-presidente. 

Joaquim  de  Vasconcellos, 

Secretario  geral. 

Tito  de  Noronha, 

Vice-secrctario  geral. 

A  COMMISSÃO  DA  CASA, 

Conde  da  Silva  Monteiro, 

Visconde  de  Barreiros, 

Guilherme  Clavel, 

Henrique  Carlos  de  ^leirelles  Kendall, 
*  Thomai  Joaquim  da  Silva, 
m  Visconde  de  Alves  oM achado,  ^ 

Ricardo  Pinlo  da  Costa, 

Dr.  José  Augusto  Correia  de  Barros, 

José  de  ^Macedo  Araújo  Júnior, 

Isaac  Newton, 

Q/íntonio  Manoel  Lopes  Vieira  de  Castro, 

QÁntonio  Simões  Lopes. 


1    Os  membros  da  Commissão  da  casa^  marcados  com  uma  «  não 
assignaram  por  estarem  ausentes  do  Porto. 


i39 


I 

FUNDAÇÃO  DA  SOCIEDADE 

A   fundação  teve  logar  em  fevereiro  de  1880,  com  145 
>•   (Revista,  i,  p.  44).  Em  íins  de  1882  tinha  337  sócios. 
{Rev,,  III,  p.  41). 

II 

EXPOSIÇÕES 

Realisou  em  1881  duas;  em  1882  quatro.  Total  sds,  em 
dous  anQOs./Sem  subsidio,  salvo  na  6.*  Annunciadas  para  i883 
três:    Ourivesaria  nacional.  Industrias  caseiras  (repetição)  e 
Tecidos  nacionaes. 

Julho  de  i88í.  —  1.*  Exposição  dos  modelos  de  gessos  do  Ly- 
ceu  do  Porto  de  i5  a  23  de  julho  de  1881. 

Vieram  por  intervenção  da  Sociedade.  Entrada  gratuita.  * 
(Rev,,  I,  p.  268). 

Outubro  de  1881.  —  2.*  Exposição  de  Historia  natural  de  16 
de  outubro  a  3i  de  dezembro  de  1881.  (Rev,,  i,  p.  277).  A 
2 '  de  dezembro  SS.  MM.  e  AA.  honram  a  exposição  com 

A  SOA  VISITA  E  INSCREVEM  OS  SEUS  NOMES  NO  LIVRO  DA  SOCIE- 
DADE. 

Entradas  cerca  de  10:000;  foram  pagas  5:209,  e  as  res- 
tantes gratuitas.  < 

Receita  ggS^íSSo.  Despeza  674^55.  Saldo  3i9fSÍ295. 

Percentagem  paga  ao  Palácio  de  Crystal  196^91900  réís 
20  ®/o).  (Rev,,  II,  p.  36). 
Março  de  1882.  — 3.*  Exposição  de  Camélias  em  Lisboa  de  11 
a  i3  de  março  de  1882. 


1  o  Palácio  de  Crystal  cobrou  todavia  a  contribuição  usual  da  en- 
trada^ no  jardim,  á  senaana  20  réis^  ás  quintas- feiras  e  dias  santificados  5o 
réis  por  cada  pessoa. 

'  Aos  expositores  não  foi  concedida  pela  direcção  do  Pa}acio  de 
Crystal  a  entrada  gratuita  que  a  Sociedade  de  instrucção  solhcitou.  Os  bi- 
lhetes gratuitos,  distribuídos  pela  Sociedade,  pagaram,  portanto,  á  porta  de 
entrada  do  jardim  a  contribuição  usual  de  20  réis  á  semana  e  5o  réis  ás 
quincas-íeiras  e  dias  sanctiíicados,  por  cada  pessoa.  Esta  contribuição  cons* 
ntue  pois  uma  receita  supplementar,  que  se  deve  addicíonar  aos  196II900 
réis.  A  Direcção  isemptou  da  contribuição»  a  pedido,  apenas  os  estabeleci- 
mentos de  caridade. 


I40 


Receita  370ÍSI700.  Despeza  383^o.  Deficit  i3fia6o.  (Rcp., 
II,  p.  377). 
Abril   de    1882. —  4.'  Exposição  dedicada  ao  Centenário  de 
Froebel  a  22  de  abril  de  1882.  Material  do  Jardim  da  In- 
fanda; ensino  elementar  profissional  Litteratura  frosbe- 
liana.  Entrada  gratuita  ^  apesar  da  despeza  da  exposição 
importar  em  230^)495. 
Maio  de  1882.  —  5/  Exposição  de  Industrias  caseiras  de  14  de 
maio  a  18  de  junho  de  1882. 

Receita  8o3^455.  Despeza  789^9(900.  Saldo  i3i$555. 
Percentagem  paga  ao  Palácio  db  Crystal  io5^520  réis 
(Rev.,  II,  p.  378).  « 
Outubro  de  1882.  —  6.*  Exposição  de  cerâmica  nacional  de  22 
de  outubro  a  26  de  novembro  de  1882. 

Entradas  27:000,  sendo  gratuitas  cerca  de  20:000.  Re- 
ceita 1 1833^91460,  incluindo  3oo4k>oo  réis  dados  pelo  Governo 
para  prémios.  Despeza  2:287^9(840.  Deficit  ^Z^l^o  réis. 

Percentagem  paga  ao  Palácio  de  Crystal  3oi^65o  rém 
(Rev.,  Ill,  p.  95  a  96).  * 

PROVA  PRACTICA  das  EXPOSIÇÕES 

Na  exposição  das  industrias  caseiras  a  Sociedade  conse- 
guiu chamar  ao  Porto  rendeiras  de  Villa  do  Conde,  Vianna  do 
Castello  e  Peniche,  que  trabalharam  nas  suas  almofadas  du- 
rante  duas  semanas,  sendo-lhes  paga  a  viagem  e  o  trabalho,  e 
hospedadas  em  casa  dos  sócios.  (Rev,,  11,  p.  609). 

Na  exposição  de  cerâmica  houve  trabalhos  practicos  dos 


^  O  Palácio  de  Crystal  cobrou  todavia  a  mesma  contribuição,  indi- 
cada supra,  dando,  a  pedido,  entrada  gratuita  aos  collegios. 

'  Esta  verba  decompõe-se  do  seguinte  modo:  A.  10%  sobre 623|la8o^ 
réis,  de  entradas,  cobradas  á  porta  do  Jardim  do  Palácio  (além  da  contri- 
buição usual  de  20  réis  á  semana  e  de  5o  réis  por  cada  pessoa  ás  quintas- 
feiras  e  dias  sanctiíicados,  que  é  receita  supplementar).  13.  35  ^/q  sobre 
123^400,  cobrados  á  porta  do  jardim,  no  dia  da  distribuição  solemne  dos 
prémios  aos  alumnos  dos  collegios.  N*este  dia  (sanctificado)  o  Palácio  não 
cobrou^  porém  dos  visitantes,  os  5o  reis  da  contribuição  usual  e  deu,  a  pedi- 
do, entrada  gratuita  aos  colírios. 

'  N'esta  ezposifão  o  Palácio  não  cobrou  a  contribuição  usual,  mas 
em  compensação  a  Sociedade  teve  de  lhe  ceder  de  cada  entrada  paga  15^» 
á  semana,  e  25  <>/•  "os  dias  sanctificados.  O  Palácio  deii,  a  pedido,  entrada 
gratuita  aos  expositores,  operários  e  estabelecimentos  de  caridade,  cobrando 
porem  de  todos  os  outros  bilhetes  gratuitos,  distribuídos  pela  sociedade,  a 
contribuição  usual,  que  constituiu  receita  supplementar  aos  3oif65o  reis. 


J 


141 

oleiros  do  Porto  e  arredores  oos  dias,  i,  S,  12  e  19  de  novem- 
bro (Rep^,  II,  p.  680). 

Na  exposição  do  centenário  de  Frcebel  houve  prova  pra- 
tica, executada  pelos  aiutnnos  do  coUegio  do  snr.  dr.  Pedro 
Roxa,  nosso  consócio. 

III 

CENTENÁRIOS,  CONGBESSOS,  ETC. 

37  de  abril.  1880.  —  Recepção  dos  snrs.  Brito  Capello  e  R. 
Ivens,  com  assistência  do  snr.  Serpa  Pinto.  A  sessão  so- 
lemne  teve  logar  na  sala  da  Sociedade,  e  o  banquete  foi 
custeado  pelos  sócios. 
I  de  outubro.  —  Congresso  de  anthropologia  e  archeologia  pre^ 
histórica. 

A  recepção,  o  banquete  e  inclusive  a  hospedagem  de  to- 
dos os  illustres  membros,  nacionaes  e  estraiigeiros,  do  con- 
gresso foi  feita  á  custa  dos  sócios.  ^ 

22  de  abril.  1882.  —  Centenário  de  Frederico  Frcebel.  Foi  a 
Sociedade  que  tomou  a  iniciativa  na  celebração  doeste  cen- 
tenário, promovendo  a  Primeira  exposição  completa,  por- 
TDGUEZA,  do  material  do  Jardim  da  Infância,  do  ensino  ele- 
mentar profissional  e  da  litteratura  froebeliana.  Publicou 
também  a  Vida  de  Frcebel  do  snr.  Rodrigues  de  Freitas, 
consócio.  Organisou  conferencias  e  publicou  os  planos  e  or- 
çamentos de  um  jardim  modelo  n'um  Relatório  especial  de 
40  pag.,  pedido  officialmente.  (y.T(epista,  vol.  ii).  Os  alum- 
nos  do  collegio  do  nosso  consócio  snr.  dr.  Pedro  Roxa  fi- 
zeram no  dia  24  de  abril  uma  prova  practica,  publica,  dos 
trabalhos  do  Jardim  da  Infância. 

b  de  Maio.  —  Centenário  do  Marque:^  de  Pombal.  Associou-se 
ás  lestas  da  commissão  académica  e  publicou  estudos  espe- 
ciaes,  históricos,  sobre  a  época  pombalina.  (V.  a  Revista, 
pag.  271-298). 

19  de  novembro.  —  Congresso  ae  olaria  nacional.  Programma 
desenvolvido  de  discussão,  {Rep.,  11,  p.  577). 

a  3  de  dezembro.  —  Fundação  de  um  Curso  de  desenho  e  oio- 
delação  para  os  oleiros  do  Porto,  com  prémios  da  Socie- 
dade. 


^  N*estas  solemnidades  o  Palácio  de  Crystal  teve  o  lucro  de  i66|;45o 
e  a  nossa  Sociedade  a  despeza  de  364^400.  Somma  das  despesas  para  a  So- 
ciedade 43of  85o. 


143 


IV 
CONFERENCIAS  ^ 

28  de  outubro.  1880.  —  Snr.  Theophilo  Braga:  Sobre  a  for- 
mação da  litter atura  portugue^^a. 

20  e  22  de  Abril.  1881.  —  Snr.  Adolpho  Coelho:  Sobre  a  edu- 
cação  em  geral,  e  especialmente  sobre  a  educação  portu^ 
gueza  e  suas  tradições. 

8  de  julho.  —  Snr.  Pinheiro  Chagas:  Sobre  os  caracteres  es- 

senciaes  da  civilisaçâo  portuguesa. 
22  de  outubro,  —  Snr.  Consiglieri  Pedroso :  Sobre  o  ensino  da 

historia. 
7  de  janeiro  de  1882.  — Snr.  Agostinho  de  Sousa:  O  calor. 
17  de  janeiro.  —  Snr.  Dr.  Manuel  de  Jesus  Antunes  Lemos: 

A  circulação  do  sangue  no  corpo  humano. 

2 1  de  janeiro.  —  Snr.  Dr.  Leonardo  Torres :  O  futuro  com- 
mercial  da  Africa. 

28  de  março.  —  Snr.  Bento  Carqueja :  Os  progressos  da  ele- 
ctricidade. 

4  de  abril.  —  Snr.  Barão  d'Astre  de  Landsberg:  Sobre  a  cul- 
tura da  vinha. 

21  de  abril.  —  Snr.  Joaquim  de  Vasconcellos :  Conferencias  do 
Centenário  de  Frosbel,  de  2 1  a  26  de  abril. 

Primeira  conferencia,  i.'  parte:  A  vida  de  FrcebeL  2.* 
parte :  Analyse  dos  sysiema  em  geral,  e  seus  concorrentes. 

22  de  abril. — Segunda  conferencia.  O  systema  em  especial  — 
As  dadivas,  Gaben  n.®*  i  a  16. 

24  de  abri).  —  Terceira  conferencia.  As  occupações,  TBesckaf- 

tingungen  n.°*  1  a  12. 
26  de  abril.  —  Quarta  conferencia,  A  educação  materna  e  a  sua 

ligação  com  o  jardim  da  infância;  o  jardim  e  a  escola  po- 

popular;  o  jardim  e  a  ofiBcina. 
26  de  abril.  —  Snr.  \! acedo  Araújo  Júnior:  Analyse  do  Jardim 

da  Infanda,  projectado  sob  o  ponto  de  vista  technico  da 

construcção. 


i    Todas  as  quatorse  oonferencias  foram  gratuitas  pela  Sociedade 
cobrando  porem  o  Palácio  20  reis  por  pessoa  em  «cada  uma. 


143 


TRABALHOS  DO  CONSELHO  SCIENTIFICO 
a,)    Propostas  discutidas 

i5  de  fevereiro.  1881. — Organisação  do  ensino  primário.  O 
ensino  primário  e  o  exame  de  admissão.  Proponente  J.  Ed. 
von  Hafe. 

i5  de  maio. — Proposta  relativa  ao  livro  de  leitura  na  aula 
primaria.  Proponente  o  mesmo. 

Junho.  —  Proposta  sobre  a  reforma  da  orthographia portuguesa. 
Proponente  o  dr.  J.  Batbosa  Leão. 

4  e  28  de  novembro  e  7  de  dezembro.  —  Programma  do  con^ 
gresso  das  associações  portuguesas,  em  Lisboa. . 
Resposta  aos  quesitos  por  J.  J.  Rodrigues  de  Freitas  e  Joa- 
quim de  Vnsconcellos. 

Sobre  o  estado  das  associações,  sob  o  ponto  de  vista  moral 
e  económico ;  relações  com  o  eovemo ;  posição  juridica;  a  as- 
sociação e  a  educação  nacional.  (Freitas). 

Sobre  o  ensino  profissional,  por  parte  das  associações  e  do 
estado.  (Vasconcellos). 

I  de  fevereiro.  1882.  —  Proposta  relativa  á  Reforma  da  instruc* 

ção  secundaria.  Proponente  J.  Ed.  von  Hafe. 
1  de  março.  1882.  —Projecto  da  reforma  de  instrucção  secun-, 

daria,  com  um  extenso  Questionário.  Proponente  J.  Duarte 

Moreira  de  Souza. 
JPrqjecto  de  organisação  do  ensino  technicOj  com  apflica- 

cão  d  escola  de  instrucção  primaria.  Proponente  Joaquim  de 

Vasconcellos  (em  preparação). 
4  de  março.  1882.  —  Proposta  para  ▲  creacIo  do  Monumento 

AO  Infante  D.  Henrique,  e  conjunctamente  de  instituições 

duradouras  de  utilidade  nacional,  que  perpetuem  a  sua  mC' 

moria. 
19  de  abril.  —  Os  consócios  snrs.  A.  Tait  e  H.  Murat  offerecem 

o  mármore  nacional,  necessário  para  o  monumento.  {Rev.  n 

p.  269). 
26  de  julho.  —  Carta  de  lei  que  concede  á  Sociedade  o  bronze 

necessário  para  o  monumento  ao  Infante  D,  Henrique. 


144 


b.J    Pareceres  do  eonsclho  sobre  livros  de  ensiao  ^ 

Cartas  elementares  de  Portugal  para  uso  das  escolas  por 
B.  Barros  Gomes.  Lisboa,  1878. 

Compendio  de  desenho  linear  elementar,  etc,  por  José 
Miguel  d' Abreu,  prefessor  de  desenho  na  Universidade  de 
Coimbra,  1881. 

Problemas  de  desenho  linear  rigoroso  (ou  geométrico). 
Primeira  parte.  Pelo  mesmo  auctor.  Coimbra,  1880. 

Q/í  economia  politica  posta  ao  alcance  das  creanças,  tra- 
duzida do  allemão  de  Otto  HUbner,  por  Francisco  d^AI- 
meida.  Lisboa,  1076. 

Elementos  de  botânica,  traduzidos  do  inglez  de  J.  D.  Hoo- 
ker,  pelo  dr.  Júlio  Henriques.  Porto,  1878. 

Elementos  de  historia  natural  dos  insectos;  por  João  de 
Mendonça.  Lisboa,  1877. 

Manual  do  Carpinteiro  de  mopeis  e  edifícios^  traduzido 
por  J.  de  Castro  Freire  de  xMacedo.  Paris,  1873. 

Compendio  de  Geographia  de  Augusto  Luso  da  Silva. 
Porto,  1881. 

q4  lingua  portuguesa.  Noções  de  glottologia  geral  e  espe- 
cial por  F.  A.  Coelho.  Porto,  1881. 

Methodo  fácil  de  calcular,  por  José  Maria  Couceiro  da 
Costa.  Lisboa,  1868. 

VI 

CURSO  DE  DESENHO  E  MODELAÇÃO  PARÁ  OLEIROS 

3  de  dezembro.  1882.  —  E^  creado  este  curso  sob  os  auspidos 

da  sociedade,  no  Congresso  de  olaria  nacional.  Veja-se  re- 
tro o  §  III. 

4  de  fevereiro.  i883.  —  Inauguração  solemne  do  curso  de  dese- 

nho e  modelação. 

VII 

CONSULTAS  OFnaAES  SOBRE  Õ  JaRDIM  DA  InFANCIA 

Relatório  sobre  a  organisaçSo  de  um  Jardim  da  Infanda, 
e  projecto  de  construcçSo,  elaborado  por  uma  commissáo  espe- 
dal  do  Conselho  sdentifico  da  Sodedade. 


^  Discutidos  e  aporovados  nas  sessões  de  i  e  i5  de  fevereiro^  a  de 
maio.  17  de  de  junho,  1  oe  dezembro  de  1881,  i  de  fevereiro  e  i5  de  março 
de  if^a,  T.  pag.  110, 104, 108  e  3x7  do  vol.  i  e  pag.  3o,  18S-191  do  toL  n. 


145 

22  de  março.  1882.  —  Convite  do  Ex.*"^  snr.  governador  civil 

do  distrícto  do  Porto  ao  presidente  da  Soaedade. 
27  de  março.  —  G>nvite  do  Ex."®  snr.  presidente  da  commissão 

executiva  da  Junta  geral  do  Distriao  do  Porto  ao  presidente 

da  Sociedade. 
3i  de  março.  —  Conferencia  dos  representantes  da  Sociedade 

com  o  Ex."^  snr.  governador  civil,  presidente  e  delegados 

da  junta  e  delegados  da  Ex.*"*  Camará  municipal. 
i3  de  abril.  —  Apresentação  do  plano  pedagógico  è  do  projecto 

de  construcção,  com  os  orçamentos  do  futuro  jardim,  pela 

commissSo  da  Sociedade. 


VIII 

BIBLIOTHECA 

Consta  hoje  de  perto  de  1  :ooo  volumes,  relativos  princi- 
palmente á  instrucção  publica,  que  estão  devidamente  catalo- 
gados. 

IX 

GABINBTE  DE   LEITURA 

OCTerece  uma  numerosa  collecção  de  jornaes  e  revistas 
nacionaes  e  estrangeiras,  escolhidas,  e  alguns  muito  importan- 
tes, scientificosy  sem  encargo  para  os  sócios,  por  simples  troca 
com  a  sua  jRevista.  Em  março  de  1881  a  lista  accusava  83  (v. 
Heptsia,  I,  pag.  1 11-112).  Um  anno  depois,  março  de  1882,  o 
numero  subia  a  161  (v.  Revista^  vol.  ii,  p.  210),  e  presente- 
mente ascende  a  170.  Por  falta  de  espaço  só  esiá  exposta  ama 
parte. 


REVISTA  DA  SOCIEDADE 

O  nosso  órgão  tem  conquistado  bom  nome  dentro  e  fora 
do  paiz.  A  prova  está  na  cifra  das  publicações  nacionaes  e  es- 
trangeiras, que  trocam  com  a  nossa  Revista,  (v.  supra).  O  i.** 
vol  (1881}  contra  418  pag.,  uma  gravura  e  um  mappa;  o  2.® 
volume  (1882)  696  pag.,  além  de  40  pag.  do  Relatório  sobre  o 
Jardim  da  Infância  com  uma  phototypia,  e  duas  lithographias. 

A  collaboração  doestas  i:i54  paginas  foi  absolutamente 
gratuita. 


146 


A  Repista  é  mensal,  e  custa  para  os  sócios  1^200;  oio 
sócios  2^2bo  reis. 

XI 

MCSEU 

São  ]i  muito  numerosas  as  collecções  da  Sociedade.  Mes- 
mo antes  da  organisação  do  Museu  de  cerâmica  nacional^  que, 
só  per  si,  occuparia  duas  grandes  salas,  não  havia  lo^ar  para 
as  collecções  de  mineraes,  collecção  zoológica  e  collecções  peda- 
gógicas do  Jardim  da  Infância^  as  quaes  foi  necessário  deixar 
depositadas  parte  no  Palácio  Real,  por  concessão  de  S.  M»  El- 
Rei,  parte  em  casas  particulares,  por  favor  de  vários  sócios. 


JORNAES  E  REVISTAS  DO  GABINETE  DE  LEITURA 

(SêfundA  Ibta  t.  toI.  i,  pag.  IIS) 

A  «  designa  os  jomaes  que  a  Sociedade  assignou 


PORTUGAL 

Barccilos  —  O  Tirocínio. 
Bouças  —  O  Campeão  de  Bouças. 
Braga  —  A  folha  de  Braga. 

Coimbra : 
A  Evolução  (Rev.) 
O  Zé  Pereira. 

Revista  scientifíca  e  litteraría. 
Évora  —  O  Manoelinho. 
Figueira  da  Foz  —  O  Commercio  da 

Figueira. 
Echo  da  rigueira. 
Funchal  —  O  Açoriano  Oriental. 

Lisboa : 
A  Correspondência  de  PortugaL 
O  Diário  do  Governo.  •» 
Gazeta  da  Noute. 
O  Mandarim. 

Revista  d'Ethnolo^a  e  Giotrologia. 
J.  dos  Funccionanos  de  Obras  Pu- 
blicas. 
Revista  de  Obras  Publicas  e  Minas. 
A  Era  Nova  (Rev.) 
Jornal  Official  de  Agrícaltura. 
O  Zoophilo  (Rev.) 
Archivo  municipal. 
Jornal  de  ^ciências  mathematicas, 
physicas  e  naturaes. 


A  Lanterna. 
A  Era  Nova. 
Oliveira  de  Azeméis  —  O  Oliveirense. 

Porto : 
O  Commercio  do  Porto. 
A  Folha  Nova. 
Dez  de  Março. 
O  Norte  Republicano. 
A  Alavanca  do  Trabalho. 
O  Joven. 

Bibliographia  Portugueza  e  Estran- 
geira. 
O  Positivismo  (Rev.) 
O  Commercio  Portuguez. 
O  Primeiro  de  Janeiro. 
A  Actualidade. 
A  Arte  Portugueza  (Rev.) 
Regoa  —  A  Locomotiva. 
Valença — O  Noticioso. 

COLÓNIAS 

Angola : 
Eccho  de  Angola. 
Gazeu  de  Angola. 
Goa  —  Gazeta  de  Bardez. 

Mapu^  (Nova  Goa) : 
O  Imparcial. 
A  pátria. 


147 


Loanda : 
Boletim  do  Posto  Meteorológico. 
Jornal  de  Loanda. 
Mossamedes— Jornal  de  Mossame- 

des. 
S.  Thonaé  e  Príncipe  —  Boletim  ofii- 

ciai  da  Província  de  S.  Tho- 

mé  e  Príncipe. 

BRAZIL 

Rio  de  Janeiro : 

O  Facho  da  Civilisação. 

A  Tribuna  Portugueza. 

Revista  Mensal  da  Sociedade  de  Geo* 
graphia  de  Lisboa  no  Brazil. 

O  Progresso. 

O  Campeão  Lusitano. 

Boston  (Estados  Unidos)  —  A  Civi- 
lisação. 

HESPANHA 

Barcelona  —  La  Mosca  (jornal  saty- 

rico). 
Madrid : 
Boletin  de  la  Institucion  Libre  de 

Enseilanza. 
£1  Estandarte. 
Revista  de  la  Sociedad  Económica 

Matritense. 


Revista  de  Topografia,  Agrimensura 
y  Catastro. 

OUTROS  PAIZES  ESTRANGEIROS 

Borda  (Dax)  —  Revue  de  la  Société 

deB. 
Bordéus — Bulletin  de  la  Société  des 

sciencies  physiques  et  natu- 

relles. 
Bruxellas  —  Bulletin    de  la    Société 

Royale  malacologique  de  Bel- 

gique. 
Florença  —  Rivista  scientifíca  indus- 

triale  e  giornale   dei  natura- 
lista. 
Lyon — Annales  de  la  Société  Bo- 

tanique. 
Nimes — Bulletin  de  Ia  Société  d'étu- 

des  des  sciences  naturelles. 
Paris : 
Revue  de  Tenseignement  secondaire 

spócial. 
Revue     internationale    d'enseigne- 

ment. « 
Revue  bryologique. 
Rochefort  —Bulletin  de  la  Société  de 

Géographie. 
Tarn  et  Garonne  —  Bulletin  ai chéo- 

logique  de  la  Soe.  de  T.  et  G. 


Contém  esta  segunda  lista    .... 
»        a  primeira  lista 83 

Total i33 


(i  de 
(i  de 


70    (i  de  abril  de  x88xi 
abril  de  1882) 


No  próximo  numero  de  abril  publicaremos  a  terceira 
lista,  até  á  presente  data,  que  contém  mais  uns  10-20  jornaes 
e  revistas.  Isto  prova,  pelo  menos,  o  credito  que  a  nossa  Re- 
vista tem  adquirido  dentro  e  fora  do  paiz. 


CONSELHO  SCIENTIFICO 


PARECER 

Approvado  por  unanimidade  em  sessão  de  3  de  janeiro 

OoBKBUO  Hbpos,  «uoUdo  poT  J«llo  Monif»  ^  PoTto,  ItTimrlft  «alienai  da  XsfalUUt  * 
XoBl%  «ditorM,  18at~8.*d«  YI  — 18S  — 4pMr. 

Saudamos  n^este  livro  uma  nova  e  feliz  tentativa  para 
aproveitar  para  as  escolas  portuguezas  as  esmeradas  edições  dos 


148 


clássicos  antigos  feitas  no  estrangeiro  por  homens  distinctos  coaio 
philologos  e  pedagogos.  O  auctor  do  presente  livro,  como  escla- 
recido professor  e  experiente  conhecedor  das  circumstancias  e 
necessidades  das  nossas  aulas,  guiou-se  nas  suas  annotações  pe* 
los  importantes  trabalhos  de  Siehelts  e  especialmente  pelos  de 
Nipperdey,  cuias  edições  de  Com.  Nep.  e  Tácito,  publicadas  na 
collecção  dos  clássicos  antigos  da  casa  Weidmann  em  BerHn 
sSo  obras  magistraes.  A  presente  edição  portugueza,  que  nem 
pecca  por  falta  nem  por  excesso,  será  para  o  estudante  applicado 
um  fiel  amigo  que  lhe  prestará  auxilio  nas  difiSculdades,  deixan- 
do-lhe  comtudo  bastante  campo  para  esforços  próprios.  Agra- 
dam-nos  muito  as  referencias  aos  diversos  paragraphos  da  tra- 
ducção  portugueza  da  excellente  grammatica  latina  de  Madvtg, 
que  chamam  a  attenção  do  estudante  para  as  particularidades 
da  dicção  latina  e  co.uribuem  assim  efficazmente  para  lhe  dar 
um  conhecimento  mais  intimo  da  grammatica.  Desejamos  que 
o  exemplo  dado  pelo  illustre  professor  tenha  frequentes  imita- 
tadores  entre  os  seus  collegas.  Ha  algumas  erratas,  sobretudo 
nas  citações  de  Madvig,  mas  de  certo  desapparecerão  n^uma 
nova  edição.  Agradecemos  finalmente  o  serviço  qúe  o  illustre 
professor  prestou  ás  escholas,  e  rogamos  que  não  iios  taça 
perar  por  muito  tempo  pela  promettida  edição  de  Virgílio. 

J.  Eduakd  von  Hafb. 


EXTRACTO  DO  NOSSO  ARGHIVO 

(OoBtbiaaçio,  t.  toI.  n,  p«f  .  100) 

3  de  fevereiro  —  Reunião  ordinária  do  conselho  sdentiãco. 
Apresentação  do  manifesto  ao  publico  para  a  elevação  do  mo- 
numento do  infante  D.  Henrique. 

4  de  fevereiro.  —  Inauguração  da  escola  de  desenho  e  aio- 
delação. 

11  de  fevereiro.  —  !.*  reunião  da  assembléa  geral  para 
discussão  da  reforma  dos  Estatutos. 

1 5  de  fevereiro.  —  Reunião  ordinária  do  conselho  scienti- 
fico.  Discussão  da  proposta  do  snr.  Moreira  de  Sousa,  relativa 
á  Reforma  da  instrucção  secundaria,  (continuação). 

24  de  fevereiro.  —  Reunião  da  commissão  especial  de  oa« 

rivesaria. 

Dos  trabalhos  da  sociedade,  ou  da  sua  iniciativa,  du- 


149 


rante  o  mez  de  fevereiro,  ha  a  especialisar  a  inauguração  da 
'  escola  de  desenho  e  modelaqfto,  com  applicaçSo  ás  industrias 
cerâmicas,  e  a  reunião  e  deliberação  da  commissão  de  ouri- 
vesaria. 

Por  occasião  da  exposição  cerâmica  o  congresso  de  donos 
de  fabricas  de  olaria,  reunido  por  iniciativa  da  sociedade,  deli- . 
berara  instituir  uma  aula  de  estudo  profissional,  prestando-se  o 
snr.  António  Almeida  da  Costa,  um  dos  donos  da  fabrica  das 
Devezas,  a  ceder  casa  p^ra  a  aula,  offerecendo-se  o  sócio  da 
mesma,  o  distincto  escuiptor  José  Teixeira  Lopes,  para  professor 
da  nova  aula.  Procedeu-se  rapidamente  á  applicação  de  uma  das 
casas,  dependente  da  fabrica,  convertendo-a  em  escola ;  estabe- 
leceramse  estantes  aos  lados,  ao  longo  das  paredes  e  ao  centro; 
as  paredes  revestiram-se  de  modelos,  representando  o  que  ha  de 
mais  selecto  na  historia  da  arte:  uma  aula  mode&ta,  mas  gran- 
diosa pelo  fim  a  que  se  destina  e  é  de  esperar  dê  grandes  resulta- 
dos práticos.  A  inauguração  effectuou  se  no  dia  4,  presidindo  á 
cerimonia  o  snr.  Joaquim  de  Vasconcellos,  tendo  por  secretários 
o  snr.  Administrador  do  concelho  o  bacharel  António  Joaquim 
dos  Reis  Castro  Portugal,  e  o  vice -secretario  geral  da  Sociedade 
Tito  de  Noronha,  estando  presentes  algumas  senhoras,  alguns  só- 
cios, membros  da  imprensa,  um  camarista,  diversos  membros  do 
congresso,  vários  indivíduos  da  localidade  e  operários  obreiros 
de  diversas  fabricas.  O  snr.  presidente  explicou  os  fins  benéficos 
que  á  industria  cerâmica  podem  advir  da  nova  instituição,  pondo 
em  relevo  a  decadência  da  industria  por  falta  do  estudo  profis- 
sional; historiou  os  esforços  feitos  pela  Sociedade  de  Instrucção, 
lembrando  a  conveniência  de  se  exporem,  periodicamente,  os 
estudos  dos  alumnos  da  escola,  como  galardão  dos  que  me- 
lhor applicação  mostrarem  e  incentivo  para  todos,  e  affirmou 
ainda  que  áquelles  se  devem  conceder  prémios,  para  o  que  a 
Sociedade  não  deixará  de  concorrer,  não  porque  lhe  superabun* 
dem  os  meios,  mas  porque  se  não  recusa  a  esforçar-se  para 
concorrer,  tanto  quanto  poder,  para  o  desenvolvimento  d'esta 
utilíssima  instituição.  Ainda  usou  da  palavra  o  snr.  António 
Simões  Lopes,  inspector  de  instrucção  primaria  n'esta  circum- 
scripção  e  nosso  consócio,  o  qual  incitou  os  artistas  ao  estudo 
e  dedicação  pelo  trabalho,  únicos  meios  de  se  elevarem  do  es- 
tado de  decadência  e  atrophia  moral  em  que  £[eralmente  se  en- 
contra esta  classe.  Finda  a  sessão,  os  iodividuos  presentes  as- 
signaram  a  aaa,  inscrípta  no  livro  de  honra  da  Sociedade. 
Poucos  dias  depois  estavam  inscriptos  mais  de  go  operários. 
A  reunião  da  commissão  especial  de  ourivesaria  reuniu -se 


i5o 


sob  a  presidência  do  snr.  dr.  José  Augusto  Corrêa  de  Barros, 
tendo  por  secretários  os  snrs.  Albino  G>utinho  Júnior  e  Joaquim 
de  Vasconcellos.  Leu  se  o  esboço  do  programma*  e  uma  carta  do 
snr.  Simões  d^ Almeida,  secretario  da  Associação  dos  ourives  de 
prata  de  Lisboa,  participando  haverem  os  seus  collegas  oíferecído 
as  salas  da  Associação  á  commissão  do  Porto  para  os  trabalhos 
que  alli  tenha  a  efiectuar,  promptificando-se  ainda  a  Associação 
a  concorrer  com  qualquer  quantia  necessária  para  a  realisação 
doeste  certamen.  A  commissão,  que  recebeu  esta  communicaçSo 
com  summo  prazer,  deliberou  agradecer,  e  convidar  a  Associa- 
ção de  Lisboa  a  eleger  uma  commissão  auxiliar  da  do  Porto. 
Foram  propostas  as  commissões  auxiliares  de  Braga*  Guima- 
rães, Aveiro  e  Coimbra,  pomo  terminal  sul  onde  a  commis- 
são entendeu  que  deve  terminar  a  coUeccionação  dos  objectos 
d^arte  nacional  retrospectiva.  Antes  de  aberta  a  sessão,  o  snr. 
presidente  da  Sociedade,  dr.  José  Fruciuoso  Ayres  de  Gouvêa 
Osório,  informou  estarem  resolvidas  todas  as  duvidas  relativas 
ao  local  onde  se  terá  de  effectuar  a  exposição. 

Na  reunião  ordinária  do  conselho  scientiíico  de  3,  foi  apre- 
sentado pelo  snr.  secretario  geral  o  esboço  para  o  manifesto  ao 
publico  a  propósito  do  monumento  do  infante  D.  Henrique. 

Não  se  discutiu  o  questionário  da  Reforma  da  instmc- 
ção  secundaria  por  não  estar  presente  o  auctor  d^elle,  resol- 
vendo-se,  antes  de  ultimar  os  trabalhos,  que  o  snr.  presidente 
ficasse  encarregado  de  conferenciar  com  as  presidências  da  ex.°^ 
Camará*  Associação  Comniercial  e  Associação  Humanitária, 
visto  que  a  erecção  do  monumento  não  era  uma  manifestação 
privativa  da  Sociedade,  mas  do  paiz,  e  especialmente  do  Porto, 
onde  o  infante-navega dor  nascera. 

O  snr.  secretario  geraU  Joaquim  de  Vasconcellos,  poz  em 
parallelo  os  resultados  pecuniários  que  das  exposições  promo- 
vidas pela  Sociedade  tem  advindo  a  esta  e  á  direcção  do  Palá- 
cio, evidenciando-se  que  a  Sociedade  perdeu,  monetariamente 
fallando,  emquanto  que  o  Palácio  recebeu  integralmente  as  suas 
percentagens. 

O  snr.  Von  Hafe  leu  e  parecer  (v.  pag.  147,  sobre  o  livro 
do  sócio  o  snr.  Júlio  Moreira  Cornelius  Nepus,  edição  annotada; 
parecer  que  foi  approvado  por  unanimidade. 

O  snr.  Von  Hafe  propoz  a  reunião  da  assembléa  geral, 
para  a  apreciação  e  discussão  do  projecto  dos  novos  Estatutos ; 
depois  de  usarem  da  palavra  os  snrs.  presidente,  secretario  ge- 
ral, Tito  de  Noronha  e  Júlio  Moreira,  deliberou-se  convocar  a 
assembléa  para  o  dia  1 1 . 


i5i 


F(>ram  participadas  varias  offertas  dos  snrs.  Paulo  Lau- 
ret«  Sociedade  União  Medica,  dr.  Augusto  Rocha  e  Miguel  de 
Abreu,  exemplar  da  4.*  edição  do  compendio  de  Desenho  linear 
geométrico,  onde  vem  transcripto  o  parecer  que  o  conselho 
scientiíico  deu  sobre  a  edição  do  mesmo  livro.  Jornaes — a  folha 
democrática  de  Gaya^  A  Mocidade  e  o  Jornal  da  Semana  do 
Porto.  Um  numero  do  jornal  Paris,  onde  vem  um  artigo  sobre 
a  questão  do  Congo,  remettido  pela  sociedade  Indo  chiuoise, 
um  numero  do  jornal  de  Londres  Academy,  com  um  artigo 
muito  lisongeiro  para  a  Sociedade,  a  propósito  da  nossa  expo- 
sição de  cerâmica.  O  artigo  vem  assignado  pelo  snr.  Oswald 
Crawford. 

O  snr.  secretario  geral  pediu  licença  por  três  mezes,  ac- 
crescentando  porém  que  trabalhará  sempre  que  poder.  O  snr. 
Presidente,  em  nome  do  Conselho,  agradeceu  ao  snr.  secreta- 
rio geral  os  seus  alevantados  serviços  e  espera  que  o  me>mo 
senhor  continue  a  auxilial-o  nos  seus  trabalhos. 

Sessão  de  1 5  de  fevereiro.  —  Sob  a  presidência  do  snr. 
José  Fructuoso  Ayres  de  Gouvêa,  foram  participadas  oífertas 
dos  snrs.  dr.  Agostinho  António  do  Souto,  Sociedade  Nova 
Euterpe,  Banco  Nacional  Ultramarino,  e  do  snr.  Pereira  Caldas, 
de  Braga. 

Foram  approvados  sócios  os  snrs.  José  Maria  de  Mello 
Monteiro,  dr.  Arthur  Ferreira  de  Macedo,  Frederico  Ayres  de 
Gouvêa,  e  dr.  António  Augusto  de  Carvalho  Monteiro,  de  Lis- 
boa, correspondente. 

Foi  lido  um  officio  di  Camará  Municipal  de  Thomar,  pe- 
dindo para  a  sua  bibhoiheca  a  Revista  da  Sociedade,  resolvendo 
o  Conselho  que  se  lhe  mandasse.  Também  foi  lido,  c  reservado 
para  ulterior  resolução,  um  officio  do  snr.  secretario  geral  da 
Sociedade,  Joaquim  de  Vasconcellos,  a  propósito  do  Proiectj 
de  organisação  do  ensino  technico  com  applicaçã  ás  escolas, 
lembrando  a  conveniência  de  se  imprimir  a  traducção  por  elle 
fdta  e  publicada  na  Revista. 

Antes  da  ordem  da  noite  o  snr.  Joaquim  d^Azevedo  Albu- 
querque pediu  informações  sobre  a  correspondência  entre  a  pre- 
sidência da  Sociedade  e  a  Direcção  do  Palácio  de  Crystal,  in- 
formações que  lhe  foram  dadas  pelo  snr.  presidente ;  o  snr.  Al- 
buquerque não  se  dando  por  satisfeito,  propoz  que  novamente 
SC  oficiasse  á  Direcção  do  Palácio,  usando  ainda  da  palavra  e 
a  propósito  do  incidente,  mais  os  snrs.  Moreira  de  Sousa,  Raws, 
Von  Hafc  e  Tito  de  Noronha. 

Tendo  o  snr.  presidente  de  retirar-se  por  um  motivo  im- 


l52 


previsto,  o  snn  vice-presidente,  JoaQuim  d'Azeveda  e  Albu- 
querque, tomou  a  presidência. 

Foi  approvada  por  unanioúdade  a  proposta  do  sor*  Al- 
buquerque'. 

O  vice-secretario  geral,  Tito  de  Noronha,  panicipou  ha- 
verse  inaugurado  no  dia  4  a  escola  de  desenho  e  modelação 
com  applicação  ás  industrias  cerâmicas. 

Entrando-se  na  ordem  da  noite,  questionário -acerca  da 
instrucção  secundaria,  quesito  n.^  2,  usaram  da  palavra  os  snrs. 
Von  Hafe,  Moreira  de  Sousa  e  Joaquim  de  Albuquerque,  sendo 
votada  a  resposta  ao  quesito,  formulada  pelo  snr.  Moreira  de 
Sousa,  —  que  a  educação  «Deve  abranger  a  cultura  litteraria  e 
scientifíca  de  modo  que  a  relação  do  tempo  exprima  accentisa- 
damente  a  superioridade  que  a  segunda  cultura  tem  sobre  a 
primeira. D 

Ambas  as  sessõe<  terminaram  ás  1 1  horas  da  noite. 

No  dia  II,  sob  a  presidência  do  presidente  da  Sociedade 
o  snr.  dr.  José  Fructuoso  Ayres  de  Gouvêa  e  secretários  os 
snrs.  Joaquim  de  Vasconcellos  e  Tito  de  Noronha,  reuniu 
a  assembleia  geral  para  serem  discutidos  os  novos  Estatutos.  O 
snr.  presidente,  antes  de  encetar  os  trabalhos,  disse  que  o  art. 
12  dos  Estatutos  em  vigor  só  concedia  voto  aos  sócios  funda- 
dores; mas  que  sendo  pelo  novo  projecto  de  Estatutos  esse  di- 
reito concedido  também  nos  outros  sócios,  resolvera  a  mesa 
convidar  para  a  discussão  todos  os  soçios  sem  distincção  de 
classes ;  visto  que  se  tratava  de  reformar  a  lei  orgânica  da  So- 
ciedade a  todos  se  deveria  conceder  o  direito  de  discussão  e 
voto.  Ós  sócios  fundadores  presentes  acceitaram  este  alvitre,  fi- 
cando resolvido  que  todos  os  sócios  podessem  entrar  na  dis- 
cussão da  nova  lei. 

Na  discussão  tomaram  parte  a  mesa,  e  os  snrs.  Joaquina 
de  Azevedo  e  Albuquerqtse,  Eduardo  Augusto  Falcão,  Júlio 
Moreira,  Simões  Lopes,  dr.  António  Maria  de  Senna,  António 
Moreira  Cabral,  Henrique  Kendall,  António  Manoel  Lopes 
Vieira  de  Castro,  dr.  Tibério  Mendes,  rev.  Francisco  José  Pa- 
trício, Duarte  Moreira  de  Sousa,  Fernando  Maia,  dr.  Albano 
de  Mesquita,  Teixeira  Machado,  António  Maria  Kopke,  Almeida ' 
Outeiro  e  Marques  de  Figueiredo. 

A  discussão  foi  mais  demorada  no  §  único  do  artigo  4.%  que 
foi  eliminado,  e  no  §  único  do  artigo  10.®  que  foi  approvado,  bem 
como  todos  os  artigos  antecedentes,  salvo  pequenas  alterações. 

A  reunião  começou  ao  meio  dia  e  terminou  depois  das  5 
horas  da  tarde. 


3.»ANN0 


X  DE  ABRIL  DE  z883 


N.*4 


O  LYCEU  DE  ARTES  E  OFFICIOS 

DO  RIO  DE  JANEIRO 
(OontiBoaçio,  ▼.  p«f .  118) 


III 

Como  começaram  a  funccionar  as  aulas  do  sexo  feminino 
do  lyceu  de  artes  e  officios  do  Rio,  sendo  installados  no  mesmo 
edificio  em  que  funccionam  as  aulas  do  sexo  masculino  ?  Como 
se  movem  e  trabalham  em  boa  ordem  cerca  de  2:000  pessoas : 
1:296  alumnos  do  sexo  masculino,  601  do  sexo  feminino,  e  5o 
professores,  além  dos  empregados  subalternos  ? 

Respondem  a  isso  o  bem  elaborado  estatuto  da  sociedade, 
um  regulamento,  e  um  regimento  do  lyceu,  que  contem  excel- 
lemes  providencias.  Nâo  é  possivel  anaiysar  aqui  essas  medidas, 
que  teem  sido  ampliadas  e  desenvolvidas  nos  últimos  dez  annos. 
Remettemos  o  leitor  para  os  estudos  especiaes  do  snr.  Félix 
Peneira  e  para  os  relatórios  officiaes  do  lyceu  que  demonstram 
com  factos  eloquentes  as  grandes  vantagens  d'esses  capítulos 
complementares.  Mas  ^s  medidas  mais  acertadas,  as  leis  mais 
sabiamente  calculadas,  podem  ficar  sem  effeito,  sem  a  coope- 
ração, e  a  concórdia  de  todos  os  elementos  de  uma  sociedade. 
N'esta  parte  todo  o  elogio  que  se  fizer  á  directoria  do  lyceu  e 
ao  corpo  docente  é  pequeno  e  mesquinho,  e  fica  muito  aquém 
do  que  elles  merecem. 

O  espirito  de  abnegação  que  anima  o  fundador,  o  espi- 
rito de  verdadeira- /mmanfV/o^e  que  lhe  dá  novo  alento  todos  os 
dias,  a  energia  de  acção,  e  a  f é  inquebrantável  n'uma  idéa,  pa- 
rece terem  passado  para  o  corpo  docente,  e  encherem  já  toda 
a  escola,  estabelecendo  aquella  corrente  do  enthusiasmo,  que  cara- 
cterisa  a  obra  dos  grandes  reformadores,  e  que  é  o  preAuqcio 
das  grandes  transformações  sociaes. 

Não  pretendemos  de  modo  algum  exagerar  os  resultados 
obtidos ;  temos  deixado  fallar  as  ci^as,  e  agora  diremos  que  a 
direcção  do  lyceu  tem  perfeito  conhecimento  do  que  falta  exe- 

BXTISTA  DA  SOGIXDADB  DB  INSTRUCQÃO  DO  PORTO.  .  11 


i54 


cutac«  dç.  tQd9^.  M  lacunas  do  eQ3Íxao«  £,i^io  &aQ.;C«^t^, 
a  (iieíhor  garantia  para  o  futuro.  As  propostas  sâo  feitas  nos 
relatórios  com  a  maior  clareza^  quasi  laconicameme.  A  sinceri- 
dade é  evidente  em  todas  as  relações  do  numeroso  pessoal  que 
se  move  dentro  da  escola ;  egual  severidade  para  o  discipulo  e 
para  o  mestre;  as  falias  doeste  são  apontadas  com  o  txmior  es- 
crúpulo (em  um  serviço  gratuito  í)^  quer  seja  nas  aulas,  quer 
nas  congregações ;  os  prémios  são  dados  com  parcimonia ;  to- 
dos os  actos  sâo  publicoa,  e  as  portas  da  casa  estão  abertas, 
indistinctamente  e  gratuitamente  a  todas  as  nacionalidades. 

O  exemplo  vem  "de  cima. 

N^^estas  condições  não  admira  que  a  disciplina  do  lyceu 
seja  exemplar,  e  haja  sido  mantida  sem  rigores  nem  violências. 
O  snr,  F.  Ferreira  cita  prpvas  bem  eloquentes  d^essa  disciplina 
(pag.  29  e  3o  do  opúsculo  O  lyceu  de  artes  e  officios  e  as  au- 
las de  desenho  para  o  sexo  feminino^  Rio,  18S1)- 

fUma  visita  ao  lyceu  de  artes  e  officios  durante  as  horas 
de  trabalho,  das  6  Vi  ás  10  horas  da  noite,  é  um  dos  espectá- 
culos mais  interessantes  que  o  espirito  philosophico  de  um  pen- 
sador pode  observar. 

«Aquelle  vasto  estabelecimento,  ilIumina<lo  por  centenas  de 
bicos  de  gaz,  onde  para  mais  de  mil  alumno^  bebem  a  largos 
haustos  a  instrucção  artística,  scienriScá  e  litteraria,  semelha-se 
a  uma  enorme  colmeia  regorgitando  de  abelhas,  túmida  de  fa- 
vos, d''onde  apenas  se  escapa  um  zumbir  continuo  e  vago,  que 
é  o  respirar  d'aquellas  centenas  de  pessoas,  ás  quaes  o  regula- 
mento do  lyceu  mal  permitte  algumas  trocas  de  palavras,  de 
alumno  para  alumno,  em  voz  tão  baixa,  que  mal  se  percebe  a 
pequena  distancia. 

cNa  verdade,  uma  das  coisas  mais  dignas  de  apreciar-se 
n^essa  escola  nocturna  é  a  disciplina  que  alli  mantém  na  mais 
restricta  observância  centenas  de  individuos  de  tão  diversas  pro- 
cedências». 

Se  a  influencia  moral  que  semilhante  espectáculo,  repetido 
todos  os  dias,  exerce  n'uma  grande  cidade  é  incalculável,  o  que 
será  quando  o  lyceu  tiver  montado  as  suas  oficinas,  que  a  es- 
tas horas  talvez  este^m  já  a  funccionar? 

A  concessão  do  antigo  edifício  da  typographia  nacional 
foi  feita  expressamente  para  a  montagem  das  officinas  que  o 
regulamento  antigo  do  lyceu  já  pedia  no  artigo  10,  capitulo  iit 
Dos  Estudos. 

D'ahi  em  diante  as  reclamações  a  favor  das  offidnas  tor- 
nam-se  cada  vez  mais  instantes,  obtem-se  o  edifício  citado,  mas 


i55 


faltate  os  nieió^  pára  a  reconstracçSo,  compra  de  instrumentos  e 
machinas:  uns  ^6  cotítos^  qiie  ao  Jornal  dó  Commercio  do  líio 
parecem  facds  de  obtef»  E  recomeça  a  campanha)  toda  a  im^ 
prensa  se  move  e  agita;  trata-se  da  creação  das  ófficinas^  que 
são  o  futuro  do  estabelecimeatô. 

«Bastaria  o  lyceu  poder,  ao  menos,  montar  umas  bÉct- 
nás  de  esquadria  (carpintaria)  de  gravura  em  madeira,  fundi- 
ção de  typos  e  encadernação,  mandando  vir  da  Europa,  ou  do$ 
Estados  Unidos,  mestres  competentemente  habilitados  nas  três 
ultimas  profissões,  para  dentro  em  pouco  tirar  do  producto  d'es- 
sas  oficinas  o  necessário,  não  só  para  a  manutenção  de  todo  o 
estabelecimento,  como  até  para  o  augmento  progressivo  da  parte 
pratica,  creando  proporcionalmente  outras  officínas  de  eguaes 
resultados,  taes  como:  de  fundição  de  machinas,  de  marcena* 
ria,  esculptura  em  madeira  e  gesso,  pintura  de  ornato<^,  impres- 
são typographica  e  lythographica,  de  chromos,  etc.  (O  Lyceu^ 
1881,  pag.  3i),» 

O  plano  para  o  desenvolvimento  da  secção  destinada  ao 
sexo  feminino  não  é  menos  vasto : 

cVenham  pois,  e  quanto  antes,  as  aulas  de  desenho  de 
ornatos,  de  figura,  de  dores  e  de  animaes,  de  noções  de  botâ- 
nica e  de  anatomia  para  o  sexo  feminino.  Ensine-se  á  mulher 
a  trabalhar,  não  esse  trabalho  commum  de  costura,  de  cro- 
chet  e  de  bordado  grosseiro;  mas  d^essas  artes  nobres  e  eleva- 
das que  inspiram  e  engrandecem.  E  seja  o  lyceu  de  artes  e  of- 
ficios  que  descortine  essa  nova  senda  de  prosperidade  para  o 
paiz.  Para  a  realisação  doesta  idéa  de  que  se  precisa?  Apenas 
de  uns  cincoenta  ou  sessenta  contos,  talvez?  Pois  é  isto  quan- 
tia que  se  não  pos3a  obter  das  almas  grandes  e  generosas,  que 
toilos  os  dias  estão  dando  exemplos  de  amor  á  caridade  e  á  re- 
ligião, com  avuhados  donativos  para  egrejas  e  hospitaes? 

tNão  é  menor  obra  de  misericórdia  —  ensinar  os  igno- 
rantes— ,  e  os  donativos  ao  lyceu  não  só  preenchem  esse  fim, 
como  concorrem  para  o  progresso  e  aperfeiçoamento  das  artes 
industriaes,  fontes  inexhauriveis  de  riqueza,  que  entre  nós  jazem 
inexploradas».  {Ibid,  p.  47). 

A'  parte  o  que  o  autor,  snr.  F.  Ferreira,  diz  dos  traba- 
lhos de  agulha,  e  que  elle  applica  talvez  só  ao  abuso  praticado 
com  esse  instrumento,  ao  dressage  da  mulher  para  esse  fim  ex- 
clusivo, não  podemos  deixar  de  applaudir  as  suas  idéas.  Elle 
diz,  mais  atraz,  no  mesmo  opúsculo : 

«A  mulher,  no  Brazil,  principalmente  nas  grandes  cida- 
des, só  sabe  governar  a  casa,  quando  a  governa;  desoccupada 


i56 

-o  -  -         ,».,,'  ^        * ■        ■   ■    .    .       ■■-        

iDteiraipieQtc».  oão  podendo,  muitas  vezes,  dar  conta  de  traba- 
lhos pesados  por  falta  de  robustez  e  mesmo  de  saúde,  sobrecar- 
regando, por  isso  mesmo,  o  marido  com  o  aluguel  de  uma  aia- 
/da,  apenas  resta-lbe  a  costura  vulgar,  da  qual  tira  bem  mes- 
fiuínhos  proveitos,  e,  ainda  assim,  nem  sempre  encontrando 
para  quem  trabalhe»  (pag.  37}. 

Depois  passa  em  revista  as  occupações  que  poderiam  dar 
pão  ás  mulheres  no  Brazil,  mas  qualquer  d'ellas  exige  o  empre- 
go de  desenho,  e  quem  sabe  desenho?  quem  cuida  d'isso?  São 
outras  tantas  perguntas  que  podian:os  repetir  em  Portugal.  Es- 
tamos surdos  e  cegos,  verdadeiramente  cegos,  a  reformar  aca- 
demias, que  andam  ha  cincoenta  annos,  desde  a  sua  fundação, 
á  volta  d'esse  problema,  em  circulo  vicioso,  sem  nunca  o  re- 
solverem. 

O  snr.  Rozendo  Moniz,  dizia  no  seu  discurso  inaugural 
das  aulas  do  sexo  femenino: 

cHa  vinte  e  cinco  annos  (isto  é  em  i856)  que  da  altura 
da  sua  competência  artistica  disse  o  illustrado  Porto  Alegre : 

«Os  espíritos  vulgares  consideram  o  desenho  como  arte 
de  luxo,  ou  passatempo  agradável ;  porém  os  homens  que  pen- 
sam» as  intelligencias  superiores,  o  encaram  como  uma  necessi- 
dade para  a  civilisâqão,  porque  elle  é  uma  revelação  do  pensa- 
mento, a  escripta  universal  da  linguagem  das  formas»  {Inaugu- 
ração, etc»  p.  26). 

Pois  doze  annos  antes  (1844)  doestas  phrases  de  Porto- 
Alegre,  já  Raczynski  dizia  a  respeito  da  academia  de  Bellas-ar- 
tes  de  Lisboa  (que  elle  conhecia  tão  bem  I): 

cSe  eu  tivesse  de  propor  os  meios  para  levantar  as  artes 
em  Portugal,  do  seu  abatimento,  recommendaria  simplesmente 
o  seguinte :  Na  academia,  que  deveria  chamar-se  escola  de  de- 
senho;  ensinar-se-hia  o  desenhem  {Les  c/lrts,  pagina  260.) 

Passaram  depois  d^isto  quasi  quarenta  annos,  gastos-^no 
que  ahi  se  vê. 

Concluiremos  com  algumas  palavras  a  respeito  da  parte 
do  edifício  que  foi  destinada  ao  sexo  feminino.  Apesar  da  área 
ser  considerável,  é  impossível  a  frequência  diária  de  todas  as 
alumnas  matriculadas,  que  são  divididas  em  dois  turnos,  em  dias 
alternados.  A  entrada  no  edifício  é  separada,  e  os  trabalhos  es- 
colares executanv-se  com  perfeita  independência  para  os  dois 
sexos. 

Primeiramente  encontrannos  um  pateo  de  entrada  de  35 
metros  quadrados,  depois  \tmà  sala  de  49  metros  quadrados, 
que  é  destinada  ás  senhoras  que  acompanham  as  alumnas.  Se- 


i57 


goe-se  a  sala  de  musica,  medindo  g8  metros  quadrados,  com 
capacidade  para  .lao  alumnas;  depois  ha  duas.  salas^  de  3i^  e 
outra  de  43  metros  quadrado!^  para  as  aulas  de  gr^ttfn^k^tíi;^^ 
arithmetica.  Ha  ainda  em  outra  direcção  a  aula|  áé^ííòi^Aigíièiz 
còoí  89  metros  quadrado^,  a  aula  de  desenho  pát^ál*cò^^<fò 
gesso  com  3g  metros  quadrados  e,  finalmente,  a  gi^arme^  aátá 
de  desenho  efementar  disposta  em  trez  salas,  que  teeÁi  '^de'  áíijá 
z^  metros  quadrados,  com  capacidade  para  Soo  alutiltiàs^^^i 
]  A  disposição  gerai  das  salas,  corredores,  etc,  apropria- 
díssima, é  obra  do  fundador  e  architecto,  snr.  Bettencourt'  ák 
Silva.  Entradas  e  saídas,  tudo  está  regulado.  Todas  as  sala^^ 
quer  de  espera  (iamos  esquecendo  a  dos  homens  com  42  me- 
tros quadrados),  quer  de  aulas,  são  servidas  de  reservados  è 
toiUties,  de  modo  que  âs  alumnas  nâo. precisam  passar  de  uma 
a  outra  sala.  A  mobilia  foi  construída  expressamente  e  obedece 
a  todos  os  preceitos  da  sciencia ;  foi  presente  dos  beOfifeitòres, 
assim  como  as  pastas  da  aula  de  desenho,  o  harmonium  da 
sala  de  musica^  etc.  A  ornamentação  é  modesta,  mas  significai- 
tiva,  dísticos  e  sentenças  poéticas,  máximas  moraes,  retratos  de 
bemfeítores,  incluindo  a  família  imperial,  que  nunca  abandonou 
o  fundador  na  sua  campanha  de  vinte  e  cinco  annos.  O  impe- 
rador é  visita  regular  do  lyceu;  apparece  sem  ninguém  estar 
prevenido,  senta-se  em  um  banco,  ouve  uma,  duas  lições  e 
sae  com  um  simples  aperto  de  mão  ao  professor,  sem  ceremo- 
Dia,  como  entrou.  O  snr.  Bettencourt  da  Silva,  falla-lhe  n^uma 
linguagem  que  honra  em  extremo,  e  por  egual,  o  cidadão  cora- 
joso e  o  chefe  do  estado. 

O  seu  discurso  de  3i  de  janeiro  de  1880  diante  da  corte 
—  duas  paginas  e  meia  —  é  simplesmente  admirável;  a  phrase 
é  singela,  clara  e  eloquente,  mas  por  entre  as  linhas  transpare* 
ce  a  profunda  commoção  do  orador,  que  dias  antes  acabava 
de  dar  a  demissão  do  seu  cargo.  A  resposta  do  snr.  Noronha 
Feital  e  o  protesto  em  nome  do  corpo  docente  contra  a  demis-* 
são  do  querido  director,  lido  também  diante  do  imperador  e^  do 
ministério,  que  a  havia  provocado  com  as  suas  ipprudencías, 
é  mais  uma  clara  prova  da  independência  de  caraaer  das  pes- 
soas que  dirigem  o  lyceii.  Nada  de  feMchismo,  nada  de  ambi- 
guidades. 

Trinta  e  sete  professores  desaggravam-se  perante  o  impe- 
rador de  uma  iniustiça  commettida  pelo  ministério  contra  o  hr- 
ceu  —  e  o  ministério,  reconhecendo  o  erro,  não  só  o  emenda, 
roas  augmeota  a  dotação  do  lyceu  em  5o  por  cento.  E  toda  esta 
scena  passa-se  n^uma  sesslo  magna,  diante  do  próprio  ministe* 


»i58 


rio,  da  corte,  e  da  melbor  sociedade  do  Rio  de  Janeira  Se  isto 
succede^se  entre  nós,  que  enorme  escândalo! 

ff  A  sociedade  propagadora'  das  beilas  artes  do  Rio  de  Ja- 
neiro sabe  que  ante  o  throno  de  vossa  magestade  iniperial  se 
tem  curvado  muitas  vezes  a  hypocrisia  e  a  adulação,  para,  na 
baixeza  do. vilipendio,  beijar  a  mio  de  que  espera  o  beneficio; 
mas  sabe  também  que  vossa  magestade,  inteliigente,  como  é, 
saberá  distinguir  d^es^a  miséria  a  veneração  e  o  respeito,  o 
amor  e  o  sacrifício  que  ihe  rendem  os  homens  livres  que  a 
constituem  e  representam,  operários  e  artistas,  que,  em  qual- 
quer parte  do  mundo,  aqui  ou  aili,  podem  encontrar  o  largo 
chão  onde  lavrem  e  recolham  a  succulenta  messe  do  pão  quo- 
tidiano» (Bettencourt  da  Silva,  discurso  cit.) 

Devemos  concluir,  evidentemente,  que  n^este  homem  o  ca- 
racter esta  á  altura  do  talento,  da  energia  e  da  acção. 

Com  semelhante  director  o  lycen  imperial  de  artes  e  of- 
ficios  irá  até  onde  quizer  ir;  e  da  sociedade  propagadora  de 
beilas  artes,  fundadora  d^^esse  lyceu,  dirá  a  historia:  que  ella 
honrou  a  pátria. 

IV 

Depois  da  longa  exposição  que  fizemos  antecedentemeote> 
dos  serviços  prestados  pelo  fundador^  seria  injustiça  não  recor- 
dar os  nomes  das  pessoas  que  mais  eficazmente  teem  auxiliado 
o  snr.  Bettencourt  da  Silva,  na  sua  longa  campanha  de  25  an- 
nos,  a  favor  da  sociedade  propagadora  de  bellas-artes  e  da  sua 
escola. 

Por  maior  que  seja  a  energia  de  um  reformador,  por 
maior  que  seja  a  sua  independência  e  força  de  caracter^^  náo 
pôde,  comtudo  fugir  á  acção  do  meio  social;  e  esse  meio  favo- 
receu-o. 

O  exemplo  vem  de  cima,  já  o  dissemos,  e  repeumol-o.  O 
imperador  tem  nos  essumptos  da  sociedade  propagadora,  nas 
questões  do  lyceu  de  artes  e  officios  opinião  própria ;  vê  e  jul- 
g4  do  que  vê;  não  se  fia  de  informações,  quer  convencer-se 
e  trabalha  para  isso.  Não  se  coniqnta  com  repetir  os  togares 
communs,  que  tal  ou  tal  ministro  lhe  estende  diante  dos  otbos 
na  véspera  de  um  discurso ;  vae  ás  lições  da  escola,  como  em 
tempos  ia  el*rei  D.  Pedro  v  ás  lições  do  Curso  superior  de  letras, 
e  senta -se  no  banco  dos  discípulo^. 

A  princesa  imperial  tomou  parte  activa  na^foiídação  das 
aulas  para  o  sexo  feminino^  parte  muito:  sa^púiey  sêguadp  affir- 


'i59 


ma  a  Gaveta  dct^  Tarde^  do  Rio  (A  Imprensa^  pag*  4?].  Apçsar 
das  tendências  ultraipontana»',  que  alguns  attribuepi  a  essa  se- 
nhora, foi  cUa  qt)€in  mais  ajudou  na.  tundaqSo  do  futuro  lyceu 
para  mulheres^  plantado  e  inaugurado  no  curto  peripdo  de  sm 

Um  alliado  de  primeira  ordem  encontrou  o  fundador  na 
imprej^sa  do  Rio,  como  já  dissemos;  na  questão  da  creação 
das  aulas  para  o  sexo^  feminino  disdnguiu-se  principalmente  a 
Ga:itta  de  Noticias^  onde  mais  de  4ima  penna  elegante  tra- 
çou com  enthusiasmo  o  elogio  de  Bettencourt  da  Silva  e  dos 
iUustres  professores  que  o  acompanham  com  tanta  abnega- 
ção (snr.  Guimarães  Júnior).  E'  de  justiça  citar  porém  os  ou- 
tros jornaes :  o  Jornal  do  Commercio,  o  Cruieiro^  a  Gaveta  da 
Taráey  o  Diário  Qfficial,  a  Estação,  o  Globo,  a  Revista  Illus- 
trada^  etc.  etc. 

Depois  do  fundador,  temos  de  mendonar  os  seus  colle- 
gas  na  direcção  da  sociedade  propagadora :  o  presidente,  sena- 
dor Euzebio  de  Queiroz  Mattoso  Camará,  fallecido;  o  dr.  Do- 
mingos Jacy  Monteiro,  1.^  vice-presidente;  o  conselheiro  Zaca- 
rias de  Góes  e  Vasconcellos,  successor  da  Gamara ;  os  quatro 
ou  cinco  ministros  que  citámos  nas  revistas  anteriores ;  os  dois 
secretários  do  lyceu  snr.  Barros  e  Quirino;  os  dois  secretários 
da  sociedade  propagadora ;  o  seu  tbesoureiro  snr.  Roberto  Dun- 
lop,  etc.  etc,  emám,  um  grande  numero  de  bemfeitores  da  clas- 
se commerdal  do  Rio  de  Janeiro. 

Diga-se,  ãoalmente,  que  tanto  a  sociedade  propagadora 
de  Bdlas-Artes,  como  o  Lyceu  de  artes  e  officios  tem  guardado 
a  mais  absoluta  reserva  em  assumptos  políticos,  abstendo-se  de 
tomar  pane  nas  discussões  e  nos  interesses  dos  partidos,  que 
teem  perturbado  mais  de  uma  vez,  profundamente,  a  marcha 
dos  negócios  do  império» 

Uma  instituição  que  está  em  contacto  diário  e  íntimo 
com  centenas  de  operários,  cairia  no  caos^  e  cavaria  rapida- 
inente  a  sua  ruína,  envoivendo-se  em  questões  politicas,  que  di- 
videm immediatamente  as  forças  e  semeiam  a  disco^-dia  por  toda 
a  parte.  As  pesooas  que  main  eloquentemente  teem  defendido  os 
ioteresses  da  sociedade  propagadora  e  do  Lyceu,  são  exacta- 
mente as  mesmas  que  accentuano,  com  maior  energia,  a  impor- 
tância £a  pitai  das.  reformas  pedagO|.ictas,  em  opposição  áqueQes 
que  sá  vêem,  q  salvaterio  do  paiz  n#  rbetorica  parlamentar,  e 
nas  reformas  politicas  de  que  essa,  rlietorica  ,está  sempre  prenhe. 
o!.  «Haiiccsicamínhos  que- conduzem  á  felicidade  domestica, 
da  q(íaAj|fiat9[>jdqfíndeia.^aadefa  de  uioii  i^açãoj  três.  grandes 


l  '460 


entradas,  qaasi  inoakns  eatre  úós,  mal  trilhadas  pct*  uHs  e  igno- 
radas por  muitos ;  esses  três  caminhos  são  os  que  ooodusem  i 
*^  escola -^á  officma — e  á  caixa  ecotíoorica. 

cEnstnae  a  criança  a  ler,  ao  adolescente  a  trabalhar  e  ao 
mancebo  a  economisar,  e  tereis  formado  am  cidadão  «til  a  si, 
i  família  e  á  pátria. 

c Debalde  tentareis  inculcar  idéas  novas  em  um  povo  igno- 
rante, debalde  procurareis,  com  flores  de  rhetorica,  levadlar  do 
abatimento  em  que  infelizmente  jaz  uma  grande  nacionalidade ; 
antes  de  creardes  e  preparardes  uma  geração  de  homens  ins- 
truídos, laboriosos  e  económicos^  nada  conseguireis. 

«O  que  pretendeis  obter  de  um  povo,  cujos  filhos  só  as- 

Eiram  a  emprqgos  públicos,  isto  é,  o  trabalho  methodisado  pela 
ora  do  ponto,  e  quasi  sem  estímulos,  o  ordenado  fixado  pelo 
pagamento  mensal,  seja  pouco  ou  muito  o  serviço,  e  a  aposen- 
tadoria contada  pelos  dias  de  comparecimento  á  repartição? 

«Como  quereis  chamar  para  a  lucta  honriens  que  nunca 
luctaram,  cujas  difficuldades  vencidas  consistiram  na  obtenção 
das  cartas  de  empenho,  cujos  grandes  embates  se  cifram  nos 
indeferidos  dos  ministros  ?  Não,  não  são  esses  os  homens  de 
que  careceis  para  as  grandes  reformas  que  meditaes,  não  são 
esses  os  legionários  que  hão' de  fazer  as  gloriosas  conquistas  a 
que  aspiraes»  (Snr.  Feliz  Ferreira,  O  Lyceu,  etc.  1881  pag.  45J. 

A  convicção  que  se  traduz  n^estas  palavras  do  historiador 
do  lyceu  é  geral  no  corpo  docente.  Em  uma  publicação  official, 
do  lyceu,  que  commemora  especialmente  a  inauguração  das  au- 
las para  o  sexo  feminino,  diz  se  o  seguinte,  depois  de  se  haver 
fallado  das  reformas  da  ordem  moral  e  intellectual. 

cPara  tanto,  porém,  não  basta  o  açodamento  vertiginoso 
de  reformas  politicas  e  administrativas,  culturas  precárias  em 
terreno  mal  disposto,  edificações  colossaes  em  mesquinhos  ali- 
cerces. De  que  serve  o  direito  do  suffra^o,*  sem  a  independên- 
cia das  classes  ? 

cOnde  haverá  classes  independentes  sem  a  equitativa  or- 
ganisação  do  trabalho  ?  Antes  de  tudo,  governo  e  povo  se  al- 
fiem  para  debellar  a  ignorância  e  a  miséria,  os  dois  tjrrannos 
que,  na  phrase  incisiva  de  Laboul^ye,  tem  produzido  todos  os 
outros  tyrannos  da  humanidade.  Para  que  seja  completa  a  vi- 
ctoria,  distribua-se  indistínctairente  o  pão  do  espirito  per  am- 
bos os  sexos,  dividíndo-se  o  trabalho  conforme  a  apadão  de 
cada  um. 

tNão  se  illumine  o  cérebro  sem  que  se  forme  <o  coração ; 
eosíne-se  a  mulher  a  sentir  e  o  homem  a  pensar;  esié  instrua  e 


f^t 


'3a6i 


acudia  edoiqae».  (Snr.  Rozeddo  Maniz^im  noaie  da  SòciedAde 
I^opamdora). 

Estas  palavraa  tiveram  écco  sympatico  na  ass^nbléa: 
aear  homens,  educar  cidadãos ,  formar  cearacteres,  porque  o  ca- 
racter é  fdtura  da  educat^So  (Ibid.  p^.  59). 

Em  quanto  o  lyceu  de  artes  e  officios  continuar  no  respeito 
doestas  doutrinas,  alheio  ás  tentações  da  politica  e  cuidando  ex- 
clusivamente da  educação  do  homem  e  dia  mulher  ignorante-— 
para  fazer  d^elle  um  operário  instruído  e  morígerado,  e  d^lla 
oma  companheira  segura,  um  alliado  no  trabalho  domestico,  e 
na  luaa  da  vida  externa  — ;  em  quanto  o  lyceu  persistir  n'este 
caminho  que  o  tem  levado  ao  grau  de  prosperidade  em  que  se 
acha,  não  haverá  a  receiar  nada  do  futuro.  Crises  passageiras 
soffrem-n^as  qs  instituições  mais  seguras.  A  questão  grave  é  a 
dos  princípios,  a  questão  da  convicção,  e  a  questão  do  methodo. 
Ha  ou  não  caracter  nos  individbos  que  dirigem  um  estabeleci- 
mento de  educação?  Ha  ou  não  sciencia  segura  e  clara  nos  pla- 
nos de  estudo  ? 

Ha  ou  não  imo^.ediata  relação  com  a  vida  pratica,  com 
as  neces^dadea  do  meio  social  ? 

Se  a  critica  quizesse  responder  imparcialmente,  desassom- 
bradamente, a  estas  perguntas  a  propósito  de  uma  serie  de  ins- 
tituições que  reclamam  do  orçamento  do  estado  pesados  tribu- 
tos para  differentes  ramos  do  ensino  publico,  haveríamos  de 
ouvir  sentenças  severas.  Em  parte,  ellas  já  foram  traçadas  e 
documentadas. 

A  opinião  publica  vae  pedindo  contas,  á  proporção  que 
a  critica  vae  desfazendo  os  mythos.  Nós  estamos  aqoi  n^este 
logar  tomando  uma  pequena  parte  na  árdua  tarefa,  por  isso  te- 
mos insistido  n'esta  questão  do  lyceu  de  artes  e  officios  do  Rio, 
fundado  por  uma  sociedade  particular. 

O  Brazil  multiplica  os  ensaios. 

Temos  conhecimento  de  um  outro  lyceu  em  Pernambuco, 
que  vae  seguindo  o  grande  modelo  da  capital.  Outras  terras  se 
apromptam,  seguindo  as  indicações  do  snr.  Bettencourt  da  Silva, 
que  já  em  fevereiro  de  1880  reclamava,  mesmo  na  capital,^a 
oi^nisaçSo  de  novos  cursos,  em  face  da  excessiva  accumolação 
de  ahitnnos  no  lyceu;  era  evidentemente,  diida  elle  ha- três  an- 
no6)  a  neceasidaxie  da  creação  de  mais  estabelecimentos  de  ins- 
trocçSo  profis^onal,  os  quaes,  embora  não  tenham  a  complexi- 
dade de  aulas  que  possue  o  lyceu,  ensinem  ao  menos  o  desenho 
indastrial  fe  a^eomefria  appltcada  ás  anes  ateis.  > 

'  .  N6s  coatitii^aQOS  de*  braços  crusados  diame  d'esta  trans" 


íG2 


fonna^&>,  cujjos  effekos  já  se  fazem  sentir  em  Portugal  Confia- 
mos sempre  que  os  nossos  irmãos  de  além^^mar  não  deixarão 
de  adquirir,  por  mero  patriotismo,  os  productos  portuguezes, 
embora  elles  se  apresentem  em  condições  inferiores  diante  de 
um  publico  que  começa  a  abrir  os  olhof. 

Nós  acabámos  em  i852  com  uma  instituição  similhanteá 
do  Rio.  Cá  chamava-se  Conservatório  das  oArtes  e  OJícias. 
Viveu  uns  dezesseis  annos,  de  1 836-1 852,  e  ninguém  deu  por 
tal.  Nin^euem  soube  o  que  havia  de  fazer  com  isso.  A  própria 
gente  official  que  o  creou  foi  a  mesma  gente  que  o  sepultou, 
cobrindo-o  ainda  em  cima  de  ridículo.  Succedeu  isto  em  Lis- 
boa. A  mesma  scena  foi  repetida  no  Porto  com  o  Conservató- 
rio Portuense  de  Artes  e  OJicios  (iSSy);  novo  enterro  e  novo 
ridículo. 

Uma  commíssão  official  dizia  em  i858  do  conservatório 
de  Lisboa :  instituição  esta  que  nunca  chegou  a  ser  uma  rea* 
lidade». 

Que  tal?  Os  orçamentos  do  Estado  de  i8^-i852  affir- 
mam  o  contrario,  sob  o  ponto  de  vista  dos  gastos. 

A'  mesma  voz  official,  que  negava  em  i858  a  vida  á 
criança,  e  até  o  nascimento,  veiu  juntar-se  no  mesmo  anno,  ou- 
tra voz  official,  que  dizia  o  seguinte : 

cO  Conservatório  das  Artes  e  Officíos  apenas  teve  um 
simulacro  de  existência.  O  artista  Gaspar  José  Marques,  que 
foi  nomeado  seu  director,  além  de  ser  então  homem  muito  já 
quebrado  de  forças,  para  poder  organisar  um  estabelecimento 
doesta  ordem,  carecia,  apesar  da  sua  aptidão  especial  (sic  Ii?)^ 
dos  conhecimentos  indispensáveis  para  lhe  dar  o  impulso  mais 
conveniente.  Quando  o  governo  mandou  annexar  este  estabele- 
cimento á  Escola  Polytechnica,  encontraram-se  algumas  machí- 
nas  quebradas,  sem  nenhum  valor  intrínseco  ou  artistico.  Foi  o 

3ue  se  obteve  das  promessas  do  relatório  que  procede  o  decreto 
a  sua  creação,  quando  affirma  que  se  vae  erigir  um  monu- 
mento de  duradoura  gloria  para  o  reinado  de  S.  M.,  pelos  in- 
calculáveis interesses,  que  d'elle  provirão  á  nação»  (Silvestre  Ri- 
beiro, Historia  dos  estabelecimento»  scieníif.  voL  iv,  pag»  38&>) 
Manuel  da  Silva  Passos  fundou  os  dois  Conservatórios 
de  artes  e  officios  de  Lii^boa  e  Porto  decerto  com  a  mesma 
convicção  sincera  e  honrada  com  que  recommendára  a  creaçlo 
das  duas  Academias  de  Bellas  cartes.  Vieram  os  instrumentos, 
os  homens  e  estragaram  tudo.  Depois  de  dezeseis  annoSv^hou- 
se  apenas  um  grande  rombo  no  thesouro  t  ãlqumas  machinas 
quebradas.  A  Commisião  ofikial  de  inquérito  diz  «qtie  scfidga 


4B3 


*  ^fMsnsada^  (sic)  de  recordar  a  tmte  hisiorfa  doeste  estabdeoi- 
mento» .  • .  Pedra  em  tudo,  e  sempre  mysterba  1 

Que  cutpa  tinha  Passos  Manoel  doesta  vergonhosa  derrota 
Ae  d^esseís  annos?  A  linguagem  pomposa  do  relatório,  que 
precedia  o  decreto  da  fondação,  era  a  expressão  de.  am;  idea- 
lismo que  dourou  a  existência  de  um  dos  maiores  patriotas ;  e 
este  homem  foi  em  tudo  um  modelo  de  abnegação,  de  sinceri- 
dade 6  de  trabalho. 

«O  que  faltou  ao  fundador  do  conservatório  foi  o  tncon- 

tfar  um  homem  de  prestigio,  dotado  de  energia  bastante,  para 

▼encer  a  inconstância  e  a  impaciência  dos  seus  compatriotas, 

-e  capaz  de. tomar  em  realidade  um  pensamento  civilisador.» 

(Sor.  Silvestre  Ribtiro  vol.  vi,  p.  386J 

Estamos  perfeitamente  de  accordo  com  o  illustre  escríptor: 
btHive  uma  idéa,  mas  faltaram  os  homens  para  a  executarem  de 
um^  maneira  condigna. 

E  queiram  dizer-nos:  depois  de  mudarem  o  rotulo,  de- 
pois de  fazerem  dk  dois  Conservatórios  de  artes  e  ojfficios  dois 
Institutos  indusiriaes^  acaso  conseguiram  crear  um  bom  ensino 
profissional,  uma  geração  de  operários  instruídos,  de  luctadores 
valentes  contra  a  invasão- de  productos  estrangeiros  que  atulham 
as  nossas  alfandegas  ? 

Terenx»  de  voltar  atraz,  como  em  1862,  depois  de  terem 
passado  novamente  mais  trinta  annos,  sobre  os  dezeseis  que  ha- 
víamos então  perdido  ? 

Teremos  de  mndar  outra  vez  o  rotulo  ? 

Parece  que  sim. 

Joaquim  de  Vasconcellos. 


P.  S.  —  Para  as  pessoas  que  queiram  ínformar*se  mais 
drcomstanciadamente  do  Lyceu  de  artes  e  officios  do  Rio  e  da 
Sociedade  propagadora  de  delias- c/írtes,  pomos  aqui  os  títulos 
das  prindpaes  publicações  que  consultámos: 

i.^  — ®o  ensino  prcjissional — Lyccu   de  artes   e  offi- 

cios  por  Félix  Ferreira,  Rio  de  Janeiro,  1876,  8.*^  de  xiii,  iSy 

pag.  Na  segunda  metade  doeste  volume  encontra  o  leitor  os 

Estatutos  da  sociedade  propagadora,  o  regulamento  e  regimen- 

40  do.Iycen«       .    -  ' 

i  «,<».»^  Do  mesmo  autor.  O  Ijrcea  de  artes  e  officios  e^as 
-^das  de  flesetika  paraio  fe^coj^mi/jno.  Rio.dcXaneiro,  1881, 16.® 


/ 

x64 

r^ 

3.^  —  Guilherme  Bellegarde.  O  lyceu  de  artes  e  officios. 
Rio  de  Janeiro,  1881.  Typogr.  Nac.  8.* 

4.^  —  Po/^â/iMM^MMWMmi^íMdainauguraç^^  das  au- 
las para  o  sexo  feminino  do  imperial  lyceu  de  artes  e  officíos. 
Rio  de  Janeiro  1881,  8.®  gr.  de  1 19  ftfig.  £d^IoJfestiva  de  3oo 
ez.  com  grande  numero  de  collaborador^s. 

5.^ — Inauguração  das  aulas  para  o  sexo  feminino  no 
imperial  lyceu,  etc.  Kio  de  Janeiro  )S8i,  8.^  Pubtkaç&  ofiEi- 
dai  do  lyceu  (60  pag.) 

6.° — A  imprensa  e  o  lyceu ^  etc.  Aulas  para  o  sexo  fe- 
minino. Rio,  i8oi«  gr.  déiv-48-n  pag.  Confimemora  o  25.^  aii- 
niversario  da  instituição  da  Sqciedade  propatfadora  de  Bellas^ 
Artes. 

7.®  e  8.* — Relatórios  do  imperial  lyceu  de  artes  e  of^ 
fidos  apresentados  á  sociedade  propagadora  de  Bellas^Artes. 
Rio,  1879  e  18S0,  8.«  gr.  de  40  e  64  pag.  ^ 

g.® — A  educação  da  mulher.  Notas  coUígidas  dè  vários 
autores,  por  Feiix  Ferreira.  Rio  1881.  Edição  commemorativa 
da  inauguração  das  aulas  do  sexo  feminino. 


CATALOGUE  DES  INSECTES  DU  PORTUGAL 

(OontlnnAçlo,  yld.  pag.  186) 
ChnmB  TBOGOPHLOBUS  HAKNBBHBIX 

627.  T.  menmonlus  Er. 

Pauv,  Faun,  G,  Rh,y  p.  i5i. 

Espinho I,  Monchique!  (C.  v.  Volxem!}. 

628.  T.  oortioinus  Grav. 

Fauv.  Faun.  G,  Rh.^  p.  i53. 

Vizella  I. 

629.  T.  pnnotlpexmls  Eiesw. 

Fauv,  Faun,  G.  AA.,  p.  i56. 

Faro !. 


i65 


Ctanmp  AHOTBOPBOBIIS  XSAAtS 

630.  A.  faun  FauT. 

Fauv.  Fatm.  G.  Rh.,  Caí.  p.  n. 
Porto  f . 

HOMALINI 

QtWMtm  ANTB0PHAQU8  QBAYBSHORffr 

631.  A.  presnstos  Mull. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh,,  p.  ii5. 

Bragança!. 

Qmnm  IiBSTEBA  XiATBBILLB 

632.  L.  longelytrata  Ooeze. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  204. 

Coaunun  au  Douro !,  Guarda  !• 

GnsB  LATHBIMEUM  BBIOHSON 

633.  L.  imioclor  Mars. 

Fauv.  Faun,  G,  Rh,f  p,  gS. 

D'après  Erichson  cette  espèce  qu'il  a  décríte  sous  le  nom 
L.  luteum  appanient  à  la  faune  portuguaise. 

Gbvbb  HOMALIUM  aBAYBNHOBST 

634.  H.  rivulare  Payk. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.,  p.  78. 
Elspinhol,  Leça!. 

635.  H.  oaestun  Grav. 

Fauv.  Faun,  G.  Rh.,  p.  y3. 

Serra  de  Rebordaos!. 


(66 


636.    A.  atmm  Heer. 

Fauv,  Faun.  G,  Rh.,  p.  36. 

Guardai. 

637*    A.  obsoletam  Sr. 

Erichson.  Gen.  et  Sp.  Staph.^  p.  89a. 
D^après  Erichson  il  se  trouve  en  Portugal. 

638.  A.  torquatnm  Marsh. 

Fauv.  Faun.  G.  Rh.^  p*  41. 

Guarda!. 

639.  A.  nlgrloeps  Fauvel. 

Fauv.  Faun.  G.,  TJA.,  p.  41. 
Guarda  1 

PROTINI 

Quaa  PR0TINU8  LATBBILLV 

640.  S.    braohypterus  P. 

Fauv.  Faun.  G.  Wi.,  p.  3i. 

Bussaco !. 

GuTRB  PHLOCOBIUH  ERIOBSON 

641.  o.  aypeatnm  Mali. 

Kraatfjl  Nat.  Ins.  Detif.,  11,  p.  io33. 

Coimbra !. 


í^ 


PflLOGOGHABINI 
Gmbb  pseudopsis  newuan 

642.    P.  suloata  Newm. 

Fauv,  Faun.  G,  Rh,,  p.  23. 

* 

J^ai  trouvé  ce  curieux  staphylín  à  Coimbra  sous  les  détri- 
tus  des  végécaux. 

Dans  le  continent  ebropécn  on  ne  Tavait  trouvé  qu'en 
France,  mais  il  existe  aussi  dans  Ia  Grande  Bretagne. 


PSELAPHIDiE 

,       Qbvbx  OTBNISTES  beichenbach 

643.  o.  palpalis  Reloli. 

Reitter  Nat.  Ins.  Deut.,  in,  p.  2.«,  p.  23. 
Je  n'ai  jamais  pris  qu^un  seuI  individu. 

« 

Gmejb  EMOPTOST(MilQS  WOLLASTON 

644.  E.  Aubei  Bos. 

Rosenh.  Thier  Andai,,  i856,  p.  62. 

Mentionné  du  Portugal  dans  le  catalogue  de  Harold. 

Gbvbb  TYOHUS  LEACH 

645.  T.  oorsicus  Reitter. 

Reitter  Best,  Tab.,  v,  p.  73. 

Vizella!,  Espinho. 

Je  possède  un  individu  de  Vizella  avec  la  coulcur  rouge 
<Ies  élytres  três  réduite. 

Gbbbb  BBTAXIS  LEACH 

646.  B.  dentiventris  Sauloy. 

Reitter  Best.  Tab.,  y,  p.  26. 

Estarreja!. 


i68 


647.  B.  oeltlberioa  Sanloy. 

Rêitter  Best.  Tab.,  v,  p.  25. 

D^après  une  lettre  c^ue  mon  ami  Mr.l^  v.  Heyden  vieot 
de  m^écrire  il  a  été  trouve  à  Lisbonne. 

648.  B.  Soliapi>6ll  Anbô. 

Reitter  Best.  Tab.,  v,  p.  3i. 

Trouvé  dans  la  Serra  d'Estrella  par  Mr.  Ehlers,  d^après 
une  lettre  de  Mr.  L.  v.  Heyden. 

649.  B.  Janoonim  Leaob. 

Reitter  Nat.  Ins.  Deut.y  in,  p.  a.%  p.  49. 

Vizella !,  Espinho !. 
Commun. 

650.  B.  sangroinea  L. 

Reitter  Nat.  Ins.  Deut.,  m,  p.  a.>^  p.  38. 

Coimbra !. 

Qwanm  BTTHIKUS  LBACR     ^ 

651.  B.  mynnido  Reitt. 

Reitter  Best.  Tab.,  v,  p.  42. 
Espinho!. 

652.  B.  troglooerus  Sanloy. 

Reitter  Best.  Tab.,  v,  p.  5i. 

Cea  (Ehlers!).  D*après  Mr.  L.  v.  Heyden. 

653.  B.  peninsularis  Sanloy. 

Reitter  Best.  Tab.,  v,  p.  5o. 

Bussacol  (Ehlers I),  Coimbra I,  Estarreja!,  Vizella I,  Es- 
pinho!. 

J^aí  pris  une  femelle  â  Coimbra  et  une  autre  à  Espinho 
avec  la  couleur  bien  moins  foncée  que  dans  les  autres. 


J 


lôg 


mt.  fci 


654.    B.  LnsitánioTis  Sauloy. 

Reiiter  Betí.  Tab.,  y,  p.  52.  .  . 

Serra  d^Estrella  (Ehlers !),  Bussaco !,  Coimbra  I; 


865.    B.  ncusteorals  fifettdey. 

Eeitter  BesL  Tab.,  v,  p.  36:  ^'   * 

Gerez  (L.  v.  Heyden  I). 

656.  B.  Ehlersi  Reitt. 

ReiUêr  BesL  Tab.,  v^  p.  58. 
Bussaco!  (Ehlers!),  Coimbra!. 

«■■BK  PSELAPHUS  BSBB8T       , 

657.  P.  Helsei  Herbet. 

Reiiter  Nat,  In$.  Deut,,  in,  p.  2.«,  p.  91. 

Coimbra  I.  Rare. 

658.  P.  Piooliardi  Saulcy. 

L.  V.  Heyden.  Ent,  Retse,  etc,  p.  86. 

Mr.  Piochard  de  Brulerie  et  L.  v.  Heyden  ont  prís  un 
mâle  (Vune  femelle  dans  Ia  Serra  do  Gerez  e  je  viens  de  le 
prendre  à  Coimbra. 

Qmnm  EUPLEOTUS  UUíOB 

659.  Eupleotas  nanas  Reioh. 

Reitter  Nat.  In$,  Deut ,  in^  p.  2.^,  p.  i23. 

Bussaco  (L.  v.  Heyden!). 

660.  E.  afer  Reit. 

Reitter  Best,  Tab.y  y,  p.  87. 
Bussaco !. 

Qbvsx  TRIUIUH  AUBá 

661.  T.  brevioome  Reioh. 

Reitter  J^at.  Ins,  Deut.,  iii,  p.  2.«,  p.  io5. 
Bussaco!. 

UVISTA  DA  SOGIKDAOB  DB  mSTBUGÇÃO  DO  PORTO.  11 


170 


662.  T.  imitatnm  Reit. 

ReUter  BêsL.Tab.,  v,  p.  95. 

D^après  Mr.  Reitter  il  se  trouve  dans  le  sud  du  Portugal. 

GLÂVIGERIDiE 

Qmnu  OLAYIQBB  PRfiTBSLBR 

663.  O.  Lusltanioas  Sauloy. 

Rettter  Best.  Tab.,  v,  p.  8. 

Serra  do  Gerezl  (L.  v.  Heydenl.) 

II  se  trouve  en  compagnie  du  Lasius  emarginatus  Lat. 

SCYOMENIDifi 

Qbvrb  OBPHBNNIUM  UULLBB 

664.  O.  fúlviim  Sohaum. 

Reitter  Nat.  Ins,  Deut.,  iii,  p.  2.«y  p.  io5. 

Espinho!. 

665.  O.  atomarltun  Sauloy. 

Reitter  Best,  Tab.,  v.  p.  114. 
D^après  Mr.  Reitter  11  est  particulier  à  notre  faune. 

Gkvrb  NEURAPHES  REITTER 

666.  N.  solitarius  Reit. 

Reitter  Best,  Tab.,  v,  p.  116. 
Serra  d^Estrella  (Ehiers!). 

667.  N.  EUersi  Reit. 

Reitter  Best.  Tab.,  v,  p.  121. 
Bussaco  (Ehlersl). 

668.  N.  oedioems  Sauloy. 

Reitter  Best,  Tab,,  v,  p.  i23. 

Cite  du  Portugal  par  Mr.  Reitter. 


lyi 


Q*nm  SOYDMiBNUS  LATRBILLS 

669.  S.  protervus  Ooq. 

Reitter  Best.  Tab,,  v,  p.  129. 

Coimbra  I. 

670.  8.  oordioollls  Eiesw. 

Reitter  Best,  Tab.,  v,  p.  i3i. 
Bussacol. 

671.  S.  angustior  Sauloy. 

L.  V.  Heyden.  Ent.  Reise,  etc,  p.  90. 

Serra  do  Gerez  (L.  v.  Heyden !). 

672.  S.  Lusltanions  Sauloy. 

L.  V.  Heyden.  Ent.  Reise^  etc,  p.  90. 

Serra  do  Gerez  (L.  v.  Heyden  I). 

GnsB  EUGONNUS  THOMSON 

673.  Heydenl  Sauloy. 

L.  y.  Heyden.  Ent,  Reise,  etc,  p.  91, 

Cea,  Serra  d*Esirella  (Heyden !). 

674.  E.  li89inatodes  Sauloy. 

L.  V.  Heyden.  Ent.  Reise,  etc,  p.  90. 

Serra  do  Gerez  (L.  v.  Heyden!).  Bussacof. 

675.  E.  latioeps  Sauloy. 

L.  y.  Heyden.  Ent.  Reise,  etc,  p.  91. 

Serra  do  Gerez !,  Bussaco !  (L.  v.  Heyden !). 

676.  E.  distingruendus  Sauloy. 

L.  V.  Heyden.  Ent.  Reise,  etc  p.  91. 

Serra  do  Gerez  (Heydenl),  Bussacol,  Coimbra I.  * 


1     Le  E.  Navaricus  Saulcy  d'aprés  une  lettre  de  mr.  L.  y.  Heyden 
«st  mentionné  à  tort  du  Portugal  par  mr.  Reitter. 


174 


OVBB  ICASTiaUS  LATRBILLB 

677.  U.  palpalls  Latr. 

Reitter  Best.  Tab.  v.,  p.  147. 

Commun  partout  prés  de  Teau. 

678.  M.  prolongatoB  Oory. 

Reitter  Best.  Tab.,  v,  p.  147. 

Commun  dans  le  nord  particulièrement  dans  les  mon- 
tagnes. 

SILPHID-E 
SILPHINI 

Qmmmm  OATOPOMORPHnS  AUBA 

679.  O.  pUosus  Muls. 

Fairm,  et  Lab.  Faun,  Ent.  Fr.^  p.  3o5. 
Azambuja  (J.  Antunes!). 

ChnmB  OHOLHYÁ  LATRBILLB 

680.  O.  angostata  F. 

An,  Nat.  Bist,,  xvui^  i856,  p.  ia. 

II  n^est  pas  rare  dans  le  nord  du  Portugal. 

681 .  O.  transversostriata  Murray. 

An,  Nat.  Hist,,  XYin,  i856,  p.  3x6. 

Mr.  Murray  dans  sa  monographie  du  genre  Catops  men- 
tionne  cette  espèce  de  la  collection  de  Dejean  oà  elle  portait 
rindication  de  provenance  du  Portugal. 

QnrRB  PTOMAPEAGUS  HBLLWIG 

682.  P.  tristis  Panz. 

An.  Nat.  Hist.,  xviii,  i856,  p.  144. 

Bussaco!,  G)ímbral. 


173 

I 

683.    P.  olatbratlB  Perris. 

An.  Soe.  Ent,  Pr,,  1864,  p.  a8i. 

Bragança!,  Bussacol. 

On  trouve  toutes  les  transitions  de  couleur  depois  le  brun 
JQsqo^au  fauve. 

(OMtaáa).  Manoel  Paulino  de  Outeira. 


ESTUDOS 

•OBKB  A 

HISTORIA  DAS  SCIENCIAS  EM  PORTUGAL 

(Oontiaiiatio,  ▼.   ptff.   90) 

A  BOTÂNICA 

PARTE  I 
(DA  OONSTITXnçÃO  DA  MONAROHIA  À  BBFORMA  POHBALIKA) 

JSnúno  da  botânica :  Mosteiro  de  Santa  Cruz— Universidade— Creaçáo  das 
bharmacias.  Litteratura  botânica :  Século  XYI— Apreciação  do  estado  da 
botânica  no  extrangeiro  —  Portugal :  Pedro  Hispano,  Valesco,  Amato 
Lusitano,  Thomé  Pires,  Garcia  da  Horta,  Christovam  da  Costa,  os  histo- 
riadores do  descobrimento  da  índia  —  Sec.  xvii  —  Vista  de  olhos  sobre 
os  trabalhos  extrangeiros — Portugal:  decadência  do  estudo  das  scien- 
cias  —  Isidoro  da  Barreira,  Gabriel  Grishy,  trabalhos  inéditos. — Século 
XYin — A  botânica  em  paizes  eztranhos  —  Portugal:  João  Vigier,  Manoel 
Gomes  de  Lima,  Domingos  Vandeili.  Real  Jardim  Botânico  da  cájuda. 

Foi  O  século  XVII  fenil  em  botânicos  de  toda  a  importaticia 
€  consideração.  A  Itália  deu-nos  em  Fábio  Colonna,  Paulo  Boc- 
coni,  Thiago  Zononi,  Aldini  e  Ferrari  observadores  distinctos, 
d'eatre  os  quaes  o  primeiro  merece  uma  menção  muito  espe- 
ciaL  A  Ff  anca  concorreu  poderosamente  para  os  progressos  da 
botânica  com  Pierre  Magnol,  Gui  de  la  Brosse,  Philippe  CoF' 
ou,  que  estudou  a  Flora  Canadense,  Jacques  Barretier  e  so- 
bretudo com  Tournefort  que,  como  bem  diz  Hoeffer,  coroou  a 
obra  dos  botânicos  classificadores  do  século  xvii.  As  suas  nu* 
merosas  viagens,  feitas  no  intuito  de  se  instruir,  fizeram -n^o 
reunir  um  cabedal  de  conhecimentos  enorme,  que  nos  trans- 
mitiu nas  suas  obras ;  e  a  elle  se  deveu  o  estabelecimento  de  um 
systenaa  de  classificação  das  plantas  que  durante  mais  de  um 
século  reinou  absolutamente  na  sciencia  e  cujos  elementos  taxo* 
nomicos  foram  sobretudo  extrahidos  das  modificações  impor- 
tantes da  coroUa,  que  teem  certamente  um  duvidoso  valor.  Na 


Í74 


entretanto,  apesar  do  pouco  valor  da  base  da  classificação,  estabe- 
leceu numerosas  famílias  verdadeiramente  naturaes,  como  são 
as  labiadas,  as  cruciferas,  as  iiliaceas,  as  umbelliferas  e  as  papiU 
lionaceas. 

A  Inglaterra  foi  distinctamente  representada  por  um  gran- 
de numero  de  botânicos,  d'entre  os  quaes  occupam  logar  mais 
Íreeminente  John  Parkinson,  Robert  Morison  e  sobretudo  John 
[ay.  Ehte  explorou,  não  só  toda  a  Inglaterra,  mas  a  Hollaoda^ 
a  França,  a  Allemanha,  a  Suissa  e  a  Itália,  e  o  resultado  does- 
tes enormes  trabalhos,  consignado  especialmente  ca  sua  Histo- 
ria geral  das  plantas^  é  digno  de  toda  a  consideração.  A  sua 
classificação  foi  estabelecida  sobre  os  caracteres  dos  fructos,  mas 
modificou- a  depois,  convencido  da  sua  pouca  importância,  roas 
convencido  egualmente  de  que  a  flor  nao  tinha  maior  valor  para 
o  estabelecimento  das  famílias  botânicas. 

A  Allemanha  tomou  uma  parte  importante  no  movimento 
da  botânica  descriptiva.  Joachim  Jung,  Jun^ermann,  Volckamer, 
Hermann,  Knaut,  etc.  mas  sobre  todos  o  pnmeiro,  merecem  con- 
signação especial  na  historia;  devem*se  a  Jung^  estudos  espe- 
ciaes  sobre  as  flores  compostas,  cujo  valor  ninguém  pôde  con- 
testar. Os  Paizes  Baixos  pouco  produziram  de  importante: 
Rysch  e  Commelyn,  que  trabalharam  no  catalogo  das  plantas 
do  jardim  botânico  de  Amsterdam,  são  os  mais  notáveis  dos 
botânicos  que  possuiram  n>ste  século. 

A  Suissa  concorria  no  entretanto  coií)  os  mais  importan- 
tes botânicos  que  anteriormente  a  Tournefort  appareceram :  os 
irmãos  Bauhin,  dos  quaes  um«  João,  reuniu  a  descripçao  de 
cinco  mil  plantas  e  mais  de  três  mil  desenhos  na  sua  obra,  ao 
passo  que  o  outro,  Gaspard,  na  continuação  dos  trabalhos  de 
seu  irmão,  apresentava  os  primeiros  indicios  de  uma  classifica^ 
çSo  verdadeiramente  natural  *. 

O  século  XVII  foi  para  a  peninsula  de  verdadeira  esterili- 
dade em  trabalhos  botânicos.  D''entre  os  individuos  que  na  Hes- 
panha  fizeram  convergir  a  sua  attenção  para  esta  ordem  de 
estudos  a  custo  podemos  apresentar  alguns  dignos  de  consi- 
deração. 

Francisco  Ximenez,  Jeronymo  Huerta,  Bernardo  Cien- 
fuegos  e  Ildefonso  Sorolla  são  os  únicos  que  merecem  men- 
ção especial  e  doestes  ainda  o  único  que  sobresae  é  Genfuegos, 
cuja  Historia  das  plantas  em  7  volumes  ficou  manuscríptt  q 


Vid.  Hoeffer.  op.  cit  pag.  14?  e  seguintes— Brotero,  op.  dt. 


1.75 


existe  n^uma  das  bibliothecas  de  Madrid.  Esta  obra  é  um  vasto 
repositorío  de  descripções  das  plantas  encontradas  por  elle  nas 
suas  excursões  atravez  do  território  hespanhol  ^. 

Ao  mesmo  tempo  que  a  botânica  descriptiva  ia  fazendo 
os  progressos  de  que  demos  noticia^  o  estudo  da  anatomia  e 
physiotogia  vegetaes  ia  começar  a  fazer-se,  graças  á  descoberta 
de  um  poderoso  instrumento,  o  microscópio. 

Aromatarí,  um  medico  de  Veneza,  comparava  o  embrySo 
de  semente  com  o  vegetal  desenvolvido  e  o  amido  que  o  cerca 
com  a  albumina  do  ovo.  Thomaz  Brown  era  o  primeiro  a  fa- 
zer notar  a  frequência  do  numero  cinco  nas  sementes  e  invólu- 
cros floraes.  Digby,  Mayor  e  R.  Boyle  as&ignalavam  pela  pri- 
meira vez  a  influencia  de  oxigénio  nos  phenomenos  da  ger- 
minação e  respiração,  e  Merret  demonstrava  a  absrrpção  da 
humidade  do  ar  pelas  plantas.  Nath.  Henshaw  descobria  os  va- 
sos respiratórios  das  plantas  (tracheas)  e  Kooke  examinava  os 
vasos  iaticiferos  que  julgou  serem  providos  de  válvulas  exacta- 
mente como  as  veias. 

No  entretanto,  os  estudos  sobre  a  anatomia  e  physiologia 
vegetaes  só  tomaram  o  incremento  que  deviam  tomar  pela  sua 
importância,  depois  da  apparição  de  Grew  e  Malpighi  que  bem 
podem  ser  considerados  os  seus  fundadores. 

Grew,  no  seu  livro  c/lnaiomy  ofPlants^  dá  uma  ideia  com- 
pleta da  evolução  do  vegetal  desde  a  semente  até  á  constituição 
do  individuo  adulto,  e  as  suas  doutrinas,  bem  como  as  deno* 
minações  dadas  ás  dififerentes  partes  do  embryão,  conservam-se 
ainda  hoje  na  sciencia.  Deve-se  ainda  a  Grew  a  determinação 
da  verdadeira  natureza  das  flores  compostas,  demonstrando  que 
os  flosculos  \  considerados  como  estames  até  ahi,  eram  verda- 
deiras flores. 

A  histologia  vegetal  deve  a  Malpighi  estudos  profundos 
sobre  o  tecido  cellular,  que  demonstrou  ser  composto  de  peque- 
nas cavidades,  a  que  deu  o  nome  de  utriculos,  d'onde  o  de  utri- 
cular  dado  por  elle  áquelle  tecido.  Ao  mesmo  tempo  annunciava 
a  analogia  que  ha  entre  as  vesiculas  pulmonares  dos  insectos  e 
as  tracheas  dos  vegetaes,  e  sobre  a  germinação  apresentava 
ideias  que  hoje  se  tornaram  clássicas.  As  denominações  por  elle 
apresentadas  para  designar  dififerentes  partes  do  iructo  e  do  em- 
bryão são  ainda  conservadas  também. 


^    Miguel  Colraeiro  op.  cit. 

*    £'  II  tradução  adoptada  por  Brotero  para  a  palavra  feurons  de 
que  se  servem  os  auctores  franceses. 


176 

Comquanto,  pois,  ninguém,  mais  que  Grew  e  Malpighi, 
profundasse  os  estudos  sobre  a  estructura  das  plantas,  faltou- 
Ihes  a  determinação  do  sexo ;  essa  parte  importante  da  physio- 
logia  só  começou  a  ser  conhecida  depois  dos  trabalhos  de  Za- 
luzanio,  de  Robert,  de  Camerario  etc. 

Finalmente  Perrault,  Dodart  e  Mariotte  accrescentaram 
notavelmente  o  pecúlio  dos  cenhedn tentos  sobre  a  physiolo^a 
vegetal ;  o  primeiro  reconheceu  a  circulação  da  seiva,  o  segunlo 
mostrou  a  importância  dos  gomos  considerando  o  vegetal  como 
uma  reunião  d'estes  órgãos,  e  Mariotte  attribuiu  á  capillaridade 
a  marcha  da  seiva,  demonstrando  que  esta  circula  em  vasos 
differentes  d^aquelles  em  que  circulam  os  suecos  corados  da 
planta. 

Apezar  dos  progressos  feitos  no  estrangeiro,  Portugal  coo* 
servava-se  eitranho  ao  movimento  que  lá  ia.  Ninguém  ignora  os 
factos  que  determinaram  tal  abatimento  e  por  esse  motivo  ape- 
nas fazemos  uma  rápida  menção  das  suas  causas.  A  expulsão 
dos  judeos  e  o  estaoeleci mento  da  inquisição  são  com  certeza 
dous  dos  factores  mais  importantes  da  decadência  dos  estudos. 
Os  judeus  eram  muito  dados  ás  letras  e  sciencias  e  d^entre  os 
que  nasceram  no  nosso  paiz,  muitos  houve  que  sobresairam 
por  merecimentos  notáveis.  Decretada  a  sua  expulsão,  muitos 
abandonaram  o  território  portuguez,  emquanto  outros,  ou  por- 
que os  seus  interesses  o  pediam,  ou  porque  a  própria  consciên- 
cia o  reclamava,  abjuraram  e  entregaram-se  á  pratica  do 
christianismo. 

Já  dissemos  n^outra  parte  que  a  guerra  que  depois  lhe 
moveram  o  povo  fanatisado  e  o  clero  corrupto  é  um  dos  espe- 
ctáculos mais  odiosos  que  o  século  xvi  em  seu  meado  nos  of- 
ferece.  Essa  lucta  afastou  do  nosso  território  indivíduos  que 
deveriam  concorrer  para  os  progressos  das  sciencias  entre  nós ; 
e,  apesar  das  suas  aptidões  manifestas,  leis  rigorosas  embaraça- 
vam os  christãos  nopos  de  se  entregarem  aos  estudos  no  nos- 
so paiz. 

Ao  estabelecimento  da  inquisição  ajunta-se  a  intervenção 
dos  jesuítas  no  ensino.  E'  exaggerada  a  opinião  dos  que  os 
apontam  como  os  únicos  causadores  da  pobreza  intellectual 
que  n^essa  epocha  nos  affligiu,  mas  é  certo  que  elles,  apode- 
rando-se  do  ensino  univerbitario,  por  multiplicadas  refc  rmas 
que  n^^elles  fizeram,  aproveitaram  a  sua  influencia  para  paraly- 
sar  toda  a  tentativa  de  progresso  e  re^iovação.  A  philosophia 
aristotélica  que  elles  mais  que  todos  concorreram  a  conservar 


177 


nas  escolas  influiu  também  desastrosamente  nos  estudos,  e  d'ahi 
talvez  a  razão  porque  as  sciencias  naturaes  não  foram  cultiva- 
das com  esmero  n^esta  épocha. 

Outras  causas  se  vieram  sommar  a  estas,  augmentando 
ainda  o  nosso  abatimento.  O  desastre  de  Alcacer-Quibir,  a  do- 
minação castelhana,  as  guerras  que  se  seguiram  á  proclamação 
da  nossa  independência,  e  a  mortífera  passagem  sobre  o  nosso 
solo  de  três  epidemias  assoladoras  são  outros  tantos  factores  da 
nossa  ruina,sem  que  seja  possivel  marcar  que  parte  caiba  a  cada 
um  no  resultado  final  a  que  nos  conduziram. 

Nas  condições  que  especificamos,  poucos  trabalhos  pode- 
mos apresentar  como  representando  o  estado  dos  conhecimen- 
tos botânicos  d'essa  epocha  entre  nós.  Demais,  alguns  dos  que 
os  nossos  bibliographos  nos  apontam,  ficaram  manuscriptos  e 
nSo  se  sabe  onde  hoje  existem,  se  é  que  o  tempo  os  não  des- 
truiu completamente. 

Dos  que  ficaram  impressos,  cumpre  especificar  o  f  Tracta- 
do  das  significações  das  plantas,  flores  e  fructos  que  se  referem 
na  Sagrada  escríptura  ^9  que  Fr.  Isidoro  da  Barreira  deu  á  luz, 
em  1622.  Este  livro,  que  não  tivemos  occasião  de  ver,  é,  no  di-. 
zer  de  Colmeíro,  uma  obra  em  extremo  curiosa  pelos  conheci- 
mentos que  mostra  o  auctor  na  interpretação  dos  sentidos  figu- 
rados que  tem  as  plantas  ua  Bíblia. 

Gabriel  Grisley,  um  medico  allemão  que  no  reinado  de 
D.  João  iv  veio  estabelecer-se  em  Portugal,  publicava  em  i656 
o  seu  c Desengano  para  a  medicina»,  que  é  uma  verdadeira 
flora  medica  do  nosso  paiz,  accommodada  aos  poucos  conhe- 
cimentos do  vulgo,  sendo  as  plantas  designadas  pelos  seus  no- 
mes vulgares,  e  acompanhados  d'aquelles  porque  eram  conhe- 
cidas na  sciencia.  Estas  plantas  estão  distribuídas  em  três 
canteiros,  dos  quaes  o  primeiro  contem  vinte  espécies  botânicas, 
o  segundo  quarenta  e  o  terceiro  vinte  e  sete;  mas  esta  classifi- 
cação nada  tem  de  scientifico  e  basea-se  apenas  na  maior  ou 
menor  frequência  dos  seus  usos  em  therapeutica.  E',  como 
demais  se  deixa  ver,  bastante  defficiente,  mas  como  primei- 
ra tentativa  d'um  commettimento  que  só  nos  nossos  tem- 


^  O  titulo  completo  ó,  segundo  Innocencio :  Tratado  das  significa- 
ções das  plantas^^  flores  e  fructos  que  se  referem  na  Sagrada  Escriptura. 
Tirados  das  divinas  e  humanas  lettr.as  com  breves  considerações — Lisboa 
por  Paulo  Crasbeeck  1622  e  Lisboa  por  Manoel  Lopes  Ferreira  1698. 


.178 


pos  vingou  ser  realisado,  e  esse  ainda  em  relação  a  uma  parte 
muito  restrícta  do  nosso  paiz,  merece-nos  elevada  conside- 
ração ^. 

Pouco  depois,  Grisley  publicava  o  seu  cViridarium  lasi- 
tanicum»  que,  ao  que  elle  próprio  diz  no  prologo,  era  o  fructo 
do  trabalho  de  quasi  trinta  annos,  durante  os  quaes  tinha  ex- 
plorado o  paiz  em  toda  a  sua  extensão,  tendo-se  demorado  de 
preferencia  em  certas  regiões  que  como  o  Bussaco.  Serra  de 
Portalegre  e  Serra  da  Estreita  deviam  ser  férteis  em  curiosas 
producções  vegetaes. 

Comquanto  seja  extremamente  díffi^:!!  aquilatar  o  mereci- 
mento d'e>ta  obra,  por  isso  que  a  sua  interpretação  é  por  ve- 
zes insuperável,  resulta  dos  trabalhos  a  que  se  entregou  Van- 
delli,  redu7Índo-a  ás  espécies  de  Linneu,  que  são  1618  as 
plantas  descriptas  n^este  pequeno  livro  e  que  muitas  d'ellas  o 
foram  pela  primeira  vez.  O  abrotanwn  femina  montanum,  a 
acetosa  annua  minor^  a  acetosa  laciniata  amara^  o  aconitum 
flore  coeruleo,  o  adiantum  álbum  primilium  e  tantas  outras  que 
julgamos  desnecessário  apontar,  devem  a  Grisley  a  sua  primei- 
ra descripção  *• 

A  therapeutica  exótica  continuava  a  dominar  no  nosso 
paiz.  A  esse  facto  se  deve  a  publicação  de  um  aMemorial  de 
vários  simplices  que  da  índia  Oriental,  da  America  e  d'outras 
partes  do  mundo  vem  ao  nosso  reino»  de  que  não  me  é  pos- 
sível dar  outra  noticia^  por  isso  que  não  pude  ver  exem- 
plar algum,  como  tinha  acontecido  a  Innocencio  Francisco 
da  Silva. 

Tal  era  o  estado  di  botânica  entre  nós,  tal  qual  é  possí- 
vel avaliaUo  pelos  documentos  impressos  que  nos  reatam,  mas 
o  que  prova  que  no  vseculo  xvii  os  estudos  botânicos  tinham  to- 
mado uma  certa  latitude  é  o  haver  noticia  de  alguns  manus- 
criptos,  hoje  naturalmente  perdidos,  dando  conta  das  hervas 
e  suas  propriedades.  Eram  d'este  numero  as  obras  de  Fr.  Fí- 
lippe  da  Silva  ^,  de  Gregório  Lopes  ^,  Ignacio  de  Brito  No- 


1  Intitula-se :  Desengano  para  a  medicina  ou  botica  para  todo  Pay 
de  Famílias  — Lisboa,  officina  de  Henrique  Valente  de  Oliveira  x656. 

s  Nâo  vimos  a  edição  original  publicada,  segundo  se  diz,  em  i66z. 
A  que  nos  serviu  foi  a  de  Lisboa  de  1789— dada  á  luz  e  melhorada  por  Do- 
mingos  Vandelli. 

>  Commentarios  aos  dous  tomos  que  compoz  Fr.  Isidoro  de  Bar- 
reira das  swniticações  das  plantas  e  tlores  —  MS. 

A    Tratado  das  propriedades  das  hervas — MS. 


179 


gudra  ^  e  Pedro  Serrão  *  de  que  nSo  temos  outra  noticia  além 
d^aquella  que  nos  deu  Barbosa  Machado,  na  sua  Bibliotheca 
Lusitana.  > 

comifaite.)  Maximiano  Lemos  Júnior. 


PREPARAÇÕES  ZOOLÓGICAS 

(OontIniMçlo,  T.  rol.  d,  p»c.  86) 

X 

D£SCAKNAÇÃO  D^AVES 

Depois  da  ave  estar  morta  e  disposta,  como  já  indicamos^ 
procede-se  á  descarnação,  operação  melindrosa,  porque  da  per^ 
feição  d'ella,  depende  o  bom  resultado  de  todos  os  trabalhos. 
Para  isso  estende-se  a  ave  n'uma  meza,  de  costas,  com  a  cauda 
voltada  para  o  preparador,  a  cabeça  em  sentido  contrario,  as 
azas  estendidas  o  mais  possivel,  e  faz-se-*Ihe  uma  abertura  na 
peile,  para  por  eila  se  poder  extrahir  todo  o  conteúdo,  isto  é, 
carne,  ossos,  etc.  O  lugar  doesta  incizão  pôde  ser  nas  costas, 
DO  lado  ou  no  peito,  segundo  o  gosto  do  preparador  e  sobre- 
tudo da  posição  que  depois  quizermos  dar  ao  specimen. 

A  abertura  nas  costas,  .^ó  é  conveniente  quando  se  qci- 
zer  montar  uma  ave,  de  azas  abertas  e  suspensa  do  tecto  d'uma 
sala,  ou  algumas  espécies  de  aves  aquáticas,  que  teem  a  attitu- 
de  vertical.  Excrpto  n'estes  casos,  não  vulgares,  a  fenda  nas 
costas  é  prejudicial,  visto  que  as  pennas  dorsaes,  ainda  que  lon- 
gas, não  se  prestam  a  encobrir  completamente  a  abertura. 

Alguns  amadores  praticam- na  sob  a  sza  direita,  mas  um 
specimen  assim  preparado  fica  sempre  defeituoso,  pela  dema- 
siada distenção  da  pelle  do  lado  por  onde  se  descarnou.  Resta 
pois  a  descarnação  peitoral,  que  e  a  melhor,  visto  não  ofTerecer 
os  inconvenientes  dos  outros  dous  processos.  Afóra  a  variante 
de  logar,  a  descarnação  quer  seja  pelas  costas,  pelo  lado,  ou 
pelo  peito,  faz-se  sempre  do  miesmo  moc^o.  Collocada  a  ave, 
como  dissemos,  desviam- se  horisontalmente  as  pennas,  desde 


dcs-MS. 


^    Virtudes  das  hervas  e  plantas  e  suas  qualidades — MS. 

*    Das  plantas  e  hervas  mais  conhecidas,  suas  virtudes  e  qualida- 


i 


ito 


o  esterno  ao  meio  do  ventre,  até  ficar  a  descoberto  uma  pe- 
quena linha  da  pelle.  Algumas  aves,  especialmente  as  aquáti- 
cas, tem  sob  a  primeira  camada  de  pennas,  uma  outra  muito 
fina  que  impede  o  descobrimento  da  pelle>;  n^^este  caso,  depois 
de  desviadas  as  primeiras  pennas,  arrancam-*se  cautelosamente 
as  segundas,  com  os  dedos,  ou  melhor  ainda,  com  a  pinça,  e 
corta-se  a  pelle  no  seguimento  da  linha  traçada,  pnncipiando 
no  esterno  e  tendo  por  limite  o  principio  do  ventre,  podendo-se 
em  algumas  aves,  em  que  esta  abertura  fique  demasiadamente 
pequena,  prolongal-a  um  pouco  mais  sobre  o  ventre.  Devemos 
sempre  ter  cautella  em  não  furar  os  intestinos,  inconveniente 
que  só  se  pôde  remediar  introduzindo  bocados  de  algodão  por 
o  sitio  onde  houver  trasvazamento  de  escrementos. 

Depois  de  cortada,  agarram-se  as  duas  extremidades  da 
pelle  com  uma  pinça,  se  a  ave  é  pequena,  ou  com  o  pollegar 
e  o  Índex  da  mão  esquerda  se  é  de  tamanho  regular,  e  sepa- 
ra-se  dos  dous  lados  do  peito  até  á  aza.  Esta  separação  pôde 
fazer-se  nas  pequenas  espécies,  introduzindo  o  cabo  do  escal- 
pello  entre  a  carne  e  a  pelle,  e  nas  grandes  com  ajuda  dos  dedos. 

Alguns  preparadores  costumam  empregar  gesso  em  pó  ou 
farinha  triga,  quer  para  chupar  o  sangue,  que  muitas  vezes  se 
principia  a  derramar,  quer  para  cobrir  a  espessa  camada  de 
gordura  de  algumas  aves,  especialmente  das  aquáticas,  e  a  qual, 
espalhando-se  exteriormente,  prejudícajia  a  futura  belleza  do  ih- 
dividuo.  Mas,  se  o  derramamento  é  considerável,  a  farinha  ou 
o  gesso  converte-se  n'uma  massa  viscosa,  que  cahindo  nas 
pennas,  de  tal  modo  as  prende,  que  difficilmente  as  podemos 
limpar,  sendo  necessário  até  arrancal-as.  E*  preferivel,  a  medida 
que  se  vae  operando,  ir  introduzindo  pequenos  fragmentos  de 
algodão  entre  a  pelle  e  a  carne ;  o  algodão  impede  o  rápido 
derramamento,  sem  causar  nem  um  sô  dos  inconvenientes  do 
gesso  e  da  farinha. 

Deve  também  prender-se  ás  extremidades  da  fenda,  um 
pedaço  de  panno  fino  de  linho,  para  impedir  a  tendência  na- 
tural que  as  pennas  teem  de  se  envolverem  pira  o  lado  interno 
da  pelle,  ennodoando-se  com  o  attríto  dos  tecidos,  especialmente 
se  são  brancas  ou  muito  claras.  Este  pedaço  de  linho  deve  con- 
servar-se-lhe  atéá  total  descarnação. 

Separada  a  pelle  dos  dous  lados  da  carne,  faz-se  o  mes* 
mo  para  a  parte  inferior,  até  ao  meio  do  ventre,  e  para  a  su- 
perior até  á  base  do  pescoço. 

Esta  operação,  especialmente  nas  pequenas  aves,  deve 
ser  feita  com  muita  cautella,  para  lhe  não  rasgar  a  pelle ;  mas 


i8i 


acontece  ao  principiante,  por  mais  vagar  e  perfeições  que  em^ 
pregue  no  seu  trabalho,  fazer  oriíicios  na  pelle,  quer  com  o  es- 
calpello,  quer  com  a  demasiada  distensão,  mal  este  que  se  re- 
medeia facilmente,  cosendo  as  soluções  de  continuidade,  ha- 
vendo, comtudo,  a  cautella  de  não  prender  as  pennas.  Corta-se 
em  seguida  o  pescoço,  duas  ou  três  vértebras  acima  da  sua  in- 
serção no  peito,  rassa-se-lhe  uma  segura  laçada  de  fio  e  sus- 
pendesse a  ave  n  um  qualquer  gancho,  fixo  na  parede.  E'  con- 
veniente envolver  o  pescoço  em  tflgodáo,  para  que  não  manche 
as  pennas  que  no  decorrer  da  operação,  o  chegam  muitas  ye- 
263  a  envolver  completamente.  Desviase,  então  a  pelle  o  mais 

Eossivel,  até  ao  encontro  da  aza,  e  logo  que  ella  está  a  desco- 
erto,  corta-se  na  articulação  do^humerus  com  a  omoplata,  re- 
f)5e-se  no  primitivo  lugar,  e  repetese  a  mesma  operação  do 
ado  cpposto^  volta-se  depois  a  pelle  sobre  as  costas,  conti- 
nuasse a  separação  até  ás  coixas,  que  se  desarticulam  na  junc- 
ção  da  tibia,  e  prose^jue-se  parando  somente  nas  vértebras  cau- 
daes,  que  se  cortam  junto  ao  coccix. 

Chegado  aqui,  está  o  esqueleto  completamente  separado 
da  pelle,  restando  somente  libertal-a  da  caine  que  ficou  nas 
pernas,  azas  e  cabeça. 

Estende-se  a  pelle,  de  costas,  na  meza,  em  posição  idên- 
tica áquella  em  que  a  collocamos  para  iniciar  o  nosso  trabalho, 
com  a  mão  esquerda  a^arra-se  a  extremidade  cortada  da  tibia, 
emquanto  que  com  a  direita  ajudada  do  escalpello,  se  separa  a 
pelle  doesta  parte  da  carne;  pára  se  n^esta  descarnação  quasi  no 
fim  da  tibia,  um  pouco  antes  da  sua  inserção  do  peroneo. 

Limpa-se  a  tibia  de  toda  a  carne  e  tendões  que  lhe  estão 
á  volta,  dá-se-lhe  uma  boa  camada  de  preservativo  e  enrola-se- 
lhe  algodão  ou  estopa  em  forma  de  fuso,  até  tornar  a  restituir 
á  perna  a  primitiva  espessura,  guiando-nos  n'tste  trabalho  pela 
outra  que  ainda  está  por  descarnar.  Dá-se  preservativo  na  pelle 
da  coixa,  que  se  faz  entrar  no  seu  logar,  puxando  exteriormente 
pelo  tarso,  e  em  seguida,  e  do  mesmo  modo,  prepara-se  a  ou- 
tra perna. 

Antes  de  se  passar  ás  azas,  limpa-se  o  coccix  de  todas  as 
substancias  que  o  cobrem  e  que  se  substituem  por  algodão  em- 
bebido em  sabão  arsenical,  caiando  interiormente  toda  a  pelle 
com  uma  espessa  dissolução  d'este  mesmo  preservativo.  Du- 
rarte  todos  estes  trabalhos,  deve  ter-se  sempre  p  cuidado  de 
não  molestar  as  pennas,  especialmente  as  da  cauda,  inconve- 
niente de  grande  alcance,  visto  que  da  perfeição  d^ellas  depende 
uma  grande  parte  da  belleza  do  exemplar. 


i8a 


Faz-se  nas  azas  uma  operação  semelhante  i  já  feita  nas 
pernas,  somente  com  mais  precaução,  para  que  as  pennas  gran* 
des  das  azas  se  não  separem  da  pelle.  Impellem-se  as  azas 
para  dentro,  até  que  esteja  a  descoberto  o  humerus  e  pelo  me- 
nos uma  grande  parte  do  radius  e  cubitus,  tira-se  toda  a  carne 
que  os  envolve,  dá-se-lhe  preservativo  e  colloca-se-lhe  muito 
pouco  algodão,  ou  mesmo  nenhum,  se  a  ave  é  de  tamanho  me- 
diano. Ibto  que  á  primeira  vista  parece  um  contra  senso,  tetn 
muita  razão  de  ser,  por  isso  que  a  ave,  quando  viva^  tem  de 
cada  lado  do  corpo  umas  pequenas  cavidades  chamadas  fottas 
peitoraes,  que  servem  de  alojamento  ás  azas. 

Sendo  descarnada  e  depois  cheia,  não  é  possivel  deixar* 
lhe  essas  cavidades,  e  por  isso  é  mister  recorrer  a  outro  expe- 
diente, que  consiste  em  tornar  as  azas  mais  delgadas,  de  modo 
que  a  perda  da  sua  espessura  corresponda  ao  augmento  do 
peito.  Se  a  aza  é  muito  corpulenta,  e  se  houver  inconveniente 
en)  a  descarnar  doeste  modo  faz-se-lhe  então,  na  parte  inferior 
entre  o  cubitus  e  o  radius,  uma  abertura  por  onde  se  extrae 
toda  a  carne,  se  dá  o  preservativo  preciso  e  se  enche  de  algo- 
dão ou  estopa,  cosendose  em  seguida  com  o  máximo  cuidado. 

Preparadas  e  dispostas  as  azas  no  seu  logar,  passa-se  á 
limpeza  da  cabeça,  a  parte  mais  difficaltosa  para  o  principiante, 
visto  que  n^esta  operação  precisa  de  haver  muita  cautella,  plk'a 
se  não  rasgar  e  estragar  a  pelle  que  a  envolve. 

Os  defeitos  na  cabeça  e  pescoço  são  de  remédio  quasi 
impo^^sivel,  em  razão  de  estarem  muito  á  vista  e  não  haver 
pennas  sufficientes  para  os  poder  disfarçar.  Agarra-se  com  a 
mão,  a  parte  que  ííct^^u  do  pescoço  e  puxando,  volta-se  a  pellé 
sobre  eiie,  e  vae-se  desligando  cautelosamente  para  evitar  al- 
gum rasgão;  nos  ouvidos  desliga  se  a  espécie  de  saco  formado 
por  uma  ténue  membrana,  levantando-o  com  uma  pinça  ou 
ponta  de  escalpello,  e  segue  se  até  aos  olhos,  dos  quaes  se  corta 
a  membrana  piscante,  com  muita  precaução,  para  não  ofiTend^r 
as  pálpebras,  o  peor  de  todos  os  contratempos,  visto  ser  irre- 
mediável, e  termina-se  na  descarnação  junto  da  base  do  bico. 
Em  seguida  com  a  pinça,  arrancam-se  destramente  os  olhos  das 
orbitas,  para  impedir  que  elles  rebentando,  produzam  um  pre- 
judicial extravazamento  de  liquido,  e  dá-se  com  um  pincel  uma 
camada  de  preservativo  por  toda  a  orbita,  que  se  enche  com- 
pletamente de  algodão. 

Corta-se  então  o  pescoço  junto  á  base  do  craneo,  e  alar- 
gasse n'este,  o  orifício  occipital,  o  sufficiente  para  por  elle  se  ex- 
trahir  a  massa  cerebral,  que  se  substitue  por  algodão  bem  em- 


i83 


bebido  em  sabSo  Becoeur;  arranca-se  a  língua,  límpa-se  toda 
a  carne  que  esteja  unida  ao  craneo,  sem  nunca  quebrar  nem 
deteriorar  a  caixa  óssea.  Feito  isto,  dá*se  por  toda  a  cabeça 
uma  boa  camada  de  preservativo  e  faz-se  entrar  no  primitivo 
lugar,  voltando  a  pelle  até  que  o  bico  esteja  a  descoberto  e  pu- 
xando pelo  fio  qoe  lhe  atravessa  as  narinas;  tendo  se  segura 
pelo  bico,  sacóde-se  então  methodicamente  durante  alguns  se- 
gundos para  as  pennas  voltarem  ao  seu  lugar. 

Cobre-se  interiormente  a  pelle,  d^uma  boa  camada  de 
preservativo,  e  se  se  nâo  quer  montar  a  ave  n^aquella  mesma 
occasiSo,  introduz-se-lhe  algodão  em  todos  os  vazios,  mas  com 
cautella,  para  não  alargar  demasiado  a  pelle,  e  cose-se  a  aber- 
tura. Collocam-se  as  pálpebras  em  boa  posição,  isto  é,  arredon- 
dando as  e  dando-lhe  a  forma  natural ;  mas  o  mais  conveniente 
é  introduzir-lhe  n^esta  mesma  occasião  os  olhos  àrtiíiciaes,  o 
que  se  faz,  levantando  d'um  lado  a  pálpebra  e  operandc^  d'um 
modo  idêntico  ao  da  introducção  d^um  botão  de  vestido  na  casa 
que  lhe  é  própria,  e  dispondo  em  seguida  a  pálpebra  como  em 
vida  do  animal.  Vê-se  se  o  olho  de  vidro  está  á  altura  sufB- 
ciente,  e  no  caso  contrario  torna-se  a  tirar  e  introduz-se  ou 
subtrae- se-lhe  algodão;  enchem-se  também  as  narinas  e  a  cavi« 
dade  do  bico,  de  algodão  embebido  em  sabão  arsenical. 

Alguns  preparadores  costumam  conservar  as  pelles  das 
aves  penduradas  pelo  bico,  mas  esse  uso  é  sempre  prejudicial, 
em  razão  do  peso  do  corpo,  actuando  sobre  o  pescoço  o  dis- 
tender demasiado.  O  melhor  é  estender  a  ave  de  costas,  sobre 
uma  pequena  camada  de  algodão.  Se  se  quer  conservar  a  ave 
em  pelle,  para  seguir  viagem  e  ser  montada  posteriormente, 
collocam-sé  no  seu  lugar  todas  as  pennas  que  estiverem  arripia- 
das,  ]untan>se  as  patas  por  meio  d'um  fio,  enrola  se  um  papel 
á  volta  do  corpó^  para  unir  as  azas  ao  peito,  encolhe-se  ou 
alonga-se  o  pescoço  segundo  necessitar  e  ata-se  o  bico  com  um 
barbante.  Deixa-se  seccar  depois  a  pelle,  que  disposta  doeste 
modo,  se  pôde  acabar  de  montar  d'ahi  a  annos. 

(Omtiiiéa).  Eduardo  Sequeira. 


L'ENSE1GNEMENT  SECONDAIRE  DES  JEUNES  HLLES 

Ha  cerca  de  um  anno,  no  dia  i  de  julho  de  1882,  come- 
çou-se  a  publicar  em  Paris  a  primeira  revista  franceza,  desti- 
nada a  advogar  a  causa  do  ensino  secundário  para  o  sexo  fe- 


3 


i84 


minino,  com  o  titulo  que  serve  de  epigraphe  a  este  artigo.  O 
redactor,  Mr.  Camille  Sée,  tem  tomado  parte  activa  na  politica 
do  seu  paiz,  já  como  secretario  no  ministério  do  interior  e  sub* 
prefeito  de  Saint  Denis,  já  como  deputado.  O  diário  das  ses- 
sões da  camará  citou  frequentes  vezes  o  seu  nome  nos  últimos 
tempos,  principalmente  durante  a  época  de  1877- 1880,  tornan- 
do se  então  mais  conhecido  pela  apresentação  de  um  projecto 
de  lei  (que  depois  recebeu  o  seu  nome)  em  beneficio  da  instruc- 
çSo  secundaria  da  mulher.  Em  i88o  apresentou  o  mesmo  de- 
putado  até  um  projecto  de  lei  sobre  a  capacite  citrile  de  la  femme. 
Collaboram  com  Camille  Sée  na  citada  revista  um  grup^ 
po  de  senadores  e  membros  da  Academia  franceza,  que  formam 
um  comité  consultatif^  na  redacção.  Devemos  citar  especial- 
mente os  seguintes  snrs.:  Germain  Sée,  tio  de  Camille,  profes- 
sor de  medicina  na  Universidade,  official  da  legião  de  honra  e 
escriptor  laureado  em  assumptos  médicos ;  o  celebre  historia- 
dor Henri  Martin,  auctor  da  Histoire  de  France;  Carnot,  antigo 
ministro  dMnstrucçâo  publica  e  C.  Legou vé,  homem  de  letras 
ue  se  tem  occupado  especialmente,  e  com  verdadeiro  interesse, 
a  educação  da  mulher,  como  o  provam  os  seus  escriptos:  His- 
toire morale  des  femmes  (ò.*  edição),  e  La  femme  en  France  au 
XIX  siècle  (1864);  seu  pae  deixou  também  uma  obra  intitulada: 
Le  mérite  des  femmes.  (Paris,  i838). 

Estes  nomes  são  já  garantia  segura  dos  intuitos  da  re- 
vista, da  competência  e  seriedade  com  que  são  alli  tratados 
os  assumptos  correlativos.  O  seu  íim  é  inspirar  verdadeiro  in- 
teresse a  todo  o  paiz  n'uma  questão  de  tanta  magnitude,  con- 
verter os  adversários,  e  de  dar  o  ultimo  golpe  nos  preconceitos, 
confessados  a  custo,  de  tantas  pessoas  que  se  dizem  illustradas ; 
informar  os  adeptos  á  cerca  dos  progressos  que  a  causa  vae 
fazendo,  sem  deixar  também  de  moderar  sabiamente  o  impulso 
d^aquelles  que  são  arrastados  por  um  enthusiasmo  excessivo 
(n.®  5  de  1882):  Importance  de  Véducation  des  jeunes  filies  por 
Louis  Bauzon. 

Em  concordância  com  este  programma  achamos  no  pri- 
meiro fascículo  —  julho  de  1882  —  uma  rápida  revista  em  que 
se  apreciam  os  primeiros  resultados,  alcançados  desde  a  promul- 
gação da  lei,  e  que  não  corresponderam  plenamente  á  especta- 
tiva  dos  partidários  mais  ardentes,  porque  o  terreno  estava  in- 
culto. Faltava  tvido :  edifícios  próprios,  pessoal  docente  habilitado 
e,  alem  disto,  a  experiência  que  só  se  adquire  com  o  tempoi 
O  próprio  autor  do  projecto,  mesmo,  não  se  deu  por  satisfeito, 
completamente,  porque  as  suas  propostas  soíFreram  no  Conseil 


i8S 


supérieur  um  corte,  que  modificou  as  suas  intenções,  tanto  no 
que  dizia  respeito  á  duração  dos  estudos,  como  á  sua  extensão 
[v  n.®  2,  1082).  Comtudo,  é  justo  confessar  que  a  França  deu 
um  passo  notável  no  novo  caminho,  como  se  pode  reconhecer 
pela  leitura  de  uma  minuciosa  e  lúcida  memoria  de  Mr.  Gréard, 
que  forma  supplemento  ao  fascículo  de  novembro,  (analysada 
no  Litterarisches  Centralhlatt  de  24  de  fevereiro)  e  na  qual  o 
autor  historia  as  tentativas  anteriores. 

Ha  mais  ainda.  A  extraordinária  rapidez  com  que  por 
toda  a  parte  se  levantam  os  instituitos  de  instrucção  secunda- 
ria para  o  sexo  feminino  {colides  et  lycées),  cuja  descripção  e 
analyse  occupa  vários  artigos  da  nova  revista,  prova  que 
tanto  o  estado  como  as  communas  tomam  a  reforma  a  serio, 
e  estão  resolvidos  a  executar  a  lei  com  toda  a  promptidão. 

A' maior  diíficuldade  com  que  se  luctava  era  a  falta  de 
mestra*',  por  isso  se  fundou  o  seminário  de  Sèvres  (Directora 
M.™*  Jules  Favre),  cuja  organisação  está  completamente  termi- 
nada (n."'  I,  2,  3,  7  de  1882  e  n.**  2  de  i883).  O  programma 
de  ensino  é  analysado  detidamente,  em  toda  a  sua  extensão 
(n.«  4,  7  de  1882;  n.^  1  e  2  de  )883,  e  continua);  os  exames 
são  annunciados  e  depois  dá-se  conta,  tanto  das  exigências  fei- 
tas aos  candidatos,  comp  dos  resultados  obtidos.  Outros  arti- 
gos tratam  do  desenvolvimento  physico  das  raparigas  (n.^*  i, 
2,  7);  outros  passam  em  revista  antigos  methodos  de  educação 
e  ensino,  como  termo  de  comparação.  São*  interessantes,  a  e3te 
respeito,  os  eitudos  Léducation  des  jeunes  Jtlles  à  Vort-Ro/al; 
Léducation  de  SM.  de  Sévigné,  e  sobretudo  o  artigo  Le  meti- 
leur  système  d''w$truciion  publique  (n.°  3  de  1882);  n^este  ul- 
timo apresentam*se  extractos  de  uma  memoria  sobre  a  educa- 
ção feminina  de  M.*"®  Marie  Casimire-Ladreyi,  de  Boston, 
premiada  no  concurso  Pereire. 

A  revista  occupa-se  também  com  a  analyse  dos  institutos 
do  estrangeiro  (des  lycées  de  jeunes  filies  en  Italie;  les  instituís 
féminins  en  Russie  et  les  dames  de  classe  par  C.  Hippeau  * ;  au 
Japon;  le  discours  d^ouverture  de  ranuée  académique  à  Liège 


^  Celestín  Hippeau  é  autor  das  seguintes  obras,  que  publicou  como 
fructo  de  uma  serie  de  missões  officiaes  de  que  foi  encarregado  pelo  go- 
verno frarcez :  Uinstruction  publique  aux  États-Unis  (1869),  en  Angleterre 
(1872),  en  Qéllemagne  (1873),  en  Italie  (1874),  en  Norwège,  Suède  et  Dane- 
mark  (1876).  Sobre  a  sua  actividade  CQmo  pedagogo  e  a  de  sua  mulher  Eu- 
génie  Hippeau-Delacour,  veja-se  o  Dictionnaire  des  Contemporains  de  Va- 
pereau.  Paris,  1880.  * 

BBVI8TA  DA  SOCIBDADBDE  INSTRUCÇÃO  DO  PORTO.  18 


i86 


etc.)  figurando  as  escolas  d'AIlemanha,  já  se  vê,  em  logar  proe- 
minente (Une  lettre  cTo/lllemagne  par  Paul  Dupuy;  Vicole 
Charlotte  à  ^erlin)  e  do  mesmo  modo  as  revistas  especiaes  de  pe- 
dagogia (Lesjeunes  Jilles  allemandes  et  leurs  lectures,  traducção 
de  um  aitigo  da  Zeitschrift ^úr  weibliche  Bildung  de  Elberfeld.) 

Juutem-se  ainda  noticias  bibliographicas  e  críticas  sobre 
as  revistas  nacionaes  e  estrangeiras  de  pedagogio,  documentos 
officiaes  sobre  o  ensino,  vistas  e  planos  de  varias  escolas,  in- 
cluindo até  duas  chromolithographias,  que  representam  o  traje 
escolar  das  jovens  pensionistas  de  Montpellier,  e  far-se-ha  uma 
ideia  da  variedade  dos  assumptos  que  enchem  as  paginas  da 
revista  de  Mr.  C.  Sée. 

A  publicação  é  mensal,  em  fasciculos  de  4  folhas  em  8.® 
gr.;  o  seu  preço  i  franco  por  numero,  em  França.  E'  editor 
Leopold  Cerf,  Paris,  rue  de  Médicis,  livreiro  conhecido  pela 
sua  Houvelle  collection  illustrée. 

O  que  ha  especialmente  a  louvar  n'esta  publicação  é  o 
modo  imparcial  e  objectivo  como  o  programma  tem  sido  cum- 
prido. Nos  artigos  de  caracter  menos  especial  ha  ainda  uma 
qualidade  particular,  que  interessa  a  massa,  a  linguagem  franca, 
o  tom  sincero  e  convicto,  que  vera  do  fundo  da  alma  e  que  fixa 
a  attenção  de  um  leitor  mesmo  leigo  na  matéria.  Por  todos  estes 
motivos  nos  apressamos  a  recommendal-a  cordialmente  a  todos 
os  amigos  da  instrucção  em  geral,  e  em  especial  a  todos  aquel- 
les  que  se  empenham  pelos  progressos  da  educação  do  sexo  fe- 
minino. 

Berlin^  março  de  i833. 

Bertha  von  der  Lage. 


A   EXPOSIÇÃO    DE   CERÂMICA* 

I 

AZULEJOS  HISPANO  PORTUGUEZES 

E*  um  capítulo  quasi  em  branco  este  de  que  vamos  tra- 
tar. O  conde  de  Raczynski  deu  em  2846  uma  pequena  notida 
de  Rivara  e  uma  memoria  do  visconde  de  Juromenha.  Rivara 


^    A  pedido  de  vários  sócios,  e  de  accordo  com  a  redacção,  publica- 
mos novamente  estes  artigos,  que  )â  sahiram  no  Cammercio  do  Porto  de 


i87 


via  muito  á  pressa  a  que  havia  em  Évora,  e  viu  mal,  portanto^ 
•como  provaremos.  Évora  é  precisamente  uma  das  cidades  de 
Portugal  mais  ricas  em  azulejos  de  varias  epociías  é  estylos. 
Um  artigo  recente  do  snr.  Gabriel  Pereira,  ^  de  Évora,  ofFerece 
muito  mais  do  que  Rivara  e  prova  novamente  a  necessidade  de 
estudos  locaes,.â  urgência  que  ha  em  organisar  commissões  pro- 
viodaes  para  a  investigação  minuciosa,  in  loco.  Nós  mesmo, 
percorrendo  o  Alemtejo  e  o  Algarve,  conseguimos  fazer  uma 
serie  de  descobertas  de  azulejos  datados  que  escaparam  ao  exa- 
me de  pessoas  das  localidades,  aliás  curiosas,  e  não  indifferen- 
tes  a  estas  antiguidades. 

Ora  o  azulejo  datado  é  precisamente  uma  preciosidade, 
mormente  quando  os  assumptos  que  eile  representa  se  relacio- 
nam com  a  vida  nacional,  com  os  factos  da  historia,  com  as 
tradições  e  lendas  religiosas,  com  os  usos  e  costumes  do  nosso 
po7o,  porque  ha  de  tudo.  Geralmente  suppõe  se  que  o  azulejo 
serviu  apenas  para  illustrar  a  historia  sagrada,  a  paixão  de 
Chrisío,  a  vida  da  Virgem,  o  martyrologio  dos  santos.  O  va- 
lor da  obra  seria,  n^estes  casos,  secundário,  porque  não  é  difí- 
cil provar  que  esses  assumptos  representam  muitas  vezes  có- 
pias mais  ou  menos  disfarçadas  de  gravuras  allemãs  e  flamengas 
do  século  XV]  a  xviii.  Basta  citar  os  livros  de  devoção  editados 
sob  a  influencia  dos  jesuitas  nas  ofScinas  de  Antuérpia  (Planti- 
niana)  e  Augsburgo,  que  deram  largo  contingente  para  os  azu- 
lejos peninsulares  da  epocli^  citada  K  As  scenas  da  vida  pro- 


novembro  e  dezembro  de  i8S2..A1em  do  material  comparativo  das  notas^ 
que  é  todo  inédito,  ba  ainda  bastantes  modificações  e  aditamentos  no  tex- 
to, que  justificam  a  reimpressão.  O  assumpto  é  alem  d'isso  novo,  entre 
nós,  e  exigiria  talvez  ainda  mais  amplo  commentarío  do  que  aquelle  que 
offereceraos  em  as^  notas,  as  quaes  indicam  o  caminho  a  quem  desejar  fa- 
•zer  estudos  mais  completos. 

^    Vid.  o  jornal  de  Évora  O  Manoelinho  de  X2  de  julho  de  i88f . 

*  Vejam-se  as  seguintes  obras  muito  características  e  profusamente 
^Ilustradas. 

Regfia  via  crucis  auctore  D.  Benedicto  Haestena  Antverpiae  ex  offi- 
dna  Planunian^  Balth.  Moreti  i735.  8.«  pcq.  com  37  grav.  cm  cobre.  Ha 
uma  trad.  hespanhola  d'esta  obra  :  Camtno  real  de  ia  Cruif,  que  tem  varias 
edições;  vimos  a  3.*  Madrid,  por  Blas  Roman.  Anno  de  1785.  i6.«  em 
3  vol.,  com  cavaras  imitadas. 

Antoni  Sucquet  e  Societate  Jesu.  Via  Vitae  cetemae  Iconibus  illu- 
strata  per  Boetium  a  Bolswert.  Autverpiae  x6ao.  Vimos  a  7.*  edição  Ibid. 
a73o^8.»  com  3a  gravuras  cm  cobre. 

Vita^  doctrtna,  passio  Domim  nostri  Jesu  Christi  symbolicis  fíguris 
•ezpressac. . .  per  P.  Codcstinuib  Leuthner.  Augustac  Vindclicorum,  1733 


i88 


fana,  as  grandes  caçadas,  as  touradas,  a& merendas  ao  ar  livre,, 
os  encontros  galantes,  as  batalhas  de  terra  e  mar,  a  vida  dos 
ofBcioF,  tudo  forneceu  elementos  ao  artista  peninsular. 

O  visconde  de  Juromenhj,  deu,  com  o  escrúpulo  e  a  in-^ 
telligencia  que  o  distingue,  noticias  muito  interessantes  a  Rac- 
zyn^ki,  sobre  as  quaes  o  snr.  Ádolphe  de  Ceuleneer  construiu 
recentemente  uma  memoria  mais  extensa,  em  que  trata  dos 
azulejos  peninsulares.  O  author  belga  soccorreu-se  também  aos 
trabalhos  he^paphoes  dos  snrs.  José  Maria  Asencio  e  Riano^ 
nSo  esquecendo  também  a  memoria  especial  do  barão  de  Da- 
villier  sobre  as  faienças  hif^pano  arábigas  de  reSexos  metallicos^. 

Investigaç6t:s  próprias,  dados  novos,  são  muito  raros  no 
opúsculo  do  nosso  erudito  amigo ;  é  esta  a  verdade.  A  única 
data  positiva,  que  cita,  relativa  a  Portugal,  refere-se  ás  grandes 
composições  de  António  de  Oliveira,  na  igreja  dos  Loyos,  em 
Évora  (171 1),  data  já  conhecida  de  Raczyn.-ki*.  E,  não  obstante^ 


8.^  peq.  com  100  grav.  em  cobre,  e  3oo  composições  symbolicas^  grav.  por 
Klauber.  Podíamos  citar  mais  obras;  estas  edições  que  indicamos  pertencem 
á  nossa  bibliotheca. 

^  Visconde  de  Juromenha.  cA^ulejos;  em  Raczynskf  Les  art$  en 
Portugal  pag  429-433;  e  uma  nota  de  Rivara  pag.  434. 

A.  de  Ceuleneer.  Z.e  Portugal.  Notes  d*art  et  d'arch<5ologie:  Congrès^ 
(Varchéolosie  préhiitoriqut  de  Ixsbonnt  —  Azulejos— Grand  Vasco.  Anvers, 
i88a.  8.<»  O  capitulo  azulejos  abrange  as-pag.  40-60^  sendo  três  pag.  sobre 
Pprtugal. 

José  Maria  Ascncio.  Azulejos  de  Triana  na  revista  La  oácademia- 
Madrid,  1877,  ^^l.  n.  Fez- se  uma  tiragem  á  parte  d'este  estudo^  em  pou- 
cos exemplares  (i3  pag.) 

J.  F,  RiafH).  The  industrial  arts  in  S;?âin.  London,  1879  edit.  pelo 
Museu  de  South  Kensington.  Pottery  and  porcelain  pag.  143-227. 

Do  mesmo.  Sobre  la  manera  de  fabricar  la  antigua  lo^a  dorada  de 
Sl^anises.   Madrid,  1878;  na  collecçâo  de  Documentos  históricos  publica-  , 
dos  na  Re>ista  de  archivos^  bibliotecas  y  museos. 

Barão  Ch.  Davillier.  Histoire  des/aiences  hispano^ntoresques  à  refleís 
métalliques.  Paris,  1861.  8.» 

Poderíamos  accresccntar  á  lista  do  snr.  A.  de  Ceuleneer  ainda  : 

Barão  Ch.  Davillier.  Les  arts  décorati/s  en  Espagne  au  mojren  ãge 
et  à  la  renaissance.  Paris,  1879,  pag.  79  e  seg.  E  sobretudo : 

M.  Borrell.  Tratado  teórico  y  vráctico  de  dibujo  con  avlicacion  a  las 
artes y  a  la  industria.  Madrid,  1860-1875.  Três  vol.  em  fot;  e  continua. 
Obra  indispensável  para  o  estudo  da  arte  peninsular. 

^  Esta  mesma  data  está  errada,  por  um  lapso  singiilar.  E'  x7ii  e 
nâo  1746,  como  o  diz  o  snr.  Ceuleneer,  copiando  Raczynski  {Dictiort,  pag. 
2i2)  que  se  exprime  confusamente  em  outra  passagem  (Les arts  pa^.  434). 
Da  me  Fm  a  fonte  copiou  o  snr.  Ceuleneer  outro  erro.  dizendo  aue  a  assignatura 
de  António  de  Oliveira  está  no  collegio  dos  Jesuítas,  quanao  ella  existe  na 
egreja  do  convento  dos  Loyos,  da  congregação  de  S.  João  Evangelista.  No 


169 


uma  lista  que  apresentaremos,  indica  qurnze,  desde  1584  .até 
1748,  pertencentes'  a  monumentos  da  Extremadura,  Alemtejo 
e  Algarve  ^.  Não  havendo  dados  positivos,  não  admira  que  as 
conclusões  a  que  chega  o^nr.  A.  de  Ceuleneer  sobre  os  azule- 
jos portuguezes  do  século  xvic,  por  exemplo,  sejam  duvidosas^ 
e  que  os  trabalhos  do  século  immediato  não  lhe  mereçam  at- 
tenção.  Sobre  os  hespanhoes  haveria  ainda  a  consultar  os  tra* 
baihos  de  Borrell,  que  esqueceu,  citando  as  pobríssimas  indica- 
ções de  Jacquemart,  que  calcou  as  suas  noticias  simplesmente 
sobre  Davillier.  Damos  estas  rápidas  informações  ao  leitor  como 
simples  iniciação  no  assumpto  e  iio  conductor  nas  fontes  de  es- 
tudo, lembrando  sempre  com  sincero  reconhecimento,  que  uma 
vulgarisaçào  do  assumpto,  como  a  emprehendeu  b  snr.  A.  de 
Ceuleneer  n^uma  lingua  universal,  é  um  serviço  que  devemos 
todos  agradecer.  De  resto  (e  n^isto  fazemos  ainda  justiça),  o  au- 
tor bel^a  poderá  perguntar  o  qje  escrevemos  nós,  desde  a  pu- 
blicação da  memoria  do  snr.  visconde  de  Juromenha.  Nsula, 
alem  do  artigo  do  snr.  Gabriel  Pereira,  é  a  resposta. 

Na  exposição  de  arte  ornamental  de  Lii»boa,  aonde  se  po- 
deria e  deveria  ter  reunido  abundante  material  para  o  estudo 
dos  azulejos  peninsulares,  estavam  apenas  onze  quadros,  pe*- 
quenos,  e  só  em  parte  peninsulares.  Existiam  então  em  Lisboa 
não  só  os  noventa  e  dous  quadros  grandes  com  perto  de  2000 
azulejos  antigos  do  snr.  J.  M.  Nepomuceno,  que  deslumbram 
na  nossa  exposição,  mas  também  os  dez  quadros  do  muzeu  da 
Real  Associação  dos  Architectos  e  Archeologos  Portuguezes; 
comtudo  nem  uns  nem  outros  foram  expostos.  Um  critico  es^ 
trangeiro,  commissarío  do  governo  francez  junto  da  exposição, 
perguntava,  e  com  razão,  como  é  que  estávamos  reduzidos  a 
sioiilhante  pobreza?  >. 

Sendo  o  azulejo,  por  sua  natureza,  um  elemento  essen- 
cialmente decorativo  da  habitação  humana,  desde  os  palácios 
de  Ninive  e  Babylonia  até  á  casa  de  campo  de  nossos  avós, 
diremos  mesmo  até  á  casa  de  nossos  dias,  como  é  que  foi  quasi 


CoUegio  dos  Jesuítas  está  a  data  i63i,  na  capella  mór;  as  datas  1746  e 
1^47  de  Raczynski  não  estão  em  parte  alguma,  nem  nos  Loyos,  nem  no 
V)liegio  de  Jesus. 

^  Já  foi  publicada  n'esta  revista  vol.  ni  pag.  74.  Cerâmica  portU" 
gueza.  Documento  xui-  Azulejas  nacionaes  datados.  A  lista  será  continuada. 

>  Ch.  Yriarte.  Lexposition  rétrospective  de  Lisbonne,  em  três  logares. 
No  jornal  Le  Tmnps  de  12  de  4ibrii  de  1882 ;  na  Revue  des  deux  mondes  de 
jaaho  de  1882  e  nz^ía^ette  des  Beaux-Ârts  de  maio  a  >uVho  de  1882. 


igo 


esquecido  n^uma  exposiçlo  peninsular,  com  caracter  eminente- 
mente decorativo  ou  ornamental  ?  E^  por  isso  mesmo,  por  causa 
d'este  lapso  singular  que  a  Sociedade  de  InstrucçSo  folga  em  po- 
der apresentar  pela  primeira  vez  em  publico  a  collecção  do  snr. 
J.  M.  Nepomuceno.  Tendo  nós  visto  o  que  a  Hespanha  possue 
n^este  género  em  Madrid  e  nos  seus  muzeus  provinciaes,  e  o 
pecúlio  dos  muzeus  de  South-Kensington,  Louvre,  Cluny,  etc.^ 
ousamos  affirmar,/sem  receio  de  prova  contraria,  que  a  collec-* 
çSo  nacional  do  snr.  Nepomuceno  é  única  na  península  e  na 
Europa  pela  variedade,  pela  ligação  ininterrupta  das  series  his- 
tóricas, e  pelo  bellisbimo  estado  de  conservação.  O  especialista 
poderá  notar  talvez  o  desequilibrio  em  que  estão  as  epochas 
representadas :  extrema  abundância  de  typos  do  século  xv  e  xvi, 
muito  menor  numero  do  século  xvii,  e  menor  ainda  do  século 
seguinte. 

Lembraremos,  comtudo,  que  os  azulejos  das  epochas  an* 
teriores  a  1600  são  precisamente  os  mais  raros,  os  mais  per- 
feitos sob  o  ponto  de  vista  da  factura  e  do  eifeito  esthetico,  da 
applicação  decorativa,  porque  o  azulejo  representa,  segundo  o 
eminente  escriptor  Semper,  ^  padrões  de  uma  antiga  industria 
têxtil,  extincta,  e  em  toda  a  antiguidade  foi  applicado  sempre 
como  um  tapete,  destinado  a  cobrir  materiaes  de  inferior  qua- 
lidade (tijolo),  em  regiões  onde  faltava  o  mármore  e  outras  pe- 
dras de  menor  valor. 

No  fim  do  século  xvii  e  principios  do  século  xvui  o  azu- 
ejo  perde  o  caracter  decorativo;  affasta-se  do  seu  destino 
natural;  em  lugar  de  tapete  temos  quadros  pretenciosos,  de 
f|randes  dimen&õe^  e  nem  por  isso  augmentam  os  recursos  ar- 
tísticos. O  desenho  peiora ;  a  invenção  é  fraca ;  as  scenas  repe- 
tem-se ;  os  typos,  a  physionomia  humana  perde  o  caracter  indi- 
vidual, immobilisa-se,  torna-se  stereotypica.  Em  lugar  da  esplen- 
dida polychromia  do  século  xv  e^xvi  temos  a  monochromia ;  em 
lugar  da  variedade  de  cores,  a  monotonia  do  eterno  azul,  de 
um  azul  opaco,  sem  transparência  e  sem  graduação,  a  aiaior 
parte  das  vezes ;  em  lugar  da  pressão  em  relevo  e  dos  bellos  re- 
flexos metallicos  que  se  formam  dentro  das  cavidades  das  laça- 
rias alicatadas,  temos  as  superfícies  lisus,  onde  a  luz  se  quebra^ 


^  Der  Stil  in  den  technischen  und  tektonischen  KUnsttn.  Munchen, 
i863,  vol.  líy  Keramikpag.  1-187.  S  97-  S  107.  Die  dekorative  Q/íusstatíung. 
No  vol.  I  o  capitulo  *2jas  Trín^ip  der  Bekleidung  in  der  Baukunst,  subor- 
<linado  á  Textile  Kunst  pag.  217  e  seg. 


191 


igualmcDte,  sem  efPeítos  iríados.  Só  nos  últimos  annos  do  sé- 
culo xviii  é  que  a  fabrica  do  Rato  (quadros  d.^'  89  a  92)  volta 
á  polychromia,  no  azulejo,  mas  os  seus  azulejos  de  figura  são 
raros,  roais  raros  do  que  as  suas  louças  ^. 

Desde  já  lembramos  ao  leitor  que  deve,  na  collecçSo  do 
snr.  Nepomuceoo,  abstrahir  dos  quadros  n.^  59  a  6j,  azulejos 
de  figura,  em  azul  vivo,  que  são  composições  sacras  de  fabrico 
hoUandez,  importado  no  meado  do  século  XVII ;  formam,  com 
a  sua  côr  intensa,  o  seu  fundo  branco,  de  brilhante  esmalte,  o 
seu  desenho  largo  e  seguro,  um  contraste  com  os  visinbos  por- 
tuguezes.  Note«se  ainda  a  tenuídade  da  chapa ;  são  azulejos  mui 
delgados,  mas  resistentes.  A  scena  da  fugida  para  o  Egypto  po- 
deria ser  pintada  por  um  discípulo  de  Rubens;  é.  um  episodio 
de  família,  puramente  flamengo.  O  S.  Jeronymo,  extrahindo  o 
espinho  da  pata  do  leão,  nada  tem  do  ascetismo  da  imaginação 
peninsular,  como  também  nada  tem  de  {)ortuguez  ou  de  hespa* 
nhol  o  quadrinho  n.^  5^  de  quatro  azulejos,  com  episódios  rús- 
ticos á  feição  dos  pequenos  mestres  flamengos ;  as  qualidades 
technícas  e  attisticas  são  idênticas  ás  dos  quadros  mencionados : 
uma  grande  facilidade,  um  technicismo  superior,  emfim :  aquelle 
ar  de  ampla  liberdade  com  que  se  deleita  a  vista  e  o  coração. 
Vieram  do  paiz  que  creou  os  Geusen^  aquelles  heróicos  «pobre- 
tões», que  quebraram  os  ferros  hespanhoes  em  mil  pedaços,  e 
que  ainda  hoje  podem  zombar  dos  descendentes  de  Luiz  xiv 
(jue  affrontou  os  seus  artistas  com  o  titulo  de  fagots.  E'  preciso 
ir  8  Lisboa  ver  as  grandes  composições  em  azulejo,  de  proce- 
dência hoUandeza,  existentes  na  Madre  de  Deus  e  copiadas  tal- 
vez sobre  cartões  de  Rubens,  para  se  avaliar  bem  a  relação 
do  nosso  azulejo  grande  com  o  typo  grande  estrangeiro.  Pou« 


^  J-  No  clalistro  do  convento  de  S.  Francisco  de  Estremoz  (hoje  quar- 
tel militar)  encontrámos  azulejos  bellissimos;  que  nos  parecem  ser  do  Kato, 
revestindo  os  quatro  lados  em  alizar,  e  a  escadaria  que  conduz  ao  andar 
superíor.  Representam  arabescos  graciosíssimos,  foritaados  de  grinaldas  de 
flores  e  plumas  (cores :  azul,  amarello^  branco^  violeta  e  verde)  e  medalhões 
com  figuras^  tudo  no  estylo  Luiz  xv.  Estão  perfeitamente  conservados,  e 
podem  considerar-se  de  primeira  ordem.  No  interior  da  egreja  de  Santo 
Amaro  ha  uns  azulejos  exactamente  do  mesmo  estylo,  e  que  não  duvida- 
mos classificar  como  sendo  do  Rato.  Os  dois  medalhões  (entre  grinaldas  de 
flores)  representam  milagres  do  Santo ;  á  direita  um  grupo  efe  homens  e 
muiberes  com  muletas,  subindo  a  escada  da  ermida  de  Santo  Amaro,  phan- 
tasiada.  O  átrio  semi-circular  d'esta  egreja  de  Santo  Amaro  está  revestido 
de  notáveis  azulejos  em  estylo  da  Renascença  (rótulos  e  pendurados)  do 
flm  do  sec.  xvi  a  prindpios  do  século  xvii.  V.  o  que  dissemos  atraz  pag. 
76  nota  2. 


192 


cas  são  as  composições  que  reúnem  como  as  de  António  de 
Oliveira,  em  Évora,  qualidades  superiores  de  fabrico  e  de  fa- 
tura  artística^  de  grande  estylo  histórico. 

O  snr.  Nepomuceno  poderia  ter  duplicado  a  coUecção  que 
enviou,  tal  é  a  abundância  de  elementos  de  que  dispõe.  A  sua 
casa  em  Santo  António  da  Convalescença  é  um  muzeu  de  ex- 
traordinário valor;  salas  grandes,  quartos  espaçosos,  gabinetes; 
o  pateo,  as  paredes  e  os  alegretes  extensos  do  jardim  e  quinta, 
tudo  está  revestido  de  azulejos,  especialmente  de  typos  do  sé- 
culo passado,  dos  que  menos  abundam  na  exposição.  A  froo- 
taria  da  espaçosa  casa  (quasi  um  palácio)  está  vestida  de  alto  a 
baixo  de  azulejos  dos  três  últimos  séculos,  que  a  cobrem  como 
se  fosse  um  esplendido  tapete.  A  extensa  parede  do  lado  direito 
apresenta  principalmente  os  typos  lisos,  mas  polychromicos  do 
século  passado;  a  parede  opposta,  lado  da  quinta,  ainda  não 
tem  revestimento,  mas  não  tardará  a  cobrir-se.  Tudo  isso  é 
portuguez  de  mão  de  obra,  e  portuguez  de  lei  pela  intenção, 
pelo  elevado  interesse  do  proprietário  por  tudo  o  que  pertence 
á  arte  nacional. 

Architecto  do  governo,  distincto,  e  portanto,  muito  occu- 
pado  em  cargos  públicos,  chefe  de  numerosa  familia,  dedicado 
aos  seus  e  aos  amigos,  o  snr.  Nepomuceno  soube  ser  fiel  a  uma 
idea  durante  trinta  annos,  porque  trinta  annos  se  gastaram  em 
ajuntar  aquillo  que  nós  vemos  commodamente  em  poucas  ho- 
ras, não  pensando,  nem  sonhando  os  cuidados,  as  vigilias, 
os  sacrifícios  de  toda  a  ordem  com  que  se  paga  n'este  paiz  a 
audácia  de  ter  uma  ideia  generosa.  Na  mesma  casa  hospitalei- 
ra, que  se  tornou  o  asylo  da  antiga  olaria  portugueza,  ha  uma 
primorosa  collecção  de  livros  portuguezes  raríssimos,  de  ma- 
nuscriptos  preciosos,  de  bellos  quadros  antigos  e  de  singulares 
gravuras  portuguezas.  Cada  rehquia  tem  alli  a  sua  historia,  o 
seu  registro  de  vida ;  cada  cousa  é  uma  lembrança  ou  uma  pia 
memoria,  guardada  por  um  coração  portuguez. 

Possam  estas  linhas,  rapidamente  lançadas  no  papel,  di- 
zer ao  generoso  e  erudito  coUeccionador  o  quanto^  a  Sociedade 
de  Instrucção  agradece  da  fundo  do  coração  a  annuenda  ao 
seu  pedido,  e  quanto  o  publico  do  Porto  estima  os  poucos  por- 
tuguezes, que  nos  dias  em  que  vivemos,  pensam  que  nem  tudo 
se  deve  pesar  a  ouro,  que  nem  tudo  se  deve  vender  ao  es- 
trangeirou 

A  collecção  do  snr.  Nepomuceno  não  está  isolada ;  acom- 
pananham-n^a  uns  preciosos  quadros  pertencentes  ao  Muzeu 
do  Carmo  (Real  Associação  dos  Architectos  e  Archeologos  Por- 


ígi 


toguezes),  que  abrangem  os  séculos  xiv  a  xvii ;  e  ha  aindd  três 
series  de  fac-similes  de  exemplares  das  igrejas  de  Coimbra,  dis- 
postos em  três  quadros  grandes.  O  processo  de  reprodacção, 
escolhido  pelo  snr.  António  Augusto  uonçalves,  foi  a  aguarella, 
e  deve-3e  confessar  que  o  resultado  é  brilhante;  já  mais  de 
uma  pessoa  se  illudiu  com  aquelles  quadros,  suppòndo-os  com- 
postos de  verdadeiros  azulejos.  O  brilho  dos  esmaltes,  a  trans- 
parência da  côr,  a  intensidade  d'ella,  os  reflexos  da  luz,  em 
summa :  a  caracterisação  do  efieito  decorativo,  nada  falta  n^esta 
obra  que  a  Sociedade,  conhecedora  do  talento  do  snr.  Gonçal- 
ves, lhe  encommendou.  Com  mais  tempo  e  n^^ais  pincéis  de 
igual  força  a  Sociedade  teria  apresentado  um  enorme  álbum 
de  padrões,  porque  tudo  está  inédito,  tudo  está  por  collec- 
cionar. 

Ainda  assim,  a  direcção  continuará  occupando  o  lápis  do 
snr.  Gonçalves  na  colleccionação  dos  padrões  de  azulejos  dos 
nossos  templos. 

As  aguarellas  téem  uma  ligeira  coberta  de  verniz,  ctrcum- 
stancia  que  tem  feito  suppor  a  muitos  visitantes  que  ha  alií  pin- 
tura a  óleo. 

Em  duas  grandes  vitrines  que  ladeiam  a  fonte  da  nave 
central  e  estabelecem  a  ligação  com  as  grandes  linhas  do  vasi- 
lhame que  enchem  a  mesma  nave,  estão  ainda  numerosos  azu- 
lejos soltos  de  vários  expositores:  snrs.  A.  Luso,  Sequeira,  M. 
de  Azuaga,  novamente  o  Museu  do  Carmo,  e  alguns  poucos 
do  signatário  doestas  linhas.  O  que  ha  a  concluir  de  todas-  es- 
tas riquezas  ?  E^  tudo  nacional  ? 

E^  tudo  igualmente  bom  como  fabrico  (matéria  prima)  e 
como  modelo  de  estylo  ?  Ha  ahi  ordem,  ha  ahi  possibilidade 
de  uma  classificação  racional,  de  estylos  e  de  datas  ?  Vamos-vêr. 

Segundo  os  melhores  autores  o  azulejo  é  velho  na  penín- 
sula ;  o  quadro  foi  composto  primeiro  de  fragmentos  de  vidro, 
introduzidos  na  parede,  que  compunham  o  desenho,  isto  é,  se- 
gundo a  processo  do  mosaico;  depois  viçram  os  fragmentos  de 
barro,  e  por  ultimo  a  chapa  inteira,  de  desenho  imprensado, 
iiDitando  o  mosaico.  Foram  estes  os  três  processos  de  execu- 
ção, com  a  matéria  prima ;  adiante  veremos  o  processo  da  or- 
namentação. As  datas  correspondentes  a  esses  três  processos 
são  podetn  íixar-se  senão  aproximadamente :  século  x  a  xi ;  sé- 
culo XII ;  do  meiado  do  século  xni  em  diante  só  apparecem  imi- 
tações de  mosaico.  Os  specimens  do  primeiro  e  segundo  pro- 
cesso são  muito  raros :  vimol-os  em  Córdova,  na  grande  mes- 
quita e  alguns  poucos  de  mosaico  de  barro  nos  jardins  do 


194 


Alcazar  Viejo,  muito  maltractados ;  e  temos  noticia  de  outros 
do  mesmo  género  no  museu  de  Tarragona.  Na  exposição  não 
ba  senão  specimens  do  terceiro  grupo,  imitações  do  mosaico  em 
laçarias  alicatadas. 

Veiam-se  os  n.^*  i  -4  do  snr.  Nepomuceno  e  fragmentos 
dos  quadros  n.^  5  e  6;  Muzeu  do  Carmo,  n.***  i-3;  snr.  A. 
Luso  e  quadro  n.®  i  do  snr.  Gonçalves.  Os  specimens  do  pri- 
meiro expositor  appareceram  libados  a  edifícios  de  data  ainda 
anterior,  isto  é,  n.^  i  nas  ruinas  da  parochia  de  S.  Bartholo- 
meu,  cuja  fundação  data  de  1168;  o  quadro  immediato  é  da 
mesma  igreja;  o  terceiro  é  da  parochia  de  Santa  Marinha  (1222)^ 
e  o  quarto  da  parochia  de  S.  Lourenço  e  particularmente  da 
capella  da  Santa  Victoria  (1271),  tudo  em  Lisboa.  Os  dous  nú- 
meros seguintes  (5  e  6)  representam  duas  miscellaneas  de  pa* 
drões  de  i3oo  a  i6oo.  Não  obstante  estas  datas,  somos  de  pa- 
recer que  na  exposição  não  ha  azulejos  anteriores  a  i3oo,  o 
que  não  deve  admirar,  porque  os  edifícios  árabes  da  peninsula 
revestidos  de  verdadeiros  azulejos  não  são  muito  mais  antigos. 

A  Alhambra  de  Granada  foi  principiada  em  i2ã8;  o  Al- 
cazar de  Sevilha  foi  restaurado  completamente  por  D.  Pedro, 
o  Cruel,  de  1 353- 1 364,  e  o  palácio  intitulado  tCasa  de  Pilatos», 
da  mesma  cidade,  é  obra  do  principio  do  século  xvi,  do  devoto 
D.  Fradique  de  Rivera,  primeiro  marquez  de  Tarifa,  o  qual,  vol- 
tando de  uma  peregrinação  á  Terra  Santa,  quiz  ter  em  Sevi- 
lha uma  imitação  fiel  da  casa  de  Pilatos  em  Jerusalém.  Este 
f>alacío  é  célebre  pelos  seus  esplendidos  azulejos,  que  não  va- 
em  menos  do  que  os  outros,  mais  antigos,  de  Sevilha  e  Grana- 
da; o  leitor  pôde  admíral-os  n'uma  serie  de  magnificas  photo- 
graphias  da  casa  Laurent,  de  Madrid,  que  estão  collocadas  pre- 
cisamente debaixo  dos  quadros  do  snr.  Nepomuceno,  que 
representam  o  mesmo  estylo,  diremos  até  os  mesmos  padrões^ 
como  o  leitor  poderá  reconhecer  confrontando  os  exemplares. 

Ha  alli  ainda  photographías  de  outros  monumentos  ára- 
bes, que  dão  uma  ideia  do  effeito -total  que  produz  a  ornamen- 
tação árabe  no  estuque,  vasàdo  em  estalactite;  na  madeira 
embrexada;  no  azulejo  de  laçarias,  sahindo  de^todas  estas  com- 
binações um  effeito  decorativo  in descri ptivel,  uma  obra  de  fa- 
das que  só  o  artista  oriental  podia  inventar.  O  segredo  doeste 
effeito  está  no  arabesco^  como  vulgarmente  se  diz,  posto  que 
este  termo  se  applique  também  á  arte  da  Renascença.  O  ara* 
besco  é  o  resultado  da  combinação  de  poucas  figuras  geométri- 
cas ;  toda  a  infinita  variedade  se  reduz  pela  analyse  a  um  mui 
pequeno  alphabeto.  Authores  notáveis  hespanhoes,  o  snr.  Bor« 


igS 


reli  priDcipaimeme,  analysou  no  seu  magnifico  tractado  de  de- 
senho, a  theoria  da  ornamentação  árabe  com  a  maior  clareza, 
o  que  Jião  admira,  porque  Diogo  Lopes  de  Arenas,  já  a  havia 
exposto  em  Jò33  n'uma  obra  mui  notável  ^.  Os  artistas  e  arti- 
fices  bespauhos  tiveram  sobre  os  nossos,  em  todos  os  tempos,  a 
vantagem  incalculável  de  possuirem  excettentes  tratados  theo- 
ricos,  uma  tradição  naci*  nal  no  ensino,  uma  ligação  nunca 
completamente  interrompida.  Em  historia  da  arte,  isto  é,  na 
disciplina  que  resume  syntheticamente  os  resultados  d''esse  en- 
sino e  os  coordena,  tiveram  desde  antiga  data  também  uma 
serie  de  escriptores,  cuja  erudição  e  cujo  critério  merece  igual 
elogio.  Bastará  citar  os  trabalhos  de  primeira  ordem  de  Palo- 
mino,  Capnianny,  Cean-Bermudcz,  Ponz,  etc.  *,  no  século  pas- 
sado, com  os  quaes  se  tem  enfeitado  simplesmente  os  moder- 
nos authores  estrangeiros  que  se  occuparam  da  arte  hespanhola, 
salvo  raríssimas  excepções. 

Dizemos  isto,  desde  já,  para  que  o  leitor  não  supponha 
que  nós  vamos  resolver  todas  as  duvidas  históricas  que  a  expo- 
sição lhe  suggeriu  na  parte  respectiva.  A  base  de  qualquer  es- 
tudo histórico  é  a  exploração  dos  archivos;  e  este  trabalho  es- 
tava feito  em  Hespanha  em  fins  do  século  passado  no  assumpto 
de  que  tractamos.  Entre  nós  só  o  snr.  visconde  de  Juromenha 
se  dedicou  a  esse  trabalho,  de  que  se  aproveitou  o  conde  de 
Raczynski;  pôde  dizer-se  que  elle  coordenou  apenas  os  mate- 
riaes  do  snr.  visconde.  Depois  tudo  se  callou ;  e  nem  por  isso 


^  Breve  compendio  de  la  Carvinteria  de  lo  blanco  y  ir  alado  de  ala^ 
W/es.  ScTÍlla  por  Luiz  Estupifian,  io33,  4.0  Reproduzido  na  Biblioteca  de 
Él  Arte  en  Espana  vol.  iv,  com  o  mesmo  titulo.  Madrid,  1867-4.°  e  accres- 
centado  com  o  Suplemento  ó  adiciones  ao  mesmo  compendio  por  Santiago 
Rodrigues  de  VillafaSe^  impresso  em  Sevilha  em  ilil, 

'  Recordaremos  apenas  de  Palomino  o  Museo  pictórico.  Madrid^ 
J715-1724.  Dous  volumes  in  foi.  com  copiosíssimas  e  boas  noticias.  Cap- 
nanny  Memorias  históricas  sobre  a  marinha,  o  commercio  e  artes  de  Bar- 
celona (Madrid,  1779-92  em  4  vol.),  importantissimas  para  toda  a  Hespa- 
nha .  £.  Larruea  Memorias  politicas  y  económicas  sobre  los  frutos^  Jabri' 
caty  minas  (^Espana.  Madrid,  1789.  Até  á  morte  do  autor  (x8o^)  unham 
sabido  48  volumes  1  Cean-Bermudez,  o  V.asari  hespanbol :  Diccionario  his- 
tórico dos  artistas  hespanhoes.  Madrid,  1800^  6  vol.  Do  mesmo.  Noticia 
de  los  arquitectos  de  Madrid,  1820  em  4  vol.  Ponz,  Viage  de  Espana,  Ma- 
drid, 1786-54  em  18  vol.  Por  ultimo  citaremos  a  obra  capital  do  Padre 
Henrique  rlores  La  Espana  sagrada^  começada  em  1747.  e  continuada  até 
i832  em  45  vol.  4.*' ;  e  o  trabalho  similhante,  mas  de  menor  valia,  de  Jaime 
Vílianueva.  "Viage  literário  a  las  iglesias  de  Espana.  Madrid,  i8o3-i852 
em  22  vol.  Que  temos  nós  que  se  possa  comparar  com  este  grupo  para  o 
estudo  da  historia,  da  arte  e  da  industria  nacional^ 


196 


se  deixa  de  exigir  do  estudioso  que  elle  seja  historiador,  critica^ 
paieographo,  etc,  cousa  que  ninguém  se  lembraria  de  pedir 
em  outro  paíz  ^. 

Emquanto  não  fôr  feita  uma  reforma  radical  na  Tome 
do  Tombo;  emquanto  nao  houver,  como  em  Hespanha,  um  cor- 
po de  archivistas  e  paleographos,  bem  organisado  e  rasoavel- 
mente  pago,  nem  os  estudos  de  arte,  nem  qualquer  outro  ramo 
de  estudos  históricos  poderá  dcsenvolver-se  plenamente,  en- 
tre nós. 

Não  obstante,  aqui  mesmo  provaremos  que  sempre  é  pos* 
sivel,  com  algum  trabalho,  preencher  algumas  lacunas  na  des- 
curada historia  da  cerâmica  portugueza.  Já  vimos  o  que  nos 
dizem  as  datas  dos  quadros  da  exposição,  mas  além  das  que 
citámos,  ainda  ha  outras.  Temos  como  certas  as  que  se  refe- 
rem ao  século  xv  (quadros  n.^  8- 18);  a  laçaria  alicatada,  a 
combinação  geométrica  já  não  predomina  exclusivamente,  como 
no  século  antecedente;  o  ornato  vegetal  vai  se  introduzindo  pouco 
a  l^ouco,  até  prevalecer,  até  ficar  só  em  campo.  Do  principio  do 
século  XVI  em  diante,  até  fim  (n.^  19^4^  e  5i  a  b4)  operasse  a 
transformação  citada,  completamente,  e  ainda  se  dá  outro  phe- 
nomeno:  o  relevo  do  azulejo  vai  desapparecendo,  ficando  as 
superfícies  lisas;  o  schema  das  cores  conserva-se  o  mesmo, 
desde  o  século  xiv  até  meado  do  século  xvi;  são  cince  cores 
typicas:  verde,  castanho  cKro,  turqueza,  côr  de  vinho  e  ftui- 
dos  brancos,  frequentes  vezes  com  reflexos  metálicos  de  grande 
vigor.  Depois,  as  cores  vão  diminuindo  para  o  fim  do  século  xvi : 
quatro,  três,  duas,  até  ao  azul  único,  na  segunda  metade  do 
século  XVII.  Não  se  repare  em  alguns  quadros  de  uma  só  côr 
verde,  mais  antigos ;  são  excepções  raras '.  Ha  alli  um  magnifico 


^  E'  íusto  mencionar  aqui  o  nome  do  Bispo  Conde  Fr.  Francisco 
de  S.  Luiz,  aepois  Cardeal  SaraivA  e  Patriarcha,  que  explorou  muitos  do» 
oimentos  da  Torre  do  Tombo  (Vide  Obras  completas  Lisboa^  1872  1880, 
9  vol)  para  a  historia  da  arte.  Outros  elementos  estão  muito  dispersos  nas 
obras  de  J.  Pedro  Ribeiro,  António  Ribeiro  dos  Santos,  Visconde  de  San- 
tarém etc. 

*  Ha-os  também  de  côr  azui  escuro,  lisos  (Nepom.  n.«  58  e  Doe.  vni); 
o  azul  escuro  lavrado,  com  padrão,  não  o  ternos  encontrado.  O  verde  liso, 
só,  não  figurava  na  exposição,  mas  estava  lá  o  Hvrado  (Nepom  n.*  7)  e  o 
bellissimo  espécimen  de  Thomar,  de  grande  formato  (Museu  do  Carmo  n.* 
54).  O  azul  claro  (turqueza)  com  branco, em /aixa,  esteve  representado  em 
peças  soltas  (Ojc.  viii),  e  a  faixa  verde  e  branca  em  o  n/"  26  (Nepom) ;  o 
escaque  verde  e  branco  em  os  n.«"  8,  26  e  36  da  coliecção  Nepom ;  o  es- 
caque azul  e  branco  faltava. 


197 


espécimen  do  século  xv,  padrão  geométrico  com  esmalte  verde 
apagado,  das  capellas  da  certa  do  extincto  convento  de  Santa 
Cruz  de  Coimbra  (n.°  7);  vimos  outros  com  lavores  do  e&tylo 
do  Renascimento  em  Evqra,  e  também  de  uma  só  côr  verde  K 

O  quadro  composto  de  romboides  verdes  e  brancos  (n.<^ 
8)  é  dos  paços  de  S.  Chribtovão  (1457),  e  antigo  producto  das 
Caldas  da  Rainha.  E'  fabrico  da  mes^ma  localidade  o  azulejo 
do  quadro  n.<>  26,  que  pertenceu  ao  convento  da  Madre  de 
Deus:  superfície  lisa,  enxaquetada  de  verde  e  branco  em  banda 
e  contrabanda  (i5io). 

Temos,  emíim  o  n.°  24,  que  é  muito  curioso,  porque  é 
azulejo  dt  pavimeuto,  do  presbyterio  do  mesmo  convento,  e  da 
lne^ma  época;  é  uma  superfície  lisa  enxaquetada  em  palia  e 
fieiixa  a  quatro  cores.  São  raros  os  azulejos  de  pavimento  ^; 
quasi  sempre  veem-se  em  alizares,  que  revestem  as  paredes  até 
á  altura  de  um  a  dous  metros ;  chamavam  a  isto  precintar  de 
a;ulejo:  pôr  cinta.  No  palácio  real  de  Cintra  ha  azulejos  de  pa- 
vimento na  celebre  sala  de  triste  memoria,  em  que  esteve  en- 
carcerado D.  Aflbnso  vj;  e  já  que  estamos  faltando  de  Cintra 
len)braremos  que  o  palácio  é  um  verdadeiro  muzeu  de  azulejos 
de  alto  relevo,  dos  mais  raros  e  mais  antigos  que  possuimos ; 
a  este  respeito  rivalisa  com  a  Sé  velha  de  Coimbra. 

Do  que  fica  exposto  terá  o  leitor  apurado  facilmente  o  se* 
guinte:  Sob  o  ponto  de  vista  do  fabrico  ha  três  processos :  pseudo- 
azulejo  em  duas  variedades :  mosaico  de  vidro  e  mosaico  de 
barro;  azulejo  imitando  mosaico,  de  chapa  inteira. 

Sob  o  ponto  de  vista  da  ornamentação:  laçaria  geomé- 
trica, que  pode  ser  formada  de  linhas  rectas  (mais  archaico)  ou 
curvas  até  fins  do  século  xv;  intervenção  do  elemento  vegetal  no 


^  Foi  isto  no  outomno  de  1882^  entre  o  entulho  de  umas  obras  que 
se  andavam  a  fazer  na  torre  da  cathedral.  O  coruchéu  do  lado  esquerdo 
estava  revestido  de  velhos  azulejos, que  foram  arrancados,  em  grande  parte. 
Acbámos  depois  o  mesmo  padrão,  mas  polychromico,  na  Sé  velha  de 
Coimbra.  Representa  uma*  albarrada  com  flores. 

'  No  refeitório  do  collegio  particular,  estabelecido  hoje  no  antigo 
convento  dos  Loyos  de  Évora,  encontrámos  no  pavimento  um  mosaico  (n« 
gura  estrellada),  composto  de  tijolos  amarellos  e  vermelhos,  de  bellissimo 
effeito.  A  acura  é  muito  semelhante  á  que  se  encontra  a  pag.  129  da  obra 
de  Gerspacb.  lia  mosaique.  i.**  padrão  á  esquerda. Comquanto  não' se)aa^u- 
lejo^  citamos  aqui  este  mosaico  de  tijolo  bichromico,  como  um  espécimen 
único,  que  conhecemos,  applicado  ao  pavimento.  O  tijolo  teve  outr'ora  ecn 
bastantes  cidades  do  Aiemtejo  e  Algarve  (Évora,  Beja,  Estremoz,  Villa  Vi- 
çosa, Tavira,  Loulé),  uma  applicaçao  muito  artística,  comoehemento  deco- 
rativo da  architectura  externa. 


\ 


198 


principio  do  século  xvr,  pela  influencia  da  Renascença  e  expal- 
sâo  graduai  da  combinação  geométrica  até  fins  do  mesmo  sé- 
culo. Colorido:  as  cinco  cores  typicas,  diminuindo  o  numero, 
da  segunda  metade  do  século  xvi  em  diante  (cerca  de  i58o) 
até  ficar  reduzido  a  uma  côr  única,  o  azul,  no  fim  do  século 
XVII.  O  esmalte  é  sempre  composto  sobre  base  de  estanho; 
d^ahi  o  brilho  e  a  transparência  das  cores.  O  e^itylo  n'esta  epo- 
cha  é^  naturalmente,  o  estylo  geral  da  arte  contemporânea :  ba- 
roque^  caprichoso,  exagerado,  com  pretensões  a  novidades  grotes- 
cas; vemos  surgir  então  as  molduras,  os  escudetes,  os  rótulos 
extravagantes,  enfeitados  de  pesadas  grinaldas  de  ílôres  e  fruc- 
tos;  a'^  enormes  cornucopias,  os  génios  e  os  anjos  papudos,  es- 
te.idendo-se  perguiçosamente  por  cima  das  cornijas;  tudo  tem  um 
ar  de  cansaço,  um  aspecto  pesado,  trivial.  Ha  excepções  eapon- 
tal-as-hemos  no  paiz^.  Os  quaJros  da  exposição  com  figura  hu- 
mana não  são  muitos,  nem  distinctos.  Citaremos  como  typos  os 


^  Apontaremos  p.  ex.  Em  Estremo^ç^  os  bellos  azulejos  do  con- 
vento dos  Congregados  fundado  em  1698,  (hoje  camará  munidpal)  com 
scenas  da  vida  de  S.  Felipe  Nery ;  em  Setúbal  na  egreja  de  São  Julião,  a 
historia  do  Santo,  do  menino  Celso  e  da  sua  mãe,  azulejos  muito  notáveis, 
de  intensa  côr  azul,  com  inscrípções  portuguezas ;  o  desenho  dos  quadros 
fa?  lembrar  as  estampas  de  Wierx;  tendo  sido  a  egreja  arruinada  pelo  ter- 
ramoto de  1755,  não  podem  os  azulejos  ser  anteriores  a  esta  data.  Setubaly 
na  egreji  de  Santa  Maria  da  Graça, quatorze  painéis  com  scenas  da  vidada 
Virgem,  em  azul,  com  moldura  polychromica  (2>  metade  do  sec.  xvni). 
No  convento  dos  freires  de  Palmella  formosos  azulejos  de  tapete,  da  pri- 
meira metade  do  sec.  xvir.  Em  Tkomar,  no  convento  de  Chrísto  (corredo- 
res internos)  composições  notáveis  em  tinta  violeta  (manganez),  côr  rara,  en- 
tre nós,  talvez  fabrico  hollandez;  outro  espécimen  raro  em  violeta,  no  con- 
vento de  S^nta  Cruz  de  Coimbra  (claustro  da  Manga).  Em  Guimarães,  no 
convento  de  S.  Francisco,  quadros  da  vida  d'esie  santo  e  de  Santo  Antó- 
nio, muito  curiosos  e  de  bom  lavor,  sec.  xvm.  Em  BarcelloSy  no  convento  das 
freiras  de  S.  Bento,  grandes  composições  de  muito  merecimento  sobre  a 
historia  da  ordem ;  mesma  época.  Braga  na  capella  de  S.  Giraldo,  cinco 
Quadros  da  viJa  do  Santo,  trabalhos  muito  distinctos,  que  se  asseme- 
mam  no  estylo  ás  grandes  composições  da  egreja  dos  Loyos  de  Évora  (i.* 
metade  do  sec.  xviii).  Na  mesma  5é  de  Braga,  os  azulqos  da  capella  de 
S.  Pedro  de  Rates,  assignados  por  António  de  Oliveira  Bernardes,  da  famifia 
dos  Oliveiras  de  Evora>(v.  adiante  Documento  xiii,  continuação).  Braga,  no 
convento  de  Nossa  Senhora  da  Piedade,  vários  assumptos  sagrados,  em  pai- 
sagens muito  notáveis  (mesma  época).  Faro,  na  e^^reja  de  S.  Pedro,  no  in- 
terior, do  lado  direito:  grande  composição  architectonica  com  scenas  do 
Juízo  íinal.  Faro,  na  cathedral,  capella  de  Sâo  Francisco  de  Paula,  com  sce- 
nas correspondentes.  Silves,  na  Sé,  quadros  da  vida  de  Moysés ;  Louléy  na 
matriz,  scenas  da  vida  de  Nossa  Senhora,  erc  Isto  só  com  relação  aos  azu- 
lejos mais  notáveis,  não  datados,  porque  já  fallajQos  dos  azulejos  com 
data  (v.  retro  pag.  74-83). 


199 


t).***  87  e  88  (J750-17Ò0).  Muito  melhores,  mas  convendonaes  na 
expressão  são  os  quadros  n.^  80  e  81  com  a  Circumcísão  do  Me- 
nino e  a  Natividade  da  Virgem.  As  figuras  da  Fé,  Esperança  e 
Caridade  (n/*  84  a  86)  não  inspiram  nem  fé,  nem  esperança,  nem 
caridade  a  ninguém.  Também  não  se  pôde  dizer  que  os  qua- 
dros das  batalhas  de  Alexandre  ^n.^'  62  a  71)  sejam  uma  tra- 
dução apropriada  da  relação  de  Plutarcho;  aquelles  gregos  e 
aquelles  persas  são  em  caracter,  em  expressão,  nos  trages,  no 
amnamento,  etc,  uma  verdadeira  mascarada  (]65o).  Ha  alli, 
{lado  direito,  á  entrada)  azulejos  em  padrões  de  tapete  polychro- 
mico,  da  mesma  epocha,  que  provam  claramente  que  os  artis- 
tas estavam  n'esse  género  tradicional  muito  mais  á  vontade. 

Finalmente,  chamaremos  a  attenção  do  leitor  para  os  qua- 
dros n.®'  89  a  92,  que  terminam  a  serie.  São  da  antiga  fabrica 
do  Rato  e  representam  cartouches  de  estylo  rococo  e  ornatos 
graciosos:  aves  brincando  no  meio  de  grinaldas  de  flores,  e  gol- 
phinhos  nadando  por  entre  plantas  e  arabescos.  Estes  azulejos 
do  Rato  são  raros,  como  dissemos.  A  pintura  é  polychromica, 
nas  cores  tradicionaes,  bem  segurasse  de  bello  esmalte ;  o  de- 
senho firme  e  fácil,  a  um  tempo ;  em  summa,  o  effeito  deco- 
rativo completamente  satisfactorio.  Fechamos  esta  rápido  exame 
que  daria  um  volume,  sendo  minucioso,  lembrando  uns  qua- 
dros, cuja  falta  o  leitor  terá  talvez  notado.  São  os  n.^'  44  a  49, 
que  procedem  de  fabricas  de  Talavera  (riespanha),  segundo  a 
tradição,  e  pertenceram  ás  casas  dos  Albuquerques,  em  Azei- 
tão. O  estylo  é  da  Renascença,  mais  flamenga  do  que  italiana: 
creanças  brincando,  caçando  e  tomando  banho;  outros  quadros 
são  puramente  de  groteschi^  motivos  de  ornamentação  vegetal, 
com  animaes  de  per  melo.  E^  ainda  he.^^panhol  o  quadro  n.°  77, 
que  tem  a  assignaturá  do  artista,  Gabriel  dei  ^arco,  f.  lôg^: 
representa  uma  dama  da  epocha  com  uma  rede  cheia  de  —  co- 
rações. E'  escudado  dizer  o  que  significa. 

Esteve  este  azulejo  em  Lisboa,  na  casa  dos  condes  da 
Ponte,  ao  Calvário,  em  um  palácio  celebre,  onde  se  caçaram  e 
^  perderam,  com  effeito,  muitos  corações. 

II 

LOUÇA  ANTIGA  PORTUGUEZA 

A  fabrica  do  Rato,  fabricas  de  Estremoz;  fabricas  de  Vianna  doCastelIoe 
de  Barcellos ;  fabricas  do  Porto  e  Lisboa. 

Até  ha  pouco  tempo  apenas  se  fallava  da  fabrica  de  faiença 
4o  Rato,  em  Lisboa,  como  a  única  digna  de  menção  no  século 


200 


passado.  A  presente  exposiçSo  veio  revelar  a  exbtencia  de  va« 
rias  fabricas  concurrentes,  cujos  productos  entram  agora  em 
campo.  A  região  septentrional  do  paiz,  principalmente,  apresenta 
um?  ^'e^ie  de  exemplares  dignos  da  maior  attenção,  com  marcas 
novas,  e  é  natural  que  agora  appareqam  mais  espécimens  da 
mesma  procedência,  de  que  não  se  fez  caso  até  hoje.  Queira 
cada  um  procurar  bem  em  casa,  entre  a  louça  velha  que  deitou 
a  um  canto,  mais  ou  menos  damnifícada,  e  não  ter  receio  de  se 
envergonhar  com  ella;  para  o  estudioso,  para  o  historiador,  um 
simples  fragmento  com  uma  marca,  com  um  signal  qualquer,  é 
muitas  vezes  o  fío  conductor  n'*um  escuro  labyrintho,  e  a  his- 
toria da  nossa  cerâmica  não  tem  muita  luz,  como  é  notório. 
Ninguém  sabe,  por  exemplo,  até  hoje,  o  que  é  feito  da  louça 
portugueza,  do  vasilhame  do  século  xv  e  xvi.  Só  do  século  se- 
guinte é  que  temos  alguns  exemplares,  que  pertencem  ao  rei- 
nado de  D.  Pedro  ii. 

Os  dous  boioes  de  botica  do  snr.  G.  Tatt  (n.^  140  e  141) 
sSo  do  reinado  anterior  de  D.  João  iv,  e  trazem  ambos  uma 
preciosa  data:  1641  por  debaixo  das  armas  reaes  portugue* 
zas;  mas  peças  d^e^ta  ordem  são  raríssimas.  ^  E'  a  data  mais 
anitga  que  até  hoje  se  tem  descoberto  em  peça  de  vasilhame 
portugueza. 

Rhtão  perfeitamente  conservados ;  a  sua  pintura  é  um  la- 
vor de  arabescos  d?  estylo  baroque,  em  tinta  azul  clara,  sobre 
um  esmalte  branco  de  bõa  qualidade  '. 

{Continua.)  JoAQUIM    DE   VaSCONCELLOS. 


1  A  Sociedade  de  inslrucção  possue  hoje  um  outro  exemplar  (3.o) 
com  as  mesmas  armas  e  a  mesma  data  de  1641,  dadiva  do  consócio  snr. 
dr.  Brandt. 

'  Eis  a  nossi  descri pção  no  catalogo  da  Exposição  (Documento  x, 
Louça  antiga  portuguesa), 

N.o  140  Boião  alto,  excepcional  0,27  Vi  ^'  ^^  frente  as  armas  reaes 
que  teem  em  baixo  a  data  — 1641  —  No  verso  um  cavalleiro  em  trages  da 
época,  pescando  ao  anzol  sobre  umas  rochas  que  servem  de  base  a  uma  for- 
taleza. Em  baixo,  no  mar,  dous  navios  á  vela,  e  um  bote,  movido  a  remos. 
Pintura  azul  claro,  a  largos  traços.  Sem  marca. 

N.<>  141.  Outro  exemplar  com  aa  mesmas  armas  e  data;  No  verso 
uma  paisagem:  uma  corça,  saltando  por  cima  de  uma  ponte:  em  baixo 
três  patos  grandes,  na  agua . 


3.«  ANNO 


I  DE  MAIO  DE  i883 


N.-5 


a 

O  presente  Discurso  de  Duarte  Ribeiro  de  Macedo  foi 
escripto  em  Paris  em  1675,  mas  ficou  inédito  até  ao  principio 
d*estc  século.  A  edição  mais  accessivel  era  a  de  A.  Lourenço 
Caminha  ^,  de  que  nos  servimos,  mas  já  é  hoje  rara.  Explica- 
remos em  poucas  palavras  as  razões  que  determinaram  esta 
reimpressão. 

Em  primeiro  logar,  o  escripto  de  Macedo  é  o  único  que 
possuimos,  em  lingua  portugueza,  em  que  se  reflecte  o  movi- 
mento de  reforma  do  ensino  das  artes  industriaes  e  dos  oificios 
em  geral,  qne  Colbert  iniciou  em  França,  marcando  uma  nova 
época  na  historia  do  seu  paiz  e  na  historia  geral  da  industria 
europêa.  Ribeiro  de  Macedo  teve  occasiâo  de  estudar  esse  mo^ 
vimento  no  próprio  centro  da  acção,  em  Paris,  durante  o  tempo 
da  sua  enviatura.  Dotado  com  raro  engenho  e  talento  de  obser- 
vador reconheceu  logo  todo  o  alcance  das  medidas  de  Colbert. 
O  primeiro  edital  com  que  o  grande  ministro  inaugurou  o  seu 
systcroa  de  educação  nacional  é  de  23  d^agosto  de  1666  sobre 
as  manufacturas  da  Normandia  '.  Em  166 1  tinha  o  ministro 
occupado  o  logar  de  Fouquet  e  em  1675,  anno  em  que  Ribeiro 
de  Macedo  redigiu  o  seu  Discurso  ainda  a  reforma  não  estava 
completa;  Colbert  morreu  só  em  i683,  trabalhando  sempre. 
Pôde  dizcr-se  pois,  mais  uma  vez,  n''este  caso  como  em  muitos 
outros,  que  Portugal  foi  bem  servido  e  a  tempo,  que  não  faltou 
na  grande  crise  politica  e  económica  do  reinado  de  D.  Affonso 
VI  um  espirito  lúcido,  um  homem  de  profunda  sciencia,  capaz 
de  comprehender  o  que  fazia  um  dos  maiores  reformadores  do 
stc.  xvii  e  de  adivinhar  todo  o  alcance  de  uma  incalculável  re- 
forma. Resta  só  averiguar  se  confiaram  a  esse  homem  a  acção, 
se  o  deixaram  curar  o  doente.  Não,  é  a  resposta.  Só  o  Marquez 


^  Obras  inéditas  de  Duarte  Ribeiro  de  Macedo  etc.  Lisboa,  1817. 
&*  peq.  O  Discurso  occupa  as  pag.  1-X02;  não  se  encontra  na  edição  das 
suas  obras  completas  em  2  vol.,  adiante  citada. 

•  Freiherr  von  Dumreícber.  Ueber  den  franzosischen  National' 
Wohlstand  ais  Werk  der  Er^iehung,  Erste  Btucíie.  Wien,  i87o  pag.  69. 
Ahi  mesmo  as  razões  porque  se  marca  esta  data,  postoque  Colbert  orde- 
nasse anteriormente  outras  medidas.  ^ 

VÈXJSTk  DA  SOCIUDABB  DB  INSTRUCÇÃO  DO  POaTO.  U 


202 


de  Pombal  é  que  começou  a  ensaiar  o  plano.de  Macedo  oitenta 
annos  depois  de  elle  o  ter  escrípto  ^.  As  medidas  do  ministro 
teem,  sob  o  ponto  de  vista  da  organisaçâo  da  industria,  tanta 
originalidade  como  as  leis  sobre  a  reforma  do  ensino.  De  um 
lado  encosta-se  a  Ribeiro  de  Macedo,  do  outro  ao  medico  e 
pedagogo  dr.  Ribeiro  Sanches.  O  primeiro  despertou  a  5ua  at- 
tençâo  sobre  as  medidas  de  Colbert  *;  o  segundo  forneceu-lhe 
o  plano  para  a  reforma  da  Universidade  e  para  a  fundação  do 
Collegio  dos  Nobres.  A  reimpressão  das  canas  do  dr.  Sanches 
que  se  fez  n''esta  Revista^  devia  ser  accompanhada  de  uma  nova 
edição  do  discurso  de  Macedo ;  os  dous  trabalhos  completam- 
se  aqui,  e  sobre  a  fnesa  do  grande  Marquez  estavam  decerto 
um  ao  lado  do  outro;  Caminha  assegura  que  fez  a  sua  edição 
sobre  o  manuscripto  autographo  de  Macedo,  que  pertencera  a 
Pombal '.  E'  escusado  dizer  que  não  nos  passa  pela  mente  a 
ideia  de  diminuir  o  merecimento  das  reformas  do  ministro;  a 
iniciativa  foi  d^^elle;  foi  elle  que  convenceu  o  rei,  expondo-se  a 
todos  os  ódios  e  a  todos  os  ataques.  Confessado  isto,  não  nos 
levarão  a  mal  que  púnhamos  debaixo  da  assignatura  do  Mar- 


1  As  medidas  do  Conde  da  Ericeira  D.  Luiz  de  Menezes,  Vedor  da 
Fazenda  na  regência  de  D.  Pedro  ii,  roram  neutralisadas  pelo  tratado  de 
Methwen  (i7o3),  e  talvez  ainda  mais  pelas  descobertas  das  minas  do  Brazil 
/1693),  que  produziu  uma  nova  loucura,  semelhante  á  do  século  xvi,  apoz  a 
descoberta  da  índia.  «O  Brazil  não  dava  tantas  riquezas  a  Portugal,  como  a 
producção  e  a  manufactura  das  sedas  á  França^  e  ao  Piemonte»  (Neves. 
Noções,  pag.  5). 

'  O  ministro,  mandando  á  Direcção  da  Junta  do  Commercio  a  me* 
Ihor  obra  de  Colbert,  a  CoUecç.io  dos  Regulamentos  geraes^  e  particulares, 
concernentes  ás  manufacturas^  e  fabricas  de  França  (Paris,  ijSo^  em  4 
Yol.),  acompanhava  a  remessa  com  as  seguintes  linhas  muito  significativas 
«o  qual  riivro)  ^tiro  da  mmha  livraria^  para  que  depositando-se  perpetua- 
mente soDre  a  meza,  em  que  se  fazem  as  conferencias  no  Real  Collegio  das 
Manufacturas  nacionaes,  possam  os  mesmos  livros  servir  não  só  de  instruc- 
ção  aos  directores  actuaes,  e  futuros ;  mas  também  à  utilidade  publica, 
para  os  guiar  ao  acerto,  e  adiantamento  dos  negócios,  que  fazem  o  objecto 
aesta  direcção,  na  qual  poderão  ser  vistos  em  todos  os  casos  occorrentes 
para  o  melhor  acerto,  e  deliberação  doestes  estabelecimentos ;  recomcnen- 
dando  V.  S.*  da  minha  parte,  que  os  directores  os  leiam  todos,  e  que  este 
q4víso  se  fegístre  na  contadoria,  lan^ando-se  os  mesmos  livros  em  lem- 
brança no  inventario  dos  papeis  mais  recommendaveis  d* esta  direcção^ 
para  que  nunca  d'ella  possam  ser  extrahidos  debaixo  de  qualquer  pretexto 
que  seja  (29  de  maio  de  1773) ;  apud  Neves.  Noções  históricas,  económicas 
e  administrativas  (sobre  a  fabrica  das  sedas  e  annezas)  Lisboa,  pag.  88  nota. 

8  «Recolhidas  da  melhor  fonte  original  que  possuiu  o  Ilíustrísãmo 
e  Ezcellentissimo  Marquez  de  l^ombal,  Sebastião  José  de  Carvalho  e  Mello» 
pag.  I  do  Prologo. 


203 


quez  a  dos  seus  coilaboradores,  o  que  tem  sido  esquecido  ainda 
pelos  mais  modernos  e  conscienciosos  historiadores  nacionaes  ^. 
£'  um  aao  de  justiça  que  nos  gloriamos  de  praticar,  e  que  tal- 
vez estaria  já  saldado,  se  os  dois  escriptos  de  Sanches  e  Macedo 
oSo  fossem  infelizmente  tão  raros. 

No  momento  presente  em  que  tanto  se  falia  da  reforma 
do  emino  profissional,  que  tomamos  a  liberdade  de  traduzir 
mais  claramente  em:  «retorma  das  condições  da  aprendizagem 
nos  officios  manuaes»,  a  publicação  do  Discurso  de  Macedo 
parece-nos  ter  ainda  a  seu  favor  o  merecimento  da  opportuni- 
dade.  E'  escusado  dizer  que  uma  parte  das  ideias  económicas 
do  autor  teem  hoje  apenas  valor  histórico;  escreveu-as  quando 
éramos  ainda  uma  potencia  colonial.  A  organisação  dos  officios 
baseava-se  então  sobre  uma  serie  de  privilégios;  tudo  isso  pas- 
sou, mas  o  que  pudemos  e  devemos  ainda  estudar  é  a  questão 
do  methodo,  a  relação  que  existe  entre  o  presente  e  o  passado, 
em  summa:  quaes  são  os  elementos  tradicionaes  das  industrias 
portuguezas  e  t^asear  a  nova  reforma  sobre  esses  elementos. 
Nenhum  paiz  faz,  impunemente,  taboa  rasa  sobre  o  seu  passa- 
do, sobretudo  em  questões  que  se  relacionam  intimamente  com 
o  ensino  publico,  com  a  educação  nacional,  que  se  transforma 
só  mpi  lentamente.  A  França,  mesmo,  teve  de  o  reconhecer  na 
questão  especial  que  pretendemos  analysar:  a  reforma  da  apren- 
dizagem nos  officios  ^.  Apesar  dos  seus  incomparáveis  recur- 
sos, apesar  da  energia  e  elasticidade  do  génio  francez,  dos  rer 
cursos  pecuniários  da  nação  e  da  incalculável  vantagem  de  ter 
iniciado  a  moderna  reforma  do  ensino  technico,  industrial  e  ar- 
tístico, achou-se  vencida  em  nossos  dias,  primeiro  pela  Inglaterra 
e  depois  péla  Áustria.  Os  seus  pedagogos  ja  confessam  grave 
perigo  perante  um  terceiro  concorrente :  a  Allemanha  ^. 

O  metbodo  que  esses  paizes  puzeram  em  pratica  é,  pre- 


^  Citaremos  apenas  o  snr.  Latino  Coelho.  Historia  politica  e  militar 
de  Portugal  desde  os  fins  do  xvm  século  até  1814.  Lisboa,  1874  vol.  i.  Nem 
uma  palavra  das  cartas  de  Sanches,  nem  uma  palavra  do  discurso  de  Ma- 
cedo. Neves^  que  tanto  elogia  o  conde  da  Ericeira  D.  Luiz^  nem  sequer  cita 
o  nome  de  Macedo  no  volume  das  Noções ;  apenas  refere  a  anecdota  da 
Condessa  de  Vimioso,  e  uma  outra  noticia  avulsa  nas  Variedades. 

*  Vid.  as  provas  em  K.  Biichner.  Lehrlingsfrage  und  gewerbliche 
Bildung  in  Frankreich.  Eisenach,  i878. 

'  Maríus  Vachon.  Nos  industries  d^art  en  péril .  Un  musée  mtiníct- 
al  éTéludes  dart  industriei.  Paris,  1882.  8.^  gr.  Vid.  a  analyse  d*este  traba- 
bo  em  as  nossas  Revistas  de  Bellas  Artes  e  Artes  industriaes,  publicadas  no 
JormU  do  Commercio  de  Lisboa^  março  e  abril  de  i883. 


l 


204 


dsaroente,  aquelie  que  apontamos,  e  temos  advogado  ha  bas^ 
tantcs  anoos.  A  Sociedade  de  instrucçâo  do  Porto  começou  já 
a  executar  o  projecto  de  reforma,  pelas  exposições  espeda^ 
pelas  conferencias,  pelos  congressos,  pelas  vhgens  de  estudo  dos 
seus  delegados  dentro  do  paiz,  peia  propaganda  diária  na  im- 
prensa ;  amanhã  terá  a  escola  com  as  suas  officinas,  o  campo 
pratico  que  procura,  e  de  que  precisa  indispensa^elmente,  para 
provar  aos  incrédulos  que  não  vive  de  phantasias. 

As  notas  que  accompanham  o  texto  de  Ribeiro  de  Macedo 
são  nossas ;  a  edição  de  António  Lourenço  Caminha  não  tem 
nenhuma.  O  leitor  julgará  do  merecimento  d''ellas  no  fim,  de- 
pois de  conduido  o  texto,  quando  recapitularmos  a  doutrina  do 
autor.  O  nosso  intuito,  ao  fazeUas,  não  foi  &õ  escolher  o  fru- 
cto  entre  as  folhas,  distinguir  o  que  tem  valor  retrospectivo  e 
prospetivo,  mas  pôr  es  observações  do  autor  em  relação  com 
as  dos  poucos  escriptores  portuguezes  que  se  occuparam  com 
as  questões  do  ensino  technico,  industrial  e  artistico,  até  á  ex- 
tincção  dos  privilégios  dos  officios  ^. 

Na  era  nova,  na  era  da  liberdade,  só  um  homem  tratou 
seriamente  da  reorganisação  da  aprendizagem.  Foi  Fradesso  da 
Silveira,  mas  ninguém  deu  por  isso  ^.  No  mundo  official  houve 
uma  tentativa  para  a  solução  practica  do  problema;  os  contem- 
porâneos não  a  entenderam ;  seria  talvez  cedo.  Os  Conservató- 
rios das  Artes  e  Officios,  creados  cm  i836  em  Lisboa  e  Porto 
por  Fassos  Manoel  foram,  cfiScialn^ente,  cobertos  de  ridiculo  em 
i852  e  supprimidos,  (v.  retro  pao.  162).  Os  Institutos  indu- 
striaes,  qce  os  substituíram,  nada  fizeram  em  benefício  do  proble- 
ma; &  ofRcina  continua  a  ser  o  que  era  —  um  cahos,  aggravan- 
do,  dia  a  dia,  a  situação  da  ciasse  operaria  e  annunciando  um 
futuro  prenhe  de  todos  os  perigos  da  questão  social. 

Concluímos  com  alguns  traços  biographicos  de  Duarte  Ri- 
beiro de  Macedo. 

Nasceu  em  Lisboa  em  1618,  sendo  filho  de  Fernando 
Duarte  c  D.  Maria  de  Abreu.  Os  seus  estudos  superiores  prin- 
cipiados em  Évora,  onde  recebeu  o  grau  de  Mestre  em  Philoso- 
phia  na  Universidade,  (oram  concluídos  em  Coimbra,  alcançando 
alli  o  grau  de  Bacharel  em  Direito  cesáreo.  Entrou  depois  na 
magi>tratura,  desempenhando,  cem  vantagem,  os  togares  de  Juiz 
de  fora  em  Elvas,  corregedor  da  Torre  de  Moncorvo  e  Senador 


^    Obras  de  Neves,  Noções  e  Variedades:  Ratton,  Recordações,  etc. 
^    Estudos.  Lisboa,  1872.  Estudo  iii .  oís  ojicinas-escolas  de  Flandres. 


2a5 


da  rdaçSo  do  Porto,  d^onde  passoa  á  casa  da  SapplicaçSo  a  i% 
de  junho  de  1666  e  a  Dezembargador  dos  Aggravos  a  u  de 
de  feverdro  de  1668.  A  sua  vida  diplomática  começou  tarde, 
quando  tinha  quasi  cincoenta  annos,  indo  como  Secretario  na 
embaixada  do  Conde  de  Soure  D.  João  da  Costa,  enviada  por 
D.  A£Fonso  vi  a  Luiz  xiv.  Tendo  chegado  a  Paris  a  4  de  junho  ' 
de  1659  teve  pequena  demora ;  a  i3  de  Novembro  do  anno  se>^ 

Íuíflte  estava  de  vòlca  em  Liiboa,  partindo  segunda  vez  para 
Tança  em  março  de  1668  como  Enviado  ordinário.  Esta  se« 
gunda  residência  durou  nove  annos  (1668-1677).  Não  é  aqui  o 
logar  próprio  para  recordar  os  serviços  que  Ribeiro  de  Macedo 
prestou  ao  paiz  na  corte  «de  Paris,  onde  tudo  eram  promessas 
e  palavras  vãs,  tendo  o  cardeal  Mazarin  apenas  em  vista  ven- 
der aos  Castelhanos  a  exclusão  de  Portugal  no  ajustamento  da 
paz  pelo  mais  alto  preço  que  podesse  ^.  A  sua  missão  como  En* 
viado  foi  mais  agradável,  mas  não  menos  difficii.  De  1660  a 
a  1668  tínhamos,  é  verdade,  ganhado  as  batalhas  do  Ameixial 
(i663,  8  de  junho],  de  Castello  Rodrigo  (i664«  7  de  julho)  e  de 
Montes-Claros  (i665,  17  de  junho);  a  31  de  março  de  1667  as- 
sígnavase  a  liga  oifensiva  e  defensiva  com  a  França,  precedeu- 
doa  o  casamento  de  D.  Affbnso  vi  com  M«"*  de  Nemours,  a  le- 
viana parenta  de  Luiz  XIV  (junho  de  1666).  Passado  um  anno; 
o  irmão  D.  Pedro  ii  rouba-lhe  o  throno,  e  um  anno  depois  a 
mulher;  isto  foi  a  2  de  abril  de  1668  e  a  i  de  maio  era  Duarte 
Ribeiro  de  Macedo  apresentado  a  Luiz  xiv,  como  Enviado  de 
Portugal.  A  paz  com  a  Hespanha  fizera-se  a  i3  de  fevereiro 
do  mesmo  anno,  sendo  reconhecida  a  nossa  independência,  mas 
as  questões  coloniaes  com  a  Hollanda,  que  dependiam  da  in- 
tervenção da  França,  ainda  exigiam  todo  o  cuidado.  Macedo, 
apesar  de  estar  nomeado  para  a  corte  de  Madrid  em  janeiro  de 
1675,  só  em  fevereiro  de  1677  é  que  se  dispunha  a  partir  (San- 
tarém op.  cit.  pag.  648  e  653);  a  20  de  junho  de  1677  estava 
novamente  em  Lisboa.  Os  serviços  que  havia  prestado  á  coroa 


^  Visconde  de  Santarém,  Quadro  elementar  das  relações  politicas  e 
diplomáticas  de  Portugal.  Paris,  1S44,  ^<>^-  ^  P^g*  G^i-  ^  Conde  de  Soure 
levava  amorisação  para  offerecer  ao  Cardeal  dous  milhões  de  cruzados, 
pagos  em  dous  annos,  e  o  Arcebispado  de  Évora  pela  inclusão  de  Portugal 
xu)  tratado.  Obras  do  Doutor  *Duarte  Ribeiro  de  Macedo.  Lisboa,  1767.  4.^ 
vol.  I  p.  20.  O  visconde  de  Santarém  falia  só  de  um  milhão  (pag.  446). 
Foi  Macedo  que  redigiu  todas  as  memorias  íusdfícativas,  publicadas  pela 
Embaixada  de  Portugaí,  e  que  se  encontram  na'  edição  supracitada  das 
suas  çbras. 


206 


foram  reconhecidos  pela  sua  nomeação  de  Plenipotenciário  ao 
Congresso  de  Nymwegen  (junho  de  1679),  cargo  que  não  acceitou. 
Pouco  tempo  se  demorou  cm  Madrid  poraue,  sendo  despachada 
para  a  corte  de  Sabóia  morreu  no  caminno,  em  Alicante,  a  10 
oe  julho  de  1680,  comando  apenas  62  annos.  Assistiu  aos  seus 
últimos  momentos  o  clérigo  D.  Raphael  Bluteau  seu  confessor^ 
padre  virtuoso  e  grande  sábio,  que  tau  bem  concorreu  sob  a 
influencia  de  Macedo  com  os  seus  trabalhos  para  o  melhora- 
mento de  uma  importantíssima  industria  nacional  K 

Joaquim  de  Vasconcellos. 


SOBRE  A  INTRODUCÇAO  DAS  ARTES 

n'este  reino 

.     (i67«) 

Discurso 

PRIMEIRA  PARTE 

Diz-me  y.  S.*  que  está  lastimoso  o  Commercio  do  Reino; 
porque  as  nossas  Mercadorias,  por  falta  de  valor,  não  tem  sa- 
nida,  e  que  os  Estrangeiros  para  se  pagarem  das  que  méttem 
no  Reino,  levão  o  dinheiro.  Mal  he  este,  que  pede  remédio 

Srompto ;  porque  se  continua,  perder-se-hSo  as  Conquistas,  e  o 
Leino.  As  G>nquistas,  porque  a  sua  conservação,  he  depen- 
dente do  valor  dos  fructos,  que  nellas  se  cultivão,  e  se  não  tem 
valor,  não  tem  gasto,  nem  se  podem  commutar  pelo  infinito 
número  de  géneros,  de  que  os  moradores  delias  necessitão :  o 
Reino,  porque  o  dinheiro  he  o  sangue  das  Republicas,  e  suc- 
cede  no  Corpo  Politico  com  a  falta  de  dinheiro  o  mesmo  que 
succede  no  corpo  physico  com  a  falta  de  sangucSem  dinheiro, 
e  sem  Commercio,  poderão  viver  os  homens;  mas  da  mesma 
sorte  que  vivem  os  índios  no  Brazil,  e  os  Negros  em  Africa, 
dos  fructos  rústicos,  e  naturaes ;  mas  sem  Sociedade  civil,  que 


^  E'  d'elle  a  primeira  obra  em  portuguez  sobre  a  críaclo  do  bicho 
da  seda  j  Imtrucçáo  sobre  a  ctdtura  das  amoreiras  e  creaçâo  aos  bichos  da 
seda*  Dirkida  á  consenração  e  augroento  das  manufacturas  da  seda,  etc. 
Lisboa,  1079;  edições  posteriores  em  2728  e  1769. 


207 


he  o  qoe  os  distíngue  das  feras.  Estes  princípios  não  neccssitao 
de  prova:  passemos  de  examinar  a  natureza  do  mal  á  dos  re- 
médios. 

Dizem  os  Politicos,  que  o  mal  procede  do  luxo,  e  das 
modas  introduzidas  no  Reino,  dos  gastos  supérfluos  da  Nobre- 
za nos  vestidos,  los  adornos  das  casas,  nas  carroças^  e  no  ex* 
cessivo  número  dos  creados;  e  que  praticando  as  Leis  sum- 
ptuarirs  as  prohibições  contra  os  gastos  supérfluos,  não  mettêrão 
os  Estrangeiros  no  Reino  mais  que  o  necessário,  e  não  sabirá 
do  Reino  o  muito  dinheiro,  que  por  aquelle  cano  continuamente 
sahe.  ^  He  muito  boa  razão  esta,  e  foi  praticada  em  todos  os 
Reinos,  e  Republicas  bem  governadas.  He  doutrina  derivada 
das  fontes  de  Platão  e  Aristóteles,  seguida,  e  approvada  de  to- 
dos os  Authores,  e  sobre  que  se  fundarão  várias  Leis,  que 
achamos  no  Direito  Civil. 

A  Lei  Papfa  regulava  em  Roma  as  cores,  que  as  Damas 
honestas  podião  vestir,  e  taxava  a  quantidade  de  joyas,  com 
que  se  deviam  adornar.  A  Lei  Fábia  limitava  o  custo  dos  ban- 
quetes, e  a  Lei  Femiiia  o  número  dos  pratos,  com  pena,  pela 
transgressão,  não  só  a  quem  convidava,  mas  também  aos  con- 
vidados. A  Lei  Júlia  ordenava,  que  %e  não  fechassem  as  por- 
tas, e  as  janellas  das  casas,  em  que  se  davão  os  banquetes, 
para  que  pudessem  ser  vistos,  e  examinados  pelos  Censores, 
cujo  Supremo  Tribunal  foi  creado  para  a  execução  das  Leis 
sumptuárias.  He  conveniente.,  e  justo,  que  se  pratiquem  entre 
nós ;  mas  o  nosso  mal  he  de  qualidade,  que  não  basta  este  re- 
médio para  curar-se. 

Dizem  os  Mercadores,  que  procede  este  mal  dos  excessi- 
vos direitos  que  tem  nas  nossas  Alfandegas  as  drogas  do  Bra- 
zil,  e  ainda  as  dó  Reino,  que  os  Estrangeiros  levão,  e  argu- 
mentão  desta  sorte :  Os  Estrangeiros  não  ganhão  nos  géneros 
que  levão  de  Portugal,  senão  nos  que  méttem,  e  hão  de  pagar- 


^  Passando  em  claro  as  leis  prohibitívas  contra  o  luxo  nos  sec.  xv  e 
XYi,  recordaremos  emente  a  Pragmática  de  aS  de  janeiro  de  1677,  orde* 
nada  dois  annos  depois  do  Discurso  de  Macedo  t,  talvez,  já  em  resultado 
das  suas  informações.  Entre  muitos  outros  géneros  de  luxo  prohibiu  o  uso 
de  todo  o  pannOi  e  chapéus  que  não  fossem  fabricados  no  reino.  «Esta  pro* 
hibiçáo,  diz  Neves  (Variedades  vol.  11  pag.  32o),  faz  suppor,  que  se  julgava 
serem  sufiBcientes  os  productos  das  nossas  fabricas  doestes  géneros  de  ma^ 
nufacturas>  para  o  consumo  do  paiz ;  mas  nem  a  Pragmática  faz  menção 
do  estabelecimento  de  taes  fabricas,  nem  o  seu  objecto  parece  ter  sido  ou* 
tro,  que  o  de  cohibir  o  luxo,  e  ella  mesmo  declara  ter  sido  promulgada  em 
conseiiaencia  de  representações  dos  povos,  juntos  em  cortes».) 


so8 


se  defles,  oo  em  fazendas,  oa  em  dinheiro :  be  também  certo^ 
que  levâo  aquillo,  em  que  menos  perdem,  e  qoe  levSo  o  dí« 
nbeiro,  porque  perdem  menos  nelle.  Com  que  se  diminutssein 
os  Direitos  nas  Alfandegas,  perderíão  menos  nas  fazendas,  e  as 
levarião  antes  que  o  dinheiro.  Esta  razão  he  muito  boa ;  por- 
que he  certo  que  se  os  Mercadores  perdem,  por  exemplo,  vitite 
6  dnco  por  cento  no  dinheiro,  e  vinte  e  quatro  por  cento  nas 
fazendas,  hSo  de  levar  antes  as  fazendas,  que  o  dinheiro.  Não 
reprovo  esta  razão,  antes  me  parece  digna  de  attender-se;  mas 
tenho  por  certo,  que  não  procede  o  mal  deste  princípio,  e  estes 
ambos  remédios  não  serviráS  mais  do  que  de  entreter  o  acha- 
que sem  o  curar :  cortaremos  os  troncos ;  mas  como  fica  a  raiz, 
ha  de  produzir  os  mesmos  effeitos. 

Commummente  grítão  todos,  que  se  executem  as  Leis, 
que  prohibem  a  extracção  do  dinheiro:  que  se  visitem  as  Náos 
que  sahem  do  Reioo:  que  se  castiguem  capitalmente  os  culpa- 
dos neste  deUao;  mas  este  remédio  he  inútil.  A  experiência  o 
tem  mostrado  assim,  e  também  a  razão  o  mostra ;  porque  os 
Mercadores  Estrangeiros  hão  de  pagar-se  em  fazendas,  ou  em 
dinheiro,  e  se  as  fazendas  não  bastão  (como  provarei)  hâo  de 
levar  o  dinheiro,  apezar  de  todas  as  prohibiçoes,  diligencias,  e 
castigos :  e  daqui  nasce,  que  deste  único  remédio,  não  faço  ne- 
nhum caso. 

O  primeiro  remédio  das  Leis  sumptuárias  curaria  o  mal, 
se  o  dinheiro  que  nos  levão  fora  só  o  pagamento  do  que  nos 
méttem  supérfluo;  mas  como  he  certo  que  nãò  he  só  do  supér- 
fluo, mas  do  necessário,  não  são  aquellas  Leis  o  remédio  do 
mal,  além  de  que:  Que  Leis  destas  vemos  observadas?  Se  a 
vaidade  dos  homens  se  curara,  fácil  execução  terião  aquellas 
Leis;  mas  como  he  guasi  impossivel  aquella  execução,  esta  he 
a  razão  porque  Tibério  no  Senado  reprovava  a  publicação  das 
Leis  que  só  servião  de  descobrir  a  impotência  das  Leis  contra 
aquelle  vicio  de  muitos  annos  introduzido,  como  refere  Tácito. 

O  segundo  remédio  de  diminuir  os  Direitos  nas  Alfande* 
gas,  e  o  preço  das  drogas  do  Brazil,  curaria  o  mal,  seellas  fos- 
sem bastantes,  para  pagar  aos  Estrangeiros  o  preço  de  todas  as  fa« 
zendas,  que  recebemos  delles;  como  por  exemplo:  se  recebemos 
oito  milhões,  e  temos  só  quatro  que  dar  em  troco,  necessaria- 
mente havemos  de  pagar  o  resto  em  dinheiro.  Não  he  com  tudo 
para  desprezar  este  meio,  por  duas  razões :  primeira,  porque  se 
os  Estrangeiros  perdem  mais  em  levar  fazendas,  do  que  em  le- 
var dinheiro  (como  affirmão  os  homens  de  Negocio)  levão  me- 
nos em  dinheiro,  tudo  o  que  levarem '  de  mais  em  fazendas,  e 


909 


drogas.  A  segunda  razão  he,  porqne  a  falta  do  consommo  dos 
nossos  açacares  nSo  procede  da  carestia  delles  somente,  mas  das 
Fábricas  que  os  Inglezes,  Hollandezes,  e  Francezes,  tem  nas 
Uhas  da  America,  e  a  diminuição  dos  preços  dos  nossos,  junta 
com  a  sua  bondade,  lhes  facilitava  a  sabida,  sendo  o  seu  infe^ 
rior,  e  custoso;  e  por  esta  razão  ouvi  a  muitos  Estrangeiros, 
que  por  facilitarem  o  gasto  dos  seus  açucares,  os  misturavam 
com  os  nossos. 

CAPITULO  I 

Qual  he  a  cama  da  sahtda  do  dinheiro  do  Reino? 

O  Commercio  se  faz,  ou  por  permutação,  ou  por  com- 
pra, e  venda,  trocando  fazendas  e  fructos  por  fructos  e  fazen- 
das, ou  pagando  a  dinheiro.  Deste  principio  sabido  em  Direito, 
se  seguem  três  estados  de  Commercio;  primeiro,  rico 'segundo, 
mediocre;  terceiro,  pobre.  O  rico,  he  quando  hum  Reino  tem 
roais  fazendas  que  dar,  de  que  os  outros  necessitão,  do  que  tem 
necessidade  de  receber;  porqce  pelo  valor  em  que  excedem  as 
fazendas,  e  fructos,  que  dá  ás  que  ha  de  receber,  necessaria- 
mente recebe  dinheiro.  O  mediocre,  he  quando  tem  fazendas, 
e  fructos  que  dar  em  i^ual  valor  aos  que  recebe ;  porque  nem 
se  empobrece  dando  dinheiro,  nem  se  enriquece  reeebendo-o. 
O  pobre,  he  quando  necessita  de  mais  fazendas,  e  fructos,  do 
que  tem  para  dar;  porque  necessariamente  paga  o  excesso  do 
dinheiro.  ^ 

Nós  estamos  neste  terceiro  estado  de  Commercio,  e  está 
he  a  única  causa,  porque  os  Estrangeiros  tirão  o  dinheiro  do 
Reino :  elles  o  confessão  assim.  O  Marquez  Durazo,  Presidente  * 
de  Génova,  em  Paris  me  disse,  que  o  seu  Commercio  com  Por- 
tugal se  perdia;  porque,  mettendo  em  sedas,  papel,  e  outros 
géneros  muita  fazenda,  tiravam  em  açucares,  tabacos,  em  maior 
quantidade  do  que  podião  gastar :  donde  se  seguia,  terem  os 
armazéns  cheios  doestes  géneros,  e  se  vendião  em  Génova  a 
mais  baixo  preço,  do  que  em  Portugal ;  o  que  os  obrigava  a 
levar  dinheiro  com  risco  de  lhes  ser  tomado  pelas  nossas  pro- 
bibições. 

Os  Inglezes  só  em  três  géneros,  baetas,  pannos,  e  meãs  de 

^  A  differença  da  iúiportação  sobre  a  exportação  ainda  era  em  1777, 
no  anno  em  que  acabou  o  governo;de  Pombal  de  i "492, 3 1 5^0 1 5  réis.  V.  ArU 
e  Diccionario  do  Commercio,  e  economia  portuguesa.  LisboB,  1784,  Prologo. 

>   Deve  lér-se,  provavelmente.  Residente, 


210 


seda,  e  lã,  deixando  outros  de  menos  conta,  méttetn  no  Reino 
buma  somma  inestimável.  Só  em  meãs  de  seda,  me  disse  bum 
Inglês  prático,  que  gastava  Portugal  oitenta  mil  pares,  que  a 
quatro  cruaados  cada  par,  fazem  trezentos  e  vinte  mil  cru- 
zados. ^ 

O  que  tirão  do  Reino  são  azeites,  que  também  levam  de 
Itália,  e  sal,  supposto  que  do  de  França  se  servem  para  o  uso 
das  cozinhas,  e  mezas:  fructa  de  espinho,  açúcar,  ainda  que 
com  pouca  conta,  pelo  muito  que  fabricão  nas  suas  Colónias  da 
America :  tabacos,  com  a  mesma  pouca  conta,  porque  o  culti- 
vão  nas  mesmas  Colónias :  páo  Brazll,  e  outras  cousas  de  me- 
nos consideração.  Dizem  que  tudo  o  que  tirão,  lhes  não  paga 
duas  partes  do  valor  do  que  méttem :  e  d^aqui  se  segue,  que 
oão  sabe  Náo  Ingleza  do  Porto  de  Lisboa,,  sem  levar  grande 
somma  de  dinheiro. 

Os  Francezes  méttem  grande  numero  de  tafetás,  estoffos 
de  seda,  e  lã.  Samersão  he  huma  Ilha  junto  á  Rochella,  onde 
se  fabricão  sarges,  e  estamenhas ;  vivendo  deste  trabalho  mais 
de  dez  mil  pessoas :  e  toda  a  sua  extracção  he  para  Portugal : 
chapéos,  e  ntas  de  toda  a  sorte,  em  quantidade  incrível,  e  che- 
ga isto  a  tanto,  que  até  aos  nossos  alfayates,  e  çapateiros,  ti- 
rão o  sustento,  mandando  çapatos,  vestidos  feitos,  telizes,  botas, 
e  até  saltos  de  çapatos.  Não  fallo  de  um  grande  numero  deba- 


^  Como  é  sabido^  foi  o  tratado  de  Methwen  que  abria  os  nossos 
portos  aos  pannos  e  mais  estofos  de  lã  mglezes,  em  troca  de  uma  reducção 
de  direitos  sobre  os  nossos  vinhos.  O  texto  do  tratado,  que  consta  só  de 
três  artigos  em  vinte  e  seis  linhas  pôde  lôr-se  em  Neves  (Variedades  vol.  n 
pag.  324).  AssignoUy  pela  Inglaterra,  o  diplomata  John  Methwen  e  por  Por- 
tugal D.  Manoel  Telles  da  Silva,  marquez  de  Alegrete.  A  Hollanda,  depois 
de  reclamar  contra  este  accordo,  obteve  egual  favor  pelo  tratado  de  com- 
mercio  de  7  de  agosto  de  1705.  Tudo  isto  se  fez  apenas  29  annos  depois 
das  primeiras  leis  (1676)  que  inauguraram  a  nova  época  das  fabricas  nado- 
naes,  sendo  a  primeira  a  de  D.  Pedro  11  e  a  segunda  a  de  D.  José,  segundo 
Neves.  Pois  o  mesmo  príncipe  (|ue  iniciou  o  movimento,  o  aniquilou.  Os 
in^lezes  já  tinham  tentado  illudir  a  lei  de  9  de  agosto  de  1686  que  probibia 
a  importação  dos  pannos  de  lã  estrangeiros^  introduzindo  os  droguetes,  Res- 
pnnaeu- se-lhes  com  nova  prohibição  pelo  Alvará  de  a8  de  setemoro  de  1688 
e  depois  apertou-se  mais  o  rigor  com  os  Alvarás  de  14  de  novembro  de 
1698  e  21  de  julho  de  170a  para — se  esquecer  tudo  no  aono  seguinte.  A 
fabricação  das  sedas  do  Rato  chegou  a  ter  depois  i63  teares  de  meias  de 
seda;  a  importação  estava  reduzida  em  1777  a  i5:3p8  pares  de  seda,  na  im- 
portância de  26:149^000  réis,  e  dé  lã  69:588,140  réis.  A  produção  da  real 
nibrica  em  tecidos  de  seda  e  galões  de  ouro  e  prata  representou  de  1789- 1826 
a  somma  de  5:010,047^554.  (Neves,  Noções). 


211 


fdtellasy  de  que  não  he  o  menor,  as  obras  de  pedras  falsas,  ca- 
elleiras,  relógios,  caixas,  espelhos,  etc,  ^ 

Tirão  de  Portugal  páo  Brazil,  açúcar,  tabaco,  com  ames* 
ma  pouca  conta  que  os  Inglezes:  algum  azeite,  porque  tem  muito 
em  Languedoc,  e  Provença :  lãs,  particularmente  depois  da  guer- 
ra com  Castella,  e  outras  cousas  de  menos  conta,  como  são  fru- 
ctas  de  espinho,  cheiros,  madeiras  do  Brazil,  doces  da  Ilha  da 
Madeira,  marfim,  çumagre:  e  também  he  boa  droga  para  ou- 
tras partes.  Elles  mesmos  dizem,  que  tirão  algumas  cousas, 
mais  por  necessidade,  que  por  interesse,  não  lhes  sendo  possí- 
vel levar  tudo  em  dinheiro;  e  me  consta  que  não  vem  embar- 
cação, nem  se  retira  Francez  de  Lisboa,  sem  trazer  a  maior 
parte  do. seu  cabedal  em  dinheiro.  Ha  poucos  mezes,  que  des- 
embarcou hum  na  Rochella,  e  levando  á  Alfandega  algumas 
caixas  de  açúcar,  de  huma  delias  tirou,  á  vista  de  todos  os  Of- 
ficiaes,  vinte  mil  cruzados  em  dinheiro.  Hollanda,  Suécia,  e 
Hamburgo,  méttem  em  dinheiro,'  todas  as  cousas  necessárias 
para  a  fábrica  das  Náos,  como  são  pólvora,  bailas,  ferro,  co- 
pre,  bronze,  artilheria,  e  todas  as  obras  de  arame.  Hollanda 
introduz  grande  quantidade  de  sarges,  estamenhas,  duquezas, 
particularmente  grans,  e  o  que  mais  lastima,  as  drogas  da  ín- 
dia :  também  da  sua  mão  nós  vem  huma  grande  quantidade  de 
obras  de  madeira,  como  são,  armários,  e  toucadores,  as  arma- 
ções de  Flandres,  e  as  pinturas,  e  outros  communs  adornos  das 
casas.  '<  De  cousas  que  servem  para  sustento,  nos  méttem  queijos, 


^  O  quadro  é  verdadeiro,  e  a  prova  está  nas  fabricas  d'esses  obje- 
ctos, que  só  muito  depois  se  fundaram :  de  relógios,  em  Lisboa,  em  1765 
por  Cláudio  fierthet,  sendo  successor  António  Durand ;  de  pentei  de  mar-' 
jim^  caijcas  de  papelão  e  vernij  em  1764  por  Gabriel  de  la  Croiz ;  de  chã' 
rôes  em  1774  por  José  Redler;  de  botões  de  casquinha  de  praia  t  outros 
metaes  em  1706  e  tentativas  anteriores  em  1760;  fabricas  de  lacre,  de  va- 
rias bijouterias^  fundições  de  metaes  e  obras  vasadasetc.  Madame  d'Aulnoy 
g')ojrage  d! Espagne,  escripto  de  i678-8o)  admirou-se  da  abundância  de  jóias 
Isas  jque  viu  em  Hespanha  nas  damas  mais  nobres  e  opulentas^  que  des-< 
presavam  os  seus  magníficos  adereços  históricos  pelas  verrines  du  TempUj 
só  porque  tinham  pedras  muito  grandes  {de  la  grosseur  d*un  oeuj  vol.  in 
pag.  120  da  edição  de  i7ott). 

'  Já  apontamos  acima  para  o  fatal  tratado  de  1705  com  a  Hollanda. 
A  importação  de  pólvora  de  Hollanda  era  em  1777  de  cerca  de  três  contos; 
armas  de  fogo  i8:36o^oo  róis;  em  latão  e  bronze  importávamos  perto  de 

Í\  contps;  em  ferro  289 — 290  contos  etc.  Na  exposição  retrospectiva  de 
isboa  estavam  alguns  moveis  hollandezes  do  sec.  xvii;  temos  visto  outros 
dispersos  pelas  províncias,  quasi  tudo  do  sec.  xvii.  Guícciardini  Descrittiane 
de  Mti  i  paesi  iassi  (1567)  documenta  a  importação  por  miúdo.  v.  c4rch' 
artist.  fase.  iv  pag.  5a.  A  importação  de  comestíveis  retrata va-se  em  2777 


212 


manteigas,  e  arrôz,  etc.  e  os  Francezes,  e  Inglezes,  bacalháo; 
t  nos  annos  esteriles  no^  vem  de  França,  huma  grande  somma 
de  trigo,  e  cevada. 

A  Hamburgo  temos  que  pagar  com  sal,  que  hé  o  fructo 
que  lhe  damos  de  melhor  conta,  açúcar,  tabaco,  ejructa  de  es* 
pinho;  a  Hollanda  pagamos  também  com  sal,  drogas  do  Bra- 
zil,  e  çumagres,  azeites,  e  estes  annos,  levarão  alguns  vinhos 
do  Porto,  ^  e  outras  cousas  de  menos  conta.  A  Flandres  paga- 
mos com  alguma  pedraria,  que  para  Anvers  especialmente  ae 
extrahe  a  que  temos;  mas  he  certo,  que  não  temos  com  que 
commutar  tudo  o  que  recebemos:  são  com  tudo  os  HoUande- 
zes  tão  senhores  do  Commercio  do  Mundo,  que  ainda  que  seja 
com  pouca  conta,  tómão  tudo  o  que  lhe  damos,  porque  dão 
extracção  a  tudo  por  meio  da  Navegação. 

Também  entre  as  cousas  que  nos  méttem,  he  hum  grande 
número  de  Livros  de  Lyão,  Olandas,  C^mbrais,  Ruões,  e  ou- 
tras muitas  cousas,  de  que  os  nossos  Mercadores  darão  conta 
mais  individualmente.  ' 

Entendo  que  Castella  nos  ajuda  a  pagar  huma  grande 
parte  do  dinheiro  que  sahe,  porque  he  certo,  que  toda  a  Moe- 
da Castelhana,  que  entra  pelo  ger\ero  que  sabemos,  sahe  para 
as  Nações  Estrangeiras,  e  se  busca,  e  troca  a  toda  a  dihgencta 


nas  seguintes  cifras  eloquentes :  Manteiga:  i5Q,683f  ^oo:  queijos  73:072^480 
sendo  mais  de  61  contos  da  Hollanda;  bacalhau cercã ae 4.60 contos,  tendo 
nós  descoberto  a  terra  de  onde  elle  vinha  em  i5o7,  e  tendo  os  commer- 
ciantes  de  Aveiro  lá  carregado  ainda  em  i55o  uns  7o  n«vios  d*elle«  «O  ba- 
calhau nos  estragou  as  nossas  pescarijs»  {Dicc.  do  Commercio  pag.  57).  Até 
D.  João  I  nunca  importámos  cereacs;  foi  este  príncipe  que  concedeu  a  pri- 
meira licença  para  a  importação  durante  as  celebres  festas  do  casamento 
de  seu  filho  em  Évora  (1490).  Em  i777  )á  pagávamos  porém  o  tributo  de 
338:143^393  réis  por  grãos  e  farinha. 

^  É'  curioso  que  Ribeiro  de  Macedo  não  falte  da  exportação  de  vi- 
nho para  Inglaterra  (v.  supra),  citando  a  de  Hollanda !  Gomo  se  trata^  de 
avaliar  as  tristes  consequências  do  tratado  de  Methwen,  daremos  a  seguinte 
nota  do  movimento  dos  vinhos  do  Porto.  A  primeira  cifra  conhecida  é  a  de 
408  pipas  em  i678;  os  três  primeiros  decennios  dão  o  seguinte:  i678-i687 
—  632  pipas  por  anno;  1688-1697  — 7,668  pipas;  Í698-I707  — 7, 188pipas; 
apesar  do  tratado  de  Meihwen  (i7o3)  ha  diminuição  I  i7o8-i7i7  —  0,644  pi- 
pas etc.  James  Forrester.  Portugal  and  iti  capabtlities.  London,  i86o,  4.* 
ed.  pag.  ioo. 

'  A  importação  de  oannos  de  lã  era  em  1777  de  i:363,i3645oo  réis ; 
pannos  de  linho  657,643^658  réis;  {Dicc.  pag.  159);  tecidos  de  seda 
203,272^^50;  propunha-se  então,  como  remédio,  o  uso  de  pannos  de  algo* 
dão,  vindo  a  matéria  Arima  das  nossas  colónias,  porque  a  lã  produtida  no 
reino  não  dava  hiais  de  um  quarto  do  necessário. 


2l3 


em  Lisboa,  porque  lhe  achSo  melhor  conta  que  ao  nosso  dt* 
nheiro. 

Finalmente  a  melhor  prova  do  muito  que  excede  o  que 
introduzem  no  Reino  ao  que  tirão,  será  o  exame  que  cada  hum 
de  nós  pôde  fazer  em  si  mesmo.  Qual  ha  de  nós  que  traga  so- 
bre si  alguma  cousa  feita  cm  Portugal?  Acharemos  (é  não  ain- 
da todos)  que  só  o  panno  de  linho,  e  çapatos  são  obras  nossas. 
Chapéos,  )á  se  desprezão  os  nossos,  e  não  se  chama  homem 
limpo  o  que  não  traz  chapéo  de  França,^  não  digo  já  a  Nobreza, 
e  os  Seculares,  a  que  o  luxo,  e  estimação  errada,  que  se  faz  das 
cousas  estrangeiras  podia  fazer  desprezar  as  naturaès,  mas  os 
mesmos  Religiosos  se  servem  commummente  todos  de  sarges, 
e  pannos  de  fábricas  Estrangeiras.  Feito  este  reparo,  veremos 
facilmente  que  não  temos  drogas,  fructos,  nem  fazendas,  com 
que  commutar  esta  prodigiosa  consumpção  que  fazemos  no  Rei- 
no, e  nas  Conquistas. 

CAPITULO  II     ^ 

Este  he  o  mesmo  damno,  em  que  tem  cahido, 
e  com  que  se  tem  empobrecido  Castella 

Fiz  observação  particular  entre  as  riquezas  de  França,  e 
a  pobreza  de  Castella,  discorrendo  que  França  sen?  minas  está 
riquissima,  e  que  os  particulares  que  tem  somente  dois  mil  es- 
cudos de  renda,  são  pobres;  os  gastos  das  mezas,  os  adornos 
dos  vestidos,  e  das  casas,  e  o  fausto  das  carroças,  passão  a  hum 
excesso  incrível.  El-Rei  tem  quarenta  milhões  de  renda;  paga 
na  guerra  premente  \6c'fiooo  infantes,  e  40f$ooo  cavallos.  Hcs- 
panha  tem  minas,  e  recebe  frotas  carregadas  de  praia  todos  os 
annos,  e  está  sem  gente,  e  sem  dinheiro,  e  necessita  de  que  a 
Europa  toda  se  arme  para  defende-la  de  França.  Isto  não  he 


-^  «O  Decreto  de  7  de  março  de  4690  mandou  que  se  não  podessem 
comprar,  nem  vender  chapéus  de  castor,  bigunia,  e  chamorro  (que  eram  as 
três  qualidades  de  chapéf»  que  vinhão  de  fora)  não  sendo  fabricados  no 
reino,  e  marcados  com  dous  sellos  em  lacre  com  as  armas  Reaes;  por  não 
serem  bastantes  as  duplicadas  ordens,  que  se  tinhão  passado  para  a  execu- 
ção da  Tragmatica  (1677)  e  se  achar  vulnerada  esta  lei,  em  razão  de  se 
oáo  poderem  conhecer  c  a  que  eram  de  fora,  e  os  fabricados  no  Reino,  pela 
semelhança  que  tinhão  l  uns  com  os  outros.  Esta  semelhança  he  huma  prova 
de  que  os  nossos  fabricantes  iguala  vão  perfeitamente  os  estrangeiros».  (Ne- 
ves^ Variedades  vol.  ii  pag.  323).  O  fabrico  de  chapéus  só  recomeçou  em 
março  de  i759  pela  fabrica  da  villa  de  Pombal;  seguiu-se  a  de  Elvas,  fun- 
dada por  Ratton  etc. 


214 


cousa  que  a  Historia  nos  deixasse  escrípto,  he  um  facto  que  te- 
mos diante  dos  olhos. 

A  razão  desta  differença  he  a  do  ComcnerciO)  e  nao  ha 
outra.  França  métte  em  Castella  mais  de  seis  milhões  todos  os 
annos  em  fazendas,  e  os  retira  em  dinheiro,  oiro,  e  barras.  Só 
de  roupas  brancas  de  Bretanha,  e  Normandia  dizem  os  Fran- 
cezes  que  méctem  em  Castella  oito  milhões  de  libras.  Depois 
desta  observação  fiz  este  argumento:  Todo  o  G)mmerdo  do 
Mundo  se  faz  por  commutação  de  humas  fazendas  por  outras, 
ou  por  cotr.pra,  e  venda,  pagando  a  dinheiro  o  que  se  recebeo- 
em  fazendas,  e  drogas:  Françâ  manda  a  Castella  seis  milhões, 
de  cruzados  em  fazendas,  e  não  necessita  das  drogas,  nem  das 
fazendas  de  Castella:  logo  faz  o  contracto  por  compra,  e  venda, 
recebendo  dinheiro,  e  daqui  nasce  a  riqaeza  de  França,  e  a  po- 
breza cie  Castella.  ^ 

Achei  hufn  Tratado  Hespanhol,  intitulado  Restauracion 
Politica  de  Espana,  composto  por  D.  Sancho  de  Moncada, 
Cathedratico  de  Escriptura  em  Toledo  ^,  offerecido  no  anno  de 
1619  a  Filippe  ni.,  o  qual  me  confirmou  nesta  opinião  co.n 
provas  tão  evidentes,  e  com  huma  tão  lastimosa  relação  das 
misérias  de  Castella,  que  cuidei  que  se  tivéssemos  a  industria 


^  Neves  já  dizia  em  1827  que  o  Brazil  não  dava  tantas  riquezas  a 
Portugal,  como  a  produção  e  manufactura  das  sedas  á  França,  e  ao  Pie- 
monte {Noções  pag.  5)  e  mais  adiante  accentua  a  funesta  influencia  que  a 
descoberta  das  minas  do  Brazil  (IG^i)  exerceu  sobre  o  destino  moJerno  de 
Portugal.  «O  mais  notável  he  que  acabarão  (as  fabricas)  no  tempo^  em  que 
a  f  jrtuna  deparava  a  Portugal  hum  novD  agente,  que  augmentanJo  prodi- 
giosamente o  nosso  capital,  devia  pôr  a  nossa  inJusirhi  na  maior  actividade. 
Este  agente  era  o  oaro  das  minas  do  Brazil,  aue  se  descobrirão  por  esse 
tempo,  e  pouco  depois  as  dos  diamantes;  porem  correndo  apoz  desta  ri- 
queza de  convenção,  desprezamos  os  nossos  bens  reaes;  o  reino  despo<- 
voou-se,  as  fabricas  perecerão,  o  commercio  aoiquilou-se,  e  Portugal,  na- 
dando em  ouro,  vio-se  pobre,  quando  Ibe  foi  precizo  entregar  este  mesnao 
ouro  á  Inglaterra  e  ás  outras  nações  industriozas  para  nutrir,  e  vestir  os 
seus  próprios  habitantes  com  géneros  de  produc^ão  estrangeira,  negocia- 
dos por  estrangeiros,  e  conduzidos  em  embarcações  estrangeiras*.  (Neves, 
op.  cit.  pag.  23). 

'  Restavracion  polilica  de  Espana,  Ocho  discorsvs  dei  doctor  S.  de 
M.  Madrid,  I6Í9-4.0  Contém :  l.»  Riqueza  firme  y  estable  de  Cspafía ;  l.« 
Poblacion  y  aumento  numeroso  de  la  nacíon  espaãola  ;  3.«  Espafia  con  nao- 
neda  y  plata ;  4.*»  Aumento  perpetuo  de  las  reatas  reales  de  Espana;  5.<*  Ma- 
danza  de  alcabalas,  útil  ai  rei  N.  S.  y  á  Elspana  *  6.*  Fin  y  estincion  dei  ser- 
vicio  de  millonesy  útil  ai  rei :  7.<*  Censura  de  las  causas  á  aue  se  carga  el 
dano  general  de  Espana — Espulsion  de  los  gitanos;  8.»  NTuevà  y  impor- 
tante universidad  en  la  corte  de  Espafia.  Ha  2.*  edição  da  mesma  obra,  Ma- 
drid,:i746.  4.' 


2l5 


de  DOS  prevenir  (á  vista  delias),  e  de  acudir  com  remédios  aos 
mesmos  damnos,  que  começarão  a  maltratar-nos,  e  caminhão 
a  pôr-nos  no  mesmo  estado,  pudéramos  justamente  exclamar 
com  aquelle  verso. 

Félix,  quem  faciunt  aliena  pericula  cautum. 

Referirei  algumas  das  Observações  deste  Tratado,  e  que 
servem  a  este  discurso.  Diz  o  Author,  que  no  anno  de  1619, 
em  que  escreve,  tinhão  entrado  em  Castella,  cento  e  vinte  mi- 
lhões de  ouro,  de  que  não  havia  oitenta.  Sommas  ambas  in- 
críveis, a  que  ficou  por  pequena,  e  a  que  entrou  por  grande: 
e  examinando  a  causa,  refuta  a  razão  dos  que  attribuem  esta 

frande  diminuição  ás  despezas  com  as  guerras  de  Flandres,  e 
talia,  porque  prova  que  até  áquelle  anno  se  tinha  despendido, 
conforme  as  remessas,  e  assentos,  Soo  milhões;  concluindo  em 
fim,  que  valem  mais  as  Mercadorias  Estrangeiras,  que  entrão 
em  Castella,  que  as  que  sahem,  3o  milhões,  todos  os  annos. 
Farei  menção  de  hum  só  exemplo  dos  muitos,  que  aponta  o 
dito  Author,  que  não  serve  pouco  a  este  Discurso.  De  vinte 
lavadeiras  de  lãs,  que  diz  havia  naquelle  tempo  em  Castella, 
sahiao  5oo  arrobas,  que  a  três  cruzados,  importavão  em  mi- 
lhão e  meio;  e  mettião  os  Estrangeiros  em  differentes  manufa- 
cturas de  lãs  sete  milhões  e  meio :  de  sorte,  que  só  neste  gé- 
nero, excedião  seis  milhões  no  que  metiião  ao  que  tiravão. 

Da  ultima  consideração  que  fez  no  Capitulo  passado,  tira 
hum  argumento  infallivel.  Não  ha  pessoa  nenhuma  em  Cas- 
tella, que  ao  menos,  nâo  ^aste  todos  os  annos  seis  cruzados  em 
Mercadorias  Estrangeiras;  e  havendo  em  Hespanha  (não  de- 
clara se  comprehende  Portugal)  seis  milhões  de  a!mas,  fazem 
trinta  e  seis  milhões  todos  os  annos  de  gasto  só  com  as  fazen- 
das, que  servem  ao  uso  de  vestir:  e  elle  confessa  (e  eu  o  creio) 
que  diz  pouco  em  dar  a  cada  pessoa  seis  cruzados  de  gasto 
somente. 

Seria  conveniente  que  Sua  Magestade  mandasse  fazer  a 
conta  do  que  entra  no  Reino  de  Fazendas  Estrangeiras,  e  o 
valor  delias,  e  do  valor  dos  géneros,  e  fazendas,  que  os  Estran- 
geiros tirão,  com  distinccão  particular,  para  averiguar  a  ver- 
dade infallivel  deste  Discurso. 


2l6 


CAPITULO  m 

Este  damno  não  he  antigo  no  Reino 

A  Primeira,  e  mais  visível  objecção,  que  se  offereoe  a 
este  Discurso,  he  que  se  do  Reioo  saliem  todos  os  annos  co- 
piosas sommas  de  dinheiro  (como  parece  que  prova  o  que  fica 
referido)  nos  acháramos  já  sem  ouro,  nem  prata,  porque  no 
Reino  não  entrão  em  quantidade  que  iguale  a  somma  que  sahe 
em  hum  só  anno;  mas  como  não  estamos  ainda  nestes  termos^ 
não  deve  ser  esta  a  causa,  nem  deve  sahir  do  Reino  tanto  di- 
nheiro, quanto  suppõe  este  Discurso, 

A  resposta  não  he  fácil,  e  cuido  que  ella  confirmará  o 
que  temos  provado.  He  necessário  considerarmos  três  tempos 
no  Reino.  Primeiro:  antes  que  passámos  á  índia.  Segundo: 
em  quanto  somos  senhores  do  Commercio  delia.  Terceiro:  de* 

Eois  que  o  perdemos,  que  começou  na  perda  de  Ormús,  e  aca- 
ou  na  de  Ceilão. 

No  primeiro  tempo  não  houve  este  damno,  porque  naquella 
idade,  a  que  podemos  chamar  de  ouro,  não  entravão  no  Keino 
Fazendas  Estrangeiras,  especialmente  das  que  dependião  da 
Arte;  e  como  o  Reino  era  mais  abundante  de  fri^ctos,  e  dro- 
gas, de  que  os  Estrangeiros  necessitavão,  tinha  muito  mais  que 
dar,  do  que  delles  recebia ;  e  ainda  que  os  preços  erão  vis,  com- 
parados com  os  presentes,  com  tudo,  a  moderação  daquella 
idade  os  fazia  grandes;  havia  dinheiro  para  sumptuosas  Fábri- 
cas, para  grossas  armadas,  com  que  passarão  á  Africa  os  nos- 
sos Reis,  e  para  sustentarem  grandes  exércitos. 

He  certo  que  então  não  entravão  no  Reino  Fa7endas  Es- 
trangeiras, porque  nos  vestíamos  com  pannos  finos  de  Portu- 
gal \  e  as  Sedas  (que  não  se  fabricavão  ainda)  tinhão  tão  pouco 


^  Não  sabemos  da  existência  de  semelhantes  pannos  finos  de  Por- 
tugal, n'essa  época,  isto  é  no  sec.  xv ;  temos  encontrado  só  pannos  finos  de 
Segóvia  e  Valência,  não  faltando  nos  de  França  e  paizes  de  Randres.  D. 
João  in  e  D.  Manoel  publicaram  uns  artigos  das  sizas  Dos  pannos  e  marca' 
rias,  cujas  datas  correm  de  21  de  fevereiro  de  14^  a  6  de  março  de  l5o9 ; 
mas  falla-se  alli  sobretudo  de  pannos  estrangeiros  de  Castella,  bretões,  fla- 
mengos e  inglezes;  apenas  os  capítulos  xlvi  a  XLViil,  isto  é:  três  entre  cin- 
coenta  e  seis  mencionam  pannos  do  Reino  (pag.  57  dos  Artigos  das  Sijas, 
novamente  emendados.  Lisboa^  1749.  foi.).  O  capit.  xxxvi  dos  Artigos  das 
Sizas  de  D.  Affonsò  v  (27  de  setembro  de  1476)  a  que  allude  Neves  (Varie- 
L.^dades,  vol.  ii  pag.  311,  sem  reparar  nos  que  citamos)  falia,  é  verdade,  átpan» 


217 


uso,  que  El-Rei  D.  Manoel,  no  primeiro  anno  do  seu  Reinado, 
escreveo  huma  carta  a  Évora  ao  Conde  de  Vimioso,  em  que  o 
reprehendia  de  haver  consentido  que  a  Condessa  sua  mulher 
SC  vestisse  de  Veludo,  e  dá  a  razão  nesta*?  palavras  —  Porque 
o  Veludo,  Conde,  hepara  quem  he.  —  Os  adornos  das  casas  erão 
cabides  de  armas,  sempre  luzentes,  e  promptas  para  o  exercício 
da  guerra.  A  maior  despeza  erão  bons  cavailos;  nem  coches, 
nem  liteiras  conhecia  aquella  idade.  As  Rainhas  marchavão  em 
mulas.  Com  este  apparato  recebeo  a  Rainha  Dona  Leonor  a 
Prínceza  de  Galles,  quando  trouxe  a  Lisboa  seu  filho  para  se 
receber  com  a  Infanta  Dona  Brites,  que  depois  foi  Rainha  da 
Castella.  Todos  ouvimos  a  nossos  Avós,  que  o  uso  commum 
erão  botas,  as  da  Corte  mais  polidas  que  as  do  campo,  e  a  este 
uso  attribuião  não  se  conhecerem  naquella  idade  alguns  acha- 
ques, que  hoje  se  padecem.  Destes  exerriplos  estão  cheias  as 
nossas  Historias,  e  tem  copiosa  noticia  a  Tradição. 

{Oomtínúa.)  DuARTE  RiBEIRO  DE  MaCEDO. 


CERÂMICA  PORTUGUEZA 

subsídios  históricos 


DOCUMENTO   XIII 
(Contlnoaçio,  t.    pag.   74) 


Posteriormente  á  publicação  do  nosso  estudo  de  fevereiro 
achámos  em  os  nossos  cadernos  de  viagem  mais  as  seguintes 
Doticias  inéditas: 

i525.  Tianna.  (do  Alemtejo,  a  par  d^ÂIvito).  Egreja  matriz; 


noi  de  lã  meirinha  «fabricados  em  alguns,  lugares  destes  Reinos,  depois  do 
dilo  Artigo  feito  por  El  Rei  D.  João  nneu  avô»^  mas  não  cita  os  taes 
lugares.  Nos  autores  do  sec.  xvi  achamos  só  pannos  de  Alcobaça  e  mantas 
do  Alemtejo  (Gil  Vicente)  e  outros  pannos  baixos.  Em  compensação,  temos 
noticias  mais  antigas  sobre  as  sedas,  apesar  do  que  aflirma  Ribeiro  de  Ma- 
cedo. Jorge  Ferreira  de  Vasconcellos  ceiebra  a  seda  e  o  velludo  de  Bra- 
gança. Sabe-se  por  documentos  do  sec.  xiii  que  a  creaçâo  do  bicho  da  seda 
era  notável  em  Traz-os- Montes  e  nas  côitcs  de  Coimbra  e  Évora  de  1&72 
e  1473  os  povos  alludiam  á  riqueza  do  reino  de  Granada  devida  á  industria 
da  seda,  pedindo  providencias  a  D.  Affonso  v. 

BIVISTA  DA  S0GI8DADB  DB  I5STaUCCÃ0  DO  PORTO.  J5 


2l8 


primeira  capella  da  nave  lateral,  á  entrada^  do  lado 
esquerdo.  Esta  capella,  comem  a  sepultura  de  Vasco 
Godinho,  cavalleiro  do  conselho  d^CI-Rei  D.  Manoel, 
fallecido  em  1 525,  como  se  lê  n^uma  inscripção  do  altar, 
forrado  na  frente  com  magníficos  azulejos  de  relevo; 
estão  divididos  em  três  peças,  formando  tapete ;  duas 
de  forma  octogonal  e  uma  peça  ciicular  no  meio.  E* 
um  espécimen  muito  notável,  e  muito  raro ;  conhece- 
mos apenas  mais  um  altar  de  azulejos  da  mesma  época 
c  lavor,  na  egreja  de  S.  Pedro  da  villa  de  Ceia  (Beira- 
Alta);  e  dois  altares  menores  (i  m.  41  c.)  na  crypta 
da  egreja  do  convento  de  Jesus  de  Setúbal ;  os  azule- 
jos doestes  últimos  são  porém  muito  mais  pequenos  (0,7 
cent.  contra  0,1 3)  e  de  um  único  padrão.  Trataremos 
com  mais  vagar  dos  azulejos  de  Setúbal. 

1647.  Alvito.  Egreja  matriz.  Bello  azulejo  de  tapete,  liso;  pintu- 
ra azul  e  amarella.  Na  capella  mór  o  azulejo  forma  ta- 
pete, não  com  arabescos  ou  ornato  vegetal,  mas  sim 
com  faixas,  imitando  mosaico  (enxaquetado  em  banda 
e  contrabanda  (capella  mór  do  convento  de  Jesus  de 
Setúbal ;  S.  Braz  de  Évora  etc.)  As  paredes  que  se^ 
param  a  nave  central  das  naves  íateraes  são  cortadas 
por  quatro  arcos  grandes,  revestidos  de  azulejo  até 
considerável  altura ;  por  cima  da  volta  estão  distri- 
buídos os  seguintes  painéis  de  azulejo,  que  inter- 
rompem o  lavor  do  tapete.  Não  pudemos  medil  os, 
porque  estão  muito  altos,  mas  não  devem  ter  menos 
de  1, 5o  X  o^So.,  Representam  os  seguintes  assump- 
tos. Nave  do  lado  direito :  Uma  custodia^  no  estylo 
da  época;  Nossa  Senhora  do  Rosário;  Nossa  Senho- 
ra da  Conceição;  o  archanjo  Gabriel.  Lado  esquer- 
do: Uma  custodia;  Nossa  Senhora  do  Rosário;  San- 
to António;  S.  Sebastião.  Em  a  nave  lateral  do  lado 
esquerdo  os  quadros  6\  Joã  da  m.*"  (sic,  S.  João 
da  Matta) ;  Nossa  Senhora  com  o  menino ;  lado  di- 
reito S.  Feles  (Félix)  e  Nossa  Senhora  do  Rosário. 
Na  capella  do  Santíssimo  lê -se  a  data  1647,  por  de- 
baixo do  conhecido  monogramma  I.  H.  S.  Data  iné- 
dita. 

1657.  Porto.  Egreja  do  antigo  convento  de  Nossa  Senhora  do 
Carmo  (chamado  Carmo  de  baixo).  Foi  o  bispo  D. 
Rodrigo  da  Cunha  que  lançou  a  primeira  {>edra  a  5 
de  maio  de   1619,  inaugurando-se  a  3  de  junho  de 


219^ 


i622  (D.  Rodrigo  da  Cunha.  Catalogo  dos  Bispos  do 
PortOf  2.*  ed.  pag.  241  da  Parte  11);  o  convento  é, 
actualmente,  quartel  da  guarda  municipal  ^.  No  cruzei- 
ro, do  lado  esquerdo,  ha  uma  sahida  lateral,  que  con- 
duz a  um  corredor  (antigo  resto  do  claustro  ?),  ornado 
de  varias  capellas  do  sec.  xvii ;  no  ponto  em  que  este 
corredor  se  bifurca  (indo  o  outro  lance  para  a  sacris- 
tia) vê -se  um  pequeno  altar  forrado  de  azulejo  liso,  den- 
tro de  um  nicho  também  azulejado.  Uma  inscripção 
do  lado  esquerdo  que  começa:  «Esta  capella  e  sepul- 
tura mandou  fazer  o  capitão  João  Corrêa  Serv.^  (Ser- 
veira)  para  si  e  seus  herdeiros» . . .  tem  a  data  1657, 
e  diz  no  fim  que  são  administradores  da  capella 
Feliciano  Guedes  Carneiro  e  sua  mulher  Marsarida 
Corrêa  Serveira.  O  azulejo  simula  um  bello  Pontal 
de  altar,  que  finge  um  rico  bordado  de  estylo  orien- 
tal,  tendo  no  centro  o  brazão  dos  Serveiras  (uma  águia 
com  escudo  enxaquetado  sobre  o  peito);  o  fundo  repre- 
senta uma  paisagem  com  arvores  floridas,  sobre  as 
quaes  adejam  dous  pavões ;  em  baixo  vários  coelhos  e 
lebres,  brincando  por  entre  as  hervas.  A  pintura  é 
azul,  amarella  e  verde  sobre  fundo  branco,  que  alter- 
na com  fundos  amarellos,  fortemente  carregados ;  o 
desenho  é  elegante,  e  recorda  o  estylo  dos  frontaes  que 
vimos  nos  altares  da  antiga  sachristia  do  convento  de 
Nossa  Senhora  da  Graça  de  Lisboa.  N'este  ha  alguns 
remendos  posteriores,  mal  applicados.  Por  debaixo  do 
escudo  lê-se  o  nome  do  artista,  em  azul :  Silva.  O  azu- 
lejo que  reveste  o  nicho  apresenta  um  arabesco  miú- 
do, nas  mesmas  cores,  e  de  desenho  bastante  elegante. 
No  corredor  das  capellas,  a  que  já  nos  referimos,  exis- 
te outro  altar  com  frontal  de  azulejo  da  mesma  época, 
e  no  mesmo  estylo,  diante  de  uma  imagem  de  S.  Gon- 
çalo de  Amarante;  não  tem  assignatura,  mas  está  in- 
tacto. No  frontal  assignado  falta  a  data,  é  certo ;  mas 
não  temos  duvida  em  marcar  a  de  1637  que  é  a  da 
inscripção,  porque  o  estylo  do  azulejo  corresponde 
perfeitamente  á  época.  Sobre  o  altar,  dentro  do  nicho, 


^    A  egreja  do  Carmo  de  cima,  pertencente  ao  hospital  da  Ordem 
terceira,  foi  coastruida  só  em  1756. 

4» 


220 


1700. 


n 


•  • 


vê-se  um  painel  guarnecido  ainda  pela  moldura  origi- 
nal do  meado  do  sec.  xvn. 

u  Na  Sé,  n'uma  das  capellas  da  charola  em  que 
e^tá  sepultado  o  arcebispo  D.  João  Annes  (fallecido  a 
3  de  m2Ío,  era  de  1 440).  A  sepultura  do  prelado  não 
tem  nome,  'ndica  só  a  data;  no  fundo  da  capella, 
dentro  de  um  rotulo  de  estylo  rococo  a  inscrípcão: 
FECCE  NO  A  I  NNO  |  1700  |  .  Composições*  sa- 
cras. Pintura  azul  sobre  branco. 

Temos  nota  de  uma  outra  data:  1706,  na  capella 
de  S.  Sebastião  pertencente  á  charola,  a  qual  está 
também  ornada  de  azulejos;  não  podemos  porém  as- 
segurar  que  seja  no  próprio  azulejo,  porque  perde- 
mos uma  nota  avulsa,  que  tínhamos  tirado  a  este  res- 
peito. 
Braga.  Na  Sé,  capella  de  S.  Pedro  de  Rates  (pertenceis 
te  ao  cruzeiro,  lado  do  evangelho)  encontram-se  vá- 
rios painéis  de  azulejos,  muito  notáveis,  (azul  sobre 
branco)  que  representam  scenas  da  vida  do  Santo,  na 
seguinte  disposição: 


á  esquerda 

á  direita 

6 

7 

• 

I 

2 

8 

9 

10 

3 

4 

5 

I  •  o  achado  das  cinzas  de  S.  Pedro  de  Rates ;  o 
esquife  cobre-se  milagrosamente  de  flores. 

2.  O  corpo  é  transferido  de  Rates  para  a  cathe- 
dral  de  Braga  com  toda  a  solemnidade. 

3.  O  santo  celebrando  missa. 

4.  Porta  fingida  de  azulejo. 

5.  Uma  figura  que  symbolisa  o  Silencio. 

6.  Uma  formosa  paisagem  com  um  castello,  em 
estylo  da  Renascença,  e  varias  figuras,  assistindo  á 
predica. 

7.  O  martyrio  de  S.  Pedro  em  Rates. 

8.  Uma  figura  que  symbolisa  o  Silencio;  corres- 
ponde ao  n.^  5. 


221 


g.  Porta  fingida  de  azulejo;  correspondente  ao 
n.^  4. 

10.  O  Papa  Gregório  xiii  entregando  ao  arcebispo 
D.  Frei  Bartholomeu  dos  Martyres  o  breve  que  con- 
cede á  capella  altar  privilegiado.  A  concessão  está  es- 
cripta  em  portuçuez  sobre  o  breve.  Na  parte  inferior 
do  quadro  n.®  3  Je-se  a  seguinte  inscripção,  em  cursivo : 
Ani.^  d'oliu,^  ^ernJ^f.  (sem  data).  Àssignatura  iné- 
dita. Confessamos  que  este  nome  Oliveira^  que  en- 
contrávamos pela  terceira  vez  em  azulejos  nacionaes 
do  sec.xviii,  despertou  vivamente  a  nossa  curiosidade. 
Já  em  o  numero  de  fevereiro  (retro,  pag.  78,  nota) 
aventámos  a  hypothese  provável  do  parentesco  do 
Oliva  de  Vianna  do  Gastello  com  o  de  Évora.  Agora 
a  prova.  Fomos  novamente  a  Braga,  e  tivemos  occa- 
siao  de  verificar  a  notável  semelhança  em  estylo,  com- 
posição e  desenho  dos  azulejos  da  Sé  ^  com  os  cele- 
bres quadros  da  £greja  dos  Loyos  de  Évora,  assigna- 
dos  Antonius  ab  oliua  fecit  ijii  (retro,  pag.  77). 
Approximando  estes  dous  Oliveiras  com  o  Policar^ 
pus  oliua  dos  azulejos  da  Misericórdia  de  Vianna  do 
Gastello,  chegámos  a  resultados  surprehendentes ;  te- 
mos uma  verdadeira  filiação,  graças  á  descoberta  do 
segundo  appellido:  Bernardes^  em  Braga.  Não  sofire 
duvida  para  nós  que  as  assignaturas  de  Évora  e  Bra>- 
ga  são  do  mesmo  artista,  citado  já  por  Gyrillo  Vol- 
ckmar  Machado  *  como  pae  do  pintor,  scenographo  e 


/ 


^  Devemos  declarar  que  os  azulejos  da  capella  de  S.  Giraldo  com 
quadros  da  vida  do  Santo,  tdm  tanta  ou  maior  semelhança  com  os  de 
Évora,  como  os  da  capella  de  S.  Pedro  de  Rates.  Infelizmente  não  pude- 
mos encontrar  alli  nenhuma  assignatara,  nem  data ;  são  talvez  superiores 
aos  deS  Pedro  e  representam  os  seguintes  assumptos:  Lado  do  Evange- 
lho :  O  voto  dos  pães  de  S.  Giraldo ;  o  menino  offerecido  no  altar  de  S. 
Pedro;  o  noviço  recebendo  as  ordens.  Lado  da  epistola :  S.  Giraldo  é  sa' 
grado  arcebispo,  no  fundo  vistas  de  Roma  e  Braga,  com  os  competentes 
dísticos;  o  Santo  presidindo  a  um  concilÍ9  dos  prelados  suffraganeos  em 
Palencia,  A'  esquerda  e  á  direita  da  porta  dã  capella.  em  face  do  altar  mór^ 
ha  doas  paizagens  em  azulejo,  de  bellissima  côr  azul  carregado,  e  de  ezcel- 
ioite  desenho.  Alguns  dps  painéis  teem  inscripções  em  latim,  cujos  erros  de- 
nunciam a  procedência  nacional  do  artista  que  os  pintou,  p.  ez. :  Pro  ve^í- 
4andisfratrtbus  deligitvr  etc. 

>  Collecção  de  Memorias  relativas  ds  vidas  dos  pintores  etc.  Lis- 
boa^ 1823  pag.  ^2.  Gyrillo  diz  que  o  avô,  Manoel  Rodrigues,  era  natural  de 
Bejã^  «mas  nascido  casualmente  em  Moura.  António  de  Oliveira  entrou  na 


322 


architecto  Ignacio  de  Oliveira  Bernardes.  Cyrillo  lá 
traz  o  nome  por  extenso :  oAntonio  de  Oliveira  Ber^ 
nardes.  O  Policarpo  de  Oliveira  lá  está  também,  co- 
mo irmão  de  Ignacio  e  por  tanto,  filho  de  António  de 
Oliveira  Bernardes.  A  geneologia  construe-se  do  se- 
guinte modo. 

António  Rodrigues,  pintor 

António  de  Oliveira  Bernardes  (azulejos  em  Braga  e 
Évora),  casado  com  Francisca  Xavier,  filha  de  um 
pintor. 

Filhos  e  discípulos 

Frei  José  de  Santa  Maria,  pintor  (i 700-1 781). 
Policarpo   de   Oliveira,  id.    (azulejos   em   Vianna) 

1695-1778. 
Ignacio  de  Oliveira,  pintor  e  architecto  (1 695-1781). 

Filhos  de  Ignacio 


João  Pedro  de  Oliveira,  pintor  (nasc.  1752). 
D.  Michaela  Archangela  Romaneti,  pintora  (1740- 
i8i5). 

1707.   Hossa  Senhora  do  Cabo.  (perto  de  Cezimbra).  Ermida 
.  da  ^Memoria;  tem  no  interior  dez  quadros  de  azule- 
jos com  a  historia  da  lenda  da  Senhora  do  Cabo  ^. 
Pintura  azul  sobre  branco. 

i.°  quadro. — A  senhora  entre  resplendores  sobre 
um  monte^  e  dois  velhos,  cada  um  do  seu  lado,  dor- 
mindo; com  este  letreiro:  ^ Sonham  dois  venturosos 
velhos  que  apparecia  a  Senhora  neste  logar.^ 


Irmandade  de  S.  Lucas  a  7  de  Agosto  de  1684.  Policarpo  a  19  de  Outa- 
bro  de  1728;  José  a  21  de  Outubro  de  ]73i,  sendo  ainda  secular;  «os  dois 
primeiros  servirão  lugares  na  Meza,  e  António  de  Oliveira  foi  juiz  em 
1679  (sic)».  Como  é  então  que  este  António  só  entrou  na  irmandade  em 
1684  ?  Notaremos  também  que  o  mesmo  António  teve  dois  filhos,  Ignacio 
e  Policarpo,  nascidos  ambos  em  1695.  Ignacio  foi  o  artista  mais  notável  da 
famiiia  e  pensionista  de  D.  João  v  em  Koma  (v.  Cyrillo). 

^    Apud  Dr.  J.  Ribeiro  Guimarães.  Summario  de  varia  historia^ 
Vol.  I,  pag.  204. 


223 


2.®  quadro.  —  Os  dois  velhos  caminhando  por  en- 
tre mattos;  —  letreiro:  —  fuPôem-se  a  caminho  para 
se  certificarem  da  pet^dade,  onde  se  encontram^  e  com- 
municam  entre  si  os  sonhos. i^ 

3.**  quadro.  —  A  senhora  com  o  menino  nos  bra- 
ços, sentada  sobre  uma  jumentinha,  um  anjo  guiando 
esta  á  rédea,  e  outro  anjo  seguindo  a  Senhora  com 
as  mãos  postas.  Defronte  a  velha  de  joelhos  com  um 
braço  estendido,  em  modo  de  admiração,  e  o  velho 
prostrado  por  terra  adorando  a  Senhora ;  —  letreiro : 
— « Chegando  a  este  sitio^  vêem  com  admiração  subir 
a  Senhora  pela  rocha. n 

4.®  quadro.  —  Nossa  Senhora  sobre  o  monte ;  va- 
rias romeiras  com  alforges  ás  costas  vem  caminhan- 
do, e  outras  já  estão  em  adoração ;— letreiro : — Pu- 
blicada por  ellas  a  maravilha,  vem  outras  em  sua 
companhia  para  admirarem' o  prodigio.* 

5.^  quadro.  —  Muitos  homens  trabalham  na  edifi- 
cação de  uma  ermida :  —  letreiro :  —  ^Edificou-se  esta 
ermida  para  os  primeiros  cultos.^ 

6.®  quadro.  —  A  edificação  de  um  templo ;  veem-se 
as  paredes  já  levantadas,  e  os  operários  trabalhan- 
do ;  —  letreiro :  —  t  Com  a  concorrência  das  gentes  se 
fabrica  outra,  no  logar  onde  hoje  se  vê  a  magestosa 
egreja.ii 

7.**  quadro.  —  Um  pequeno  templo,  e  em  frente, 
varias  barracas  e  povo,  na  forma  de  arraial; — le- 
treiro:—  ^Fórma  do  arrqyal  d'aquelles  primeiros 
tempos. 1^ 

8.®  quadro.  —  A  edificação  da  magestosa  egreja  em 
que  actualmente  é  venerada  a  Senhora  do  Gabo ;  vê-se 
o  mestre  da  obra  determinando  os  trabalhos  aos  ope- 
rários ;  —  letreiro :  —  <iDdse  principio  á  magestosa 
egreja,  em  IJ07  ^.» 

g.'*  quadra. —  A  egreja  actual,  e  o  arraial,  em  cuja 
construcção  trabalham  vários  homens,  e  os  romeiros; 
—  letreiro: —  €Fa:{-se  o  novo  arrayal.vi 


t  A  magestosa  egreja  é  q  templo  de  Nossa  Senhora  do  Cabo,  le- 
vantado pela  Casa  do  Infantado  no  prmcipio  do  sec.  xviii ;  em  1707  foi  a 
milagrosa  imagem  transferida  para  o  dito  templo,  havendo  grandes  festas 
nos  aias  7,  8  e  9  de  julho,  ás  quaes  assistiu  o  Infante  D.  Francisco,  filho  de 
D.  Pedro  u  e  senhor  da  casa  do  Infantado. 


224 


io.°  quadro. — A  perspectiva  da  egreja  e  do  ar- 
raial ;  vem  entrando  um  cirio,  trazendo  adiante  mu« 
sica  de  clarim  e  timbales,  e  depois  a  bandeira;  — 
letreiro:  —  €  Entrada  de  festeiros  no  novo  arrqyal.i^ 

lySõ.  Villar  de  Frades.  Convento  extincto  dos  frades  Lioyos. 
Na  capella  das  almas,  á  direita.  Grande  composição 
de  azulejos  que  representa  do  lado  direito,  Santa  Rita 
subindo  ao  ceu ;  por  debaixo,  formando  alizar,  uma 
tourada,  que  esta  assignada:  Nicolau  de  Freitas,  a 
Pintou  (sem  data).  Assignatura  inédita.  Na  parede  do 
lado  esquerdo:  o  martyrio  de  Santa  Quitéria;  por 
debaixo  uma  caçada  á  raposa.  N^este  quadro  le-se 
em  baixo :  ^artholomeu  Antunes  a  fes  em  Ux  (Lis- 
boa) no  anno  de  ijSõ.  A  ultima  cifra  está  meio  en- 
coberta pelo  sobrado,  que  reveste  uma  parte  do  pa- 
vimento. A  execução  do  azulejo  tem  muito  mereci- 
mento, sobretudo  nos  alizares.  Pintura  azul  sobre  bran- 
co, como  nos  seguintes.  Assignatura  e  data  inéditas. 

1742.  Villar  de  Frades.  Mesmo  convento.  Na  capella  de  Nos- 
sa Senhora  da  Conceição;  mesmo  lado.  Duas  gran- 
des composições,  que  representam,  á  esquerda,  o  nas- 
cimento de  Christo ;  á  direita  a  adoração  dos  Magos. 
N^este  quadro  lê-se:  Bartholomeu  Antunes  \  a  fes  em 
Lx.^  nas  olarias  \  no  anno  de  1J42  \  .  Assignatura  e 
data  inéditas. 

1764.  Villar  de  Frades.  Primeira  capella,  do  mesmo  lado,  vin- 
do do  cruzeiro.  Varias  composições  sobre  assumptos 
sagrados,  assignadas :  Joannes  \  Ferreira  |  Lima  \  me 
fecit  Brachara  e  1764  \  .  Assignatura  e  data  inéditas. 

Alem  doestes  azulejos,  todos  notáveis,  ha  em  outra  ca- 
pella do  lado  direito  (São  Bento)  e  em  duas  do  lado  esquerdo 
(Senhor  dos  Passos  e  São  Lourenço)  azulejos  de  inferior  qua- 
lidade, também  nacionaes,  com  inscripções  portuguezas,  mas 
sem  assignaturas,  nem  datas.  A  capella  de  S.  Bento  tem  á  di- 
reita a  figura  de  São  Lourenço  Justiniano  e  á  esquerda  a  do  Papa 
Gregório,  com  as  seguintes  inscripções,  que  podem  servir  de 
amostra  das  que  se  acham  nas  outras  capellas : 

Noso  P.  S.  Lovrenso  \  justiniano  patri  \  arca  de  Veneia. 
I  hpm  dos  nosos  \  fvndadoresde  S.  |  Jorge  em  alga  \  em  Italta. 

Gregório  42.  Spm  \  mo  pontífice  chama  \  ao  antes  angelo 
cois.  I  hv  dos  pr.^  fundadores  |  da  nossa  congregação  \  de  S. 
Jorge  d'alga  em  \  Veneia. 


225 


Nas  outras  capellas  (lado  do  evangelhoj  encontram-se 
as  seguintes  figuras,  com  extensos  letreiros : 

Capella  do  Senhor  dos  Passos.:  T).  António  Corart\  Car- 
deal Osttensi^  e  o  TPadre  oAffonso  Nogueira,  Bispo  de  Coimbra 
e  Arcebispo  de  Lisboa. 

Na  capella  de  São  Lourenço :  o  V.  P.®  António  da  Con-* 
ceiçãOy  fallecido  em  Lisboa  em  1602;  e  o  P.®  João  Roi\^  con- 
fessor'd'El-Rei  D.  Aflbnso  V,  que  resignou  a  mitra  de  (-oim- 
bra.  Estes  retratos  em  azulejo  são  de  uma  execução  muito 
inferior,  comparando-a  com  a  dos  quadros  das  outras  capellas. 

Joaquim  db  Vâsconcellos. 


DOCUMENTO  XIV 

AZULEJOS   NACIONAES 

(Sobre  a  influencia  da  arte  italiana) 

A  arte  de  fabricar  azulejos  veio,  como  já  temos  dito  e 
accentuado  em  varias  partes  d'estes  estudos,  do  Oriente,  se- 
guindo nós  até  ao  principio  do  sec.  xvi,  fielmente,  o  principio 
esthetico  que  o  oleiro  oriental  havia  estabelecido  para  esta  arte, 
eminentemente  decorativa.  No  principio  da  Renascença  penin- 
sular houve  algumas  tentativas  de  emancipação  d'esse  principio, 
ensaiando-se  os  oleiros  em  grandes  composições,  tiradas  da 
historia  sagrada,  e  pretendendo  transformar  assim  o  tapete  mu-* 
ral  em  quadro  religioso,  para  substituir  o  fresco,  onde  o  clima 
húmido  não  permittia  o  emprego  d'^este  processo,  ou  a  appli- 
cação  do  panno  de  raz.  Esses  quadros,  devidos  á  influencia  de 
artistas  italianos  são,  porém,  muito  raros  na  peninsula.  Conhe- 
cemos apenas  diías  grandes  composições,  uma  no  Alcazar  de 
Sevilha,  no  chamado  «Oratório  dos  JReis  Catholicosi  e  outro 
em  Lisboa,  que  foi  da  Capella  de  Nossa  Senhora  da  Vida  na 
egreja  parochial  de  Santo  André. 

A  composição  de  Sevilha  é  evidentemente  obra  de  um 
italiano,  porque  está  assignada :  nicvloso  Francisco  |  italiano 
ME  FEciT.  ]  ^  Representa  um  grande  retavolo  de  azulejo  sobre 


^  A  assignatura  está  no  retábulo  aos  pés  da  Virgem,  e  já  foi  de- 
nunciada pelo  snr.  Borrell,  Tratado  de  dihujo  vol.  ni  pag.  a3a.  Ahí  se  en- 
contra uma  gravura  fiel  do  frontal. 


226 


um  altar  também  revestido  de  azulejo.  Este  altar  está  todo  for- 
rado de  azulejo  de  tapete,  em  três  lados,  e  no  quarto  (frente)  repre- 
senta um  frontal  historiado:  duaschimeras  sustentam  um  meda- 
lhão cercado  de  Sores  que  representa  a  Annunciaçio  de  Nossa 
Senhora ;  por  cima  as  armas  grandes  dos  Reis  Catholicos,  ten- 
do á  direita  um  escudete  com  a  inicial  F,  coroada,  e  á  esquerda 
a  inicial  Y,  também  coroada  (Fernando- Vsabel).  Como  se  isto 
não  bastasse,  nas  extremidades  superiores  do  frontal  veem-se 
ainda  dous  escudos  emblemáticos  como  os  usaram  os  Reis  Ca- 
tholicos,  á  direita  um  doble  jugo  y  cqyundas^  com  a  lettra  ttanto 
montai,  e  á  esquerda  um  ha\  de  flechas  *.  O  mesmo  emblema 
ainda  se  acha  repetido  dos  dois  lados  do  retábulo,  em  ponto 
maior,  dentro  de  duas  coroas  de  louros.  O  retábulo,  própria* 
mente  dito,  que  está  mettido  n^um  desvão,  todo  forrado  de  azu- 
lejo, representa  a  Visitação  de  Nossa  Senhora^  composto  n'um 
estylo  á  Perugino ;  na  moldura  pintou  o  artista,  Jesse  e  os  reis 
seus  descendentes :  David,  Salomão,  Roboan  etc.  Estas  figuras 
estão  dentro  de  elegantes  arabescos  em  puro  estylo  de  Renas- 
cença, que  revestem  ainda  em  bellissimo  desenho  todo  o  desvão 
até  á  altura  do  primeiro  nervo  do  artezoado  da  abobada  gothica. 
Esta  capella,  que  é  muito  pequena,  foi  construída  cerca  de 
ibo4,  e  é  tradiqão  que  ahise  recebeu  em  i526  Carlos  vconn  a 
imperatriz  D.  Isabel,  filha  d'El-Rei  IJ.  Manoel  ^ 

O  artista  Francisco  Niculoso  de  Pisa  '  ainda  apparece 
em  outras  obras  d^arte  notáveis,  p.  ex.  n'um  sepulchro  da  egreja" 
parochial  de  Sant'Anna  de  Triana,  bairro  de  Sevilha,  onde 


1  O  emblema  é  invenção  do  celebre  humanista  António  de  Nebrija^ 
e  foi  interpretado  por  uns  como  Tanto  monta  (t.  é  vale)  Isabel  como  Fer- 
nando; outros  referiram  a  divisa  á  historia  do  nó  gordio  de  Alexandre^  e 
ás  victorias  dos  Reis  catholicos:  «Tanto  monta  dominar  a  los  enemigos 
é  imponerles  el  yugo  sujetando-se  elios  mismos  de  grado,  que  sujetarlos 
por  la  fuerza  de  las  armas»  v.  Marchesi.  Catalogo  de  la  *I{eal  armeria  pag^ 
96;  nota. 

s  «This  cinquecento  A^iulejo  is  quite  Peruginesque,  and  perhaps  is 
the  íinest  Christian  specimen  in  Spain».  Murray,  Handbookfor  travellers  in 
Spain,  Londop,  1845  vol  i  pag.  2SS,  o  qual  indica  as  seguintes  dimensões  em 
pés  inglezes  i5  por  12;  a  altura  do  retábulo,  incluindo  o  altar,  será  de  i5 
a  x8  pés.  Borrei  {loc,  cit)  diz  que  Francisco  Niculoso  executou  a  obra  de 
Í492  a  i5o4.  Tivemos  occasiâo  de  admirar  este  trabalho  n'uma  demorada 
visita  que  fizemos  a  Sevilha  no  verão  de  i87i  e  em  1882  patenteámos  na  Ex« 

{>osiçâo  de  Cerâmica  (secção  de  azulejos  antigos  hespanhoes  da  casa  de  Pi- 
atos,  da  Alhambra  etc.)  uma  grande  photographia  do  altar  e  retavolo  do 
Âlcazar . 

8  £'  o  snr.  Asencio  que  indica  esta  naturalidade  no  seu  estudo  da 
Qâcademiãf  pag.  6  da  tiragem  especial. 


227 

já  etn  i549  ^^^  grande  a  producção  cerâmica  ^.  O  snr.  José 
Maria  Asensio  descreve  assim  o  objecto:  c Forma  el  sepulcro 
un  arco  embutido  en  la  pared,  que  só!o  se  levanta  cosa  de  un 
metro  sobre  el  nivel  dei  pavimento,  y  desdeia  recta  que  forma 
cuerda  hasta  la  clave  dei  arco  estaba  en  hueco,  sin  que  poda- 
mos asegurar  lo  que  allí  habia,  por  haberse  rellenado  y  enlu- 
eido  posteriormente  aquel  vano.  La  lápida  está  formada  por 
treinta  e  dos  azulejos,  y  en  ellos  dibujada  la  orla,  inscripcion 
y  figura  con  la  firma  dei  artista.  La  inscripcion  dice  as(: 

ESTA  FIGURA — Y  SEPVLTVRA.  ES. 

DE  INIGO  LOPES 

EN  EL  ANNO  DEL  S  MIL  CCCCCHL  — 

«Despues  dei  apellido  Lopez  hay  un  claro,  faltando  una 


^  «Hay  cuasi  cincuenta  casas  donde  se  hace,  y  de  donde  se  lleva 
para  muchas  partes»  Grande^^as  y  cosas  memorables  de  Espana  por  Pedro 
de  Medina.  Sevilla,  1549.  O  mesmo  autor  diz  n*outro  logar.  «Asi  mismose 
haze  azulqo  muy  polido  de  muchas  diferencias,  labores  y  colores.  Y  asi 
mismo  muy  hermosos  bultos  de  hombres.  De  este  azulejo  se  labra  mucha 
^antidad  que  se  lleva  á  muchas  partes»;  apud  Asensio,  pag.  4.  Notaremos 
Que  ainda  hoje  o  bairro  de  Triana  é  olbco  da  industria  cerâmica  de  Sevi- 
Ina.  A  capitai  4e  Andaluzia  leve  no  sec  XYi  uma  importantíssima  colónia 
de  portuguezes;  e  houve  alli  uma  feitoria  da  coroa  de  Portugal,  que  acom- 
pannava  com  attenção  o  grande  movimento  do  commercio  com  o  Novo 
Mundo.  Severim  de  Faria  Noticias  de  Portugal  (3.*  ed.  de  1791  vol.  i  p.  17) 
escreve  «que  muitas  pessoas  afiirmavão,  que  a  quarta  parte  dos  morado- 
res de  Sevilha  erão  nascidos  em  Portugal,  e  que  em  muitas  ruas  d'aquella 
cidade  se  fallava  a  nossa  lingua,  e  não  a  Castellana.  Quasi  o  mesmo  se  po- 
dia dizer  de  Madrid,  e  por  toda  Castella  a  Velha,  e  Estremadura  he  notó- 
rio, que  os  mais  dos  mechanicos  erão  naturaes  d'este  Reyno^  os  quaes  pòr 
não  terem  cá  em  que  trabalhar,  hião  lá  ganhar  sua  vida.t  Toda  esta  pas- 
sagem se  refere  á  época  antes  da  Restauração  de  I640,  como  Severim  de< 
Faria  expressamente  declara.  Parecerá  haver  exagero;  no  entanto,  com  re- 
lação a  uma  arte,  á  musica,  já  a  passagem  está  amplamente  documentada ; 
V.  Quadro  dos  compositores  portuguexes  existentes  em  Hespanha  no  sec. 
XY  a  XVII,  em  Ensaio  critico  sobre  o  Catalogo  da  livraria  de  musica  d' El' 
Rei  D.  João  iv.  Porto,  1873 ;  são  uns  vinte  compositores  nos  logares  mais 
proeminentes  das  mais  celebres  cathedracs  de  Hespanha.  Sobre  a  emigra- 
ção de  pintores  portuguezes  na  mesma  época  v.  Cyrillo  (pag.  20).  Jorge 
Ferreira  de  Vasconcellos  falia  muito  das  maravilhas  de  Sevilha  Áulegra- 
vhia,  pag.  77.  De  Sevilha  vieram  muitos  azulejos  para  a  Sé  Velha  de  Coim- 
Dra,  encommendados  pelo  Bispo  D.  Jorge  de  Almeida.  Alem  do  documento 
bistoriccr,  que  comprova  a  importação,  (Simões  de  Castro,  Guia  pag.  i38 
da  2."  ed.)  ha  um  argumento  intrínseco,  que  se  tira  da  confrontação  dos 
padrões  da  Sé  Velha  com  os  da  Casa  de  Pilatos,  á  qual  procedemos  na  ul- 
tima exposição  de  cerâmica  do  Porto. 


228 


palâbra,  que  se  hízo  desaparecer  saltando  el  esmalte  cuando 
se  descubrió  el  sepulcro.  Esa  palabra  decia  esclabo,  y  se  bor- 
ro por  temor  á  las  hablillas  dei  vulgo  ^ 

«Yace,  pues,  alli  enterrado  un  esclavo  desde  el  ano  i5o3; 
y  si  se  repara  en  la  ropa  amarilla,  en  el  gorro  morado  que  cu* 
bre  su  cabeza,  y  hasta  en  Ia  sencilla  cruz  que  tiene  sobre  ei 
pecho,  se  encontrará  algo  de  particular.  Un  esclavo  con  sepul- 
tura es  cosa  rara ;  pêro  se  dice  que  aquel  esclavo  fué  asesinado, 
que  el  matador  costeó  el  sepulcro...  tradiciones  ó  consejas 
cuya  exactitud  no  hemos  podido  comprobar. 

ccEl  azulejo  e^  de  gran  mérito.  El  colorido  es  bellísimo  y 
armonioso ;  y  hay  gran  prolijidad  en  los  detalles,  tanto  de  la 
figura,  como  de  la  orla.  En  esta  sobre  la  cabeza  de  la  figura 
hay  una  cartelilla  que  dice : 

NICULOSO  FRANCISCO 
ITAUANO  ME  FECIT. 

<Y  esta  firma,  unida  á  la  fecha  de  i5o3,  aumenta  la  im- 
portância de  la  obra,  y  son  datos  apreciabilisimos  para  la  his* 
torla  de  la  industria.  El  celebrado  artista  introdujo  grandes  ade- 
lantos  en  la  cerâmica  y  en  el  esmalte.  Sus  obras  se  distinguen 
de  todas  por  la  conposicion,  por  el  adorno  y  por  el  diseiío; 
pêro  más  aún  por  la  brillantez  y  variacion  dei  color.  Antes  de 
el,  en  la  alfarerfa  de  Triana  apenas  se  fijaban  otros  colores  que 
el  verde,  el  violado  y  el  azul,  prodigándose  con  exceso  de  ama- 
rillo.  Niculoso  introdujo  el  uso  dei  negro,  combinando  rebajos 
y  medias  tintas  para  dulcificar  los  tonos;  preparo  fondos  per* 
didos  que  sin  quitar  armonia  á  sus  cuadros  daban  realce  á  los 
primeros  términos,  y  le  permitieron  degradar  las  figuras  colo* 
cándolas  en  diferentes  planos  por  la  intensídad  de  las  tintas 
para  dar  mejor  efecto  á  las  composiciones. 

«Aprovechando  sus  artísticas  innovaciones  pudíeron  es- 
maltarse  las  grandes  cacerias  que  se  conservaron  hasta  hace 
muy  poços  anos  en  el  claustro  bajo  dei  convento  de  Madre  de 
Dios,  y  que  no  sabemos  si  se  han  salvado  de  la  destruccion.» 

Fizemos  esta  extensa  citação,  de  propósito,  em  vista  da 
importância  do  artista  Niculoso,  cujos  trabalhos  começam  a  ap- 
parecer  em  Portugal.  Na  Exposição  de  Lisboa  via-se  um  pe- 
queno quadro  de  azulejo  com  o  mesmo  assumpto  do  retavolo 


1    O  snr.  Asensio  explica  a  lenda  que  anda  ligada  ao  sepulcro. 


229 


dc  Sevilha :  A  Visitação  de  Nossa  Senhora^  e  assignado  nícv- 
Loso  iTi^LiAN.®  I  MH  FECiT  *.  A  sccoa  passa-se  n'um  pórtico  de 
estylo  do  Renascimento,  com  uma  paisagem  ao  fundo.  N'uma 
outra  sala,  a  grande  distancia  ^,  estava  um  segundo  quadrinho, 
composto  de  seis  azulejos,^que  representavam  a  Anuwiciação  de 
Nossa  Senhora  \  o  acto  passa-se  tamisem  dentro  de  um  apo* 
sento  ornado  no  mesmo  estylo  do  quadro  anterior.  A  execu- 
ção é  menos  acabada,  parecendo-nos  ser  o  quadro  de  Évora 
uma  imitação  muito  interessante  de  algum  discípulo  portuguez 
ou  hespanhol  de  Niculoso ;  em  todo  o  caso,  a  sua  influencia  é 
evidente  alli. 

Convém  agora  examinar  a  composição  da  Capella  de 
Nossa  Senhora  da  Vida^  que  se  pode  attribuir  também  á  in- 
fluencia italiana,  posto  que  a  data  seja  bastante  mais  moderna 
do  que  a  do  retavolo  de  Sevilha.  Os  azulejos  de  Lisboa  não 
têm  data,  mas  não  são  posteriores  a  i58o,  como  veremos^  fican- 
do quasi  ao  par  das  formosas  phanta^-ias  de  Francisco  de 
Mattos,  assignadas  em  São  Roque  em  i584  (v.  retro  pag.  76). 

A  egreja  parochial  de  Santo  André,  á  qual  pertencia  a 
dita  capella,  funccionou  até  i835,  passando  então  a  sede  para  o 
templo  da  Graça,  onde  se  recolheu  também  a  parochia  de  Santa 
Marinha;  ambas  as  egrejas  permaneceram  fechadas  até  1845, 
sendo  então  denrolidas.  Algumas  pessoas  curiosas  salvaram 
amostras  dos  preciosos  azulejos  de  tapete  d'estas  duas  antiquis- 
Simas  egrejas  .parochiaes  de  Lisboa,  que  figuraram  abundante- 
mente na  nossa  exposição  ^  Entre  esses  raros  amadores  é  justo 
especialisar  o  faliecido  architecto  José  Valentim^^^o  antiquário 
mais  erudito  dos  nossos  tempos  em  todos  os  assumptos  d'arte 
relativos  á  velha  Lisboa  ^.  Sabendo  que  a  egreja  de  Santo  An- 


1  O  catalogo  official  (pag.  252)  traz  a  inseri pção  inexacta  :  Nicoloso 
Jtalian  me/ecit.  O  quadro  foi  reproduzido  na  est.  n.o  23. 

>  S^la  L,  ficando  o  outro  exemplar  na  sala  F  da  ala  opposta !  O 
Catalogo  descreve  este  quadro  no  seguinte  estylo  característico:  «Moldura 
contendo  seis  azulejos,  cujas  pinturas  se  combinam  para  representar  uma 
peça  architectonica  e  a  Annuncia jão  da  Virgem.  Século  xvi.  Convento  de  S, 
aentOy  Évora»  (pag.  236).  O  objecto  está  hoje  na  Bibliotheca  publica  da 
mesma  cidade,  na  sala  dos  MS. 

a  Veja-se  a  collecção  exposta  pelo  Museu  do  Carmo  e  a  do  snr. 
Nepomuceno ;  esta  tinha  azulejos  das  seguintes  parochias :  S.  Bartholomeu, 
Santa  Marinha,  São  Lourenço,  Santo  André^  Sao  Pedro  de  Alfama  e  Nossa 
Senhora  da  Ajuda. 

^  O  architecto  Valentim  falleceu  em  1870  com  79  annos.  Quem  ti- 
ver a  curiosidade  de  ssber  pormenores  da  vida  d' este  artista  benemérito, 


dré  ia  ser  demolida,  fatiou  nos  preciosos  azulejos  ao  architecto 
da  camará,  Malaquias  Ferreira  Leal,  e  depois  de  se  obler  ia- 
forme  do  professor  de  escuiptura  da  Academia,  Assiz  Rodri- 
gues, baixou  uma  portaria  do  Ministério  das  obras  publicas, 
mandando  arrancar  e  conssrvar  os  azulejos  da  grande  compo- 
sição, o  que  se  executou  em  janeiro  de  1845,  assistindo  ao  acto 
o  próprio  Va'entim-  Oj  azulejos  estiveram  encaixotados  nas 
Obras  publicas  até  iSbi,  e  lá  estariam  ainda  se  um  inglez  não 
tentasse  compral-os  n'e5sc  anno.  O  Intendente  das  Obras  pu- 
blicas. Fava,  informou  logo  Valentim,  e  este  acudiu  á  casa 
de  Francisco  Martins  d'Andrade,  então  conservador  do  gabi- 
nete de  medalhas  e  antiguidades  da  Bibliotheca  Nacional.  An- 
drade avisou  o  Bibliothecario-mór  Mendes  Leal  a  14  de  Março 
e  este  conseguiu  que  a  reliquia  fosse  entregue  á  Bibliotheca  por 
oâicio  de  6  de  Abnl.  Fassaram-se  ainda  quatro  annos  até 
os  azulejos  serem  collocados  no  logar  que  hoje  occupam,  e  que 
não  é  muito  próprio.  Poucas  pessoas  os  conhecem,  mesmo  em 
Lisboa  •. 

Os  azulejos  formam  um  retavolo,  cujo  assumpto  central 
é  a  C/íiorjfio  dos  'Tastores;  ladeiam  o  quadro  quatro  colomnas 
connthias,  festonadas  de  era,  duas  de  cada  lado,  apparecendo 
nos  respectivos  nichos  os  evangelistas  S.  João  e  S.  Lucas.'  A 
Virgem  é  accompanhada  d^:  S.  José  e  de  vários  4)astores,  e  a 
sceoa  passa-se,  segundo  a  escnptura,  entre  as  ruinas  de  utn 
velho  edifi:io.  O  frontão  setnicircutar  assente  sobre  um  friso 
de  elegantes  arabescos,  está  cortado  por  um  vácuo,  que  corres- 
pondia a  uma  janella,  e  no  cjiial  se  coilocou  uma  inscripqão  mo- 
derna, comm-juorativa  *;  a  direita  d''ella  no  tympano,  está  o 


1  O  snr.  A.  Ji;  Ceuleneer  não  viu  esies  azulejas.  Estão  em  um  dos 
oorredoreí  internos  do  lado  sul  do  edifício.  O  Snr.  Silva  Tullio  desejava 
goltoc''^^  ""  ^'^P''  '^'^  '"''  '^°^  lanços  da  escada,  mas  o  espaço  não  chega- 
ni  para  o  quadro,  que  é  de  grandes  dimensões :  4  metros  82  c.  de  altura 
Mf  4  m.  e  65  c.  de  largura,  segundo  o  Dr.  Guimarães.  {Swmmario  vol.  n 
«UE.  106],  o  qual  indica  as  proporções  do  seguinie  modo  :  O  soco  o,Ba ;  o 
Mpo  principal  z  m,  S3;  e  o  froniao  1  m.  6i ;  islo  prefac  4  m.  gg  c.  e  não 
.gj  O  soco  nada  tem  de  particular;  finge  lavor  de  cantaria  faceteada. 
*  '  I  Diz  dh:  "Este  painel  pertenceu  á  capella  de  N,'"[S,"  da 
Vida,  erecta  no  século  X7i  por  |  Barlholomeu  Vaz  de  Lemos,  na  parochial 
M  S.  I  André  desta  cidade.  Demolida  a  egreia  I  em  I84S,  o  requesilou  ao 
Averno  [  o  Coaservadar  d' esta  Bibliotheca  j  F.  M.  de  Andrade  |  e  aqui  foi 
e  restaurado  [  em  i865>.  Do  pobre  José  Valentim  nem  palavra  t 


^gfiO  e  restaurado  |  em  11 


23 1 


archanjo  annunciando  o  mysterio  da  Encarnação,  e  á  esquerda 
a  vinda  do  Espirito  Santo.  Renrata  o  frontão,  guarnecendo-o, 
utn  fesrtSo  de  folhagem.  As  proporções  do  retavolo  são  muito 
consideráveis,  como  dissemos,  mas  nem  por  isso  a  execução  é 
menos  cuidada.  Ha  algumas  irregularidades  no  desenho,  que 
prejudicam  o  effeito,  e  como  as  restaurações  tentadas  no  acto  da 
collocação  foram  mal  executadas,  com  azulejos  modernos,  or- 
dinários, e  remendos  de  estuque  pintado,  o  aspecto  geral  é 
pouco  satisfactorio  hoje.  Ainda  assim,  não  conhecemos  no  pai?, 
outro  retavolo  superior  a  este,  pelas  dimensões  e  pela  mão  de 
obra;  as  cores  são  variadas,  predominando  o  amarello  e  azul, 
verde  e  roxo,  em  varias  graduações,  isto  é:  habilmente  som- 
breadas. Esta  arte  de  graduar  as  cores  constitue,  segundo  os 
autores  Asensio  e  Riafio  ^  uma  innovação  introduzida  pelos  ar- 
tistas italianos  no  começo  do  sec.  xvi,  porque  até  alli  os  olei- 
ros peninsulares  applicavam  as  cores  sem  meias  tintas.   Repa- 
re-se  p.  ex.  no  bellissimo  effeito  do  desenho  do  friso  do  retavo- 
lo: arabescos  amarellos,  vigorosamente  sombreados,  sobre  um 
fundo  côr  de  castanho.  E^  muito  para  sentir  que  não  salvassem 
o  quadro  da  mesma  capella,  que  ficava  fronteiro  a  este,  e  que 
tinha  a  data  i58o;  diz-se  que  era  de  desenho  mais  incorrecto 
e  de  inferior  colorido, '  o  que  pouco  importava,  porque  essa  dif- 
ferênça  poda  até  ser  muito  característica  e  ajudar  a  reconhe- 
cer a  mão  de  obra  nacional.  No  convento  do  Paraizo  em  Évo- 
ra existe  um  retavolo 4)equeno  de  azulejo,  que  é  o  segundo  que 
conhecemos  no  paiz ;  reverte  o  fundo  de  um  nicho  onde  está 
sepultado  Dom  Manoel  da  Costa,  fallecido  em  i532.  Um  bello 
pórtico  em  estylo  puro  da  Renascença,  com  as  datas  ]535  e  ib36 
reealça  a  entrada  da  sepultura.  Parece-nos  porém,  pelo  estylo 
do  retavolo,  que  não  será  anterior  ao  fim  do  sec.  xvi,  ou  prin- 
cipio do  sec.  XVII.  Representa  nossa  Senhora  entregando  o  ro- 
sário a  São  Domingos,  o  qual  tem  dos  lados  um  cavalleiro  com 
uma  vela  na  mão,  e  uma  freira  da  ordem ;  as  figuras  são  de  ta- 
manho quasi  natural;  na  pintura  predominam  grandes  massas 
de  amarello;  o  desenho  é  pouco  correcto.  Quem  comparar  este 
retavolo  com  o  da  capella  da  Senhora  da  Vida  ha- de  notar 
grande  dijfTerença  na  execução,  e  inclinar-se-ha  a  considerar 
logo  o  prioreiro  como  obra  de  artista  estrangeiro;  reparando 


^    Asensio  Op.  cit,  pag.  i3 ;  Riano  Op.  cit.  pag.  169;  v.  também  Bor- 
rell  Op.  cit.  vol.  iii  pag.  226  e  seg.;  e  490  e  seg. 

'    Dr.  Ribeiro  Gaimarâes.  Sumrnario  vol.  11  pag.  106. 


2Z2 


porécn  nos  formosos  azulejos  de  Sao  Roque,  assignados  por 
Francisco  de  Mattos  em  i584,  suspenderá  o  seu  juizo  até  po- 
der julgar  sobre  niateríaes  mais  abundantes.  Os  azulejos  de  São 
Roque,  não -representam,  é  verdade,  composição  de  grandes 
figuras,  mas  quem  desenhava  o  arabesco  no  estylo  da  Renas- 
cença com  talento  tão  distinao,  podia  compor  também  um  qua- 
dro como  o  da  capella  da  Vida. 

A  influencia  da  arte  italiana  sobre  a  nossa  cerâmica  do 
stc.  XVI  não  está  estudada ;  é  esta  a  primeira  vez  que  se  chacxiá 
a  attenção  sobre  o  assumpto,  juntando  materíaes  desconhecidos. 
A  comparação  é  indispensável  n^estes  casos.  Podemos  citar 
ainda  outros  exemplares  muito  notáveis  do  meado  e  fim  do 
sec.  XVI  e  principio  do  sec.  xvir,  e  todos  no  estylo  do  Renas- 
amento,  p.  ex.  os  azulejos  da  antiga  sacristia  da  egreja  de  Nos- 
sa Senhora  da  Graça  de  1 570- 1 58o,  no  mesmo  estylo  dos  de 
S.  Roque  e  não  menos  notáveis,  mas  muito  maltratados  ^;  os 
magnifícos  exemplares  de'  Villa  Viçosa,  pertencentes  ao  meado 
do  sec.  XVI ;  os  do  palácio  dos  Albuquerques,  (Conde  de  Mes- 
quitella)  em  Azeitão  *;  e  finalmente  os  grupos,  já  bastante  carre- 


^  E'  preciso  notar,  ampliando  o  aue  dissemos  (retro  pag.  76)  que 
na  antiga  Sacristia  da  Graça  ha  azulejos  de  três  épocas  muito  distinctas. 
Primeiro^  a  traz  da  porta  que  communica  para  a  egreja,  os  mais  amigos,  a 
que  temos  alludtdo  (cerca  de  i37c-i5So)  muito  mal  tratados;  depois,  ou- 
tros no  mesmo  estylo  do  Renascimento  (rotuios  e  pendurados)^  que  reves- 
tem os  vãos  de  dous  altares,  os  altares  (formando  bellos  frontaes)  e  dois 
nichos  com  as  sepulturas  de  dous  prelados.  Este  segundo  grupo  pertence  á 
primeira  metade  do  secxvii;  o  desenho  é,  quanto  ao  arabesco,  bastante  in- 
ferior ao  do  primeiro  grupo;  o  azulejo  de  tapete  é  porém  magnifico.  Final- 
mente, circundando  a  grande  porta  da  entraJa  para  a  Sicristia  Nova, 
veem-se  azulejos  da  época  de  D.  Jc>âo  v;  sobresahem  duas  figuras,  a  éMagni' 
ficencia  e  a  Liberalidade^  matronas  um  tanto  pesadas,  despejando  a  segunda 
uma  grande  cornocopia  cheia  de  pintos  e  dobrões  portuguezes.  O  resto  do 
espaço  é  preenchido  por  uma  grande  chantasia  decorativa  de  estylo  rocóco. 
As  figuras  parecem  alludir  á  excepcional  generosidade  com  que  o  diploma- 
ta Mendo  ae  Foios  Pereira  (1643-1708)  construiu  a  nova  sacristia;  a)li  |az 
sepultado  em  um  magnífico  mausoléu  de  mármore  e  bronze  (v.  o/írchtvo 
Pittoresco^  1864  pag.  181,  com  artigo  do  snr.  Vilhena  Barbosa,  que  não  diz 
porém  cousa  alguma  dos  azulejos).  Sendo  a  sacristia  nova  conduida  em 
1707,  data  que  vimos  no  tecto,  ó  licito  presumir  que  o  azulejo  será  d'essa 
época,  tendo-se  em  conta,  como  argumento  intrinsico,  o  estylo  d*elle.  Da- 
remos pormenores  sobre  esta  sacristia  velha,  totalmente  esquecida,  aban- 
donada e  suja,  no  artigo  sobre  os  «Azulejos  não  datados». 

>  Representados  na  coUecção  Nepomuceno  por  seis  quadros  n.^  44 
a  49,  e  attríbuidos  á  industria  de  Tala  vera,  que  representava  em  Hespanha 
a  influencia  italiana,  segundo  Borrell  e  Riano.  Este  ultimo  autor  apresen- 
ta documentos  que  provam  a  importação  de  cerâmica  de  Talavera  para 


233 


gados  no  género  baroque^  do  átrio  da  egreja  de  Santo  Amaro 
em  Lisboa,  do  G)lIegio  dos  Jesuitas  eoi  Évora  e  da  egreja  de 
São  Mamede  da  nnesma  cidade.  Os  do  paço  de  Villa-Viçosa 
mereciam  um  estudo  especial,  porque  as  duas  pequenas  amos- 
tras que  appareceram  na  exposição  de  Lisboa  ^  não  represen- 
tam o  que  ha  de  melhor  n^aquelle  edifício.  Nas  salas,  que  cha- 
maremos de  David  e  Golias,  de  Medusa  e  Theseu  (pelas  pintu- 
ras que  as  ornam)  vimos  azulejos  com  deliciosos  desenhos  em 
arabesco  e  grutesco,  e  finissimas  tintas,  em  camaíeu^  predomi- 
nando o  azul,  amarello,  verde  e  branco;  a  composição  forma 
pequenos  taboleiros,  executados  em  ponto  diminuto,  mas  com 
um  pincel  lar^o,  com  verdadeira  virtuosidade.  São  os  exempla- 
res de  estylo  italiano  mais  perfeito  que  temos  visto  em  Portu- 
gal. Ficamos  hoje  por  aqui,  convidando  os  amadores  de  anti* 
^uidades  a  prestarem  alguma  attenção  a  este  ramo  das  artes 
industriaes,  porque  d^aqui  a  dez  annos  talvez  hajam  desappare- 
cido  os  restos  de  utna  industria  na  qual  occupámos  um  logar 
muito  distincto,  como  temos  provado  n^estes  estudos. 

Joaquim  de  Vâsconcellos. 


CATALOGUE  DES  INSEGTES  DU  PORTUGAL 

(OoDtlnvftçio,  Tld.  pag.  1T8) 
Oam  PHOSPHUGA  LBAOH 

684.    P.  atrata  L. 

Fairm.  et  Lab.  Faun.  Ent.  Fr.,  p.  297. 
Pai  pris  un  seul  individu  dans  la  Serra  du  Gerez. 


Portuga],  localidade  que  fornecia  não  só  a  península,  naas  as  índias  Occi- 
dentaes  (Relaciones  topográficas  de  los  Pueblqs  de  Espana  hechas  en  i5j6) 
No  inventario  da  infanta  D.  ioanna^  irmã  dè  Felipe  u  e  mãe  de  D.  Sebas- 
tião apparecem  productos  de  Talavera  (1373).  Na  coUecção  de  cerâmica 
hespanhola  do  Museu  de  South-Kensington,  existem  duas  peças  notáveis 
com  as  armas  de  Portugal  (n.«  486 — 46;  e  n."  104—^9  com  as  armas  de 
Portugal  e  Sicilia)  sendo  a  primeira  do  aec.  xv. 

^  Catalogo  pag.  18^  n,^^  100  e  iii.  Já  estiveram  na  exposição  uni- 
versal de  Paris  de  1867^  como  dados  por  El-Rei  O.  Luiz  á  Academia  de 
Lisboa  (Aragão,  Description  etc.  pag.  142).  Pelo  Catalogo  de  Lisboa  ve- 
mos agora  que  elles  voltaram  á  posse  da  casa  real.  A  pag.  76  (retro)  disse- 
mos que  os  azulejos  de  Villa- Viçosa  nos  pareciam  ser  talvez  da  escola  italo- 
hespanhola;  referiamo-nos  aos  que  foram  expostos  em  Lisboa;  os  das 
salas  de  David  e  Theseu  terão  a  mesma  origem ;  os  da  Graça  represen- 
tam o  estylo  da  Renascença  flamenga. 

BSVISTA  ttA  SOCUDADB  de  mSTRUCCÃO  DO  POHTO.  2S 


234 


685.  P.  retionlata  F. 

Fairm.  et  Lab.  Faun.  Ent.  Fr.,  p.  296. 

Gommun  dans  le  nord  du  Portugal. 

Omnm  THÁNATOFHILUB  LBAOH 

686.  T.  rugosus  L. 

FairtH,  et  LcUf,  Faun.  Ent.  Fr.,  p.  294. 
Serra  do  Marlo !. 

V.  ruficomis  Kust. 

Du  Portugal  d'après  Deyrolle. 

687.  T.  sinuatus  F. 

Fairm.  et  Lab.  Faun.  Ent.  Fr.-,  p.  294. 

Braga I,  Serra  do  Marão!,  Espinho!,  Guarda!. 

Qbrb  aiIiPHA  LIKNÉ 

688.  S.  tristis  Hl. 

Fairm.  et  Lab.  Faun.  Ent.  Ft\  p.  296. 
G>imbra !,  Guarda  !,  Azambuja !. 

689.  S.  nigrlta  Oreutz. 

V.  ambígua  Graells. 

Graells,  Mem.  Map.  geoL,  i858,  p.  57,  pi.  2,  í.  iz. 
Gerez  (L.  v.  Heyden  !j. 

690.  S.  punotlooUls  Lao. 

Luc.  Expl.  Atg.,  p.  2i3^  pL  21,  f.  I. 

Faro !,  Penamacor  (J.  M.  Rodrigues !),  Serra  do  Gerez 
Coimbra!.  Rare  partout. 


235 


OuBB  NBOBOPHORUS  FABRIUS 

691.  N,  vespillo  L.       ' 

Fairm,  et  Lab.  Faun.  Ent.  Fr.,  p.  291.      ' 
Espinho!^  ' 

692.  N.  vestlgator  Hersoliel. 
V.  interruptus  ^rullé. 

Fairm.  et  Lab.  Faun.  Ent,  Fr.,  p.  292. 

Guarda!,  Espinho I,  Leiria  (Dr.  A.  Vieira!}. 

Je  n'ai  jamais  trouvé  le  type  de  Tespèce. 

t 
I 

693.  N.  interruptus  Steph. 

Stephens  III  Br.  m,  p.  18,  pi.  x6,  f.  2. . 
Serra  do  Gerez!. 

ANISOTOMINI 

Gbsbb  AN180T0KA  ILLIQEB 

694.  A.  dubla  Kugel. 

Fairm.  et  Lab.  Faun.  Ent.  Fr.  p.  314. 

Coimbra !. 

Gbsbb  AGATHIDIUM  ILLIQEB 

695.  A.  Iffivigatum  Er. 

Fairm.  et  Lab.  Faun.  Ent.  Fr.,  p.  325. 

Coimbra!. 

CLAMBID^ 

CYBOCEPHALINI 

Gbbbb  OTBOOEPHALUS  BBI0H80M 

696.  O.  Reitteri  vhagon. 

An.  Hiti.  Nat.  Esp.,  vui,  p.  190. 

D'après  une  lettre  que  je  viens  de  recevoir  de  Mr.  L.  v. 
Heydea  11  a  été  pris  dans  la  Serra  d^Estrella. 


336 


CLAUBINI 

■  OLAMBDB 


697.    O.  armadillo  Deg. 

lacq.  Diw.  Gen.  Col.,  pi.  38,  £  ii 
Bussaco  (Heyden  !}■ 


TRICHOPTERYGIDiE 

PTILINI 

OmnB  PTEHIDiniC  BaiOHSON 

698.  F.  evanesoeiís  Marsh. 
Abeille  Vol.  xyiu,  S^n.  Trick.,  p.  9, 

Coimbra I,  Bussaco!,  Alcafache!. 

TBICHOPTERINI 

QuH  TRIOHOPTKKYZ  EIBBY 

699.  T.  grandlooUls  Man. 

Ãb^U  Vol,  -vnn,  Syn.  Ttich.,  p.  49. 

Coimbra!,  Espinho!. 

SCAPHIDIID^ 

Quu  SCAPBIDIUH  0U7IBB 

700.  S.  4  maoulatmn  Oliv. 

Fairm.  et  Lab.  Faun.  Ent.  Fr-,  p.  343. 
Serra  do  Gerezl,  Bossacol. 

HISTERID^ 

Onai  BOLOLEPTA  PATEtJU. 


70i.    H.  plana  PusBly. 

An.  Soe.  Ení.  Fr.  i853,  p.  143,  pi.  4,  f.  i. 
DaDs  soQ  voyage  en  Portugal  Mr.  C.  v.  Volxem  a  pris 
^  exemplaires. 


237 


Ctana  PLATT80XA  IiBAOR 

702.  P.  depressnm  F. 

iifi.  Soe.  EnL  Fr.  i853,  p.  271,  pi.  7,  f.  i6. 

Mentionné  parmi  les  histerides  que  Mr.  C.  v.  Vblxem  a 
reooltés  en  Portugal.  ^ 

Var.  A.  1.  c^  p.  27a. 

Serra  do  Gerez!. 

Var.  B.  L  c,  p.  272. 

Bragança!. 

703.  P.  oblonsram  F. 

An,  Soe.  Ent,  Pr.,  i853^  p.  275,  pi.  7,  £  19. 

Bussaco  (C.  V.  Volxem !). 

704.  P.  lineare  Er. 

Ân.  Soe.  Ent.  Fr.  i863,  p.  278,  pi.  7,  f.  22. 

D^après  Mr.  Marseul  il  se  trouve  en  Portugal. 

705.  P.  angrustatum  HofEte. 

Ân.  Soe.  Ent.  Fr.  i853,  p.  259,  pK  i,  f.  9. 
Mafra  (C  V.  Volxem !). 

706-    P.  fllifonne  Eí. 

An.  Soe.  Ent.  Fr,  i853,  p.  876,  pi.  7,  f.  20. 

Du  Portugal,  d^après  Mr.  Marseul. 

Ga«BB  MARGÁBINOTUS  MÁKSEUL 

707.  M.  Bcaber  F. 

Mentionné  du  Portugal  par  mr.  Marseul. 

Gbtbb  hister  Lunnâ 

708.  H.  major  L. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i854|  p.  173,  pi.  16,  f.  4. 

Dana  tout  le  Portugal. 


709.  H.  ineqnális  Ottr. 

Sem  de  Mcctesicho !,  AzairbL;a  J.  Atittiti 

710.  H.  4  macnlatns  L. 

ilj|«  &c.  JBwr.  Fr.,  1854,  p.  204,  pL  6,  £  X4. 

Azambcja  (J.  Antunes  !j. 

1^.  7. 1.  c,  p.  2o5. 
Bragança!. 

Var.  athiofi  fíeer,  l  c,  p.  ao6. 

Dans  tout  le  Ponugal. 

711.  H.  amplicoUifl  Er. 

An.  Soe,  Ent.  Fr,,  1854,  p.  20S,  pi.  7,  C  26. 

Du  Portugal  d'après  Mr.  C.  v.  Volxcm. 

712.  H.  grandicoUifl  OL 

iljr.  fioc.  J&i/,  Fr.  1834,  p.  209,  pi.  7>  f.  27. 

Je  possède  deux  indívidus  du  Portugal. 

713.  H.  udoolor  L. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  1854,  p.  261,  pi.  8,  f.  64. 

Gerezl  (L.  v.  Hcyilen!). 


714.  H.  oadaverinus  Hofftai. 

An*  Soe.  Ent,  Fr.  1S54,  p.  291^  pi.  8,  f.  87. 

II  a  été  trouvé  en  Portugal  par  Mr.  C.  v.  Volxcm  ciji» 
pris  aussi  uo  individu. 

715.  H.  terrioola  Oerm. 

An*  Soe.  Ent.  Fr.  1854,  p.  294^  pL  8,  f.  89. 

Pris  par  Mr.  C.  v.  Volxem  en  Portugal. 


.  239 


716.  H.  Unotatos  Er. 

An.  Soe  Ent.  Fr»  1854^  p.  3o3,  pi.  9,  f.  96. 

Guarda !,  Alcafache !. 

La  4.*  et  5.*  strie  tantôt  est  presque  insensible,  tantôt  elle 
se  prolonge  jusqu'au  tiers  des  élytres. 

717.  H.  flmetarius  Herbst. 

An.  Soe.  Ent,  Fr.  1834,  p.  528,  pi.  9,  f.  102. 

,    Pris  par  Mr.  C.  v.  Volxem  en  Portugal. 

718.  H.  tmoostriatus  Mars. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  1854,  p.  532,  pi.  9,  f.  io3. 
Coimbra!,  Azambuja  (J.  Antunes  1). 

719.  H.  IgnobUis  Mara. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  1834,  p.  332^  pL  9,  f.  106. 
Cannas  de  Senhorim I,  Douro!,  Azambuja  (J.  Antunes!). 

720.  H.  ventralis  Mars. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i834|  p.  556,  pi.  9,  f.  108. 

Serra  do  Gerez!. 

721.  H.  rofloomls  Orim. 

Sttet.  Ent.  Zeit.  i852,  p.  222,  nigellatuã  Mars.  An.  Soe.  Ent.  Fr 
1854,  p.  338,  pi.  9,  f.  no. 

Serra  do  Gerez  I. 

722.  H.  purpurasoens  Herbst. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.,  1854,  p.  336,  pL  9^  f.  109. 

Coimbra I,  Guarda!,  Cannas  de  Senhorim!. 

Var.  Elytres  rougeâtres  (brunneus  Hbst)  1.  c,  p.  338. 

Coimbra !,  Espinho !. 

Var.  Elytres  noires  sans  taches,  1.  c,  p.  338. 

Serra  do  Gerez!,  Mouraz  (A.  Freire!.) 
Var.  Toute  rouge-chatain, 

Coimbra  I. 


Jm.  Sue,  £^  Jk  \SÊS^  ^  5^  ?i-  9b  ^  iir* 

Serra  <ie  R^fccrdaoB  ?. 

Je  pQS5éie  an  iiuií^liia  dn  Doaco  avcc  Ia  s&ie  aoblnmié- 
raie  coerae  proiocgésv  mncham  presque  PcztréDDÍt£. 

T2Í.    H.ifniitMiIL 

Jm^  isr.  EM,  fr.  iA^  p.  533,  pL  9^  1 

Coounan  data  toat  Ic  PòrtugaL 


ilif.  Sac,  Eêí,  Fr,  íèS^  p.  56o«  pL  9^  £  ia5. 

Bragança!. 

La  Jtríe  latcrak  externe  da  proootum  o^arri^e  pn  an 

726.  H.  fkmestas  Br. 

Am.  Soe  EM.  Pr.j  1854,  p.  Sji,  pi.  g^  t  x35. 

Je  poftsèik  on  senl  incfivido  dn  Pòrtogd. 

727.  H.  UMextsiatoB  F. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.,  1854,  p.  5rJ^,  pi.  9»  f.  i36. 

Bragança !,  Serra  de  Rebordaos !. 

728.  H.  flordidiis  Aubé. 

ilii*  8o€.  Ent.  Fr.  1861,  p.  349,  pL  14,  f.  39. 

Foya  (C  v.  Volxcm  I). 

729.  H.  Mmaoolatna  L. 

Án.  Soe.  Ent.  Fr.  1854,  p.  582,  pi.  10,  f.  141. 

Coimbra !. 

Yar. 
Tavira  (C.  v.  Volxcm  I). 


341 


730.  H.  12  striatus  Sohrank. 

An,  Soe,  EnU  Fr.  1854»  p.  386,  pL  lo^  f.  145. 

Coimbra  I,  Tavira  (C  v«  Volxem !). 

731.  H.  oorvinus  Gtorm. 

An.  Soe.  Ent.  Pr.  i854,  p.  388,  pi.  10^  f.  147. 

Bragança I,  Douro!,  Azambuja  (J.  Antunes I). 

Obmbb  SPIEBU8  BmOHSON 

732.  E.  oomptos  Hl. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  1834,  p.  699,  pi.  10,  f.  20, 

Pris  par  C  v.  Volxem  !• 

i 
{(imiháa).  j)n^  Manoel  Pauuno  de  Oliveira. 


FETOS  LUSITANICOS  EM  GERAL 

E  DOS  SUBÚRBIOS  DO  PORTO  EM  ESPECIAL 
(OoBtlBiutçlo,  T.  Tol.  ni,  pag.  86) 

V— WooDWÁRDiA.  Swariz. 

(Aidm  chaiBAdo  do  noma  da  Mr.  Woodward,  botanioo  Inflas) 

Este  género  comprehende  um  numero  limitadíssimo  de 
espécies,  de  apparencia  muito  differente,  tendo  as  frondes  pin- 
nadas,  estendendo  o  seu  crescimento  de  o,°°3o  a  i)°*9o.  Os  veios 
reticulados,  livres  próximo  da  margem.  Os  soros  oblongos  ou 
linear-alon^ados,  dispostos  em  uma  serie  única  e  immersa,  so- 
bre os  veios  transversaes  do  reverso  da  fronde.  O  indusium 
dobrado  sobre  si,  e  o  rhizoma  rasteiro. 

Possuimos  uma  espécie  única  do  género,  tal  é  a  que  se 
segue. 

WoODWAaDIA  BADIGAN8.  Sw&TtZ. 
{W.  cftaia  «f«  nrfsM,  palu  mvitu  plaatu  Tlvlpar^  qoe  lança  nu  eztremidadas  daa  frondêi) 

Synonimos — ^lechnum  radicans,  Linneu. 

Woodwardia  biserrata,  Presl. 

9  spinulosa,  Martens  e  Galleotti. 

9  stans,  Schkuhr. 


242 


Nome  volgar — ? 

Descrípçâo  —  Tem  caia  espécie,  como  as  mais  que  cons- 
tituem o  género,  as  fronde;»  pinnadas,  compostas  de  pinnolas 
oblongas  lanceoladas,  pecioladas,  pinnatifidas,  com  alguns  seg- 
mentos lanceolados,  a  margem  e^pinulosa  serrulada,  o  vértice 
ponteagudo.  Junto  da  extremidade  de  cada  uma  das  frondes 
se  origina  uma  nova  planta,  a  qual  aninge  no  local  de  nasci- 
mento um  desenvolvimento  considerável,  sendo  vul^r  o  encon- 
trarem se  frondes  sustentando  plantas  com  seis  folhas  (frondes) 
de  cerca  de  o,"3o  de  comprimento,  a  alimcniarem-se  da  fronde- 
mãe.  As  frondes  terminaes  enraivam  próximo  do  vértice.  A  côr 
das  frondes  é  verde-claro.  O  seu  comprimento  chega,  nas  plan- 
tas forte*",  a  medir  mais  de  dois  metros.  Estas  teem  os  veios  re- 
ticulados; os  soros  dispostos  em  uma  só  serie  occupam  o  re- 
verso das  frondes.  O  indusium  tem  quasi  a  mesma  forma  dos 
soros.  A  estipe  bastante  encantadora,  e  as  escamas  grandes  e 
de  côr  parda.  O  rhizoma  rasteiro. 

Habtta  —  Caldas  do  Gerez  e  outro**  logares  do  nortQ  do 
paíz,  vegetando  nas  fendas  das  rochas.  E'  pouco  abundante. 

Cultura  —  A  ordinária  dos  fetos  rústicos  em  geral. 

IV— LoMAHiA^  WiildenoYe. 

E'  este  um  dos  géneros  mais  interessantes;  não  obstante 
a  simplicidade  das  suas  frondes  simples,  pinnatifídas  ou  pinna- 
das  ou.  bipinnatifida?,  sendo  as  tstereis  mais  desenvolvidas  e 
mais  conirahidas  as  férteis.  Os  veios  das  primeiras  simples  ou 
forcados  e  os  das  ultimas  quasi  ou  totalmente  obsoletos. 

As  frondes,  que  por  vezes  (nos  logares  menos  húmidos 
e  menos  sombrios)  aão  chegam  a  medir  o,"i5^  nas  margens  dos 
rios  e  nas  proximidades  das  fontes,  quando  cobertos  taes^  sitios 
por  arvoredos,  chegam  a  ter  comprimento  superior  a  o,™5o  nas 
nossas  províncias  do  norte. 

Este  género  de  fetos  tem  os  esporangos  reunidos  em  so- 
ros lineares,  contínuos,  repetidos  e  cobertos  de  indusio,  margi- 
nando de  cada  um  dos  lados  e  parallelamente  a  nervura  me- 
dia dos  lóbulos  da  fronde,  e  prolongando-se  quasi  até  ao  extremo 
d^^ella.  O  índusio  membranoso  e  continuo,  abrindo-se  do  lado 
da  nervura. 

Comprehende  este  género  um  crescido  numero  de  espé- 
cies, das  quaes  só  possuímos  uma,  que  é  a  de  que  nos  vamos 
occupar. 


243 


LOMARIA  SPIGANT.  LÍDk. 

Lm  de  Loma^  "b^ão^  em  Tlrtnde  da  dUpotiçio  dos  eiporangoa  nai  fraodet,  e  ugicant, 

de  êficart,  pfçar,  emvar, 

i 

SyDonimos—  Acrosikhum  nemorale,  Lamarck. 

»  spicant.  Weiss. 

Q4splenium  »       Bernhardi. 

Tilechnum  boreaíe.  Schkuhr  e  outros, 

»        spicant.  Roíh. 
Lomaria  borealis.  Link. 
Ovoclea  spicant.  Hoffman. 
Osmunda  borealis.  Saiisbury. 

»        spicant.  Linn. 
Spicanta  borealis.  Presl. 
oteg-ama        »        R.  Brown. 
Struthiopteris  spicaut.  Scopoli. 

Nome  vulgar  —  ? 

Descripção  —  E^ta  espécie  de  fetos,  como  outras  mais  do 
género,  teem  duas  espécies  de  frondes,  sendo  uma  de  frondes 
férteis  e  outra  de  estéreis.  Estas  são  de  forma  linearlanceolada, 
em  tufos,  erectas  as  yezes,  porém  em  geral  estendidas  ou  pros- 
tradas e  lisas,  e  os  lóbulos  obloqgo-lineares;  aquellas  ordinaria- 
mente erectas,  pinnadas,  contrahidas,  tendo  as  pinnulas  agudo- 
lineares,  com  as  margens  reflexas,  isto  é,  recurvadas,  mais  com-- 
pridas  os  foliolos  muito  separados,  lineares,  estreitos  e  com  o 
reverso  coberto  de  soros.  Estes  são  cobertos  de  indusio,  dispostos 
em  linha,  ao  longo  de  cada  lado  da  nervura  media,  abrangendo 
quasi  a  totalidade  das  pinnulas  contrahidas.  O  indusio  estreito 
e  linear;  as  estipes  das  frondes  estéreis,  curtas,  muito  escamosas 
próximo  da  base,  e  muito  mais  compridas  nas  frondes  férteis,  e 
tanto  n^umas  como  n^outras  de  côr  entre  purpura  e  preto. 

Apresenta  esta  espécie  ordinariamente  curiosas  variedades^ 
e  são  n^ella  vulgares  as  frondes  bifurcadas;  cristadas,  ramosas, 
muldfurcadas,  lancifoliadas,  etc.  Na  nossa  collecção  possuimos 
uma  variedade  ramoza  muito  singular.  Junto  da  base  da  fron- 
de, que  é  curta,  estendem-se  para  um  e  outro  lado  duas  como 
frondes  pequenissimas  formando  urra  cruzeta,  e  similhando  os 
copos  de  um  cabo  de  punhal.  Este  phenomeno  predominava  no 
maior  numero  de  frondes  do  pé  abortivo.  Ousamos  denominar 
este  raro  e  curioso  aborto  var.  irifotiata. 

H  abita -— Porto  e  seus  arredores,  e  quasi  todos  os  loga- 
res  húmidos  do  paiz,  sobretudo  junto  ás  na^centes  daiBgua. 


244 


Cultura  —  Terra  das  beiras  da  agua,  cooservando-a  sem- 

£re  bastante  húmida,  e  com  muita  drenagem.  Exposição  som- 
ria. 

3.*  Familia,  das  Xsplenieas.  Smith.  —  São  distinctivo 
doesta  vasta  familia  dos  fetos  os  caracteres  seguintes:  soros 
alongados,  simples  ou  binnados,  dispostos  obliquamente  ao  eixo 
medio  da  fronde,  sendo  esta  forma  especial  de  disposição  dos 
soros  o  que  distingue  esta  familia  de  fetos  da  das  Pterideas^  as 
quaes,  como  é  já  sabido,  teem  os  soros  parallelos  ao  eixo  mé- 
dio das  frondes  ou  ás  margens  das  mesmas. 

G>mprehende  a  família  das  Asplenieas  diversos  géneros, 
dos  quaes  se  encontram  no  nosso  paiz  os  seguintes,  representa* 
dos  em  varias  espécies:  Asplentum,  Ceterach.  e  Scolopen" 
drium. 

I  — AsPLXifiuM.  Linnea. 

Este  género  de  fetos  foi  assim  denominado,  por  lhe  haver 
sido  attribuida  a  propriedade  de  combater  ou  curar  a  melan- 
cholia. 

As  suas  frondes,  cuja  grandeza  varia  desde  o," lo  a  i,*o, 
são  simples,  pinnadas  ou  bi  tripinnadas,  com  os  veios  bifurca- 
dos ou  pinnados,  e  os  soros  lineares,  oblongos  ou  alongados, 
unilateraes,  simples,  com  um  indusium  linear,  chato  ou  cylin- 
drico,  dispostos  obliquamente  á  nervura  media. 

DVste  género  possuímos  as  espécies  de  que  vamos  em 
seguida  occupar-nos. 

i.*  AsPLKinuic  PALMATUic.  Lamarck. 

(Harrft   da   BMlasoolU,  d«    ftnna  MpAlnutda) 

Synonimos  —  Asplentum  hemiontlis,  Brot. 

Nome  vulgar  —  ? 

Descripção  —  As  frondes  d'este  feto,  que  pela  sua  forma 
lhe  deram  o  nome  com  que  se  distingue  a  espécie,  attingem  até 
Of^^iS  o  máximo  de  comprimento,  e  são  ligadas  a  um  rbiaoma 
grosso  e  rasteiro;  são  além  dMsso  simples,  membranosas,  de 
uma  cõr  verde  brilhante,  quinquelobadas,  agudas  com  o  ló- 
bulo medio  mais  comprido  do  que  qualquer  dos  outros,  e  a 
base  cordiforme.  As  linhas  de  fructtficação  são  extensas,  muito 
ténues  e  abundantes,  os  soros  profusos  situados  no  reverso  da 
fronde;  a  fructificação  perenne  tem  logar  em  julho  e  agosto. 

Habita  —  Serra  de  Cintra  e  outros  logares  das  províncias 


24b 


meridionaes,  em  sítios  pedregosos  e  sombrios.  Não  se  encontra 
no  Porto  nem  nos  seus  subúrbios. 

Cultura  —  Terra  de  monte  de  mistura  com  pedras ;  hu- 
midade constante. 

(oomtMá).  M.  J.  Felgueiras. 


PROJECTO  DE  LEf 

Senhores.  —  Se,  para  ()ue  nada  se  desperdice  n^um  paiz^ 
convém  que  as  energias  individuaes  todas  se  harmonisem  e  re- 
ciprocamente amparem,  não  ha  comtudo  associações  de  tanto 
préstimo  como  as  associações  promotoras  da  instrucção. 

Saber  é  poder;  por  isso  só  são  fortes  as  nações  instruí- 
das. A  ignorância,  eis  a  crusa  de  todas  as  misérias;  dos  em- 
baraços financeiros,  da  penúria  económica,  do  amollecimento  de 
costumes ;  a  ignorância  para  tudo  empobrece  o  homem :  torna-o 
fraco  operário,  incapaz  de  sustentar  com  vantagem  ou  sequer 
com  igualdade  a  lucta  da  concorrência;  torna-o  mau  cidadão, 
que  regateia  ao  estado  as  suas  dividas  de  sangue  e  de  dinheiro; 
finalmente  arranca-lhe  uma  a  uma  as  virtudes  moraes  com  que 
os  povos  fraternisam  na  cohesão  de  uma  mesma  familia.  Toda 
a  nação  doente  é  ver  que  é  uma  nação  ignorante;  e  não  existe 
therapeutica  efficaz,  qu(e  não  disfarce  apenas  a  moléstia,  que  a 
cure  de  raiz,  nenhuma  senão  á  instrucção. 

Porque  é  que  o  programma  politico  da  nossa  regeneração 
material  principalmente  bem  merece  os  applausos  públicos  ?  Por- 
que, ao  passo  que  foi  abrindo  o  caminho  dos  mercados  aos 
géneros  de  cada  região,  ao  nre>nno  passo  tem  approximado  os 
indivíduos  mais  distantes ;  e  dVta  vida  cm  commum  formou- 
5e  uma  escola  de  mutua  aprendizagem. 

Mas  é  obvio  que  tal  aprendizagem  é  rude,  e  se  torna  por 
vezes  violenta,  que  os  ensinamentos  que  se  adquirtm,  bata- 
lhando pela  existência,  se  pagam  frequentemente  muito  caro; 
e  hoje  então,  que  não  só  communicâmos  rapidamente  uns  com 
CS  outros,  nós  portuguezes,  mas  que  de  todos  os  lados  o  paíz 
se  franqueia  aos  trabalhadores  estrangeiros,  não  ha  só  que  re- 
ceiar  alguns  desastres  individuaes  por  entre  a  prosperidade  pu- 
blica, é  até  mesmo  para  temer  que  o  nosso  atrazo  scientifico  nos 
arrisque  a  uma  ruina  social.  Que  importa  levantar  barreira  nas 
alfandegas  ás  correntes  dos  productos  peregrinos,  se  o  saber  e 
a  habilidade  do  productor  estranho  entram  com  elle  livremente 
CO  paiz,  e  esses  são  os  nossos  mais  terríveis  concorrentes  ?  O 


%4P 


-prr^jtzá-rústà.  lógico  de^a  eaípcccr-Ibe  tamben  o  wcctv^tK  O  re- 
»^iiJo  é  oa  qse  o  indjstnii  forasteiro  iera  piri  a  mie  patha 
o»  leo-::nos  Ijcrof  con  qje  livena^f  de  rctnja-rar-!he  a  soa 
\jp^'>r:ia1e,  c  pouro  a  p^jco  o  caDÍti!  d>  n->ssa  patrímooío 
«^  exnajre;  oa,  qianio  e.ie  se  esiab^eçi  d-naiãvaiicaic  entre 
n6\  om  a  sua  nqjez^,  qjc  a  herden  porta^jczes  no  nasâ- 
mento  mas  nl)  nis  irad  çoi*;  c  se  no  pr.naro  caso  cmpobre- 
ceiíos  no  sc^jnio  dísiarioni  isamD-nos. 

Dl  ambos  os  mae<  paiecenj*,  mis  sobretadD  do  es- 
quecimento dos  bon«  e  dos  mus  dids  di  nossa  terra.  Nio  é 
mister  qje  pis^en  mjitM  annos,  e  tjJo,  a:nJi  os  mais  glo- 
rioso» nome'»,  ^e  apagi;  as  nossas  c'asses  msn^s  incaltas  sabem 
de  cór  as  nocabi  idaie«  fmcezis,  repetem  as  phrases  dos  scas 
d»>C'jrsos,  os  seus  versos,  c  p^aqji-isimos  de  nós  ainda  lecm 
Girrctt,  de  ojtro  dia,  poucos  aiidi  lêem  Joio  de  Díjs,  qjeé 
áz  hoje  mc^^mo!  Assim  vimoí  sendo  conqjistados  pelo  saogae 
c  pelo  espirito  estrangeiro,  nós  qje  tivemos  espirito  bastante 
para  sonhir  novo*  m-jados  c  singae  para  empalhar  por  to- 
dos elles. 

N'e^te  estado  só  a  instrucçáo  nos  pôde  valer,  e  qaem 
mais  instruir  o  paiz  maior  serviço  lhe  prestará. 

Assim  pensa^^am  alguns  patriotas  portuenses,  e  fundaram 
em  fevereiro  de  i83o  a  Sociedade  de  Instrucçáo  do  Pono. 

Bastariam  os  intuitos  doesta  instituição  sós  de  per  si  para 
nos  alentarem  esperanças  de  restabelecimento  inteilectual  c  so- 
cial^ porque  elles  demonstram  que  não  é  irremediável  o  nosso 
mal  estar.  E',  pois^  certo  que  nt:m  por  toda  a  parte  andam 
obliteradas  as  faca'díides  de  comprehender  e  de  sentir  a  fra- 
que/1  do  organismo  nacional,  e  que  ne  r  todos  ji  perde  nos  a 
hombridade  para  combater  \s  suas  c^u^as,  para  lhes  contrapor 
a  energia  das  nobres  d-ídicaçõ-s.  E'  feli-cment^  certo.  Quem 
attent^ir  bem  no  paiz  verá  que  nós  não  estamos  pari  aqui  uni- 
cammte  a  descansar  das  labutações  commerciaes  .lo  Brazil,  go- 
sando  e.ste  bello  clima  e  desentorpecendo-nos  em  veleidades 
eleitoraes  e  nobítiarchicas;  sente-se  de  todos  os  lados  um  es* 
tremecimento  de  viJa,  temos  impâtos  de  também  cá  traba* 
Iharmoi  na  no-^^d^  terra,  de  trabalharmos  pela  sua  grandeza 
moral. 

Que  diremos  então  do  que  no  estreito  decurso  de  três 
annos  commetteu  e  realisou  a  Sociedade  de  Instrucçáo  do  Porto! 

Não  é  tempo  ainda  de  medir  o  completo  alcance  da  sua 
acção;- essa  acção  tem  se  diffundido  pelas  camadas  sociaes  tão 
largamente  e  tão  profundamente  qie  só  o  futuro  patenteará 


247 


toda  a  importância  dos  seus  serviços ;  mas  o  que  pódé  asseve- 
rar-se  desde  já  é  que  ha  muito  que  entre  nós  não  appareceu 
exemplo  de  mais  ardente  e  indomável  patriotismo. 

Esta  sociedade  tem  agitado  na  sua  revista  mensal,  nas 
discussões  do  seu  conselho  scientifico,  em  congressos,  em  con- 
ferencias, em  manifestos,  varias  das  mais  interessantes  questões 
da  actualidade,  e  em  espedal  as  questões  de  interesse  português ; 
dos  seus  consócios  alguns  teem  colligido  novos  materiae^  para 
o  progresso  dos  estudos,  —  ainda  agora  um  d^^elles  e  distinctis- 
simo,  o  medico  Gomes  da  Silva,  anda  herborisando  em  Macau ; 
mas  o  que  mais  que  tudo  releva  na  ot^ra  da  sua  pujante  acti- 
vidade são  os  actos  do  seu  amor  á  causa  popular.  t 

A  Sociedade  tle  Instrucção  do  Porto  reconheceu  com  ex- 
acção  que,  se  necessitamos  melhorar  o  ensino  em  todos  os  graus 
desde  a  escola  até  á  universidade,  as  reclamações  do  trabalho 
oão  podem  todavia  aguardar  que  essas  necessidades  fiquem  sa* 
tisfeitas ;  é  urgente  applicarlhe  forças  immediatas,  —  e  a  nossa 
restauração  mental  ainda  ha  de  levar  muito  tempo,^  não  se  vê 
mesmo  por  agora  quando  a  instrucção  publica  chegará  a  dis- 
tribuir desde  o  alto  do  ensino  superior  quantas  idéas  são  preci  - 
sas  para  impulsar  todas  as  rodagens  das  nossas  industrias. 

E^  dupla  a  instrucção  popular;  comprehende  a  instrucção 
primaria,  que  a  todas  as  classes  sociaes  serve,  e  a  instrucção 
chamada  profissional,  que  não  tem  o  inteiro  significado  d'esta 
palavra,  que  se  limita  ás  artes  mechanicas,  nas  quaes  o  esforço 
manual  do  homem  toma  sempre  parte  considerável,  que  é  pro- 
fissional, mas  profissional  contigua  á  primaria. 

Para  fornecer  uma  e  outra  a  Sociedade  de  Instrucção  ce- 
lebrou expo>içõeM  exposição  dos  modelos  de  gesso  do  lyccu 
do  Porto,  em  julho  de  1881,  exposição  de  historia  natural  cm 
outubro  do  mesmo  anno,  exposição  de  camélias  em  Lisboa  em 
março  de  1882,  exposição  de  pedagogia  froebeliana  em  abril 
immediato,  exposição  de  industrias  caseiras  em  maio,  e  expo- 
sição de  cerâmica  nacional  em  outubro  do  meámo  anno;  e, 
para  que  a  consulta  doestes  grandes  documentos  vingasse  todos 
os  seus  proveitos,  a  sociedade  animou  as  suas  exposições  com 
trabalhos  práticos  de  rendeiras  de  Villa  do  G>nde,  Vianna  do 
Castello  e  Peniche,  de  oleiros  do  Porto  e  seus  arredores,  etc, 
de  modo  que  o  visitante  entre  a  matéria  prima  e  o  artefacto 
encontrasse  o  processo.  Ella  celebrou  centenários :  o  centenário 
de  Frederico  Froebel  em  22  de  abril  de  1882,  o  centenário  de 
Pombal.  E  não  contente  ainda  de  ter  ministrado  as  noçõ)es  das 
cousas  e  dos  officios  nas  suas  exposições  e  as  noções  não  me- 


248 


DOS  .úteis  dos  homens  e  do  civismo  nas  soas  commemoraçSes; 
entendendo  que  importava  tornar  permanentes  as  ezpoá^es, 
accumulou  collecções  scientificas,  collecções  artísticas  e  indus- 
triaes  e  collecções  pedagógicas,  ás  quaes  só  falta  casa  para  coas- 
títuirem  um  magnifico  museu;  e,  entendendo  que  importava 
perpetuar  as  memorias  illustres,  começou  por  abrir  uma  sub- 
scripção  para  se  levantar  um  monumento  ílo  infante  D.  Hen- 
rique. 

Não  é  tudo.  Formou  uma  bibliotheca,  promoveu  a  crea- 
;So  de  um  curso  de  desenho  e  de  modelação  para  os  oleiros 
lio  Porto,  auspiciando-o  logo  com  a  promessa  de  prémios  para 
os  alumnos  operários  distinctos,  espalhou  indicações  e  conse- 
lhos acerca  da  organisação,  dos  methodos  e  dos  livros  do  en- 
sino primário  e  primário  technico;  e  finalmente  propoz-se  ella 
mesma  a  fundar  a  escola  elementar  de  artes  e  officiòs  e  a  es- 
cola primaria  inicial,  o  jardim  da  infância. 

Snrs.  deputados:  E^  para  a  sociedade,  cujo  prodi^oso 
desenvolvimento  mal  esboçámos,  e  em  cujo  futuro  estão  ja  ex- 
pressamente interessados  o  municipio  e  o  districto  do  Porto,  é 
para  a  sociedade  que  El -Rei  e  o  governo  já  reconheceram  de 
poderosa  iniciativa  para  a  prosperidade  da  nação,  que  nós  te- 
mos a  honra  de  vos  propor  o  seguinte  projecto  de  lei : 

Artigo  I.®  E'  concedida  a  Sociedade  de  Instrticção  do 
Porto,  para  a  fundação  dos  seus  institutos,  a  área  dos  terrenos 
ao  nascente  do  quartel  de  infarteria  lo  da  mesma  cidade,  per- 
tencentes á  fa/enda  nacional,  que  o  governo  julgar  necessária 
e  fizer  demarcar. 

§  único.  Evta  concessão  caduca  por  mudança  na  sua  ap- 
plicação  ou  por  xlíssolução  da  sociedade. 

Art.  2.^    Fica  revogada  a  legislação  em  contrario. 

Sala  d&s  sessões,  4  de  abrii  de  í883.=»Bernardino  Ma- 
chado=F.  J.  Patricio=  Joaquim  (António  Gonçahes=fjcimo 
Pinto  Leite=Gonçalpes  Crespo=T)iogo  de  SMacedo=We/iceS' 
lau  de  Lima. 

A  morte  já  levou  um  dos  signatários  d'este  Projecto  de 
lei,  o  snr.  Gonçalves  Crespo,  a  quem  guardaremos  uma  grata 
memoria  pelo  serviço  prestado  a  esta  Sociedade. 

A  Redacção. 


3.»  ANNO 


I  DE  JUNHO  DE  i883 


N.o6 


SOBRE  A  INTRODUCÇAO  DAS  ARTES 

n'este  reino 

(ContiniiAçio,  Tld.  pâ^.  SlT) 

• 

No  segundo  tempo,  que  he  o  das  Conquistas  (glorioso 
sim,  mas  em  que  se  perdeo  a  moderação  dos  primeiros  séculos) 
abrimos  as  portas  ás  riquezas  do  Oriente,  que  fizerao  o  Beino 
abundante,  e  rico ;  e  seguio-se  o  luxo,  companheiro  inseparável 
da  riqueza.  Passou  a  ser  desprezo  a  pobreza  antiga,  e  foi  ne- 
cessário que  a  Casa  de  Vimioso  vestisse  de  Veludo  as  creadas, 
que  de  primeiro  fora  condemnado  na  senhora.  Trocárao-se  os 
cabides  em  pannos  de  raz,  e  as  mulas,  e  cavallos  em  coches. 
Abrimos  também  as  portas  ás  Fazendas  Estrangeiras,  e  mettê- 
rão  os  Estrangeiros  neste  Reino  tudo  o  que  a  arte,  e  luxo  ti- 
aha  descuberto  nos  outros  K  Ainda  assim  nos  não  levaráõ  di- 
nheiro, porque  como  éramos  senhores  de  todas  as  drogas,  e 
riquezas  do  Oriente,  tinhamos  muito  mais  que  dar,  do  que  re- 
cebiamos;  e  daqui  nascia  ser  Portugal  o  mais  rico  Reino,  e 
Lisboa  a  mais  rica  Praça  do  Mundo,  e  andarem  no  Commer- 
cio  delia  oitenta  milhões  no  anno  em  que  El-Rei  D.  Sebastião 
passou  á  Africa  K 


1  Basta  consultar  só  no  Cancioneiro  de  Garcia  de  Rezende  as  Tro- 
vas para  se  saber  vestyr  ff  tratar  no  paço  e  as  outras  sobre  as  desordeens 
que  aguora  se  costumam  em  Portugal  (1516).  A  condessa  de  Vimioso,  a 
que  se  aliude  aqui,  seria  a  altiva  D.  Joanna  de  Vilhena,  fallecida  em  1549, 
segunda  mulher  do  primeiro  Conde,  D.  Francisco  de  Portugal.  A  lapide  se- 
puíchral  de  mármore,  admiravelmente  lavrada,  que  cobria  os  restos  dos 
cônjuges,  está  ho)e  no  museu  municipal  de  Évora.  Notaremos,  entretanto, 
que  no  primeiro  anno  do  reinado  de  D.  Manoel  (1495)  não  existia  o  titulo 
Conde  de  Vimioso,  que  só  foi  creado  em  1516.  (Histor.  genealog.  Provas 
Tol.  Y  p.  632) ;  n'esse  anno  de  I495  também  duvidamos  que  D.  Francisco 
já  fosse  casado  com  sua  primeira  mulher  D.  Brites  de  Vilhena. 

*  Não  discutimos  a  cifra ;  mas  é  certo  que  a  Feitoria  de  Portugal 
em  Antuérpia,  a  nossa  agencia  financeira  internacional,  suspendera  os  seus 
pagamentos  já  em  ISSy  v.  oãrcheol.  artis\  fase.  iy  pag.  51.  Em  1344  tra- 
tava D.  João  III  de  levantar  um  empréstimo  no  paiz  para  pagar  as  usuras 
de  Flandres  (Carta  a  João  d'Evora  em  J.  P.  Ribeiro  Dissert,  vol.  iii,  parte 
n,  pag.  154). 

REVISTA  DA  SOGISDADB  DB  mSTRUCCÃO  DO  PORTO.  17 


25o 


o  terceiro  tempo,  que  he  depois  do  Commerdo  da  índia, 
foi  o  em  que  contrahimos  a  enfermíilade  moral,  que  hoje  pa- 
dece o  nosso  Commercio;  porque  nós  necessitamos  de  todas  as 
cousas,  que  introduzirão  as  riquezas  da  índia,  com  que  as  pa- 
gávamos ;  de  que  se  segue,  que  pagamos  em  dinheiro  aos  Es- 
trangeiros, e  que  excede  o  que  nos  dão  ao  preço  das  fazendas, 
e  drogas  que  nos  levão  ^. 

f  -<^<^i^  D.  Sancho  de  Moncada,  auihor  citado,  se  admira  com 
razão  de  que  haja  dinheiro  em  Castella,  porque  assentando  que 
delia  sahem  todos  os  annos  trinta  mfHiões,  e  entrão  só  oito,  ou 
nove  das  índias,  não  devia  já  ter  com  que  pagar  ás  Nações ; 
mas  a  ra^So  que  acha,  he  o  muito  que  linha  entrado  nos  pri- 
meiros annos  daquelle  Descobrimento,  e  he  a  mesma  que  po- 
demos dar,  fazendo  a  conta  ao  muito  que  tínhamos  recebido,  e 
conclue  que  Castella  se  ha  de  esgotar,  e  perder-se  por  conse- 
quência^. Oh!  Queira  a  Providencia,  que  não  seja  castigo  em 
nós  a  dilação  do  remédio,  assim  como  parece  castigo  nos  Cas- 
telhanos, e  que  nos  livre  da  ruína  que  nos  ameaça,  assim  como 
nos  livrou  da  sua  sujeição !  * 


^  A  dominação  hespanhola  reduzíu-nos  â  miséria.  Só  de  1584  a 
1626  tiraram  os  reis  de  Hespanha  para  cima  de  200  milhões  de  escudos  de 
oiro;  náo  contamos  as  perdis  das  colónias  contra  a  HolUnda  e  as  prezas 
maritimas.  Na  praça  de  Sevilha  chegaram  a  juntar-se  goo  peças  de  ariilhe- 
ria^  marcadas  com  as  armas  de  Portugal^  etc. 

s  Moncada  tinha  razão;  a  quantidade  de  metaes  preciosot,  accu- 
mulada  em  Hespanha,  era  enorme,  mas  esgotou-se.  Madame  d'Aulnoy,  au- 
tor fidedigno  do  meado  do  sec.  xvii,  descreve  assim  a  baizella  de  ouro  e 
prata  no  inventario  do  duque  de  Albuquerque:  1:400  dúzias  de  pratos  pe- 
quenos; Soo  travessas  grandes,  e  mais  700  pequenas^  e  tudo  o  mais  em 
proporção;  acharam  ainda  40  escadas  de  prata,  que  serviam  para  trepar 
ao  aparador,  aue  era  um  altar.  Os  escrivães  gastaram  seis  semanas  a  fazer 
o  inventario  d  estes  thesouros,  trabalhando  duas  horas  por  dia.  O  duque  de 
Alba  possuía  600  dúzias  de  pratos,  800  travessas  etc,  e  não  se  tinha  na  conta 
de  muito  rico  (Op.  cit  vol.  ii  p.  i73). 

'  O  Brazil  rendeu  só  a  D.  João  v  o  seguinte:  13o  milhões  de  cru- 
zados; 100:000  moedas  de  ouro;  315  marcos  de  prata;  24:5oo  marcos  de 
ouro;  7oo  arrobas  de  ouro  em  pó;  39a  oitavas  de  pezo  e  mais  40  milhões 
de  cruzados  de  valor,  em  diamantes.  Além  de  tudo  isto,  o  producco  do  im* 
posto  dos  quintos  e  o  monopólio  do  pau  brazil  rendiam  aonualmente  para 
o  thesomro  cerca  de  milhão  e  meio  de  cruzados.  (O.  Martins.  Hist.  de  Par* 
tugaly  vol.  n  pag.  122). 


a£$i 


CAPITULO  IV 

Qual  pôde  ser  o  remedia  deste  damno? 

Stgundo  a  differença  que  foi  dos  tempos,  que  considerei 
no  Reino,  parece  que  o  remédio  do  mal  do  terceiro  tempo,  será 
rcduEÍr  o  tempo  ao  pria?eiro,/Ou  ao  segundo;  ou  passar  á  mo- 
deração,  com  que  se  vivia,  antes  do  Descobrimento  da  India^ 
ou  rêstaural-a.  Não  ha  dúvida  ser  bom  este  remédio  e  também 
fora  chioiera  propô-lo.  Fora  obrigar  aos  romanos,  no  tempo 
dos  Césares,  a  que  se  reduzissem  ao  tempo  dos  Curcíos,  e  dos 
Fábios ;  fora  digno  de  rizo  o  remédio  que  nos  havia  de  obri- 
gar a  calçar  unicamente  botas,  e  a  vestir  os  pannos  da&  Serras 
de  Minde,  e  da  Estrella. 

A  mesma  impossibilidade  parece  que  tem  a  restauração 
da  índia  em  tempo,  que  não  podemos  aprestar  duas  Náos  para 
aqoeile  Estado,  aonde  mandão  trinta,  ou  quarenta  as  Nações 
bellicosas  da  Europa :  esta  grande  obra  fará  Deos,  quando  o 
merecermos,  ou  quando  for  servido,  se  nos  tiver  escolhido  para 
Restauradores,  como  he  certo  que  nos  escolheo  para  Descobri- 
dores, e  Conquistadores.  O  remédio  não  he  facil ;  mas  não  hs 
tão  difiãcii,  como  aquelles  dois. 

A  Filippe  III  se  deo  por  remédio,  para  não  sahir  a  prata, 
e  oiro  de  Hespanha,  subir  a  moeda,  e  augmentar  o  valor  do 
oiro,  e  prata,  apontando  as  razões  verdadeiran^enteapparentes^. 
Primeira,  porque  sendo  levados  dos  Estrangeiros,  covão  Mer- 
cadoria, que  vale  mais  na  sua  Pátria,  que  em  Hespanha,  âu- 
bindo  a  preço  que  nao  valesse  mais^  não  seria  Mercadoria  para 
elles.  Segunda,  porque  todas  as  Mercadorias,  ainda  metaes, 
como  cobre,  que  vem  do  Norte,  valem  mais  na  parte,  aonde 
se  levão,  que  na  parte  donde  sahem,  por  fazerem  menos  vinte 
por  cento  de  custo  no  transporte ;  e  que  assim  era  conveniente 
que  valessem  mais  em  Hespanha,  donde  se  trazem,  que  no 
Potosi  donde  se  tirão ;  mas  e  inútil  este  meio,  porque  como  se 
necessita  de  Fazendas  Estrangeiras,  os  Estrangeiros  são  os  Le* 
gisladores  dos  preços,  e  sobem  as  fazendas  que  méttem,  a  preço, 


^  l^ambem  os  nossos  antigos  reis  usaram  d'este  expediente  da  alte- 
ração da  moeda  —  «a  mor  peste  &  perdiçam  de  hum  regnoi  segundo  Da* 
mtão  de  Góes  (Chron,  de  D,  Manoel,  Parte  iv,  p.  438  ed.  de  Coimbra.  V. 
também:  Simões  d'Almetda.  A  casa  da  moeda  pag.  39  e  seg. 


3 


352 


que  iguale  ao  que  subio  na  Moeda,  e  lhe  fica  com  a  mesma 
conta  para  a  levarem. 

,  A  experiência  o  tem  mostrado  entre  nós,  porque  depois 
ue  a  necessidade  da  guerra  nos  obrigou  a  augmentar  o  valor 
a  Moeda,  cresceram  os  preços  de  todas  as  fazendas,  e  paga- 
mos com  hunia  pataca,  que  vale  trinta  vinténs,  a  mesma  quan- 
tidade que  pagávamos  com  dezeseis,  o  que  obra,  ^quando  o 
Mercador  tira  dinheiro  com  a  mesma  conta  que  antes,  sendo 
só  nossa  a  grande  perda  que  vai  de  dezeseis  a  trinta. 

A  prohibiçSo,  e  as  Leis  que  impedem  a  sahida  do  di- 
nheiro, que  já  apontei,  não  ser  remédio  no  Conselho  de  Cas- 
tella,  com  humá  razão  apparente  dizião,  que  se  praticava  assim 
em  todos  os  Reinos  visinhos,  donde  he  certo,  que  os  morado- 
res não  tirão  dinheiro,  e  que  se  não  dá  maior  razão  para  que 
estas  Leis  produzão  o  effeito  para  que  forão  estabelecidas  nos 
outros  Reinos,  e  não  em  Hespanha;  porém  a  razão  da  diffe- 
rença  he  clara. 

Os  Estrangeiros  tem  fazendas,  com  que  pagão  todas  as 
Mercadorias  de  que  necessitão ;  o  que  obra,  que  as  suas  Leis 
tenhão  facil  execução,  e  as  nossas  difficil,  e  impossível,  porque 
não  temos  com  que  commutar  aquelle  grande  número  das  que 
necessitamos,  e  somos  obrigados  a  pagar  o  excesso  a  dinheiro. 
Deste  remédio  usavão  inutilmente  os  Castelhanos,  porque  pro- 
hibião  a  extracção  do  dinheiro,  com  infinitas  Leis,  e  Pragmá- 
ticas reiteradas  em  todos  os  Governos,  desde  o  tempo  dos  Reis 
Catholicos,  até  o  presente,  e  em  huma  que  publicou  Carlos  v. 
dá  a  razão  nestas  palavras  cPor  quanto  los  Francezes  Uevan 
el  oro,  y  con  el  nos  hazen  la  guerra.» 

Finalmente  o  único  meio  que  ha  para  evitar  este  damno, 
e  impedir  que  o  dinheiro  não  saia  do  Reino,  he  introduzir  nelle 
Artes  ^.  Não  ha  outra  idéa  que  possa  produzir  este  effeito,  nem 
mais  segura;  nem  mais  infallivel. 

CAPITULO  V 

Prova-se  a  infallibilidade  deste  meio 

A  Prova  he  evidente.  As  fazendas  lavradas,  que  os  Es- 
trangeiros méttem  no  Reino,  são  as  que  unicamente  fazem  ex- 
ceder o  valor  do  que  lhe  damos  em  troco,  como  fica  dito :  pela 


^    Esta  é  a  tbese  capital :  instrucçâo,  engenho  e  arte. 


253 


introducção  das  Artes,  se  evita  a  introdacção  das  fazendas,  que 
os  Estrangeiros  méttem  no  Reino,  e  teremos  com  que  pagar  as 
fazendas,  e  drogas  que  entrarem,  sem  que  seja  necessário  pa- 
gallas. 

Da  maior,  e  da  menor  desta  conclusão,  se  não  pôde  du- 
vidar ;  porém  façamos  mais  verosímil  a  prova  da  menor.  To- 
dos sabemos,  que  a  maior  despeza,  e  gasto  qae  faz  o  Reino  he 
de  baetas,  sarges,  pannos,  e  mêas  de  seda,  e  de  lã,  etc.  Sarges, 

Íastão  quasi  todas  as  Communidades  de  hum,  e  outro  sexo  do 
leino.  Só  os  mantos  das  mulheres  bastão  para  o  consummo 
de  huma  grande  parte  deste  género.  Todos  no  verão  nos  ves- 
timos communmente  de  sarges,  e  de  baetas,  e  não  só  nos  ves- 
timos todos,  e  as  usamos  nos  luctos,  mas  somos  os  únicos  que 
as  gastamos  em  Europa.  Mêas  de  seda,  fica  dito,  que  só  á 
Inglaterra  gastamos  SojSI  pares.  Pannos,  he  uso  commum  de 
grandes,  e  pequenos  em  todo  o  Reino  no  inverno,  e  não  só  no 
Keino,  mas  em  todas  as  Conquistas.  Estes  são  os  géneros  que 
os  Estrangeiros  navegão,  de  maior  custo,  e  que  o  uso  commum 
faz  mais  importantes  no  Reino,  o  que  na  verdade  he  cousa  ver- 
gonhosa para  as  Nações  de  Hespanha,  e  Portugal.  Supponha- 
mos  que  obramos  o  c|ue  baste  para  o  uso  commum  do  Reino, 
e  Conquistas  nestes  cinco  géneros  ordinários :  de  sarges,  baetas, 
pannos,  mêas,  e  papel  ^,  deixo  á  consideração  de  todos  o  que 
pouparemos  de  dinheiro,  cujo  gosto  nos  empobrece,  e  enriquece 
as  Nações  de  quem  as  recebemos. 

CAPITULO  VI 
Se  he  fácil  no  Reino  a  introducção  das  Aries 

Os  Authores  reduzem  as  Mercadorias,  que  dependem  de 
Arte,  a  três  classes,  a  saber:  humas  tem  metade  de  obra,  e  me- 
tade de  matéria,  como  são  sedas;  outras  tem  huma  parte  de 
matéria,  e  duas  de  obra,  como  são  linhos,  algodões,  lãs,  e  obras 
de  ferro;  outras  tem  todo  o  valor,  pela  fábrica,  pelo  pouco  que 
vale  a  matéria,  como  são  algumas  obras  de  madeiras,  e  parti- 
cularmente papel. 

Destas  são  as  mais  necessárias  para  a  Republica  as  da 


^  Do  valor  dos  tecidos  importados  já  falíamos  (pag.  212  nota  2.*); 
eram  cerca  de  2:282  contos  em  1777;  o  papel  importado  valia  83:927^ l2a 
féis.  (Dicc.  do  Com,  p.  i63). 


*H 


scgonda  e  terceira  citse,  por  doas  razoes ;  priaicira,  porque  sio 
as  do  uso  mais  coauniim ;  segunda,  porque  tendo  todo  o  valor 
na  obra,  dão  nab  gaobo  ao  Artífice,  que  o  bom  Governo  deve 
procurar  que  fique  aos  naturaes,  e  não  passe  aos  Estrangeiros  ^ 
Outra  diff ereoça  se  considera  nestas  Anes :  bumas  são  (adies, 
e  outras  dí£BcuItosas  de  obrar;  as  mab  faciles  são  as  que  oão 
tem  valor  que  iguale  ás  dífficets,  como  sâo  pannos,  sargcs,  bae- 
tas, etc*  as  mais  difficeis  sao  sedas  lisas,  e  lavradas,  brocados, 
tapeçarias,  etc. 

As  do  liso  commum  sSo  as  mais  fáceis  de  obrar,  e  mais 
necessárias  ao  Reino ;  e  as  que  inculco  para  o  fim  que  se  dirige 
este  papel.  Não  digo,  que  se  procure  a  introducção,  e  fábrica 
dos  mais  difficeis,  e  que  façan-os  logo  Fábricas  de  brocados, 
panei,  e  outras  cousas  semelhantes,  supposto  que  fora  uuKssima 
a  mtroducçSo  de  todas,  ccmo  montra  este  Discuno  \ 

A  .introducção  das  Artes,  que  sSo  mais  commum,  he 
mais  fácil  nas  terras,  onde  ha  materiaes,  que  nes  onde  faitfio, 
por  consequência  mais  fácil  será  entre  nós,  do  que  entre  os  Es- 
trangeiros. Todos  sabemos  que  no  Reino,  e  nas  Conquistas  ha 
grande  abundância  de  )ãs,  linho,  algodão,  e  todos  os  materiaes, 
e  drogas  que  servem  para  tintas;  porém  não  ha  abundância  de 
seda,  por  falta  de  applicação  ao  seu  cultivo,  como  direi  em  ou* 
tro  lugar  K 


^  £*  um  principio  perfeitamente  exacto,  e  que  faz  com  que  um  prato 
de  estanho  de  Briot  valha  ás  vezes  mais  do  que  uma  baixella  de  prata;  é 
o  principio  da  transformação  do  valor  das  matérias  primas  sob  a  influencia 
da  arte.  Exemplo  evidente :  a  cera  mica,  cuja  matéria  prima^  o  barro,  não 
tem  quasi  valor  algum. 

•  De  1734  á  primeira  invasão  franceza  (18o7)  houve  um  movimento 
multo  notável  na  fundação  de  fabricas,  que  é  conhecido  só  de  poucas  pes> 
soas.  Pôde  estudar-se  nas  obras  de  Neves  e  de  Ratton ;  fizeram-se  tentati* 
vas  em  quasi  todas  as  industrias  e  muitas  com  brilhante  eyito.  A  invasão 
franceza,  com  o  tratado  de  181o,  a  brutalidade,  inveja  e  períidia  dos  ingle- 
ses, que  arrasavam  tudo  sob  pretextos  estratégicos,  obrigaram-nos  a  come- 
çar pelo  principio,  como  em  tempos  de  D.  Pedro  níi/  reforma  das  febri- 
cas  1678- 1703).  A  fabrica  de  tapessaria  de  Lisboa  íoi  fundada  em  juibo 
de  1771.  Em  Tavira  estabeleceu-se  outra  em  1776. 

*  O  autor  faz  a  mesma  promessa  mais  adiante  (p.  43),  mas  não  a- 


I 


1670),  Soveral  (I70I)  Sabbatino  Nirso  (Í772),  Almeida  Osório  (I773)  Dr. Sá 
^1787).  Alguns  d  estes  autores  tiveram  duas  e  mais  edições.  No  presente 
aeculo  escreveram  Neves  (iSsT),  Visconde  de  Santarém  (1838),  Tinelli  {IX^} 
«  recentemente  Fradesso  da  silveira,  Guerra  TenreirOi  Conde  da  bam^ 


iSã 


Cark>8  V,  costumava  dizer,  que  os  Hespanhoes  pareciSo 
sisudos^  e  erão  doidos,  e  os  Francezes  appareciao  doidos  e  erSo 
sisudos.  A  razão  desta  differença  he  clara.  Os  Hespanhoes  tem 
lodos  os  materiaes,  e  desprezão  as  Artes ;  e  os  Francezes  não 
tem  os  materiaes,  e  estimão  as  Artes.  Os  Hespanhoes  tem  IS 
que  vendem  aos  Francezes,  e  depois  comprão  as  obras  de  lã 
aos  mesmos^  com  mais  dez  partes  de  excesso  do  valor,  do  que 
a  matéria  que  venderão.  Quem  não  dirá  que  esta  Nação  he 
bárbara,  e  aquella  civil ;  esta  louca,  e  aquella  sisuda?    . 

Por  onde  se  deve  começar  para  a  introducção  das  Artes, 
he  com  a  prohibição  rigorosa  de  sahirem  do  Reino  os  materiaes 
que  se  podem  lavrar  nelle;  além  de  que  a  sabida  das  lãs  perde, 
iofatlivelmente,  as  poucas  Fábricas  que  ha  de  panrK)s,  por  huma 
razão  evidente.  He  certo  que  a  abundância  das  lãs  as  fará  dar 
a  melhor  preço,  e  a  falta,  as  fará  valer  mais  caras.  Se  es  nos- 
sos Arti6ces  as  acharem  baratas,  poderão  dar  os  pannos  a  me- 
lhor conta,  e  pelo  contrario^  se  não  as  acharem  a  bom  preço: 
daqui  se  segue  que  compraremos  mais  baratos  os  pannos  aos 
Nactonaes,  do  que  aos  Estrangeiros,  e  pelo  contrario,  faltando 
aos  Nacionaes  o  gasto  do  que  obrão,  deixão  de  obrar,  e  se  per- 
dem as  F^ábricas,  que  he  o  mesmo  que  succedeo  aos  Castelha* 
nos,  como  veremos. 

Ponhamos  o  exemplo  no  panno  de  linho :  este  he  o  único 
material  que  se  fabrica  no  ^Remo,  e  não  sahe  delle,  e  daqui 
vem,  que  temos  panno  de  linho,  não  só  para  commum  gasto 


dáesy  Moser  etc.  Sobre  a  erecção  do  bicho  da  seda  )á  ha  providencias  no 
foral  que  o  Arcebispo  de  Braga  Dom  Silvestre  Godinho  deu  aos  moradores 
do  couto  de  Ervededo  em  1833.  D.  Aífonso  y,  Instado  pelos  procuradores 
nas  cortes  de  Í472  e  I473  deu  providencias  sobre  o  augmento  da  plantação 
das  amoreiras^  que  Já  existiam  em  certo  numero,  principalmente  em  Traz*06- 
Montes,  Lamego  etc.  (v.  Descripçáo  do  terreno  em  roda  da  cidade  de  Lor 
mego  duas  léguas^  por  Rui  Fernandes  em  1531-1632  nos  Inéditos  de  historia 
portuguesa  Lisboa,  Acad.  vol..  y  pae.  646  e  seg.,  Indica  a  producção  de 
00:000  onças  para  a  região  citada).  Coroo  prova  do  nosso  desleixo  cita  Bln- 
teau  o  seguinte:  que  tendo-se  recebido  na  corte  uma  certidão  de  terem  sido 
plantadas  na  provinda  de  Entre  Douro  e  Minho  18:000  amoreiras  n'um  só 
anno,  porque  as  ordens  de  Lisboa  eram  muito  severas,  e  indo  elle,  Blutean, 
a  essa  província  d'ahi  a  quatro  ou  cinco  annos,  chegou  a  Braga  sem  ter 
visto  uma  só  amorehra.  Disseram  então  ao  viajante  «qme  a  dita  certidão  ae 
Ibndara  na  successiva  transplantação  de  huma  só  estaca,  a  qual  correra  toda 
a  província  de  horta  em  horta,  &  de  campo  cm  campo  com  testemunhas, 
dQe  affirmavão  ler  visto  plantar  na  horta  deste  &  d'aque)le  bvma  amoreira». 
Vàcalmlario  portugu^  e  latino,  Lisboa,  I71t,  v<^.  i  piig.  349  sub.  v.  Âmó' 
mra.  £  no  seu  opúsculo:  Instrueçáo  soère  a  cultura  das  amoreiras  «te. 
Lisboa,  l^7&y  3.*  ed. 


256 


do  Reino,  mas  para  vender  a  Castella^  e  para  mandar  ás  Con- 
quistas ^.  Não  sahir  esta  matéria  do  Reino,  e  gastarem-se  as 
obras  que  delia  se  fazem,  hs  causa  de  que  toda  huma  Provín- 
cia (Deos  louvado!)  se  applique  ás  obras  de  linho.  Isto  mesmo 
succederá  com  a  lã,  senão  sahir  do  Reino,  se  houverem  Artí- 
fices para  obrarem  os  géneros,  que  aponto,  que  necessária  mete 
hão  de  ter  gasto,  teremos  não  só  o  que  baste  para  o  Rdno, 
mas  para  darmos  a  Castella,  e  mandar  ás  Ck>nquistas. 

Já  por  uso,  e  Lei  do  Reino  se  dá  Privilegio  por  dez  an- 
nos,  isenção  de  Direitos  a  qualquer  Artifice,  que  inventar  al- 
guma Fábrica  nova.  Lei  justa,  e  utíl :  e  porque  os  Prémios,  e 
Privilégios  tudo  facilitão,  depois  de  haver  Artifices,  será  con- 
veniente cuidar  em  premiallos,  o  que  se  pôde  fazer  gastando  a 
Fazenda  Real  mil  cruzados  nos  primeiros  annos  de  pensão  aos 
Artífices,  que  melhor  obrarem  este  ou  aquelle  género  ^,  e  orde- 
nando Sua  Alteza,  que  para  os  dotes  da  Misericórdia  sejão 
preferidas  as  moças  que  fiarem  lãs,  e  obrarem  mêas,  e  fittas, 
etc.  Também  facilitará  a  escolha  dos  lugares  abundantes  de 
aguas,  e  lãs,  deixando  para  a  Província  do  Minho,  Comarca 
de  Lamego,  e  algumas  Terras  da  Província  de  Tras-os-Mon- 
tes,  o  trabalho  do  linho,  e  da  seda,  que  nellas  se  continua.  Deixo 
paia  outro  lugar  outros  meios,  que  vi  praticar  em  França. 


^  Na  'Descripçáo  de  Lamego,  supracitada  lé*se  a  pag.  5!US  que  a 
producçâp  do  panno  de  linho  representava  i8o:ooo  varas*  a  estopa  ven- 
dia-se  a  Í2,  i^,  15  ató  20  róis;  o  panno  de  linho  de  i5  até  loo  e  I20  a  vara 
«e  vende*se  este  pano  a  mercadores,  e  vae  pêra  Gastella  muita  soma,  e  pêra 
lixboa,  e  pêra  alenteio,  e  pêra  o  algarve,  e  pêra  as  Ilhas,  e  outro  se  gasta 
na  terra,  e  fitas  em  peças».  O  panno.de  linno  a  ioo  e  120  réis  a  vara  fá 
devia  ser  am  tecido  muito  bom. 

>  Accursio  das  Neves  }á  lembrava  em  182?  as  exposições  publicas, 
como  «um  dos  meios  mais  adequados  que  a  politica  moderna  tem  inven- 
tado para  estimular  o  aperfeiçoamento  das  artes,  e  manufacturas»  {Noçàet 
pae.  i33).  A  primeira  Exposição  industrial  portuguesa  foi  a  de  julho  de 
i8^8,  feita  pela  Sociedade  promotora  da  industria  ^nacional.  Os  prémios, 
concedidos  á  industria,  chegaram  a  ser  muito  importantes.  O  Alvará  de 
6  de  janeiro  de  Í802  estabeleceu  quatro  prémios  annuaes  de  i:6oof  000  cada 
um,  pagos  pela  Fazenda  Real,  sendo  dous  para  Traz-os-Montes  e  Beira,  e 
dous  para  as  outras  províncias  do  reino,  ás  pessoas  que  mostrassem  ter 
plantado  de  viveiro  maior  numero  de  amoreiras,  que  transplantadas  tives- 
sem fructificado,  e  que  houvessem  vendido  á  Real  companhia  das  sedas  maior 
quantidade  de  casulo  que  fosse  producto  da  sua  lavra.  Neves,  Op.  óU 
pag.  382) . 


257 


CAPITULO  VII 

Se  tem  inconveniente  esta  introducção  das  Artes 

O  primeiro  inconveniente  que  se  considera,  e  que  he  com- 
inum  entre  os  nossos  Ministros,  he  dizer,  que  se  introduzimos 
as  Artes,  não  terão  sahída  as  nossas  drogas,  que  os  Estrangei- 
ros buscSo  a  troco  das  suas  Manufacturas,  e  perderemos  as 
Conquistas,  que  só  com  a  sabida  delias  se  conservSo,  e  a  Fa- 
zenda Real  o  Direito  das  Alfandegas :  e  anda  tão  attendida  esta 
razão,  que  se  tem  por  odiosa  a  prática  de  introduzir  as  Artes 
na  opinião  de  muitos;  mas  deixando  para  outro  lugar  as  feli- 
cidades que  com  ellas  se  introduzirão  no  Reino,  e  suppondo 
que  pôde  ter  inconvenientes,  respondo  a  elles. 

1.®  Que  he  necessário  examinar  qual  he  maior  damno, 
se  continuarmos  no  estado  presente,  que  nos  esgota  o  Reino 
de  dinheiro,  e  nos  deixa  as  drogas,  ou  diminuir  a  sahida  das 
drogas,  pela  introducqão  das  Artes,  que  he  só  o  remédio  que 
temos  para  impedir  a  extracção  do  dinheiro,  ouro,  e  prata  do 
Reino. 

2.®  Èu  não  digo  q.ue  introduzamos  tantas  Artes,  que  não 
necessitemos  dos  Estrangeiros,  supposto  que  sou  de  opinião 
contraria ;  digo  só  por  agora,  que  introduzamos  as  mais  neces-' 
sarias,  e  as  que  tem  uso  commum,  e  bastarão  as  que  ficam 
para  se  commutarem  pelas  nossas  drogas,  e  fazendas  que  te- 
mos para  dar.  Por  exemplo,  se  temos  quatro  milhões  em  dro- 
gas, e  fazendas  que  dar,  e  necessitamos  de  receber  oito,  intro* 
duzamos  as  Artes  que  valhão  os  quatro,  que  he  este,  como  fica 
dito  e  provado,  o  único  remédio,  que  temos  para  conservar  o 
dinheiro,  e  com  esta  conta,  que  não  será  dimcil,  cessará  a  ra- 
2ão  do  temor  deste  inconveniente,  e  se  achará,  que  não  só  o 
não  he,  mas  que  he  muito  necessária,  para  remédio  do  Reino, 
a  introducção  das  Artes. 

3.®  He  falso  o  principio,  que  depende  da  falta  das  Ar- 
tes a  sahida  das  nossas  drogas;  porque  se  facilita,  ou  dífficulta 
por  outro  principio  mais  natural,  gue  he  a  necessidade  que  os 
Estrangeiros  tem  delias.  Se  necessitão  delias,  a  abundância  das 
Artes  não  as  ha  de  dificultar.  O  exemplo  tem  passado  por 
nós :  ha  alguns  annos  que  o  açúcar,  e  tabaco  tinhão  muita  sa- 
hida, porque  só  nós  he  que  tínhamos  abundância  destas  dro- 
gas, e  todos  necessitavão  delias.  Fizerão  as  Nações  Fábricas 
de  açúcar,  e  tabaco  nas  Ilhas  da  America,  e  faltou  a  extracção. 


258 


porque  não  tiverSo  necessidade  destas  drogas;  donde  se  vê, 
que  nem  a  falta  das  Artes  foi  a  causa  do  muito  gasto,  nem 
também  a  introducção  das  Artes,  do  pouco. 

Outro  principio  ha  também  para  faceitar,  ou  difficultar  a 
sabida  das  nossas  drogas,  que  he  o  havellas  em  outra  parte  a 
melhor  preço,  que  he  o  meto  de  que  usSo  os  Hollandezes  em 
toda  a  parte  do  Mundo,  e  com  que  se  conservSo  senhores  do 
Commercio. 

Também  a  muita  abundância  destes  géneros  pôde  ser  a 
causa,  ainda  que  todos  necessitem  delles;  porque  se  bastSe 
para  a  Europa  cincoenta  mil  caixas  de  aqucar,  e  nós  lavramos 
loofjíooo,  necessariamente  ha  de  faltar  a  sabida  a  òofiooo^  sem 
que  a  introducção  das  Artes,  seja  culpada  nesta  falta  ^.  Isto  suc- 
cede  commummente  em  todos  os  fructos  da  terra,  em  que  ha 
huns  annos  de  maior  abundarcia,  que  outros,  como  são  as  noS' 
sas  drogas,  que  em  huns  annos  se  gastão  todas,  e  em  outros 
sobejão,  porque  ha  mais  do  que  se  podem  gastar. 

4.*  Se  não  tiverem  sabida  as  nossas  drogas,  porque  fal- 
tarão os  Estrangeiros  a  virem  buscallas,  ou  pela  introducção 
das  Artes,  o  que  não  poderá  ser,  ou  porque  as  tem  entre  si, 
nós  as  navegaremos  aonde  elles  as  navegão,  porque,  em  fim, 
nós  lhe  ensinámos  a  Arte  de  Navegar ;  e  assim  supriremos  a 
£alta.  de  sabida  para  as  nossas  drogas,  pelo  excesso  que  levSo 
na  bondade  ás  dos  Estrangeiros. 

CAPITULO  vm 

Propã  se  que  não  tem  inconveniente,  pelo  exemplo 
das  mais  Nações  da  Europa 

A  Providencia  Divina,  cuidadosa  da  mutua  cori^spoQ^ 
dencia  dos  homens,  e  da  Sociedade  Civil  das  Nações,  não  deo 
a  huma  só  os  Bens  da  Natureza ;  repartio  por  todas  ellas  a 


^  Veja-se  a  declaração  do  Marquez  Durazo  (supra)  sobre  os  anua* 
zens  de  Génova,  atulhados  de  assucar  e  tabaco,  que  os  genovezes  nos  h^ 
▼iam  comprado^  e  que  vendiam  a  mais  baixo  preço  do  que  em  Portugal, 
'  por  falta  de  extracção.  Bluteau,  nas  suas  Insirucçôeê  já  citadas  (1/  ed.  ifT^ 
reproduz  estes  argumentos,  que  refutam  os  preteaatdos  inconvenientes  aa 
introducção  das  artes  sobre  o  commercio  das  drogas;  dizemos:  reprodui^ 

Sorque  decerto  foi  Macedo  que  lb'os  communicou,  tendo  já  escripto  o  seu 
Hscurso  em  1675.  Os  argumentos  de  Bluteau  são  menos  completos,  e  me- 
ãos bem  encadeados  (pag.  3i5-3i7  da  ed.  de  lyaS). 


i59 


producçSo  pela  diversidade  dos  climas,  para  que  a  necessidade, 
que  huns  tem  do  que  os  outros  produzem,  facilite  o  Commer- 
cio,  e  o  Tracto  entre  os  homens,  levando  huns,  e  trazendo  ou- 
tros, o  de  (jue  necessitão  todos. 

Daqui  se  segue,  que  não  ha  Província  tão  abundante 
que  não  tenha  necessidade  dos  fructos  alheios;  e  nenhuma  tão 
pobre,  e  tão  estéril,  que  não  tenha  que  mandar  ás  abundantes; 
mas  a  Industria,  e  a  Arte  repartio  igualmente  a  todas  as  Na- 
ções, fazendo  a  todas  capazes  das  Operações  da  Arte^  e  se  fal* 
tão  em  algumas,  he  por  falta  do  uso,  e  da  Policia,  e  não  da 
capacidade. 

Temos  o  exemplo  em  Alemanha,  onde  hoje  ílorecem  as 
Artes,  e  que  era  no  tempo  em  que  escreveo  Tácito,  tão  inculta, 
e  bárbara,  como  sabemos  he  hoje  a  America,  e  Ethiopia. 

Daqui  se  segue,  que  será  castigo,  e  não  di^ posição  da  Pro- 
videncia, a  menor  applicação  que  humi^s  Nações  tem,  mais  do 
que  outras,  ao  exercício  das  Artes  Mechanicas :  mas  deixando 
as  moralidades,  a  que  dava  occa^ião  este  reparo,  digo,  que 
aquella  distribuição  da  Providencia  segura  entre  os  homens  a 
sabida  de  todos  os  fructos,  de  qjue  tem  abundância,  pela  com- 
mutação  dos  de  que  tem  falta ;  e  que  as  Artes,  ainda  que  sejão 
Communs  a  todas  as  Nações,  não  podem  inr pedir,  nem  ser  daro- 
ncsas  ao  Gommercio.  Esta  he  a  razão  porque  todas  as  Nações 
bem  governadas  procrrão  ter  abundância  de  Artes,  sem  que 
nenhuma  tema  o  receado  damno,  de  que  as  Artes  lhe  serão 
contrarias  ao  seu  Conmercio.  Vejamos  o  que  ellas  praticão. 

Inglaterra,  e  Hollanda  não  tem  sedas,  porque  a  Natureza 
negou  esta  producção  aos  seus  climas,  e  assim* as  recebem  das 
Terras  que  as  produzem^  mas  o  que  a  Arte  põe  em  obra,  destas 
matérias,  procurão  cuidadosamente  ter  em  abundai  cia;  porque 
se  as  fossem  buscar  lavradas  para  seu  uso,  custar-lhes-hião  muito 
mais  do  que  valem  as  fazendas,  e  drogas  que  ccmmutão  por  etlâs. 

França  não  tinha  seda,  mas  era  capaz  de  a  produzir,  vi- 
nhãO'lhe  de  Itália  as  roupas  de  seda  para  seu  uso.  Henrique 
ffv.,  não  menos  glorioso  por  esta  obra,  que  pelas  victoiias  que 
conseguio,  fez  plantar  as  Amoreiras,  e  criar  os  Bichos,  e  cha- 
mou á  França  com  grossos  salários.  Mestres  Estrangeiros  de 
differemes  parte;,  introduzindo  esla  Fábrica  em  França,  de  sorte 
que  be  hoje  esta  Arte  huma  das  m^elhorea,  e  de  que  se  tira  huma 
grandíssima  utilidade  ^  O  Marquez  de  la  Riviere,  Residente  de 


^    V.  adiante  as  notícias  «sobre  esta  industria  francesa. 


26o 


GeDova  em  Parfs,  me  disse,  qae  antes  de  haver  as  Fábricas  de 
seda  em  França,  linha  Génova  dois  mil  teares,  e  que  hoje  tem 
somente  quatrocentos.  Li  em  hum  Livro  impresso  em  Paris  no 
anno  de  i655  o  Decreto  de  Henrique  iv,  sobre  a  introducçao 
da  Fábrica  da  Seda,  e  achei  nelle  todas  as  razões,  em  que  se 
funda  este  Discurso.  As  palavras  são  as  seguintes,  traduzidas 
fielmente  no  nosso  idioma : 

aEl-Rei  no  seu  Conselho,  reconhecendo  que  a  introducção 
das  Sedas  nas  Terras  do  seu  Dominio,  he  o  único  remédio  para 
evitar  a  sahída  de  quatro  milhões  de  ouro,  que  todos  os  annos 
passSo  ás  Nações  Estrangeiras  pelas  Sedas;  que  era  neccessaria 
esta  Arte  para  o  decoro  publico,  e  para  riqueza,  e  occupação 
de  seus  vassallos,  Ordena,  etc.» 

Oi  Venezianos  são  tão  cuidadosos  de  que  tudo  o  que  a 
Arte  acha  de  novo  fora  de  Veneza  se  obre  na  sua  Republica, 
que  no  mesmo  tempo  prohibem  a  entrada  das  novas  manufa- 
cturas, e  procurSo  Artiíices  delias,  porque  tem  por  felicidade  e 
riqueza,  que  os  Estrangeiros  não  levem  ao  seu  Estado  cousa 
alguma  que  dependa  da  Arte,  e  nelle  possa  fabricar-se.  O  ul- 
timo exemplo  são  as  cabelteiras,  cujo  uso  prohibirâo,  excepto 
as  que  se  obrassem  em  Veneza. 

Em  França  ha  hoje  este  mesmo  cuidado.  VierSo  no  meu 
tempo  a  Paris  humas  rendas  de  Itália,  a  que  chamão  ponto  de 
Veneza;  começarão  a  ser  moda  com  grande  despeza  delia;  acu- 
dio  o  Governo  com  grande  remédio,  introduzindo  a  Arte  a  todo 
o  custo,  e  prémios  a  quem  melhor  obrasse,  e  prohibindo  a  en- 
trada com  tal  rigor,  que  se  queimavão  em  Praça  Publica  as  que 
se  achavão  nas  casas  dos  Mercadores,  de  que  resultou  huma 

frande  utilidade  e  abundância,  de  sorte  que  sahem  hoje  de 
Vança  por  Mercancia  ^ 


^  E*  propriamente  a  Colbert  que  a  França  deve  a  sua  indastría 
das  rendas  (von  Dumreicher  Op.  cit.  pag.  77).  Apezar  de  alguma  prodacçâo 
em  Paris,  na  Normandia  e  na  Auvergne,  as  rendeiras  luctavam  com  a  mi- 
séria em  face  dos  productos  de  Génova,  Venera  e  dos  Paizes^Baixos,  que 
as  classes  abastadas  favoreciam^  apesar  de  antigas  ordens  do  rei  d*esde 
Luiz  xui.  Colbert  não  se  contentou  com  prohibir:  fundou  pelo  edital  de 
i665  as  manufacturas  do  Voint  de  France,  uma  Madame  Gilbert  foi  instal- 
lada  com  trinta  rendeiras  venezianas  n'uma  das  propriedades  do  ministro, 
no  chateau  de  Louvay,  recebendo  o  enorme  subsidio  de  i5o:ooo  livres, 
e  privilegio  por  dez  annos.  Appareceram  depois  os  estabelecimentos  de 
Chantiily,  Gisors,  Sedan,  Charlevilie^  Argentan,  Auxerre  e  Montargís;  em 
Reims  fundou-se  uma  officina  com  6  renoeiras  venezianas,  22  flamengas  e 
3o  francesas.  Passados  vinte  annos  havia  na  Normandia  22:000  reodetras» 


201 


Os  Genovezes  observarão  ha  pouco  tempo  que  os  pannos 
de  Inglaterra,  e  Hollanda  lhe  tiravão  o  dinheiro  da  Republica; 
introduzirão  uma  Fábrica  delles,  emprestando  a  Republica  aos 
Officiaes  e  Mercadores,  a  quem  a  encommendarão  i5o^  escu- 
dos. Tiverão  industria  para  tirarem  obreiros  de  Inglaterra,  e  se 
achSo  já  com  tantos  pannos,  e  tão  iínos,  que  os  navegão,  com 
grande  utilidade,  á  Turquia. 

A  grande  riqueza  de  França  procede  unicamente  de  que, 
tendo  muitos  fructos  necessários  que  dar  ás  outras  Nações,  pro- 
curão  ter  todas  as  Artes  que  lhes  íaltão,  para  que  o  dinheiro 
que  entra  pelos  fructos  não  saia  pelas  Artes,  e  jpassa  este  cui- 
dado a  tanto,  que  EI-Rei  manda  Francezes  a  Escolas  de  Pin- 
tura e  Escultura  á  Lombardia,  e  Roma  dando  aos  Mestres  que 
os  ensinão  grossas  pensões  ^. 

Grossio,  Em>baixador  de  Hollanda  em  França,  deo  a  El- 
Rei  huma  Memoria,  em  que  por  miúdas  addições  do  que  met- 
tião  os  Hollandezes,  e  do  que  tiravão  de  França,  mostrava  que 
era  tal  o  valor  dos  fructos  que  tiravão,  que  introduzindo  muitos, 
erão  ainda  assim  obrigados  a  metter  dez  milhões  de  hbras  em 
dinheiro,  porque  nada,  <  u  pouco  do  que  depende  da  Arte,  met- 
tião;  e  perguntando  eu  como  recupera  vão  aquella  grande  som- 
ma,  me  disse,  que  com  o  grande  interesse  que  tiravão  de  na- 
vegar os  mesmos  fructos  ao  mar  Báltico,  e  ao  porto  de  Archangel 
em  Moscovía. 

São  infinitos  os  exemplos,  com  que  pudera  provar  este 
Capitulo ,  mas  estes  bastão  para  que  perguntemos  a  nós  mesmos, 
como  poderá  serdamnoso  ao  Commercio  o  que  serve  de  utili- 
dade a  todas  as  Nações,  e  (é)  procurado  cuidadosamente  de  todas, 
como  base  fundamental  de  sua  riqueza?  Cuido  que  não  achare- 
mos razão  contraria,  e  que  veremos  que  o  nosso  descuido  neste 
particular  he  o  damno  único  do  nosso  Commercio,  que,  como 
febre  hectica  do  Corpo  da  Republica,  nos  consomme,  e  perde. 
Queira  Deos  que  me  engane ! 


e  uma  sociedade  cl'esta  industria  fundada  por  acções  em  1666  dava  em  1669 
trinta  por  cento  de  lucro;  e  depois  deu  ainda  roais.  Nós  tivemos  ainda  no 
meado  do  sec.  xvin  o  point  du  Portugal,  que  desappareceu  v.  Histoire  de 
la  dentelle^  por  ro.»«  Bury  Paliiser,  trad.  fr.  pag.  96. 

1  Allude-se  á  fundação  da  Academia  de  França,  em  Roma^  insta]-> 
lada  na  Villa  Medíeis  por  Colbert  (Estatuto  de  li  de  fevereiro  de  1666). 
D.  João  V  (1706-Í750)  fundou  iogo  no  principio  do  seu  reinado^  em  Roma, 
a  Academia  de  Portugal,  cujas  ruinas  Cyrillo  Volckmar  Machado  viu  ainda 
em  Í776  (^Memorias  pag.  93^  V.  a  nossa  biographia  de  D.  A.  Sequeira  no 
Flutarcho  poríugueç  vou  11. 


76% 


Deixei  para  o  fim  da  primeira  parte  deste  Discurs#  o  ad- 
vertir que  09  Estrangeiros  eo tendem  tSo  claramente  a  perda 
que  terão  da  introdocçSo  das  Artes  nesie  Reino,  que  mandando 
ea  de  Paris  hum  Mestre  de  Cbapéos  de  Castor  a  Lisboa,  pitr 
ordem  do  Marquez  de  Fronteira,  o  Cônsul  de  França  the  of- 
£ereceo  o  perdão  de  hum  delicto  que  tinha  em  França,  mais 
huma  pensão  de  200i$  réis,  com  o  que  o  fez  tornar  para  a  sua 
Pátria.  Dõ  mesmo  modo  succedeo  com  D.  Francisco  de  Mello, 
o  qual  pertendendo  mandar  de  Londres  hum  tear  de  mêas  de 
seda,  não  pôde  vencer  as  dificuldades  e  probibições,  com  qoe 
o  impedirão  ^. 

SEGUNDA  PARTE 

Parece  que  fica  provada  a  grande^  e  indispensável  neces- 
sidade que  h),  de  introduzir,  ao  menos,  as  Artes  necessárias 
no  Reino;  que  não  he  dífficil,  esta  introducçao;  e  que  são  er- 
rados os  inconvenientes  que  se  lhe  considerSo:  mas  se  os  gran- 
des males,  a  que  esta  falta  nos  expõe,  não  bastarem  a  persua- 
dir-nos  a  buscar-lhe  os  remédios,  bastem  as  grandes  felicidades 
que  se  seguirão  ao  Reino,  inestimável  cada  huma  ao  bem  publico^ 

1.*  Que  a  introducçao  das  Artes  em  commum  evitarão 
damno,  que  fazem  ao  Reino  o  luxo  e  as  modas. 

2.*  Qje  tirará  a  ociosidade  do  fieino. 

3.*  Qje  o  fará  povoado,  e  abundante  de  gente  e  fructos^ 
e  poderá,  sem  que  lhe  faça  falta,  ter  gente  para  as  Colónias  e 
para  as  guerras. 


^  Estas  noticias  são  authenticas,  e  confirmadas  por  outros  documeo- 
tos.  Dumreichér  (Op.  cU.  pag.  75)  diz  o  seguinte :  Um  edital  de  agosto  de 
Í669  prohibia  aos  artífices  francezes  o  acceitarcm  serviços  em  paizes  es- 
trangeiros, sob  pena  de  confisco  de  bens.  Cm  Í671  passou  a  Portugal  o 
£ad)ricante  de  pannos  Lambert  de  Rouen  para  fundar  aqui  uma  fabrica  da  sua 
industria.  Colbert  reclamou  a  entrega  do  artífice  pelo  embaixador  de  França, 
o  que  conseguiu  com  promessas  e  ameaças.  Cm  I679  tentou  o  embaixador 
de  Hespanha  passar  trinta  artifices  de  seda,  oriundos  de  Rouen,  no  seu  sé- 
quito, mas  Colbert,  sabendo  do  facto,  mandou-os  prender,  até  que  o  diplo- 
mata partiu.  Nos  outros  paizes  fazia-se  o  mesmo.  O  embaixador  de  Fran* 
ça  em  Veneza,  respondia  a  Colbert,  sobre  um  pedido  de  operários  para 
uma  fabrica  de  espellios  e  cr^fstaes,  que  elle,  contractador,  se  arriscava  a 
ser  lançado  ao  mar,  sem  mais  cerimonia.  O  conselho  secreto  de  Veneza 
punia  toda  a  família  do  emigrado,  com  prisão,  até  que  chegasse  noticia  de 
ter  sido  assassinado  pdos  seus  sicários,  espalhados  por  toda  a  Curopa  etc. 
(Dumreichér  pag.  81). 


afô 


4.'  Que  a  FVmu^)  mais  qot  a  o«itra  Nação  da  Europa^ 
he  útil,  e  necessária  a  imroducção  das  Aries. 

5.*  Que  as  Rendas  Reaes  se  augmentaráõ. 

Cada  huma  destas  cinco  proposições,  só  per  si  executadas, 
parece  que  bastará  para  £azer  o  Reino  feliz;  e  sendo  certo  que 
oom  a  introducção  das  Artes  se  executSo  todas,  quem  não  dirá 
que  das  Artes  depende  a  felicidade  do  Keino  ?  Vejamos  as  provas» 

CAPITULO  I 

Que  a  Introducção  das  oArtes  evitará  o  damno 

do  luxo  e  das  modas 

Em  primeiro  lugar  desejo  a  moderação  no  uso  de  vestir, 
e  nos  adornos  das  casas,  e  que  nos  regulasse  ndies,  nâo  a  abun- 
dância e  Vaidade  mas  o  concerto  e  modéstia.  Para  esta  mo* 
deração  dérSo  preceitos  os  Phílosofos^  e  Jurisconsultos,  e,  o  que 
inais  para  nós  he,  os  Padres  da  Igreja  Conselho;  porém,  como 
a  ambição  e  a  vaidade  são  vícios  quasi  naturaes  da  nossa  con- 
dição, os  Conselhos  e  os  Preceitos  obrão  pouco  com  nosco.  Da* 
qui  se  segue,  que  o  Reino  terá  grande  interesse  de  que  ainda 
que  haja  luxo  e  gasto  supérfluo  no  vestir  e  adornar  as  casas^ 
tiSo  sem  damnoso  ao  Reino. 

O  damno  do  Reino  não  consiste  em  que  cem  particulares 
mal  governados  gastem  o  Património  em  adornos  e  vestidos, 
se  da  fazenda  que  estes  gastão,  se  sustentarem  outras  tantas  fa- 
mílias no  Reino ;  o  em  que  consiste  o  damno,  he  em  que  a  fa- 
zenda, que  o  máo  governo  de  huns  consome  e  dissipa,  seja 
alimento,  e  utilidade  dos  estrsnhos.  As  Artes  obrão,  que  aquelle 
damno  particular  de  huns  seja  utilidade  de  muitos  no  mesmo 
Reino;  e  a  falta  delias,  que  aquelle  damno  seja  communicavel  a 
todo  o  Reino.  A  razão  he  facil  de  achar.  Se  todas  as  manufa- 
cturas e  fazendas  que  consomme  o  uso  immoderado  dos  ves- 
tidos e  adornos  das  casas  são  obradas  no  Reino,  nelle  íica  o 
custo  delias  repartido  por  tantas  mãos,  quantas  são  as  por  onde 
correm  aquellas  fazendas  até  á  Tenda  do  Mercador ;  porém  se 
são  Obras  Estrangeiras,  lá  vai  parar  o  dinheiro,  e  lá  sustenta 
aquelle  grande  número  de  gente  com  a  riqueza  que  pudera  ficar 
no  Reino. 

Mais  me  atrevo  a  dizer.  Em  hum  Reino  rico,  e  com  Ar- 
tes, não  só  he  hutil  aquelle  appetite,  ainda  que  seja  immodert- 
do,  de  vestir  custosamente,  e  adornar  ricamente  as  casas,  mas 
he  necessário  e  conveniente.  Valério  Máximo  o  tem  por  huma 


264 


espécie  de  liberdade :  0^/^  opus  libertale,  si  polentibus  luxa  pe- 
rire  non  liceL  Liv.  2.  Gap.  9.  Provcrb. 

O  dinheiro  nos  Reinos  tem  a  qualidade  do  sangue  no  cor- 
po humano,  que  alimenta  a  todas  as  partes  delle,  e  para  isso 
anda  em  huma  circulação  perpétua;  de  sorte  aue  não  para, 
senão  com  a  total  ruina  do  corpo.  Isso  mesmo  faz  o  dinheiro^ 
porque  tira  das  mãos  dos  pobres  a  necessidade,  pelo  appetice 
e  vaidade  dos  ricos.  Pelas  Artes  passa  aos  Mercadores,  dos 
Mercadores  a  todo  o  género  de  Officios,  e  mãos  por  onde  correm 
08  materiaes,  que  põe  em  obra  a  Arte.  Destas  mãos  ás  dos  La- 
vradores, pelo  preço  dos  fructos  da  terra,  para  sustento  de  todos. 
Dos  Lavradores  aos  Senhores  das  fazendas,  e  das  mãos  de  to- 
dos, pelos  tributos,  ao  Património  Real.  Deste  sahe  outra  vez 
pelos  Ordenados,  Tenças,  Soldos,  Armas,  Fábrica  de  Náos, 
de  Edifícios,  e  de  Fortificaçi5es,  etc.  Quando  esta  circulação  do 
dinheiro  se  faz  no  Reino,  serve  de  alimento  a  todo  elle ;  porém 
quando  sahe  do  Reino,  faz  nelle  a  mesma  falta  que  o  sangue, 
que  se  tira  do  corpo  humano.  Este  exemplo  não  tem  nada  de 
ficção,  nem  de  adorno ;  he  tão  natural  e  visivel,  como  direi  em 
outro  lugar. 

Supponhamos  que  hum  Príncipe  enthesourou  todo  o  di- 
nheiro que  lhe  tributa  o  seu  Estado;  he  certo,  que  em  poucos 
annos  o  esgota,  e  que  faltará  aos  pobres  e  ricos  com  que  o 
tributar,  e  alimentar-se:  esta  he  a  razão  porque  os  Políticos 
aconselhão  aos  Príncipes,  que  não  tendo  em  que  gastar,  e  não 
sahindo  de  Minas  o  seu  Thesouro,  fabriquem  Palácios,  porque 
para  o  dinheiro  entrar  nas  mãos  do  Príncipe,  he  necessário  que 
saia  ^  A  Providencia  Divina  também  acudío  a  isto,  e  não  quiz 
que  se  accumulassem  todos  os  bens  em  huma  só  mão;  porque 


^    D.  João  y  tentou  este  caminho^  mas  com  pouco  critério,  poraue 
lhe  faltaram  bons  conselheiros ;  isto  é  reconhecido  principalmente  pelos 
diplomatas  estrangeiros,  residentes  em  Lisboa,  que  apreciaram  o  sea  ca- 
racter com  mais  imparcialidade  do  que  nós ;  v.  Santarém,  Quadro  e/e- 
mentar  na  introducçao  ao  vol.  v.  Gastou-se  prodigamente,  mas  sem  plano. 
O  que  se  fez  em  matéria  de  instrucção  industrial,  de  organisação  do  ensi- 
no technico,  foi  tudo  fragmento,  obra  do  acaso,  ou  do  capricho ;  trabalho 
sem  tenacidade,  sem  critério,  meias  medidas;  um  mixto  de  ideias  apro- 
veitáveis c  de  muitos  absurdos.  A  Pragmática  veio  no  fim,  no  penúltimo 
anno  do  reinado  I !  A  Pragmática  do  reinado  anterior  f fevereiro  de  1677) 
não  foi  mais  feliz,  'mas,  ao  menos,  precedeu  a  organisação  das  novas  fabri- 
cas, o  plano  da  reforma  do  ensino,  que  era  o  de  Macedo,  e  tinha  dado  ex* 
celientes  frutos,  quando  o  tratado  de  I703  o  anniquilou,  depois  da  febre 
mineira  de  IGgí  í  (v.  as  Cartas  do  P.«  António  Vieira  a  Macedo,  sobre  a 
Pragmática  de  Í677  vol  iv  pag.  a53  e  J74. 


265 


ordenou  que  se  repartissem  por  muitos.  Ordinariamente  vemos 
que  o  filho  do  avarento  he  pródigo,  e  que  divide  e  dissipa  este 
o  que  ajuntou  a  ambição  do  pai. 

Daqui  parece  que  se  segue  que  não  são  damnosos  ao  Rei- 
no o  luxo,  e  a  vaidade  dos  gastos  no  vestir,  e  adornar  as  casas; 
quando,  as  Fábricas,  que  servem  a  este  uso,  são  obradas  no 
mesmo  Reino,  antes  he  utilidade;  porque  obra  que  o  dinheiro 
sirva  de  alimento  a  muitos. 

(OnUkuia).  DOARTE  RiBEIRO  DE  MâCEDO« 


A   EXPOSIÇÃO   DE   CERÂMICA 

(OoBttniuiçio,  vid.  pftg.  SOO) 

E^  evidente^  olhando  se  para  a  numerosa  coUecção  de 
boioes  exposta,  que  houve  fabrico  importante  de  faiença  em 
todo  o  século  xvii,  mas  não  ha  vpriedade  de  formas ;  sSo  quasi 
tudo  peças  de  botica :  boiões  e  potes  mais  ou  menos  bojudos. 
E,  comtudo,  o  louceiro  popular  antigo,  cultivava  uma  grande 
variedade  de  formas,  como  pôde  verse  nos  quadros  chamados 
de  Grão-Vasco,  dispersos  pelo  paiz.  Ha  muito  que  estudar 
n^essa  mina  desconhecida,  que  nos  foi  de  grande  auxilio  em  os 
nosscs  estudos  sobre  a  antiga  ourivesaria  portugueza.  N'esses 

2uadros  distinguese  perfeitamente  o  que  é  louça  rústica  e o  que 
faiença  importada  allemã,  flamenga  etc. 

Podíamos  publicar  aqui  um  curioso  catalogo  d'es5a  louça, 
conservada  em  desenho  nos  nossos  quadros,  e  sem  um  guia 
doesta  ordem,  ou  outro  parecido,  não  se  pôde  fazer  luz.  Além 
doesta  collecção  pintada  podíamos  ter  ouira  real,  effectiva,  se 
em  nossos  dias,  ha  poucos  annos  apenas  —  o  que  parece  incrí- 
vel—não  a  tivessem  destruído  em  Lisboa.  E'  o  caso:  O  snr. 
Nepomuceno,  que  dirigia  então  (1874-1875)  as  obras  de  res- 
tauração do  extincto  convento  da  Madre  de  Deus,  tinha  reu- 
nido n'uma  das  salas  grandes  do  edifícia  toda  a  louça  antiga 
que  as  freiras  haviam  deixado  ao  estado.  Era  principalmente 
louça  popular  das  Caldas,  do  século  xvi  e  xvii,  de  barro  ver- 
melho escuro,  com  esmaltes  verdes,  mais  de  um  cento  de  pe- 
ças raras  e  de  formas  curiosas.  Demos  os  parabéns  ao  snr. 
Nepomuceno  quando  vimos  aquella  riqueza;  passados  tempos 
soubemos  que  este  snr.  já  não  dirigia  as  obras.  Uma  mudança 
de  ministério  e  de  política  produziu  uma  mesquinha  vingança 

BKVISTA  DA  SOCODÀDB  DB  INSTRUCÇÃO  DO  POBTO.  16 


266 


e  o  benemérito  architecto,  que  havia  salvado  o  celebre  coo- 
vento  da  ruína  (um  verdadeiro  muzeu  de  todo  o  género  de 
objectos),  foi  tranbferido.  A  collecção  de  louças  foi  desbaratada; 
cada  um  levou  o  que  quiz^  e  o  resto  quebraram -n^o  em  servi* 
ço  diário  os  actuaes  inquilinos  do  convento,  hoje  Asylo  D.  Maria 
Pia.  Recordaremos,  para  citar  só  um  exemplo,  que  o  celebre 
presépio  foi  dividido  por  vários  indivíduos  que  nSo  tiveram  escrú- 
pulo de  exporem  os  fragmentos  no  ultimo  certamen  de  Lisboa  K 

Vimos  ha  poucas  semanas,  %penas,  o  ultimo  exemplar  da 
Madre  ds  Deus,  uma  bilha  pequena,  esmaltada  de  verde. 

Não  foi,  porém,  só  louça  popular  que  produzimos  cos 
séculos  xvi  e  xvii.  Um  antigo  autor^  portuguez,  Nicolau  de 
Oliveira,  escrevia  em  1620  noticias  curiosas  sobre  a  industria 
de  Lisboa.  Tinha  a  capital  então:  oito  fomos  de  louça  vidrada; 
vinte  oito  de  louça  de  Veneza  (!) ;  quarenta  e  nove  de  louça 
vermelha  e  dezasois  fornos  de  tijolo  e  telha.  Elle  acrescenta  ain- 
da o  numero  de  oleiros  de  azulejo,  que  eram  treze,  tinda  que  se 
faz  muito  nos  fornos  de  louça  de  Veneza»  *, 

Um  outro  escriptor  ainda  mais  antigo,  Christovão  Rodri- 
gues de  Oliveira  (i55i)  refere  que  havia  204  mulheres  que  ven- 
diam louça  (além  de  i5  que  vendiam  vidro)  e  nada  menos  de 
206  oleiros,  não  contando  22  homens  que  faziam  tijolo.  A  grande 
Estatística  manuscripta,  que  foi  redigida  um  annno  depois  (iã52, 
Bibliotheca  Nacional)  conta  o  seguinte:  ccTem  (Lisboa^  70  ten- 
das e  casas,  tudo  junto,  em  cada  uma  d''estas  fazem  louça  de 
barro.»  O  pessoal  subia  «a  180  pessoas,  com  mais  l'o  queseoc- 
cupavam  em  louça  vidrada*  e  viviam  em  dez  casas. 

Por  e>tas  noticias  se  vê  que  no  próprio  officio  de  oleiro 
havia  divisa-^  do  trabalho,  e  especialidades,  como  no  otiicio  dos 
que  lavravam  o  ouro  e  a  prata,  e  faziam  obras  de  cravação.  E 
não  faltava  ajuda  e  auxilio  das  outras  artes,  porque  havia  47 
debuxadores  para  dar  os  desenhos,  e  76  pintores;  nem  podia 
ser  pouco  o  que  se  vendia  de  obras  d^arte,  porque  na  mesma 


^  Vide  o  respectivo  Catalogo  na  sala  G,  onde  uma  serie  de  gruppos 
de  figuras  de  barro  são  attribuidas  a  Joaquim  Machado  de  Castro  (I). 

'  Nicolau  de  Oliveira.  Uvro  das  grandezas  de  Lisboa,  Lisboa  1620; 
nova  ed.  Ibtd.  1804.  A  obra  de  Christovâo  Rodrigues  de  Oliveira  iotitu- 
ta-se:  Summario  em  que  brevemente  se  contem  algumas  cousas  assi  ecde- 
siasticas  como  seculares  que  ha  na  cidade  de  Lisboa.  Lisboa,  i53i;  nova 
ed.  Ibid^  1755.  Sobre  estas  obras,  sobre  a  Estatística  ms.  de  Lisboa  e  outras 
fontes  litterarias  para  a  historia  da  capital,  vide  a  nossa  bibiiographta:  Fon- 
tes para  a  historta  antiga" de  Lisboa  em  áárcheot,  artist.  fase.  vi. 


267 


tpocha  (i55t)  sustentava  Lisboa  dezoito  homens,  que  vendíim 
só  retavolos.  A  arte  do  oleiro  podia  decahir  depois^  mas  nunca 
deixou  de  ser  alimentada ;  as  casas  religiosas  gastavam  constan- 
temente o  azulejo,  e  onde  havia  fabrico  de  azulejo,  devia  haver 
produção  de  vasilhame. 

Quando  Filippe  iii  veio  a  Lisboa  em  161  g,  os  oleiros  le- 
vantaram-lhe  um  arco  triumphal  de  custoso  lavor,  cuja  des- 
crípçSo  se  pôde  ler  na  obra  de  Lavanha,  ^  rivalisando  os  olei- 
ros nesta  festa  e  n^outras  posteriores  com  os  oíãcios  mais  ricos. 
O  tal  arco  ostentava  varias  legendas,  que  nada  tinham  de  mo- 
destas e  que  illustravam,  com  painéis  adequados,  as  glorias 
do  ofiicio.  Vale  bem  a  pena  ouvir  a  descripçto  do  chronista 
official : 

• . .  «ao  pee  da  mesma  Padaria  sae  a  Rua  da  Misericór- 
dia, em  cuja  entrada  fízerão  os  Oleiros  sua  representação,  era 
de  hum  Arco  pelo  qual  se  servia  a  Rua  entre  dous  altos  d  lar- 
gos pedestaes,  sobre  os  quaes  em  duas  peanhas  estavão  as  Ima- 
gens de  vulto  das  Santas  Justa  &  Rufína,  mui  bem  ornadas  cõ 
seus  vasos  de  barro  nas  mãos,  d  entre  ellas  levantada  hua  torre 
sobre  o  Arco,  insignia  que  com  as  Santas  tem  a  bandeira  destes 
officiaes;  nas  ameas  do  primeiro  andar  da  torre  havia  hua  tarja 
sostentada  de  dous  mininos,  na  qual  estava  escrita  esta  oitava 
fallando  com  sua  Magestade. 

Inda  que  tem  de  barro  os  fundamentos 

Esta  torre  alterosa^  &  levantada 

Não  teme  a  força  de  contrários  ventos 

Por  vós  nestas  colunas  sustentada. 
Obra  que  arrima  a  vós  os  pensamentos 

Nao  pode  facilmente  ser  quebrada 

E  o  forte  mais  soberbo^  &  roais  bizarro 

Contra  o  vosso  poder  será  de  barro. 

aEm  dous  quadros  que  ficavSo  nos  pedestaes,  no  da  mão 
direita  estava  pintada  a  Natureza  coroada  de  flores;  tinha  eoi 
tiúa  mão  hu  vaso  de  barro  vermelho,  d  da  outra  lhe  pegava 
hum  home  meio  sahido  da  terra,  que  significava  o  barro,  no 
pee  estava  este  quarteto : 


^  J.  Baptista  Lavafia,  Viage  de  la  Catholica  Real  Magestad  dei 
-Rn  D.  Filipe  iii  N.  S.  ai  Reino  de  Portugal.  Madrid»  1622  com  grav. 
pag.  29-30. 


268 


Para  demonstração  de  mór  grandeza 
Na  perfeição  da  terra  aue  pisais 
Até  o  barro  humilde  da  sinais 
De  quanto  a  quiz  honrar  a  natureza. 

«Encima  deste  quadro  avia  outro  pequeno  com  hum  Em* 
blema,  cujo  corpo  era  duas  mãos  cheas  de  agoa,  aludiendo  (sic) 
á  que  o  rústico  lavrador  oífereceo  nellas  a  Xerxes;  dizia  a 
lettra : 

ET  TIBI   PVRIOR,   ET  PVLCHRIOR. 

Para  nós  mais  pura^  &  mais  formosa. 

f  No  outro  quadro  da  mSo  esquerda  estava  pintada  a  Arte, 
a  seus  pees  varies  instrumentos  mecânicos,  d:  entre  eiles  húa 
roda  de  Oleiro,  na  qual  ella  tinha  posta  a  mão  esquerda^  &  na 
direita  hu  vaso  de  porcelana  da  que  se  faz  em  Lisboa  contra- 
feita da  China,  ao  pee  desta  figura  avia  estoutro  quarteto: 

Aqui  Monarca  eicelso  Soberano 
Vos  offerece  a  Arte  peregrina 
Fabricado  no  Reino  Lusitano, 
O  que  antes  nos  vendeo  tam  caro  a  China. 

f  Encima  no  quadro  pequeno  avia  outro  Emblema,  era 
hua  Nao  da  índia  da  qual  se  descarregavSo  barças  de  porce- 
lana da  China,  d  outros  Navios  estrangeiros  que  carregavão 
da  nossa  &  outros  que  já  carregados  delia,  saião  do  Porto; 
era  a  letra  doeste  Emblema. 

ET  NOSTRA  PERERRANT 

Também  as  nossas  vão  a  varias  Regiões.    . 

Rematava  a  torre  com  hua  estatua  de  hum  anjo,  que  ti- 
nha na  mão  o  escudo  das  armas  de  Portugal.» 

Mas,  apesar  da  legenda,  a  porcelana  não  foi  inventada 
em  Portugal  senão  nos  fins  do  século  passado.  Se  a  allusão  se 
referia  á  faiença,  nem  por  isso  era  mais  verdadeira,  porque  os 
artífices  árabes  de  Portugal,  cuja  influencia  é  muito  visivel  na 
Extremadura  e  Alemtejo  até  ao  reinado  de  D.  Manoel  \  não 
valiam  menos  do  que  os  hespanhoes,  que  haviam  creado  admi- 
ráveis trabalhos  n^esse  género ;  senão  veja  o  leitor  os  três  ma- 


^    Não  temos  aaui  espaj^  para  documentar  a  affirmação^  que  será 
comprovada  n*um  estuao  especial :  Vestígios  da  aris  mosarabe  em  Portugal. 


269 


'gniScos  pratos  hispano-arabes  do  snr.  A.  Luso,  principalmente 
t)  n.°  169,  e  a  photographia  de  Laurent  com  o  celebre  vaso  da 
Alhambra.  O  arco  e  o  verso  provam,  comtudo,  que  a  olaria 
portugueza  não  se  sentia  nem  fraca,  nem  envergonhada,  no  pri- 
meiro terço  do  século  xvii. 

Que  ella  pedisse  auxilio  a  algum  artista  estrangeiro,  vindo 
de  Hespanha  e  Itália,  é  provável,  mas  não  lhe  faltava  a  geral 
confiança.  De  resto,  entre  os  productos  hespanhoes  e  portugue- 
zes,  de  faiença,  não  haveria  lucta  seria  senão  no  meado  do  sé- 
culo XVII,  quando  a  industria  de  Talavera  invadiu  as  fronteiras 
e  a  nossa  soffreu  com  a  francjueza  geral  do  reino. 

Note-se  porém  que  os  nossos  oleiros  conseguiram  em 
pouco  tempo  imitar  perfeitamente  os  artefactos  hespanhoes.  O 
seguinte  testemunho  de  Severim  de  Faria  (i655),  apesar  de 
muito  precioso,  tem  passado  completamente  desapercebido.  Diz 
elle:  cPoucos  annos  ha,  que  hum  Oleiro  que  veio  de  Talaveira 
a  Lisboa,  vendo  a  bondade  do  barro  da  terra,  começou  a  la« 
vrar  louça  vidrada  branca,  não  só  como  a  de  Talaveira,  mas 
como  a  da  China;  porque  na  fermosura,  e  perfeição  podem 
competir  as  perçolanas  de  Lisboa  com  as  do  Oriente;  e  imi- 
tando-o  outros  Officiaes,  cresceo  a  mercadoria  de  maneira,  que 
não  somente  está  o  Reyno  cheio  doesta  louça ;  mas  vai  muita 
de  carregação  para  fora  da  Barra  ^.» 

A  mdustria  cerâmica  da  capital  estava  pois  florescente  no 
meado  do  século  xvii;  já  pouca  gente  comeria  na  louça  dt pau^ 
de  que  faliam  ainda  documentos  do  principio  do  século  ante- 
rior  K  A  inscripção  do  arco  dos  oleiros  não  faltaria,  portanto,  á 


^  Noticias  de  Portugal^  ed.  de  1791^  pag.  42.  A  mesma  passagem 
encontrasse  ipsis  verbis  na  ed.  de  i74o,  pag.  Í9  e  na  de  1655,  pag.  20. 

>  Foral  de  Lisboa  (agosto  de  i5oi)  na  ed.  de  Lisboa,  1700,  pag. 
39.  «E  isso  mesmo  se  pagará  dizima  de  lodallas  escudellas,  e  gamelías,  trin* 
chos,  tavoas  d*espadas,  formas  de  çapateiros,  tonees,  pipas,  arcos,  cestos, 
canlstrees  e  canastras,  e  pentees  de  paao ;  e  de  quaesquer  outros  vasos,  ou 
vasilhas  de  paao»  etc;  mais  adiante  falia  de  louça  de  paao,  distinguindo: 
-^E  dos  tonees,  e  pipas,  e  qualquer  outra  Ipuça  de  paao» ...  O  mesmo  Foral 
trata  em  outro  artigo :  da  Telha,  e  louça  de  barro  do  ReynOy  e  do  que  ella 
pagava,  entrando  e  sahindo  de  Lisboa  (8  réis  por  cento,  pag.  49-So);  e  em 
seguida,  em  dous  Artigos :  Mallega  e  azulejos  (2  réis  por  cento,  pag.  5o) ; 
imalmente  n'outro  Artigo,  intitulado  Louça  menciona  a  louça  vidrada  ou 
por  vidrar,  do  reino  e  de  fora  (mallega  de  Valença).  Pagava  3  réis  por  cento, 
e  YÍndo  de  fora  sempre  a  dizima,  pag.  51.  Os  artigos  serão  transcriptos  por 
extenso  no  Doe.  xv.  O  Foral  do  Porto  (lo  de  junno  de  i5x7)  também  men- 
ciona a  louça  de  paao  (pag.  22,  na  collecção  dos  Foraes  da  cidade  do  Porta 
impressos  por  ordem  da  Ql."*  Gamara  constitucional.  Porto,  1823). 


270 


verdade ;  o  que  tem  faltado  é  estudo  e  paciência  para  percorrer 
todo  o  paiz,  para  investigar  seriamente,  porque,  por  via  de  re- 
gra, Doestes  assumptos  d^arte  nacional  todos  faliam  e  poucos 
trabalham  com  methodo. 

O  achado  de  uma  citação  isolada,  um  documento  de  va- 
lor duvidoso,  communicado  por  um  qualquer  paleographo,  é  o 
ba.stante  para  forjar  uma  theoria,  e  decidir,  doutoralmente,  sem 
se  ter  sanido  das  quatro  paredes  do  ninho  paterno,  das  ques- 
tões mais  complicadas,  que  exigem  a  accumulação  de  i^m  gran- 
de material  de  estudo  de  gabinete  e  uma  analyse  minuciosa  dos 
monumentos  do  paiz,  in  loco.  E  quantos  portuguczes  ha  que  co- 
nhecem bem  as  provincias  do  reino  ?  Já  tivemos  occas^iâo  de  mos- 
trar, a  propósito  dos  antigos  azulejos,  como  se  tem  estudado  a 
hiitoria  d'esta  importantis^ma  industria  nacional :  ^uem  estudou 
o  antigo .  vasilhame^  quem  o  coUeccionou  ?  Não  e  conhecido  o 
singular  critério  que  presidiu  á  ultima  Exposição  retrospectiva 
de  arte  ornamental  portuguesa  e  hespanhola,  o  estado  cahotico 
(di?ia-se  que  era  pittoresco)  em  que  alli  puzeram  os  poucos 
productos  que  podiam  ser  estudados  como  nacionaes,  faltando 
series  inteiras  ?  A  Exposição  de  cerâmica  da  Sociedade  de  In- 
strucção  contribuiu  cfficazinente  não  5Ó  para  elucidar  os  proble- 
mas que  dizem  respeito  á  industria  actual  e  ao  seu  futuro  pro- 
gres5o,  mas  também  para  resolver  certos  problemas  da  historia 
da  arte  portugueza.  A  no^sa  industria  cerâmica  floresceu  no  sé- 
culo XVI  e  nos  dois  séculos  seguintes,  apesar  de  todas  as  crises. 
As  luctas  da  independência  com  a  Hespanha  durante  os  reina- 
dos dos  dois  primeiros  Braganqas,  as  desordens  intestinas  no 
reinado  de  D.  Afíonso  vi,  a  lucta  com  a  Hespanha  até  D.  João 
v,  que  não  terminou  senão  com  a  paz  de  Uitrecht  (171 3),  e 
principalmente  o  fatal  tratado  de  commercio  de  Methwen,  as- 
signado  por  D.  Pedro  11,  abalaram  as  industrias  portuguezas 
até  á  raiz.  O  marqcez  de  Pombal  fez  o  que  um  homem  de  gé- 
nio podia  fazer:  resuscitar  uma  sociedade  semi-morta,  uma 
corte  que  não  vivia  senão  de  duas  cousas:  a  missa  e  a  opera, 
a  festa  da  igreja  e  a  festa  do  theatro.  Morto  o  marquez,  essa 
sociedade  vegetou  apenas  até  que  os  francezes  a  expulsaram ; 
verdadeiramente,  nem  expulsão  houve ;  foi  uma  fuga,  porque 
ninguém  se  lembrou  de  resistir. 

Cita-se  a  fabrica  de  louça  do  Rato,  com  razãoj  como 
uma  das  beilas  creacões  de  Pombal ;  era  um  elemento  no  meio 
de  um  grtipo  de  fundações  notáveis,  reunidas  em  uma  área  con- 
siderável (bairro  do  Rato).  O  mesmo  benemérito  escriptor  por- 
tuguez,  que  escreveu  a  historia  da  fabrica  das  sedas,  deixou-oos 


271 


noticias  muito  curiosas  da  fabrica  de  louça,  que  parecem  estar 
completamente  esquecidas  K 

Abstrahimos  do  que  ellc  diz  da  nossa  antiga  louça,  ante- 
rior ao  século  xvin,  e  da  qual  falia  com  pouca  estima,  porque 
a  não  conhecia  —  bastava  lembra r-se  dos  azulejos. 

Admira  que  Accursio  das  Neves,  pertencendo  como  depu- 
tado á  Real  Junta  do  Commercio,  e  5endo  depois  secretario 
d^ella,  não  se  lembrasse  de  consultar  a  Pauta  do  Consulado  da 
Casa  da  India^  onde  encontraria  a  prova  da  actividade  da  in- 
dustria nacional,  muito  antes  da  fundação  da  Fabrica  do  Rato. 
Eis  os  productos  que  alli  encontrámos  e  a  taxa  correspondente 
que  pagavam  em  1 744 : 

Azulejo  de  figuras,  o«  brutesco^  o  milheiro  .     .    20^00  réis 

Azulejo  ordinário,  o  milheiro 8IÍ000    » 

Louça  pintada  de  sortes,  charoada,  de  Génova.    iS^ooo    m 
Louça  dita  por  dúzias  em  pratos,  dúzia  .     .    .  36o    » 

Louça  da  terra  fina,  e  cntre-íina,  em  pratos, 

dúzia ^ 160 

Louça  da  terra  grossa,  dúzia 80 

Louça  da  terra  á  imitação  da  da  China,  pagará 

pelo  que  valer. 
Louça  da  Hollanda  pagará  conforme  sua  quali- 
dade. 
Louça  da  índia,  pagará  conforme  sua  quali- 
dade. 
Púcaros  de  Extremoz,  ou  da  maia. 

Telha,  o  milheiro 4#ooo 

Tijollo,  o  milheiro á|ooo 

Terra  sigilata  branca  ou  vermelha,  arrátel  .    .  100    • 


9 


• 
• 


Estas  cifras  são,  em  extremo,  curiosas  ^  O  direito  muito 


^^  José  Accursio  das  Neves.  Noções  históricas,  económicas  e  admi' 
nistrativas  sobre  a  producçáo  e  manufactura  das  sedas  em  Porfuga/e  parti- 
cularmente a  Fabrica  do  Rato  e  suas  annexas.  Lisboa,  Í827.  O  snr.  Fer- 
nando Palha,  que  escreveu  especialmente  sobre  a  secção  cerâmica  da  Expo- 
sição de  arte  ornamental  de  Lisboa,  não  viu  esta  obra,  que  é  a  única  que 
dá  noticia  desenvolvida  da  fabrica  de  louça  do  Rato ;  contentou-se  com  a 
citação  de  Ration  ÇRecordaçòes,  pag.  iao]^,  commentando-a  do  seguinte 
modo :  «Pois  essas  dez  linhas  contéem  ainda  hoje  tudo  quanto  se  sabe  so- 
bre a  Fabrica  Real.»  (Carta  apud  Simões:  A  exposição  retrospectiva,  etc. 
Lisboa,  Í882,  pag.  i5i).  Na  obra  de  Neves,  impressa  em  Í827,  não  são  dez 
linhas,  mas  sim  treze  paginas  de  noticias,  um  capitulo  inteiro,  que  foi  por 
nós  trancripto  n*esta  Revista^  vol.  n,  pag.  549-535. 

'  Pauta  e  Alvará  de  sua  confirmação  do  Consulado  geral  da  sahida 
e  entrada  da  casa  da  índia,  feito  com  a  assistência  dos  Escrivaens  do 


VJ2 


elevado  sobre  o  azulejo,  confirma  o  que  adiante  dizemos  sobre 
a  carestia  d''este  producto  artístico,  que  sõ  podia  ser  aproveitado 
pelo  proprietário  rico.  A  importação  da  louça  de  Génova  ex- 
plica-se  facilmente.  Génova,  então  umi  republica,  sustentava 
um  commercio  activo  com  Portugal.  Duarte  Ribeiro  de  Mace- 
do ainda  documenta  essas  relaçõss  com  referencia  á  segunda 
metade  do  sec.  xvii.  D.  Joae  v  encommenJou  ás  fabricas  e 
officínas  particulares  de  Génova  uma  granje  parte  dos  explen- 
didos  paramentos  da  basílica  de  Mafra,  tanto  tecidos  como  bor- 
dados *.  A  importação  tinha,  porém,  de  luctar  com  a  louça  na- 
cional, já  classificada  n^uma  escala  ascendente  :  grossa,  enirefina 
e  fina,  que  imitava  a  cbineza,  continuando  a  justificar  a  inscri- 
pção  do  arco  triumphal  de  1619.  A  nota;  pagará  conforme 
sua  qualidade,  é  uni  indicio  claro  de  pezadissimo  direito  (China 
e  Holianda),  como  verificámos  depois  de  um  estudo  minucioso 
da  Pauta  de  i744> 

Ao  lado  dos  púcaros  de  Extremoz,  cuja  fama  é  antiga, 
como  veremos,  apparecem  os  da  Maia,  que  não  encontramos 
espect  alisa  dos  antes  do  meado  do  secul  >  passado  * ;  não  pagavam 
direito,  ao  que  parece,  carregando-se,  em  compensação,  a  terra 
sigilata  com  cem  réis  em  arrátel.  Era  duro,  mas  muito  salutar, 
porque  a  taxa  corrigia  uma  loucura.  As  damas  hespanholas  co- 
miam essa  terra,  um?  espécie  de  barro  muito  fino,  que  ia  de 
Portugal,  da  região  de  l^xtremoz,  obstruindo-lhes  completamente 
o  estômago,  já  muito  maltratado  pelas  comidas  cheias  de  es- 
peciarias e  pelos  hábitos  sedentários  da  vida  peninsular. 

«Je  vous  ai  deja  dit  qu^elles  (as  fidalgas  h»panhol3s)  ont 
une  grande  passion  pour  cette  Terre,  qui  leur  cause  ordínaire- 
mente  une  opilation;  TE^tomac  &  le  Ventre  leur  enflent  et  de- 
viennent  durs  comme  une  pierre,  &  elles  sont  jaunes  comme 
des  coins.  J'ai  voulu  tát»r  de  ce  ragout  tant  estime  &  si  peu 
estimable;  j^aimerois  mieux  manger  du  Grés.* 

«Si  1'ont  veut  leur  plaire,  it  faut  leur  donner  de  ces  Bu- 


in»mo  Cansubda,  Homens  de  Negocio  da  Mesa  do  Bem-Commuin  os 
mais  peritos  aic,  que  ha  de  ter  princípio  no  primeiro  de  janeiro  de  174i. 
I,i»boa,  na  Re^.  Offic.  typogr.  1785.  foi.  com  os  Addil.  de  Í774,  75e7Í'.As 
dilferentos  verbas  scbam-se  a  paa.  5,  40,  43,  5*,  65  e  67. 

1  Fr.  JoSq  de  S.  Joseph  do  Prado.  Monumento  tacTo  da  fabrica  1 
snlemnissima  sagraçáo  de  Mifra.  Lisboa,  175t;  inventario  do  thesouro, 
no  fim. 

mi  peça  de  thealro  (Comedia  sem/ama  :  com  o  amor  não  ha 
>a,  I7ir ' --■-     -    --"   ^-   *' -■-  " — 


jomhar.  Lisboa,  Í7L3)  encontrámos  citado  «púcaro  da  Maya  ou  de  Estre- 
"'ío  sabemos  de  nenhuma  citação  anterior  á  região  da  Mais. 


1 


273 


caros  (sic)  quVIles  nommcnt  Barros;  &  souvent  leurs  Confes- 
seurs  ne  leur  imposent  point  d^autrc  Peniiencc,  que  d'êtrc  un 
jour  sans  en  manger.  L'on  dit  qu''cllc  a  beaucoup  de  proprie- 
tez;  elle  ne  soufFre  point  le  Poison,  &  elle  guerit  de  p'usieurs 
maladies.  J'en  ai  une  grande  Tasse  qui  lient  une  Pinte ;  le  Vin 
n'y  vaut  rien,  l'eau  y  cst  excellente ;  il  semble  qu^elle  bouille 
quand  elle  est  dedans,  au  nioins  on  Pa  volt  agitée  &  qui  fris- 
sonne  (je  ne  sçai  si  cela  se  peut  dire)  mais  quand  on  Ty  laisse 
un  peu  de  temps,  la  Tasse  se  vuide  toute,  tant  cctte  Terre  est 
poreuse;  elle  scnt  fort  bon  ^ 

Em  ootras  parií*s  da  mesma  obra  diz-nos  a  celebre  es- 
criptora  que  os  púcaros  vinham  de  Portugal,  e  que  a  terra  si- 
gilata  revestia  ainda  outras  formas,  exportando-se  p.  ex.  grande 
numero  de  figas  de  barro  contra  o  mal  d'ojos^  que  era  também 
um  veneno  occulto  *.  Podiamos  ir  ainda  mais  longe  nVstas 
considerações,  mas  o  que  (ica  dito  parece  que  é  o  bastante  para 
a  historia  dos  costumes  da  sociedade  hispano -portugueza  da  se- 
gunda metade  do  sec.  xviii.  A  Tauta  do  Consulado  prova  que 
a  terra  sigilata  também  se  gastava  em  Portugal,  e  que  havia 
opilations^  superstições,  tolices,  etc,  !á  e  cá. 

Ainda,  em  aditamento  ás  noticias  de  Accursio  das  Neves, 
recordaremos  que  Volckmar  Machado  menciona  uma  fabrica 
de  azulejos  no  tempo  do  Marquez  de  Pombal  em  que  foi  em- 
pregado o  pintor  de  figura  Manoel  António  de  Góes,  pae  do 
artista  Bernardo  Antónia  de  Oliveira  Gocs,  discípulo  do  mesmo 
Cyrillo  5.  Seria  esta  fabrica  a  mesma  do  Rato^  ou  outra  ante- 


^  Madame  d'Âulnoy  (Comtesse).  Relation  du  voyage  d^Espagne.  La 
Haye,  1705,  vol.  lí,  pag.  i43.  Ai.»  edição  é  de  Í693.  A  amora  escreveu 
em  Hespanha  de  i678-168o:  a  sua  relação  ó  celebre  pela  abundância  e  au- 
thenticidade  das  suas  noticias. 

•  «Elle  (a  Duqueza  de  Terranova,  Camarera^mayor  da  Rainha) 
me  donna  aussi  des  Púcaros  de  Portugal ;  ce  sont  des  Vases  de  terre  sigelée., 

Í;amis  de  Filigraret.  Vol.  11,  pag.  i3^.  —  On  m*a  aussi  donné  de  fort  bel- 
es  coupes  de  terre  sigelée  ínas  casas  da  nobreza),  vol.  iii^  pag.  i2o. — Elle 
(uma  mulher  da  burguezia)  portait  son  enfant  sur  ses  bras^  11  est  d'une 
maígreur  afireuse:  il  avoit  plus  de  cent  petites  mains^  les  unes  de  geais,  les 
autres  de  terre  ciselée  (sic)  attachóes  á  son  col  &  sur  lui  de  tous  côtez.. . 
mais  le  remede  à  cela,  ce  sont  ces  petites  menottes  qui  viennent  d'ordinaire 
du  Portugal.  Vol.  n,  pag.  66  e  67 ;  ahi  mesmo  o  processo  do  esconjuro. 

'  Veja-se  a  lista  dos  azulejos  datados  e  assignados,  que  temos  des- 
cuberto  em  as  nossas  viagens  nas  províncias  de  Í870-Í882  :  Documento  xill 
da  Cerâmica  portugueza'  são  umas  20  datas  e  oito  assignaturas  inéditas : 
Francisco  de  Mattos,  1684; — Silva,  iôSy ;  — Gabriel  dei  Barco,  169?  ;  — 
António  de  Oliveira  Bernardes^  em  Braga,  sem  data ;  —  Polycarpo  de  OH- 


274 


rior  no  sitio  das  Olarias^  p.  ex.  aquella  que  occupava  os  artis- 
tas Nicolau  de  Freitas,  *Bartholomeu  Antunes  (1730  a  1742) 
Polycarpo  de  Oliveira  \  etc.  ? 

O  que  fica  provado  com  estes  apontamentos  é  a  necessi- 
dade de  novos  e  conscienciosos  estudos,  feitos  em  todas  as  di- 
recções, com  tempo  e  paciência.  Sobre  o  capitulo  de  Neves 
passaram  já  quasi  sessenta  annos;  temos  pois  obrigação  de  dar 
alguma  novidade,  reconhecendo  o  que  lhe  devemos,  e  confes- 
sando que  as  suas  informações  sobre  a  arte  contemporânea  são 
summamente  interessantes. 

A  fabrica  do  Rato  foi  fundada  em  1767,  e  assignadas  as 
condições  a  1  de  agosto  com  mestre  Thomaz  Brunetto,  natu- 
ral de  Turim  *;  era  contra-mesire  outro  italiano  José  Veroli  \ 
que,  separando-se  depois,  foi  estabelecer  uma  fabríra  em  Bel- 
las,  com  pouco  proveito,  até  que  acabou,  reinando  D«  Maria  i. 

D^^pois  de  fundada  a  do  Rato,  ievantou-se  a  de  outro 
italiano  Paulo  Paulete,  em  1769.  Um  alvará  de  21  de  junho 
concedia-lhe  grandes  privilégios,  promettendo  o  fundador  exce- 
der ainda  a  louça  que  vinha  de  tora. 

O  movimento  espalhou  se  pelas  províncias.  Domingos 
Vandelli,  o  celebre  naturalista  e  professor  da  Universidade,  eri- 
gia a  fabrica  de  Coimbra  em  1784,  «na  qual  se  fabricava  a 
melhor  faiança  que  temos  tido»;  em  1787  ainda  a  fabrica  ob- 
teve novos  privilégios  pelo  alvará  de  7  de  fevereiro,  e  Vandelli, 
animado  com  estes  favores,  veio  ao  Porto  fundar  a  fabrica  do 
Cavaquinho,  do  lado  de  Villa  Nova  de  Gaya,  que  chegou  a 
usar  do  titulo  de  aReal»,  trabalhando  com  náo  vulgar  esmero 
em  louça  de  pó  de  pedra  e  faiença.  Também  alli  se  fez  louça 

[)reta,  segundo  o  testemunho  de  Neves  ce  de  diSerentes  qua- 
idades». 

Náo  faltam  exemplares  pretos  na  exposição,  mas  sendo 
elles  copiados  de  padrões  estrangeiros  e  não  tendo  marcas  es- 


veira,  em  Vianna ;  —  Bartholomeu  Antunes,  nas  OUias  de  Lisboa,  i736- 
Í742;  —  Nicolau  de  Freitas,  sem  data,  ibidem; — João  Ferreira  Lima,176i, 
em  Braga. 

^    CoUecçâo  de  Memorias^  pag.  318,  na  sua  autobiographia. 

'    O  seu  monogramma,  decifrado  por  nós,  pela  primeira  vez,  foi 

Sublicado  na  nossa  lista  das  marcas  nacíonaes  n.*  i3;  v.  no  texto,  pag.  651, 
[evisía,  vol.  11  Sobre  as  marcas  da  cerâmica  antiga  portugue^^a,  O  n.«  12 
parece  ser  antes  um  F.  B.  e  concordar,  por  tanto^  com  as  marcas  n.^  1  e  2. 
*    A  i5  de  janeiro  de  178o  publicava*sc  amda  uma  Resolução  isen- 
tando de  direitos  quanto  aos  productos  e  matérias  primas  a  -fabrica  de 


275 


peciaes,  torna-se  difficil  classificalos,  a  não  ser  que  se  faça,  an- 
tes, a  analyse  chimica  de  um  rasoavel  numero  de  peças.  Para 
este  fim  seria  útil  que  as  pessoas  que  possuem  objectos  de 
louça  preta  antigos,  quebrados,  os  confiassem  á  commissão  or- 
ganisadora,  cujos  trabalhos  recomeçam  finda  a  exposição,  por- 
que  não  é  com  uma  tentativa,  nem  com  duas,  que  se  resolvem 
os  problemas  de  que  depende  o' futuro  da  olaria  portugueza. 

Neves  nSo  falia  com  grande  deferência  da  fabrica  do 
Rato: 

«Nunca  se  aperfeiçoou  esta  manufactura,  não  passando 
de  louça  vermelha,  e  de  uma  faiança  ordinária,  que  é  o  que  se 
fazia  na  fabrica  do  Rato ;  mas  não  deixou  de  ser  um  estabele- 
cimento importante,  pela  novidade,  e  pelo  grande  consumo 
doesta  louça.»  Elle  diz  que  a  louça  fina  continuava  a  vir  da 
Ásia,  e  alguma  da  Hollanda  e  França ;  até  a  louça  de  fogo  se 
importava  de  paizes  estrangeiros»-:— a  esta  situação  desgraçada 
não  tornámos  a  voltar,  felizmente ! 

Em  7  de  setembro  de  1770  a  direcção  da  fabrica  repre- 
sentava á  Junta  do  Commercio,  pedindo  novos  privilégios,  e 
exclusivos;  &  questão  do  preço  ainda  não  estava  resolvida;  a 
faiença  nacional  ainda  era  cara.  O  governo  concedeu  novos  fa- 
vores em  novembro,  e  apenas  a  louça  amarella  ingleza  foi  ad- 
mittida  nó  reino,  por  não  fazer  empate  á  nacional. 

Depois  d^isso  houve  alterações  de  pessoal ;  em  lugar  de 
Brunetto  entrou  Sebastião  Ignacío  de  Almeida  ';  a  Veroli 
succedeu  o  contramestre  Severino  José  da  Silva  (agosto  de 
1771).  Quatro  mezes  depois  tomou  Almeida  a  fabrica,  de  conta 
própria,  por  10  annos,  mas  logrou- a  por  pouco  tempo,  morren- 
do no  meio  de  um  considerável  alcance.  O  Thesouro  retomou 
a  direcção  em  1779,  e  em  1827,  época  em  que  Neves  escre- 
via, ainda  a  fabrica  de  louça  do  Rato  andava  ligada  á  das  se- 
das. O  inventario  carregado  a  Almeida  representava  já  reis 
i9:597i$336.  O  lucro  reaiisado  pela  fabrica  n^um  período  de  24 
annos  (desde  22  de  julho  de  1788  até  3i  de  dezembro  de  18I2), 
representava  I9:632íjii9  reis. 

De  22  de  julho  de  1788  até  3i  de  dezembro  de  1792 
houve  de  lucro:  2:983^9(421  réis. 

De  I  de  janeiro  de  1793  a  3o  de  junho  de  1797:  reis 
4:i8ii$544  réis  de  lucro. 


^    Sobre  o  monogramma  d'este  artista  temos  o  direito  de  repetir  o 
qae  dissemos  na  penúltima  nota  v.  loc,  cU,  pag.  631. 


í 


276 


Dei  de  julho  de  1797  a  3o  de  junho  de  1801 :  8:079)!b22 
reis  de  lucro. 

De  I  de  janeiro  até  3i  de  dezembro  de  18I2  um  anno: 
1:4271)664  réis  de  lucro. 

A  fabrica  teve  spenas  uma  epocs  florescente  depois  d'cste 
período,  devida  á  administração  de  João  Anastácio  Botelho; 
depois  houve  só  falta  de  critério,  experiências  mal  dirigidas  e 
falta  de  probidade  *. 

A  producção  do  Rato  nHo  impediu  o  estabelecimento  de 
outras  fabricas,  como  vimos.  O  marquez  de  Pombal  acceitoii 
iresmo  os  productos  de  uma  fabrica  do  Porto  (monogramma 
F.  N.  PORTOy,  porque  um  prato  do  snr.  A.  Moreira  Cabral 
(n."  14),  tem  as  armas  do  conde  de  Oeiras.  Neves  cita  ainda 
uma  outra  fabrica  perto  de  Lisboa,  na  Panasqueira,  junto  a 
Sacavém,  onde  se  fez  louça  de  fogo  delgada,  imitando  3  de 
Génova;  era  de  José  Anselmo  de  Aguiar.  Um  alvará  de  4  de 
outubro  de  1776  deu-lhe  o  privilegio  exclusivo  por  cinco  annos, 
com  o  fundamento  de  ser  processo  novo  de  fabrico  —  eiistii 
ainda  em  1827. 

O  nosso  autor  falia  também  das  tentativas  para  o  fabrico 
da  porcelana  pelos  nossos  parricios;  lembra-se  do  tenenie-ge- 
nersl  Bartholomeu  da  Costa  «que  chegou  a  fabricar  mui  bellas 

Êeças  d'esta  louça,  que  foram  apresentadas  á  senhora  rainha 
I.  Maria  1,  a  qual  náo  progrediu  por  falta  de  auxilies  *«.  Em 
seguida  menciona  a  fundação  de  José  Ferreira  Pinto  Basto,  inicia- 
da  com  operários  da  Saxonia,  tecendo  ao  proprietário  grandes 
elogios  ', 

Sobre  o  general  Costa  não  ha  mais  documento  do  que  duas 
peças  de  porcelana,  que  representam  a  estatua  de  D.  José,  com 


'  O  pessoal  da  fabrica  de  louça  compunha -se  em  i827  das  seguin- 
tes T)cssoa5:  I  caixeiro  e  escripiurario;  i  avaliador:  i  Rei  do  armazém; 
I  caixeiro  e  i  servente  na  loja  da  Rua  bclla  da  Rainha;  6  ofliciaes  de  pia- 
tura  ;  K  ditos  de  olaria  ;  2  dos  fornos;  4  de  aviarncnto;  4  aprendizes;  4for- 
neiros;  10  serventes  e  z  carreiro;.  Total  41  empregados.  (Neves,  Noções 
pap.  Jui"), 

^  Esta  expressão,  'ttiui  bellas  pe^as»,  rccorda-nos  o  serviço  de  cM 
de  porcelana  com  os  relratos  de  D.  Mana  i  e  D.  Pedro  ni.  que  esteve  n» 
Kxposiçãi)  V,  Cat.  n."  io9  e  tio,  na  Revista  pap,  63!. 

"  A  noticia  é  confirmada  na  memoria  de  Marques  Gomes  A  Vista 
Alegre-  Porto,  i883.  pag.  27.  O  dono  mandou  vir  três  allemães,  em  1816, 
sendo  o  mais  hábil  José  Scõrder;  mas  a  descoberta  do  kaoliao  íbi  feita  só 
em  1S34,  por  um  aprendiz  oleiro,  portuguez:  Luii  Pereira  Capote,  falle- 
cido  em  1870. 


^ 


277 


uma  tnscripqSo  segundo  a  qual  Costa  descobriria  o  segredo  do 
fabrico  quando  ideiava  a  fundição  da  estatua  (1773). 

Estas  relíquias  veem-se  no  gabinete  de  medalhas  de  el-rei 
D.  Luiz.  Como  obras  de  arte  o  seu  valor  é  pequeno  ^ 

Sobre  a  historia  das  tentativas  de  Bartholomeu  da  Costa 
nada  ha  escripto;  por  isso  talvez  sejam  Hdas,  com  interesse,  as 
seguintes  noticias : 

Ratton,  faltando  dos  trabalhos  da  Estatua  equestre  de  D. 
José  em  Lisboa,  conta  o  modo  como  o  general  Costa  aprovei- 
tou os  elementos  que  existiam  na  corte,  «o  qual  teve  também 
a  felicidade  de  achar  já  no  Arcenal  Real  do  exercito  hum  forno 
de  reverbero,  e  de  suflSciente  capacidade,  construído  em  17Õ1 
ou  1762  por  hum  Francez  chamado  Drouet,  que  por  ordem  do 
Governo  tinha  andado  pelas  provindas  em  busca  de  argila  re- 
fractária até  então  desconhecida  no  Reino;  pois  que  se  usava 
dos  tijolos  ordinários  na  construcção  dos  fornos  de  fundição, 
com  o  inconveniente  de  ser  preciso  hum  novo  forno  para  cada 
fundição. 

«Esta  argila  foi  descoberta  junto  do  Rio  Vouga  nas  visi- 
nhanças  de  Aveiro;  e  al!i  estabeleceo  o  dito. Drouet  fornos  e 
fabrica  de  tijolos  refractários,  que  já  não  existe,  nem  talvez  ne- 
nhuma das  pessoas  que  nisso  foram  empregadas,  pelo  muito 
tempo  que  tem  decorrido.  Eu  me^mo  mandei  vir  para  meu  uso 
d^aquelle  barro,  e  achei  que  dava  exactamente  os  mesmos  re- 
sultados». (Recordaçoens  pag.  3o8). 

Esta  noticia  e  outras  que  Ratton  (cujo  caracter  honrado 
e  cuja  illustração  é  conhecida)  nos  communica,  lançam  uma  luz 
pouco  favorável  sobre  a  pretendida  descoberta  de  Costa,  feita 
cm  1773,  onze  annos  depois  dos  trabalhos  de  Drouet  em 
Aveiro  *.   Só  passados  oitenta  e  tantos  annos  (1834)  é  quefoi 


^  São,  verdadeiramente,  três  espécimens:  dous  quadrinhos,  (um 
maior  e  outro  menor)  e  uma  medalha^  o,78  mill.  Teixeira  de  Aragão  não 
descreve  o  quadrínho  menor  (52  mill.  sobre  39;  tem  na  frente  as  armas 
reaes,e  a  inscripçâo  Lisboa  1773;  no  verso,  uma  car/ouc/ie  de  escylo  rococo 
com  a  inscripçâo  DESCUBER  |  TO  PEkO  |  THEN.»  CORO  |  NEL  BAR  | 
TH  JLOMEIu  I  DA  COS  |  TA.  Vide  o  oue  dissemos  sobre  estas  amostras, 
retro  pag.  73-74.  Vide  também  a  medalha  de  Rapozo^  Revista  vol.  11  pag. 
649,  que  nos  parece  ser  uma  das  primeiras  peças  de  ensaio  da  fabrica  da 
Vista  Alejgre;  em  1834  (data  d*esta  medalha  de  Rapozo,  havia-se  descober- 
to o  kaolmo  da  Vista  Alegre  (Vai  Rico),  Marques  Gomes,  Op.  cit.  pag.  20. 

'  «Foi  o  dito  Drouet  author  de  muitos  inventos  n'aquelle  Arcenai, 
como  tornos  para  brocar,  e  tornear  as  peças  horizontalmente,  carros  ro- 
dando sobre  vigas  horizontaes,  e  levantados  acima  do  chão,  por  meio  dos 


278 


descoberto  o  jazigo  de  Vai  Rico  (concelho  da  Feira),  ficando 
esquecida  a  passagem  de  Ratton  e  as  advertências  de  Vandelli, 
que  indicava  em  1789  a  lista  dos  ja/igos  deargillas  nadonaes! 

Accursio  das  Neves  também  não  teve  conhecimento  das 
importantes  descobertas  de  outro  patricío  nosso,  nò  BraziL 

João  Manso  Pereira,  professor  régio  no  Rio  de  Janeiro, 
não  só  fabricou  no  Brazil  excellente  porcelana,  com  perfeito 
conhecimento  do  fabrico  do  material  estrangeiro,  mas  obteve  a 
5  de  settmbro  de  1793  uma  provisão  régia  com  o  privilegio 
para  o  fabrico  da  obra  de  Saxonia  e  de  Sèvres  no  Brazil,  como 
premio  de  experiências  anteriores,  e  da  descoberta  de  grandes 
jazigOH  de  verdadeiro  kaolino^  a  que  no  Brazil  chamavam  Ta- 
batinga  *. 

Esta  argilla,  de  que  Neves  também  não  teve  noticia,  era 
já  muito  conhecida  de  Vandelli,  que  diz  o  seguinte,  {SMemorías 
económicas  da  Academia.  Lisboa  1789.  vol.  i  pag.  2o5):  «A. 
argilla  branca  ou  bollo  branco  {2/lrgiíía  bolus  alba)  chamada 
Tabatinga  se  encontra  em  varias  partes  do  Brazil,  e  pnnci- 
palmente  no  Pará,  como  também  o  Bollo  encarnado». 

•N'outra  SMemoria  diz  o  mesmo  autor  a  pag.  179.  «O 
espato  fusivel,  ou  Feltspat^  acha-se  frequentemente  em  varias 
partes  da  Serra  da  Estrella,  do  qual  misturado  com  argilla 
branca,  mandei  fazer  amostras  de  porcelana  bem  transparen- 
tes^ por  ser  este  o  mesmo  material  que  entra  na  de  Saxonia.» 

Aqui  temos  pois  uma  referencia  á  Tabatinga  de  João 
Manso  Pereira,  e  uma  affirmação  muito  positiva  de  se  haver 
feito  porcelana  em  Coimbra ! 

Finalmente,  a  pag.  182  insiste  o  mesmo  autor:  «Também 
são  frequentes  as  argillas^  que  preparadas  servem  para  fa^er 


^uaes  se  tiravão  as  peças  dâscovas^.e  se  transportavfio  a  outros  lagares 
ae  cujos  inventos  se  aproveitou  Bartholomeo  da  Costa,  para  tirar,  e  trans« 
portar  a  estatua  fora  do  Arcenal;  mas  intrigas  entre  Bartholomeu  da  Costa 
e  o  dito  Drouet  desgostarão  este  ultimo  ao  ponto  de  se  retirar  para  Veneza» . 
E  mais  adiante, confrontando  a  sorte  do  esculptor  e  do  fundidor:  «He  coiisa 
digna  de  se  notar  que  pertencendo  a  Joaquim  Machado  a  invenção,  dese- 
nho^ modelo  em  pequeno,  e  em  grande  da  dita'  estatua^  e  a  Bartholomeo 
somente  a  fundição  em  que  íoi  feliz,  recahisse  toda  a  gloria  e  até  recom- 
pensas n'este  ultimo,  como  se  vê  da  inscrípçáo  que  se  acha  no  Pedestait 
(pag.  309). 

^  Descubrimos  finalmente  um  producto  do  fabrico  de  Pereira.  V. 
retro  a  noticia  sobre  o  camapheu  do  snr.  dr.  Pedro  Dias  pag.  73.  A  (SVe- 
unoria  de  Pereira  foi  publicada  integralmente  no  vol  n  d'esia  Revista,  assim 
como  a  Provisão  Regia  de  Í793,  e  uma  extensa  noticia  bibliographica  so- 
bre os  três  volumes:  a  Arte  do  louceiro,  de  louça  vidrada,  e  de  poretíanã. 


279 


porcelana,  algumas  das  quaes  precizão  do  espoat  que  fusivel, 
se  acha  em  abundância  na  Serra  da  Estrelia.  Em  Soure,  alem 
de  muita  quantidade  de  bolo  branco,  e  encarnado,  temos  argil- 
las  para  fazer  cadinhos,  e  outros  vazos  chymicos,  e  outra  junto 
a  Coimbra  para  fazer  louça,  que  resiste  ao  fogo».  Ora  foi  pre- 
cisamente nas  proximidades  de  Soure  (minas  d^Alencarce)  que 
o  snr.  Francisco  Lourenço  Tavares  de  Ornellas  descobriu  ha 
pouco  tempo  jazigos  de  excellente  kaolino. 

Todos  estes  trabalhos  em  pontos  tão  remotos,  tn^  Lisboa 
e  Aveiro  por  Drouet,  cm  Lisboa  por  Costa,  em  Coimbra  por 
Vandelli,  no  Brazil  por  Manso  Pereira,  são  consequências  do 
impulso  que  o  Marquez  de  Pombal  deu  á  industria  nacional. 
O  beneficio  era  tão  evidente,  que  até  o  governo  reaccionário  de 
D.  Maria  i,  inspirado  pelos  inimigos  mais  implacáveis  do  mar- 
quez,  se  viu  obrigado  a  continuar  no  caminho  traçado  pelo  ce- 
lebre estadista,  como  se  vê  pelo  privilegio  concedido  ao  intelli- 
gente  professor  do  Rio  de  Janeiro.  Pereira  publicou  três  annos 
depois  uma  memoria  muito  interessante  dos  seus  trabalhos,  a 
qual  foi  novamente  impressa  em  1806  na  Arte  da  porcelana. 
Tanto  este  compendio,  como  a  provisão  régia,  estão  sepultados 
no  olvido.  Ambos  os  documentos  (provisão  e  memoria)  serão 
reimpressos  na  •  Revista  da  Sociedade  de  Instrucção»,  que  dará 
também  uma  noticia  dos  outros  tratados  portuguezes:  Arte 
do  louceiro,  Lisboa,  1804,  e  Arte^de  louça  vidrada^  Lisboa,  1806. 

Tudo  está  esquecido  ^ ! 

Como  vimos,  a  fabrica  do  Rato  não  tinha  o  privilegio 
exclusivo  do  fabrico  de  louca,  nem  o  direito  de  usar  exclusiva- 
mente  o  titulo  de  Real  ou  Nacional,  porque  a  qualquer  das 
duas  denominações  competiam  importantes  regalias.  O  fabrico 
cspalhou-se  por  todo  o  paiz. 

Na  obra  citada,  Accursio  das  Neves  menciona  as  fabricas 
do  Rato,  de  Bellas,  da  Panasqueira  (Sacavém),  Coimbra  (Van- 
delli), Cavaquinho  (Villa  Nova  de  Gaya)  e  a  fabrica  de  Paulo 
Pauíete  (Lisboa),  mas  em  outra  obra  apresenta  uma  lista  de 
trinta  e  três  *.  Como  é  que  tudo  isto  se  esqueceu  ?  Como  é 
que  deixamos  correr  assim  tudo,  á  revelia,  todas  as  tradições 
do  trabalho  nacional,  tudo  aquillo  que  podia  inspirar  á  actual 


1    Os  documentos  foram,  com  effeito,  publicados.  V.  a  nota  anterior. 

>  ^Variedades  sobre  objectos  relativos  ás  artes,  commercio  e  manu" 
facturas^  ètc.  Lisboa.  1814-1817.  2  vol.  A  lista  já  foi  publicada  por  nós. 
Revista,  voL  n.  Docum.  ir. 


28o 


geração  operaria  o  brio,  o  amor  pelo  officio  e  o  amor  pelo  paiz  ? 
róis  não  é  isto  também  uma  genealogia ;  não  são  isto  também 
citulos  de  nobreza  ?  Aonde  se  ensina  a  historia  da  industria 
portugueza  ?  Quem  diz  ao  operário  o  que  elle  fez,  como  elle 
progrediu,  e  lhe  explica  os  motivos  porque  tantos  ramos  d^essa 
arvore  cahem  sêccos  sobre  o  solo  exbausto  ? 

Fazer  exposições  não  basta;  isso  pôde  ser  muitas  vezes, 
simplesmente,  a  causa  de  enorme  dispêndio,  a  causa  de  um 
prbtundo  desalento,  quando  ao  lado  das  grandezas  do  passado 
se  descobrem  as  misérias  do  preseiíte ;  então  não  ha  conforto, 
ha  desanimo,  mormente  quando  a  sciencia  dos  sábios  se  con- 
serva muda  diante  d*esses  objectos,  e  ninguém  decifra  o  enigma, 
ninguém  dá  a  chave  para  uma  solução  clara,  quando,  em  sum- 
ma,  não  ha  lição.  Ora  ninguém  p6de  negar  á  presente  exposi- 
ção o  caracter  eminentemente  prático,  a  utilidade  immediata; 
sobre  i>to  não  ha  senão  uma  opinião,  no  publico. 

As  analyses  das  matérias  primas,  a  discussão  no  congres- 
so, as  conferencias,  os  modelos  estrangeiros,  desenhados  pelos 
maiores  mestres  -« tudo  ha-de  produzir  luz ;  os  padrões  emi- 
nentemente nacionaes— a  arte  das  aldeias;  e  os  padrões  da  ci- 
dade: a  iniciativa  mais  ousada  que  nos  ha-de  libertar  do  ex- 
plorador estrangeiro.  As  obras  do  passado,  mesmo,  estão  alli 
como  um  elemento  indispensável  de  estudo,  para  orientação, 
em  boa  ordem,  em  fileiras  cerradas,  e  entre  o  passado  e  o  pre- 
sente uma  ligação  clara,  ao  menos,  uma  ligação  de  um  valor 
incalculável,  a  olaria  rústica  das  aldeias;  formas  de  uma  pu- 
reza admirável,  uma  variedade  que  parece  não  ter  limites,  uma 
execução  que  deslumbra  com  os  meios  mais  simples,  com  a 
ferramenta  mais  modesta,  mais  pobre.  O  publico  parece  ter  o 
sentimento  de  que  alli  se  faz  alguma  cousa  de  extraordidario, 
porque  se  agrupa,  se  apinha  em  torno  da  roda  do  oleiro,  em 
crescente  admiração. 

E^  nossa  convicção  que  esse  oleiro  ainda  é  capaz  de  fa- 
zer tudo  quanto  os  seus  antepassados,  no  ofiScio,  fizeram;  os 
azulejos  deslumbrantes,  as  louças  delicadas,  as  taças,  pratos, 
canecas  e  cestos  de  faiença.  O  que  se  vê  nos  cinco  armários  de 
louça  portugueza  (A-E)  é  o  producto  de  uma  gereção  apenas, 
com  excepção  de  poucas  peças  do  século  xvii.  A  assimilação 
dos  padrões  estrangeiros,  principalmente  dos  francezes,  no  sé- 
culo passado,  fez-se  rapidamente.  O  operário  portuguez  imita 
com  facilidade;  tem  uma  percepção  rápida ;  é  applicado  ao  tra- 
balho, e  modesto,  pelo  rigor  das  circumstancias,  porque  nunca 
chegou  a  medir  aproximadamente  as  suas  forças.  Aquillo  que 


28l 


as  nossas  fabricas  do  século  passado  fizeram,  não  é  questão  de 
espanto.  Já  dissemos  em  outra  occasião  que  o  valor  dos  pro« 
duetos  do  Rato  tem  sido  muito  exaggerado ;  que  esta  fabrica 
nunca  passou  de  uma  produção  mediana,  de  faiença  de  se- 
cunda ordem,  e  que  ao  lado  d'ella  ha  outras  fabricas  que  téem 
Igual  direito  á  nossa  attenção.  Esta  opinião,  formulada  ha  tem- 
pos, foi  plenamente  confirmada  na  exposição. 

iOm^néa.)  JoAQDIM  DE  VaSCONCBLLOS. 


CATALOGUE  DES  INSECTES  DU  PORTUGAL 

(Confclnnaçlo,  vld.  paf .  Sil) 
(hatmm  OA&CINOPS  MAB8BUL 

733.    O.  minima  Aubô. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p.  90,  pi.  8,  n.  12,  f.  3. 

Bragança  1,  Coimbra!. 


Qmnn  PÂROKALt»  8BI0HS0M 

734*  .  P.  complanatus  Paxiz. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  z855,  p.  109,  pL  8^  n.  23,  f.  3. 

Un  individu  pris  par  Mr.  C.  v.  Volxem. 

735.  P.  parallellpipedus  Herbst. 

An.  Soe.  Ent.  Fr,,  i855^  p.  116,  pi.  8,  n.  a3,  f.  9. 

Bussacol,  Mafra  (C.  v.  Volxem!}. 

736.  P.  flaviooniis  Herbst. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  M5,  p.  117,  pi.  8,  n.  23,  f.  10. 

Vlzellal,  Bussacol. 

GmniB  TRIBALUS  BRIOHSOH 

737.  T.  soapliidiformis  nilff. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p^  iSy,  pi.  9,  n.  3i,  f.  3. 
Coimbra !. 

BITISTA  DA  SOCIBDAOB  DB  INSTRUGCÃO  DO  PORTO.  19 


/ 


282 


Gnu  SAPB1HU8  BRI0H80M 


738.  8.  omolatiis  F. 

Ân.  Soe.  Bnt  Fr,  iS55,  p.  354,  pl«  i^i  f-  >• 

Je  possède  un  indívidu  que  jc  crois  le  premier  découvcrt 
dana  Ic  contincnt  européen. 

739.  8.  Bemlpiinotatas  F. 

An.  Soe.  BnU  Fr.  iB5S,  p.  377,  pi,  16,  £  ao. 

Faro  I,  Leiria !,  Tavira  et  Villa  Real  (C.  v.  Volxcm  f). 

740.  a  niger  Mota. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i86a,  p.  45o,  pi.  ia,  f.  11. 

Azambuja  (J.  Antunes !),  Tavira  (C.  v.  Volxeoi !). 

741.  8.  detenus  Hl. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.,  i855,  p.  396.  pi.  16,  L  35. 
Marinha  Grande  I. 

742.  8.  nitidaliiB  Payk. 

An.  Soe.  Ent.  fV.,  i855,  p.  40a,  pi.  17,  f.  4a 

Espinho!,  Azambuja  (J.  Antunes I),  Farol,  Tavira  et 
Villa  Real  (C.  v.  Volxem !). 

V.  minor. 

Espinho!,  Lisboa  (Heydenl). 

743.  S.  oonoixmuB  Uotsob. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p.  400,  pi.  i7,  f.  39  et  1862  p.453,  pL  iS,  f.  14. 
Espinho !. 

744.  S.  subnitidus  Uars?. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p.  404,  pi.  i7,  f.  4i. 

Espinho  1. 

J^ai  pris  un  seul  individu  avec  la  strie  humerale  et  sub- 
humerale  réunies ;  la  fosse  laterale  et  inférieure  des  bonis  du 
corselet  ne  sont  pas  ruguleusement  ponctuées.  Malgré  ces  diffé- 
^^^^-  :-  ^-ois  qu'il  appartient  á  cctte  espèce. 


283 


745.  S.  Algerions  Payk. 

Air.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p.  405,  pi.  i7,  í.  43. 

Mentionné  du  Portugal  par  Mr.  Marseul. 

746.  S.  flirvas  Er. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  z855,  p.  406,  pi.  i7,  f.  43. 

Du  Portugal  d'après  Mr.  Marbcul. 

747.  S.  speotilifer  Lat. 

Ân.  Soe.  Ent,  Fr.  i855,  p.  411,  pi.  I7,  f.  47. 

Guarda!,  Espinho!,  Coimbra  (L.  v.  HeyJcnf),  Azam- 
buja (J.  Antunes!),  Villa  Real*. 

Un  individu  pris  dans  la  Guarda  possède  une  couleur 
très-foncée. 

748.  S.  aeneus  F. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i833^  p.  4x3,  pi.  17,  f.  48. 

Gercz  (L.  v.  Heyden  I). 

Je  possède  un  individu  d'un  vcrt  métallique  avec  la  base 
de  la  troibième  inter.Ntric  as.^tz  ponciuée  ce  qui  le  rapproche 
du  prasinus  Er.,  mais  la  diver^^ence  des  strics  prostcrnales  ne 
pernnettent  pas  de  le  séparer  de  Yaenetis  F. 

749.  S.  ohaloitis  lU. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i835,  p.  445,  pi.  18,  f.  7r. 

Faro!,  Villa  Real!,  Tavira  et  Portimão  (G.  v.  Volxeml). 
A  Espinho  pai  pris  un  individu  d^un  noir  de  poix. 

750.  S.  Uooquersli  Mars. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  1862^  p.  489^  et  i858  p.  687,  pi.  19,  f.  129  seus 
le  noro  de  aemulus  Mars. 

Indique  du  Portugal  dans  le  Catalogue  Stein. 

751.  S.  spretolus  Er. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  1862,  p.  486»  pi.  i7,  f.  43. 

Cite  du  Portugal  par  Mr.  Marseul. 


284 


752.  S.  aemnluB  Hl. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  1862,  p.  488,  pi.  17,  f.  45. 

D^après  Mr.  Marseul  il  appartient  à  notre  faune. 

753.  S.  mflpes  Payk. 

^n.  80c.  Ent.  Pr.  i855,  p.  692,  pi.  19,  f.  i33. 

Tavira  (C.  v.  Volxcml). 

V.  arenarius  SMars. 
L.  c,  p.  691,  pi.  19,  f.  i32. 

Je  possède  deux  indívidus  du  Portugal. 

754.  S.  oonjtmgens  Payk. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  zSSS,  p.  694,  pL  19,  f.  i35. 

Tavira  (C.  v.  Volxcm !). 

755.  S.  maxitixiiiiB  Steph. 

S.  sabuíosus  Fairm.  Q4n.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p- 7149  pi  20,  f.  i5o. 

Leça!,  Espinho!. 

La  ponctuation  des  élytres  est  souvent  bien  pios  étendoe 
que  dans  la  figure  de  la  monographie  de  Mr.  Marseul. 

756.  S.  orasalpeB  Er. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p.  717,  pi.  20,  f.  i5a. 
Espinho  I. 

757.  S.  mgifSroxis  Payk. 

An.  80c.  Ent.  Fr.  i853,  p.  721,  pi.  820,  f.  155. 

Espinho  I,  PortimSo  (C.  v.  Volxeml). 

758.  S.  metallions  Herbst. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  pi.  20,  f.  i56. 

Du  Portugal  d'après  Mr.  Marseul. 


285 


759.  S.  aprioarius  Er. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p.  725,  pi.  20^  n.  38,  f.  i58. 

Espinho!,  Leçal. 

760.  8.  dimidiatus  lU. 

Ân.  Soe.  Ent.  Fr.  i855,  p.  73o,  pi.  20^  f.  162. 

Portimão  (G.  v.  Volxem!). 

QuBB  GMATHONOUS  DUVAL 

761.  G.  rotondatiis  Eug. 

An.  Soe.  Ení.  Fr.  i855,  p.  3o3,  pi.  19,  f.  119. 

Gté  du  Portugal  dans  le  Gatalc^ue  de  Haroid. 

Qbvbb  tbbbtrius  briobson 

762.  T.  piolpes  F. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i856,  p.  i36,  pi.  3,  f.  4. 

Du  Portugal  d^après  Mr.  Marseul. 

OuBi  ONTHOPHILUS  LBAOH 

763.  O.  ezaratuB  Hl. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i856,  p.  555,  pi.  ix,  n.  40,  f.  2. 

Guardai,  Bragança!,  Leça!. 

764.  O.  striatns  Fouro. 

An.  Soe.  Ent.  Fr.  i856|  p.  560|  pi.  11,  a*  40,  f.  5. 

Coimbra !,  Leça  !• 

GuEB  AOBITUS  LBOONTB 

765.  A.  minutas  Herbst. 

An.  Soe.  Eni.  Fr.  i856,  p.  6x4,  pi.  14,  n.  43,  f.  i3. 

Coimbra!. 


286 


PHALACRIDAE 

Qemkb  PHALACBUS  PAYKULL 

766.  P.  oorrasous  Payk. 

ErLh.  Nat.  Ins.  Deut.  iii,  p.  no. 
Coimbra!,  Serra  de  Rebordaos!,  ViaeUal,  Bragança!. 

GUKB  TOLTPHUS  ERIOBSOM 

767.  T.  grsuitilatus  Quer. 

Gutr,  Ic.  'Keg,  a«.  p.  315,  pi.  5o,  f.  6. 
Coimbra!. 

Gkiikk  OLIBKUS  ERIGUSON 

768.  o.  oortioalis  Panz. 

Erkh,  JSÍat.  Ins.  Deut.  iii,  p.  !15. 
Bra^nnca !. 

769.  O.  aenesoens  Kust  ^ 

Kust.  Kaf.  Eur.  25,  6o. 
Felgneirasl,  Guaida  (L   v.  HeyJenJ!). 

770.  O.  aeneus  P. 

Erichs.  Nat.  Ins,  Deut.  ui,  p.  ii5. 
Guarda!,  Estarreja!. 

771 .  O.  bicolor  P. 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  iii,  p.  1 16. 
Guarda  (L.  v.  HeydenI). 

772.  O.  bimaoulatus  Kust. 

Kust.  Kaf.  Eur.  \\  26. 
Guaida!  (L.  v.  HeydenI). 


1    Jc  dois  à  Mr.  L.  v.  Hcydrn  la  dcterminaiion  Jç  ccitc  espèce,  de 
Xatneus  et  Hquidus. 


287 


773.    O.  liquidas  Er. 

Erichs,  J^at.  Ins.  Deui.  m,  p.  117. 

Serra  de   Rebordaos!,   Fcigueiral,   Espinho!,  Vizella!, 
Aveiro  (L.  v.  Hcyden !). 

IIA.    O.  pygmaeos  Sturm. 

Sturm.  Ins.  Deui.  ii«  p.  84,  pi.  32,  f.  6. 

Guarda  (L.  v.  Heyden !). 

« 

775.  S.  geminas  Hl. 

Er.  Nai.  Ins.  Deut.  m,  p.  Í20. 
Coimbra!,  Espinho!,  Estarreja!. 

NITIDULARLE 

BRACHYPTERINI 

GuiBB  OBROUS  LATBEILLB 

776.  O.  pedionlETias. 

éMurray.  £Mon.  p.  aSi,  pi.  38,  f.  i. 

Coimbra  I. 

GnniB  BRAOHTPTBRUS  KUQELAMN 

777.  B.  pubesoens  Er. 

Murray.  Mon.  p.  240. 
Guarda!,  Valle  d' Azares!,  Felgueiral. 

778.  B.  imioolor  Eust. 

Murray.  éMon,  p.  241. 
Farol.  - 

779.  B.  Urttcae  P.  * 

Murray.  Mon.  p.  242. 
Farol. 


^    Dans  sen  Ent.  Qifise  etc.  Mr.  L.  v.  Heyden  mentionne  de  la 
Guarda  une  espéce  prochatne  du  Brachypterus  linarw  Steph, 


288 

780.  B.  TOBtitas  KÍ68W. 

An.  Soe.  EiU.  Fr.  i85i,  p.  378. 

Coimbra I,  Bragança!. 

781.  B.  oinereiís  Heer. 

Briche.  Nai.  Ins.  Deui.  lu,  p.  i3i. 

CcdaesI,  Douro  I,  Bussaco!,  Serra  d^CstreUa  (L.  v.  Hey< 
denl),  Guardai. 

CARPOPUIUNI 

Qmmmn  OABPOPHILUS  LBAOB 

782.  O.  bemiptertis  L. 

éMurray.  Mon.  p.  36a^  pi.  32,  f.  lo. 

Coimbra!,  Évora I. 

783.  O.  blpostulatas  Heer. 

Murray.  Mon.  p.  364. 

Coimbra !. 

784.  O.  sexpustalatns  F. 

Murray.  Mon.  p.  386. 
Bussaco  I. 

NITIDULINI 

GnniB  BPUBAEA  EBIOH80M 

785.  E.  deoemgattata  F. 

Ericks.  Nat.  Ins.  *2>eut.  m,  p.  141. 
Douro !. 

786.  E.  tennixialis  Mannli. 

Bui.  Mote.  1843,  p.  95. 
Vizella!,  Serra  de  Monchique!. 

(OHKiii^a).  D,^^  Manoel  Paulino  de  Oliveira. 


289 


CONFERENCIA  SOBRE  O  SAHARA 
o  QUE  É;  o  QUE  foi;  o  que  será 

Diz-se  que  «o  pensamento  revolve  o  mundo*.  E  na  ver- 
dade depois  que  se  deixou  de  assignar  como  causa  suprema 
de  todo  o  phenomeno  Deus  ou  a  Natureza  a  propósito  da  qual 
de  Maistre  fazia  a  seguinte  e  espirituosa  pergunta:  cQuem  é  essa 
mulher?»;  o  homem  abandonou  os  sonhos  fetichistos,  os  dogmas 
theologicos,  as  subtilezas  metaphysicas  e  o  espirito  antigo,  fra- 
desço,  retrogrado,  encrustado  nos  Te-^eum  e  nos  ^iserere^  ce- 
deu o  lugar  ao  espirito  novo,  audacioso,  investigador,  que  estuda 
a  estructura  do  granito  e  da  aza  da  borboleta,  a  composição  de 
um  grão  de  poeira  e  do  cérebro  do  homem,  a  génese  cia  flor 
e  da  estrella,  o  mundo  de  seres  vivos  que  encerra  uma  gota 
de  agua  e  os  soes  que  abrange  uma  nebulosa. 

Não  ha  5o  annos,  diz  Georges  Hanno,  que  a  Bíblia  e  os 
Poemas  de  Homero  eram  os  únicos  monumentos  que  nos  fal- 
tavam do  mais  remoto  passado.  Dir-se-hiam  dous  pharoes  iso- 
lados que  projectavam  uma  luz  turva  e  incerta  soore  o  vasto 
mar  da  Historia.  Em  volta  d^elles  agrupavam-se  vagas  tradi- 
ções, contos  fabulosos  ou  mythologicos,  que  não  passavam  de 
pálidos  reflexos,  imagens  coloridas  e  deformadas  das  recorda- 
ções dos  tempos  que  já  lá  vão  ^. 

E  nós  todos  acreditávamos  piamente  que  Deus  creou 
Adão ;  que  uma  costella  doeste  se  metamofphoseára  em  Eva; 

3U&  nós  descendíamos  de  Adão  e  Eva  por  Noé;  e  que  este 
lustre  patriarcha  tivera  três  fílhos,  Sem,  Cham  e  Japhet,  o 
primeiro  dos  quaes  povoara  a  Ásia,  o  segundo  a  Africa  e  o 
ultimo  a  Europa. 

Esta  concepção  mosaica  foi  pela  primeira  vez  abalada 
em  1492  pela  descoberta  da  America  por  Chistovão  Colombo 
e  mais  tarde  pela  descoberta  da  Austrália  e  das  numerosas 
ilhas  da  Oceania.  Na  America  encontraram-se  mesmo  vestígios 
de  uma  civilisação  tão  antiga  que  os  próprios  indígenas  não 
conservavam  recordação  alguma  d'ella. 

Como  conciliar  estes  dados  com  a  theoria  mosaica?  A 
explicação  era  simples :  Moysés  não  era  forte  em  geojgraphía 
e  como  conhecia  apenas  Europa,  Ásia  e  Africa,  o  sabio  legis- 


Georges  Hanno,  Les  viíles  retrouvéeSy  p.  i63.  i88i. 


290 


lador  dos  hebreus  entendeu  que  bastava  Noé  ter  três  filhos, 
para  povoar  estas  três  partes  do  mundo.  Mas  deixou-se  esta 
explicação  natural,  porque  dizer  que  Moysés  não  sabia  da  exis- 
tência da  America  e  da  Oceania  era  avançar  uma  heresia,  im- 
portava o  mesmo  c}ue  affirmar  implicitamente  a  ignorância  de 
Jehovah.  Foi  por  isso  que  se  inventou  uma  emigração,  phan- 
tasiou-se,  chegou-se  mesmo  a  traçar  o  caminho  que  seguiram 
as  tribus  da  Ásia  na  sua  viagení  para  a  America  e  para  a 
Oceania  e  admittiu-se,  embora  sem  provas  baseadas  em  dados 
seguros,  que  ellas  passaram  para  a  America  pelo  estreito  de 
Benring  quando  era  isthmo,  e  para  a  Oceania  pelo  archipelago 
das  ilhas  de  Sonda. 

Um  dia,  porém,  ChampoUion,  apóz  um  esforço  tenaz  e 
persistente,  consegue  decifrar  os  gerogliphos  da  pedra  de  Ro- 
seta. E  a  chronologia  do  paiz  das  pyramidas  faz  a  terra  mais 
velha  do  que  suppunha  Moysés.  O  estudo  da  litteratura  da 
índia  e  da  China  e  da  interpretação  da  escriptura  cuneiforme 
vem  corroborar  esta  conclusão.  Á  theoria  mosaica,  porém,  re- 
siste a  este  novo  golpe  dizendo,  não  sem  pisos  de  peraade^  como 
affirma  Lefèvre,  que  essa  chronologia  é  falsa  porque  havia  sido 
dictada  pelo  sentimento  da  vaidade  nacional. 

Mas  quando  o  estudo  das  sciencias  physicas  e  naturaes 
tornou  o  nosso  espirito  positivo  e  pratico,  a  biblia  de  Moysés 
e  os  poemas  de  Homero  perderam  o  valor,  a  importância,  a 
veneração  que  os  antigos  Ines  tributavam ;  e  nós,  em  vez  de 
consultarmos  o  primeiro  d^esses  dous  livros  para  sabermos  a 
genealogia  do  género  humano,  em  vez  de  nos  entretermos  com 
a  leitura  da  historia  cómica  de  Noé  e  da  sua  arca,  em  vez  de 
pararmos  assombrados  perante  a  magica  separação  das  aguas 
do  mar  Vermelho,  ou  a  trágica  queda  das  muralhas  de  Gencho 
ao  som  da  trombeta  de  Josué; — interrogamos  as  Palafittas 
da  Suissa  e  da  Itália,  os  korgans  da  Sibéria,  os  Nuraghi  da 
Sardenha,  os  Cromlech  de  Du  Thus,  o  Menhir  de  Lock-maria- 
ker,  a  Gruta  funerária  de  Grav'  Innis,  os  Túmulos  megalithi- 
cos  da  índia,  os  Silex  terciários  de  Thenay  e  do  valle  do  Tejo  e 
até  os  restos  da  cosinha  prehistorica  da  ^candinavia,  a  que  os 
sábios  dinamarquezes  dão  o  nome  de  Kjokenmõdings.  E  im- 
mediatamente  a  origem,  o  berço,  as  crenças,  as  artes,  a  indus- 
tria, os  costumes,  a  vida  social  emfim,  do  homem  contempo- 
râneo do  Mammuth  e  do  Grande  Urso  das  Cavernas— es- 
cripta  no  silex,  nos  ossos,  na  argilla,  no  cobre,  no  bronze— 
surgiu  do  seio  da  terra,  d'essa  biblia  immortal,  cujos  gero- 
gliphos antes  de  Boucher  de  Perthes  ninguém  havia  podido  deci- 


291 


frar,  pois  eram  considerados  como  ludi  naturae  quando  eram 
verdadeiras  revelações. 

A  coroa  do  ínnovador,  meus  senhores,  disse  Geofroy- 
Saint-Hilaire,  é  a  coroa  do  martyrio.  E  Boucher  de  Perthes 
cingiu-a.  Taxado  de  doido,  abandonado  pelos  seus  amigos, 
ultrajado  até  pelos  seus  próprios  parentes,  Boucher  de  Per- 
thes morreu,  segundo  a  bella  phrase  de  Victor  Hugo,  maldito 
pelo  passado  e  bemdito  pelo  futuro.  E'  que  «junto  a  cada  pro- 
pheta  que  annuncia  o  porvir,  ergue-se  o  magistrado  que  tem 
a  missão  de  conservar  o  presente  é  que  persegue  o  propheta ; 
junto  a  cada  pensador  novo  ha  uma  associação  que  se  declara 
infallivel ;  junto  a  cada  reformador  ha  a  eterna  taçade  cicuta  !>  * 

A  Boucher  de  Perthes  seguiram-se  Lartet  e  outros,  para 
não  citar  muitos  nomes.  Folheou-se  a  crusta  terrestre  e  des- 
cobriram-se  filões  de  metaes  preciosos  e  minas  de  hulha.  Mas 
qual  não  foi  o  espanto  do  geologp  e  do  naturalista,  quando 
defrontaram  com  os  cadáveres  das  faunas  e  das  floras  das  di- 
versas edades  do  globo?  Aqui,  troncos  colossaes  das  sigilla- 
rias,  gigantescos  fetos  arborescentes,  soberbas  coniferas  á  som- 
bra das  quaes  vivia  nas  pacificas  aguas  do  lago  o  monstruoso 
Archeçosauro.  Além,  nos  terrenos  de  alluvião  do  Paraguay 
um  animal  feio,  medonho,  de  dimensões  descommunaes,  o  Me- 
gatherio.  Em  outra  parte,  nos  terrenos  cretáceos,  o  Mcgalo- 
sauro  armado  de  dentes  de  serra,  terminados  em  ponta  de 
sabre,  investia  o  Iguanodonte,  o  maior  de  todos  os  reptis, 
herbívoro  como  o  elephante,  sem  comtudo  possuir  a  sua  força 
hercúlea . 

Na  época  quaternária,  e  ainda  nos  fins  da  época  terciá- 
ria, vivia  o  homem.  E'  certo  que  não  possuia  as  garras  do 
leão,  nem  as  defezas  do  javali,  nem  a  rija  couraça  do  croco- 
dilo; mas  possuia  uma  arma  mais  poderosa  do  que  tudo  isto 
—  a  intelligencia. 

A  rapoza  e  a  panthera  disputavam  um  dia  o  premio  da 
belleza;  esta  dizia  ser  mais  bella  do  que  a  sua  rival  porque  ti- 
nha a  pelle  mosqueada,  pintada  de  formosos  arabescos ;  a  ra- 
posa respondeu-lhe  que  também  ella  tinha  essa  pintura,  não 
no  corf>o  mas  no  espirito.  E  foi,  meus  senhores,  esta  pintura 
do  espirito  que  salvou  o  homem,  que  lhe  deu  a  superioridade 
sobre  os  outros  animaes ;  foi  —  graças  a  ella  —  que  nós  alcan- 


í    Emilio  Castellar,  Vida  de.Lord  Byron,  p.  79. 


2Q2 


çámos  a  victoria  na  lucta  pela  existência,  que  nós  conquista- 
mos  o  sceptro  de  rei  da  fauna  actual. 

A  terra  appareceu  então  aos  olhos  dos  sábios  como  uma 
vasta  catacumba,  um  riquissimo  museu,  uma  immensa  necro- 
pole,  uma  bibliotheca  collossal  onde  se  achavam  enth^soura- 
dos,  dispostos  em  camadas  successivas,  archivados  e  catalo- 
gados por  ordem  os  despojos  de  animaes  e  vegetaes  extinctos, 
como  se  a  terra  presentisse  que  estes  documentos  seriam  as 
medalhas,  por  meio  das  quaes  se  reconstruiria  um  dia  o  seu 
passado,  a  sua  longa  historia. 

E  de  toda  a  parte  surgiram  cidades,  povos,  raças  que 
sustentaram  outr''ora  uma  lucta  encarniçada  com  os  ánimaes 
ferozes  e  combateram  o  Mammuth  e  o  Grande  Urso  das  Ca- 
vernas com  armas  de  silex  lascado  ou  polido,  ou  levaram  nas 
palafittas  uma  vida  pacifica  e  industriosa. 

Não  ha  muito  que  o  snr.  Florentino  Ameghino  affirmou 
deante  dos  mais  distinctos  anthropologistas  contemporâneos 
que  ctodo  o  centro  da  America  se  achava  coalhado  de  cidades 
populosas  com  grandes  palácios,  fortalezas,  coUegios,  cícros, 
quartéis,  estabelecimentos  balneares,  jardins,  torres,  calçadas, 
templos,  etc.  Conheciam  a  escriptura  gerogliphica ;  tinham  of- 
ficinas  metallurgicas,  fabricas  de  tecidos,  etc.  etc.  A  agricul- 
tura havia  attingido  o  grau  de  perfeição  somente  comparável 
ao  da  China  e  do  Peru.  D'esta  civUisação  não  se  encontram 
hoje  mais  do  que  ruinas  *>. 

E  recentemente  Weisgerber  e  Badourin  nos  annunciam 
a  existência  nos  tempos  prehistoricos  de  numerosas  tribus  se- 
dentárias n'essa  vasta  região  presentemente  desolada  da  Afri- 
ca—  o^Sahara;  e  que  as  differentes  edades  de  pedra  dVsta 
raça  são  caracterisadas  por  instrumentos  de  formas  idênticas 
ao  das  mesmas  edades  na  Europa  *. 

Esta  noticia  impressionou-me  profundamente  e  dirigiu 
desde  logo  a  minha  attencão  para  o  estudo  do  Sahara.  Ulti- 
mamente o  capitão  Roudaire  tendo  annunciado  o  seu  projecto 
de  transformar  uma  parte  do  Sahara  em  mar,  projecto  que  lo- 
grou merecer  a  approvação  de  Fernando  Lesseps,  cuja  compe- 
tência em  assumptos  d'esta  ordem  é  indiscutível,  o  problema 
sahariano  tomou-se  d^uma  flagrante  actualidade. 


^    Ferraz  de  Macedo,  O  Homem  quaternário  na  Anterica^  p.  ao.  1S82. 

>  Lucien  Badourin^  Algérie  et  òahara.  La  question  a/ricaine,  étude 
politique  et  économi^ue.  Les  ages  dejpierre  du  Sanara  centríd,  PréhiUoire 
et  ethnographie  a/ricaine,  p.  160.  1882. 


^93 


Convidado  para  fazer  uma  conferencia  no  seio  doesta 
sympathica  agremiação  escolhi  para  thema  da  minha  confe- 
rencia o  estudo  do  Sahara  sob  o  ponto  de  vista  geographico, 
geológico  e  anthropologico.  Mas  depois,  reflectindo  bem  na 
difEiculdade  da  empreza,  hesitei  sobre  se  deveria  ou  não  reali- 
sar  a  minha  conferencia  e  hesitei  porque  não  possuindo  dotes 
de  orador,  nem  se  me  ageitando  a  boca  para  dizer  phrases  bo- 
nitas receei,  permittam-me  que  eu  o  conlesse  francamente,  que 
não  conseguiria  captar  a  benevolência  da  illustre  assembleia 
e  até  que  mais  de  um  de  vós  preferisse  entregar-se  aos  braços 
de  Morpheu  do  que  seguir  a  marcha  de  um  raciocinio  que  eu 
por  ventura  apresentasse.  E  não  obstante  resolvi-me  pela  af- 
firmativa. 

Effectivamente  quando  vejo  um  homem  do  valor  de 
Huxley  fazer  conferencias,  em  Londres,  em  um  estylo  simples, 
claro,  didáctico,  conferencias  populares  com  vivos  aplausos  da 
Europa  e  da  America  que  pensa  e  que  estuda,  uma  grande 
tristeza  se  apodera  do  meu  espirito;  sinto  amargamente  que 
ninguém  tenha  até  hoje  tentado  introduzir  no  nosso  paiz  a  ma- 
neira de  fazer  as  conferencias  á  Huxley. 

Vasando  a  minha  nos  moldes  em  que  costuma  vasar  as 
suas  o  sábio  in^ez,  não  tenho  a  pretensão  de  me  comparar 
com  Huxley,  cu)o  altíssimo  talento  é  de  todos  vós  conhecido; 
mas  os  bons  exemplos  merecem  ser  imitados.  Isto  posto,  eu 
principio. 

Agostinho  de  Souza. 


ENSINO  PROFISSIONAL 


OS  PENSIONISTAS  DA  INDUSTRIA  PORTUGUEZA 

(Representação  a  S«  II.  El-Rei) 

SENHOR 

A  creação,  por  iniciativa  particular,  de  associações  de  pro* 

taganda  instructiva,  de  natureza  idêntica  á  da  Sociedide  de 
nstrucçlo  do  Porto,  que  tem  a  honra  de  vir  hoje  á  presença 
de  V.  M.,  ha-de  merecer  sempre  dos  poderes  do  Estado,  o 
mais  benévolo  acolhimento  e  o  mais  eíficaz  auxilio,  por  isso  que 


«94 


é  da  máxima  difuzSo  de  luz  intellectuai,  que  hade  sair  poderosa 
a  rehabtiitação  do  pai?. 

Náo  carecenao,  pois,  de  justificar  se  a  razão  de  ser  da 
Sociedade  de  InstrucçSo,  cuja  ínstallação  e  exbtencia  teem  sido 
geralmente  applaudidas,  é,  comtudo,  indispensável  que  se  de- 
monstre com  que  tíulos  de  competência  ella  se  dirige  ao  espirito 
recto  e  esclarecido  do  Rei. 

A  Sociedade  de  Instruc^ão  do  Porto,  com  o  concurso 
sincero  e  verdadeiramente  desinteressado  dos  seus  quatrocentos 
associados,  persuadida  de  que,  por  entre  as  diversas  províncias 
onde  a  sua  acção  era  instantemente  reclamada,  urgia  acudir  de 
prompto  á  educação  industrial  de  um  povo,  cuja  indole  e  hábi- 
tos, prodigiosamente  dotados,  teem  sido,  não  obstante,  quasi 
perdidos  e  esterei«,  pela  absoluta  carência  de  noções  scientiií- 
cas,  indispensáveis  á  sua  conservação  e  desenvolvimento,  deu  a 
preferencia  ás  seguintes  exposições  publicas  que  promoveu : 

De  modelos  de  gesso  para  o  ensino  do  desenho  no  Lyceu 
do  Porto,  em  i5  de  julho  de  1881. 

De  historia  natural,  em  16  de  outubro  de  1881. 

De  camélias,  em  11  de  março  de  1882. 

De  ensino  elementar  profissional  (pelo  systema  de  Froe- 
bel),  em  22  de  abril  de  1882. 

De  industrias  caseiras,  em  14  de  maio  de  1882. 

De  cerâmica  nacional,  em  22  de  outubro  de  1882. 

Tomou  a  iniciativa  na  fundação  de  uma  eschola  de  dese- 
nho e  modelação  para  os  operarios-oleiros  de  Villa  Nova  de 
Gaya  em  fevereiro  de  i883. 

Tem,  desde  já,  organisadas  as  commissões  encarregadas 
de  realisar  mais  as  seguintes  exposições : 

De  ourivezaria  em  septembro  de  i883. 

De  tecidos  em  abril  de  1884. 

De  marcenaria  em  outubro  de  1884. 

Se  a  Sociedade  de  Instrucção  do  Porto,  por  entre  a  serie 
de  attntos  e  dificuldades  inherentes  a  instituições  doesta  or- 
dem, tanto  mais  prestimosas,  quanto  mais  ingrato  é  o  terreno 
em  que  tentam  implantar-se,  encontrou  a  natural  desconfiança 
dos  industríaes,  saturados  de  phrases  mais  ou  menos  sonoras  e 
de  relatórios  mais  ou  menos  inúteis,  mas  sempre  sem  beneficio 
apparente  e  sem  resultado  pratico  {  é  certo,  todavia,  que  logrou 
a  rara  fortuna  de  conseguir  em  pouco  tempo,  que,  no  espirito 
dos  que  a  escutaram,  se  radicasse  funda,  a  crença  na  lealdade 
de  seus  intuitos  e  a  confiança  na  honestidade  de  seus  esforços. 

Taes  são  os  alevantados  motivos  que  determinam  esta 


\ 


2g5 


Sociedade  a  vir  pedir  a  V.  M.  que  os  operários  portuenses  se- 
jam sempre  considerados  por  igual,  em  todas  e  quaesquer  dis- 
posições administrativas  que  tenham  por  fim  educar  e  engran- 
decer as  industrias  nacionaes. 

Será  necessário  especialisar  as  razões  que  dão  á  industria 
do  Porto  o  lo^ar  tionroso  que  a  Sociedade  de  InstrucçSo  tem 
a  gloria  de  assignalar-lhe  n^este  momento  ? 
•  Não,  por  certo. 

Sabe  V.  M.  e  sabe-o  também  o  paiz  que  a  cidade  do 
Porto  é,  desde  muito,  denominada  sem  hyperbole,  a  Manches- 
ter portugueza. 

O  disiricto  do  Porto  conta  80:000  industriaes  e  doestes 
pertencem  40:000  á  cidade  invicta. 

Esta  grande  actividade  industrial  faz  mover  12:000  ca- 
vallos  de  força. 

Dá  renda  a  9:5oo  contos  de  capital. 

Produz  valores  na  importância  de  i5:ooo  contos ! 

SENHOR 

No  orçamento  geral  do  Estado,  que  acaba  de  ser  appro- 
vado  pelos  corpos  legislativos,  foi  inscripta  a  verba  de  seis  con- 
tos de  réis,  destinada  a  subsidiar  operários  portuguezes,  que 
vão,  em  paizes  estrangeiros,  estudar  os  progressos  de  suas  res- 
pectivas artes  e  industrias. 

A  Sociedade  de  InstrucçSo  do  Porto,  a  exemplo  do  que, 
com  tanta  justiça,  se  pratica  cem  o&  pensionistas  de  Bellas-Ar- 
tes  das  academias  de  Lisboa  c  Porto,  julga  do  seu  dever  im- 
petrar do  governo  de  V.  M.  que  a  metade  do  subsidio  acima 
referido  seja  destinado  aos  operários  doesta  cidade  particular- 
mente ;  —  do  districto  em  seguida  —  e  finalmente  da  região  de 
que  esta  terra  é  considerada  capital,  se  por  ventura  apparece- 
rem  ahi  individuou,  que  reunam  condições  especiaes  de  capa* 
cidade. 

Se  a  Sociedade  de  Instrucção  do  Porto  tem  affirmado, 
de  um  modo  absoluto  e  incontroverso,  —  a  sua  devoção  peio 
desenvolvimento  intellectual  do  paiz  —  o  seu  esforço  tenaz  pela 
vulgarização  de  doutrinas,  exclusivamente  attinentes  ao  melho- 
ramento social  —  e  o  seu  forte  empenho  em  crear  uma  novA 
musculatura  vigorosa,  que  garanta  a  existência  nacional : 

—  se,  pelas  relações  estreitas  com  muitos  dqs  mais  notá- 
veis industriaes  d^e&te  districto,  que  são  seus  sócios,  esta  So- 
ciedade merecesse  a  honra  de  ser  ouvida  pelo  governo  de  V. 


296 


M.  sobre  a  eleição  dos  indivíduos  que  houverem  de  ser  ddega- 
dos  da  industria  fora  do  reino ;  ella  não  só  se  consideraria  ver- 
dadeiramente lizongeada,  mas  poria  ao  serviço  de  escolha  tão 
delicada  todo  o  zelo  da  sua  bõa  vontade  de  acertar  —  tarefa 
que  não  é  muito  difficil  para  quear  vive  inteiramente  fora  do 
dominio  das  paixões  politicas,  que  tantas  Vezes  desvairam  os 
melhores  espiritos. 

A  Sociedade  de  Instrucção  do  Porto  não  ignora  qual  seria 
o  procedimento  do  governo  de  V.  M.  n'este  assumpto,  índepeo- 
dentemente  da  sua  intervenção  d'ella,  pois  conhece  muito  bem 
qual  a  norma  rejjular  e  justa  que  preside  á  gestão  dos  negócios 

f>ablicos,  mas,  amda  assim,  pede  a  V.  M.  que  acolha  benevo- 
amente  esta  representação,  para  que  esta  Sociedade  possa  de- 
monstrar, de  um  modo  claro  e  pratico,  que,  se  instanteoieDte 
convida  —  sollicita  —  e,  até  certo  ponto,  importuna  os  indus- 
triaes,  é,  principalmente,  em  proveito  d^elles  que  trabalha^  pois 
que,  desde  que  elles  se  empenham  cordealmente  em  se  illustrar 
e  aperfeiçoar,  enriquecendo -se  a  si  e  engrandecendo  a  pátria, 
será  V.  M.  o  primeiro  a  incorporar-se  na  primeira  fila  dos 
que  generosamente  combatem  pelo  renascimento  e  pela  rehabi- 
btação  da  industria  portugueza. 

Q4ntonio  M.  Lopes  Vieira  de  Castro. 


Foi  approvada,  por  unanimidade,  na  sessio  do  Conselho  sdentífico 
de  15  de  julho  de  1883. 


o  ■Mrelarlo  gtrtl 

Joaquim  de  VasconceUos. 


3.»  ANNO 


I  DE  JULHO  DE  i883 


N.«  7 


SOBRE  A  INTRODUCÇAO  DAS  ARTES 

N*ESTE    REINO 
(Ck>DtIiiiiftçÍo,  yid.  i«ff.  165) 

CAPITULO  II 

Q/ís  cartes  eviiSo  o  ócio 

A  Ociosidade  he  o  inimigo  maior  e  o  mais  perigoso  dos 
Estados.  Em  Athenas  condemnarão  os  ociosos  com  pena  de 
morte.  O  Imperador  Valente  com  a  perda  da  liberdade.  Salus- 
tio  aconselhou,  como  primeira  necessidade  do  Governo,  buscar 
em  que  occupar  os  homens.  Cicero  affirmava,  que  durou  a  glo- 
ria de  Roma,  em  quanto  se  observarão  as  Leis  contra  a  ocio- 
sidade. Marco  António  mandava  que  todos  os  homens  trouxes- 
sem sobre  si  hum  signal  da  proiissaa  que  tinhão;  e  quem  o 
não  trazia,  era  condemnado  a  servir  nas  Obras  Públicas.  Nação 
houve  entre  a  qual  se  não  dava  de  cear  aos  moços  que  nâo 
mostrassem  o  trabalho  em  que  havião  occupado  aquelle  dia. 
Entre  os  Egypcios  houve  Lei  que  obrigava  a  cada  hum  dos 
homens  a  mostrar  aos  Magistrados  o  de  que  vivera,  e  em  que 
se  occupára  aquelle  anno. 

Passou  da  antiguidade  aos  nossos  tempos  tão  approvado 
e^te  modo  de  governo,  que  Filippe  II  condemnou  os  ociosos 
a  galés.  Os  Chinas  não  consentem  hum  só  ocioso,  e  buscão 
occupação  até  para  aquelles  homens  a  quem  as  enfermidades 
podião  isentar  legitimamente  do  trabalho ;  porque  os  que  não 
tem  mãos,  trabalhão  com  os  pés,  e  os  que  não  tem  pés,  traba- 
lhão com  as  mãos ;  até  os  cegos  trabalhão,  e  de  sete  annos  de 
idade  buscão  em  que  exercitar  os  Meninos  ^  A  esta  imitação  ha 


^  Estes  factos  são  plenamente  confirmados  pelo  celebre  viajante 
Mendes  Pinto  nas  suas  ^Peregrinações.  Escolhemos  apenas  alguns:  prohi- 
biçâo  de  pedir  esmolas  (i,  p.  ^33),  mas,  ao  mesmo  tempo,  uma  intellígente 
caridade  (ihp.  76  e  I09)  obrigando  a  immensa  população  a  trabalhar  na 
industria  ;  aliás  não  poderia  sustentar-se,  «se  não  fosse  a  grande  ordem  e 

nVISTA  DA  SOCIBDADB  DB  INSTBUCCÃO  DO  PORTO.  >^ 


29» 


em  Paris  hum  Hospital,  em  que  recolhem  os  mendigos,  e  a 
todos  dão  occupação.  Em  Am&terdâo  são  suspeitas,  como  des- 
honestas,  as  mulheres  ociosas,  de  qualquer  qualidade  que  sejão. 
Este  he  o  vicio  da  ociosidade;  e  he  para  admirar  que  não  te- 
nha entre  nós  pena  especial.  Bem  considero  que  ha  entre  nós 
muitos  ociosos,  porque  não  tem  em  que  trabalhar,  especialmente 
as  mulheres  na  maior  parte  do  Reino,  e  que  a  quem  lhes  con- 
demnar  a  ociosidade,  podep  responder  com  os  Obreiros  do 
Evangelho :  Nemo  nos  conduxit  ^.  Com  a  introducção  das  Artes 
não  poderão  dar  esta  resposta  os  ociosos,  e  a  Republica,  dando 
occupação  aos  Vassallos,  tem  direito  para  castigar  a  ociosidade 
delles. 

Se  toda  a  lã  que  ha  no  Reino  se  lavar  no  mesmo  Reino, 
dará  sustento  e  occupação  a  infinito  numero  de  gente,  o  que 
facilmente  vê  quem  lança  a  consideração  ás  nnuitas  mãos  que 
se  occjpão  em  cardar,  íiar,  tecer,  e  tingir  esta  matéria,  que  ven- 
demos crua  aos  Estrangeiros  e  depois  de  fabricada  aos  muitos 
homens,  que  se  occupárão,  e  viverão  do  Contracto  delia. 

Já  disse,  que  só  em  Samersão  se  sustentavão  e  vivião 
da  Fábrica  das  Sarges  mais  de  dez  mil  pessoas,  cujo  gasto 
passa  unicamente  a  Portugal.  Só  de  fitas  ha  em  Farfs  mil  e 
quinhentos  Mestres,  e  alguns  que  tem  a  dez  teares,  porque  os 
Mestres  não  fazem  mais  que  armar  os  teares;  e  contando  seis 
obreiros  a  cada  Mestre,  se  acha  que  occupa  esta  Fábrica  nove 


governo  que  se  tem  no  prover  da  gente  mechanica,  &  no  trato  &  officios  cô 
que  os  cõstrangetn  a  buscarem  vida».. .  (n,  p.  26).  Leia-se  principalmente 
o  cap.  cw\  do  vol.  11,  pag.  io3.  ^o  provimento  que  tem  com  todos  os  alei- 
jados ff  gente  desemparada,  que  foi,  provavelmente,  a  fonte  de  informação 
de  Ribeiro  de  Macedo.  O  Padre  Frey  Gaspar  da  Cruz  (Tractado  das  cousas 
da  China,  escripto  em  i336)  diz  o  mesmo :  «porque  comunmente  nam  ha 
quem  dee  esmola  a  pobre,  polo  que  se  acertava  algu  pobre  de  pedir  es- 
mola a  algtX  português  e  ho  português  lha  dava,  riam-se  os  chinas  delle» 
etc,  pag.  6S  da  ed.  de  IS29.  A  organisaçâo  social  e  económica  do  império 
no  sec.  XVI  era  tal  que  São  Francisco  Xavier  cespâtado,  assi  destas  cousas 
como  doutras  muytas  excellcncias  que  n'esca  terra  vio,  dezia,  que  se  Oeos 
algQa  hora  o  trouxesse  a  este  reyno,  avia  de  pedir  de  esmolla  a  el  Rey 
nosso  Senhor  que  quizósse  ver  as  ordenações^  &  os  estatutos  da  guerra  &  da 
fazenda,  por  que  esta  gente  se  governava,  porque  tinha  por  sem  duvida  que 
erão  muyto  milhores  que  os  dos  Romanos  no  tempo  de  sua  felicidade,  & 
que  os  de  tod v4s  as  outras  nações  de  gjntes  de  que  todos  os  cscriptores  an- 
tiguos  tratarão  (Mendes  Pinto,  vol.  11,  pag.  tia). 

1  O  mesmo  podem  repetir  hoje,  senão  veja  o  leitor  as  confissões  do 
grande  inquérito  industriai  de  ISSi,  na  parte  relativa  ao  ensino  technico 
nas  fabricas,  á  organisaçâo  da  aprendizagem,  etc;  um  sudário  em  cinco  vo- 

*  C  somos  nós  os  pessimistas ! 


299 


mil  pessoas,  sem  contar  os  muitos  Tendeiros  que  as  vetidem, 
e  os  muitos  homen:»  de  Negocio,  que  as  comprão  para  as  man- 
•dar  a  differentes  partes. 

O  Padre  António  Vieira  me  disse,  que  conhecera  hum 
Mercador  Genovez  que  dava  seda  em  Génova,  e  pagava  a 
duas  mil  mulheres,  que  por  sua  conta  fazião  mêas  de  agulha  ^. 

Os  Portuguezes  he  a  Nação  mais  habil  para  as  Anes  me- 
chanicas  que  tem  Hespanha,  e  os  Estrangeiros  confe^ão  que 
são  os  que  melhor,  e  mais  facilmente  os  imitão.  No  Reino  não 
faltão  officiaes  daquellas  Artes,  cujas  obras  se  não  recebem  dos 
Estrangeiros,  como  são  Pedreiros,  e  Carpinteiros,  e  outros  de  que 
ha  tanta  quantidade,  que  hum  grande  número  delles  possa  traba- 
lhar e  ganhar  sua  vida  em  outros  paizes,  e  especialmente  em 
Gastella.  Da  mesma  sorte  haverá  abundância  de  officiaes,  e  obrei- 
ros em  todas  as  Artes,  que  de  novo  se  introduzirem ;  e  se  oc- 
cuparáõ  nellas  todos  aquelles  que  a  necessidade  ou  falta  de 
emprego  faz  sahir  da  sua  Pátria. 

CAPITULO  III 

qAs  oArtes  augmentarSo  o  número  da  gente, 
e  se  povoará  o  Q(emo 

O  Número  dos  Vassallos,  e  a  numerosa  povoação  dos  Rei- 
nos, he  a  maior  felicidade  delles  e  o  fundamento  mais  sólido  da 
sua  conservação ;  como  pelo  contrario,  tudo  falta  aos  Estados, 
onde  falta  gente.  Esta  he  a  felicidade  que  promettia  Deos  ao 
seu  Povo  pela  boca  de  hum  Profeta :  Dux  ego  convertar  ad 
vos,  et  multiplicabo  in  vobis;  e  pelo  contrario,  quando  lhe  pro- 
põe castigos,  lhe  diz :  Remanebitis  pauci  numero. 


^  O  Padre  António  Vieira  andava  muito  interessado  na  reorganisa- 
^o  do  commercio  portuguez  (e  da  politica  do  reino,  em  geral)  coroo  se  vê 
^elas  suas  numerosas  cartas  dirigidas  a  Duarte  Ribeiro  de  Macedo,  que 
constituem  o  vol.  ly  da  coUecçâo  epistolar.  O  celebre  jesuita  empenhava-se 
principalmente  na  creaçâo  de  duas  companhias  de  tommercio,  a  oriental  e 
a  Occidental,  portuguesas,  para  segurar  a  índia  e  o  Brazil  com  os  capitães  dos 
christáos  novos.  Deviamos  luctar,  como  elie  dizia,  arca  por  arca  com  os  Hol- 
landezes.  Vieira  tinha  por  Macedo  uma  veneração  especial,  que  testemunha 
a  favor  da  alta  capacidade  do  diplomata ;  tanto  na  em  preza  da  transplan- 
tação das  drogas  da  índia  para  o  Brazil,  (vol.  iv,  p,  2I0),  cotno  em  outros 
assumptos  económicos  de  grande  alcance,  Tquestao  da  Pragmática,  pag. 
^3,  274,  febre  das  Minas,  pag.  aii,  a8i)  havia  perfeito  accordo  entre 
t>s  dois. 


Soo 


Roma  e  Âthenas  entenderão  que  toda  a  sua  grandeza 
consistia  na  cópia  numerosa  de  Cidadãos.  Assim  o  lemos  nas 
Politicas  de  Aristóteles  e  Platão,  nos  decretos  dos  Imperadores, 
e  no  Conselho  de  todos  os  Legisladores  de  huma  e  outra  Ci- 
dade. 

He  grande  este  único  bem  dependente  das  Artes;  pôde 
bastar  por  prova  a  experiência  do  q4)e  vemos  nos  Reinos  visi- 
rhos.  Hespanha  he  maior  na  extensão  de  terra  que  França,  e 
Igualmente  abundante  e  fértil;  mes  na  povoação  he  tão  des- 
igual, que  no  anno  de  1620  contava  Hespanha  seis  milhões  de 
almas,  e  França  quatorze.  Dirão  que  isto  procede  da  fecundi- 
dade das  mulheres,  muito  maior  nas  terras  quentes.  Se  isto  as- 
sim fora.  Polónia,  que  he  maior  que  França,  tivera  mais  gente, 
o  que  não  he  assim.  A  differença  só  consiste  em  que  França 
tem  mais  Artífices,  e  mais  Artes  que  Hespanha  e  Polónia  ^ 

Hollanda  he  huma  pequena  Provincia,  cuja  terra  he  s6 
abundante  de  pastos,  defendida  contra  as  innundações  com  hum 
contínuo  trabalho  de  valias  e  diques,  e  possuida  desta  sorte, 
como  em  precário ;  mas  he  tão  povoada,  que  se  não  acha  outra 
em  igual  distancia,  com  igual  número  de  moradores,  e  quem 
comparar  nelles  os  Artifíces  com  os  Lavradores,  achará  vinte 
Artifices  para  cada  Lavrador: 

O  pequeno  Estado  de  Génova  he  a  psrte  de  Itália  em 
que  ha  mais  gente,  em  igual  distancia  de  Paris,  e  commum- 
mente  se  sabe  que  o  seu  mar  não  produz  peixes,  e  os  seus 
montes  nem  lenha  produzem,  e  são  as  Artes  que  a  sustentão, 
muito  rica  e  povoada,  de  sorte  que  he  esta  a  terra  de  lavor 
tão  celebrada  pelos  Authores  Latinos,  e  tão  abundante  dos  bens 
da  natureza  ^ 

Ha  sessenta  e  quatro  annos  que  as  Fábricas  da  Seda  se 
introduzirão  em  França,  e  no  decurso  delles  crescerão  mais  de 


^  Parece  haver  aqui  um  lapso^  na  posição  de  latitude  dos  paizes  ci- 
tados, mas  repare-se  que  Macedo  cita  apenas  uma  opinião  commum,  que 
julga  errónea.  (Jm  diplomata  de  tanto  merecimento  conhecia  decerto  a  con- 
figuração politica  da  Polónia  depois  da  paz  de  Westphalia.  Em  tempos  an- 
teriores a  influencia  polacca  chegou  até  ao  Adriático^  pela  estreita  alliaoça 
com  a  casa  de  Hungria.  Maceoo  refere-se  porém  ao  temperamento,  lem- 
brando-se  da  precoce  puberdade  e  da  fecunaidade  da  mulher  polacca  e  da 
mulher  peninsular. 

•  Macedo  podia  citar  ainda  Veneza' e,  antes  de  Veneza,  Pisa  e  Flo- 
rença^ como  grandes  republicas  que  fundaram  a  sua  grandeza  na  industria 
e  na  arte. 


3o  I 


metade  do  número  de  casas  e  moradores,  as  Cidades  de  Lião, 
e  Tours,  as  Villas  de  Sancto  Estevão,  e  S.  Chaumont  ^. 

Vemos,  emãm,  por  experiência,  que  as  terras  que  mais 
florescem  são  as  mais  povoadas ;  vejamos  a  razão : 

Londres  he  buma  das  Cidades  populosas  da  Europa, 
mas  a  maior  parte  dos  seus  moradores  são  Artífices.  No  tempo 
das  suas  guerras  civis,  quando  os  obreiros,  aprendizes  somente, 
tomarão  as  Armas,  formarão  hum  Corpo,  a  que  se  não  podia 
opp'ôr  o  resto  dos  moradores  ^. 

João  Botero  ^  pergunta  qual  será  a  causa  porque  huma 
Gdade  que  começou,  por  exemplo,  no  anno  de  600,  com  du- 
zentos moradores,  cresceo  a  dois  mil  até  ao  anno  de  800 ;  e 
depois  de  oito  séculos  não  passou  de  2000  moradores.  Parece, 
segundo  as  razões  naturaes,  que  havia  de  crescer  em  mil  annos 
a  20000  moradores,  ao  menos  segundo  o  cálculo  de  em  dois 
séculos  passarem  de  200  moradores  a  2ooo;  mas  esta  expe- 
riência em  quasi  todas  as  Nações  do  Mundo  mostra  o  contra- 
rio; a  razão  he  porque  as  Cidades  não  crescem  mais  em  ná- 
mero  de  gente,  do  que  o  seu  território  pôde  sustentar,  e  daqui 
vem,  diz  o  mesmo  Author,  que  o  Mundo^em  mil  annos  depois 
do  Diluvio,  teve  tanta  gente  como  hoje  tem ;  fatiando  em  geral 
do  Mundo,  e  não  desta  ou  daquella  Província. 

Mas  contra  esta  infallivel  razão  de  João  Botero  parece 
que  está  huma  experiência  também  certa,  e  he,  que  vemos 
muitas  Cidades,  como  acima  fica  mostrado,  de  território  fértil 


^  Este  calculo:  ha  64  annos,  daria  a  era  1610,  e  recuaríamos  até  ao 
reinado  de  Henríque  iv.  A  indicação  ó  exacta.  Foi  este  príncipe  que  man- 
dou plantar  de  amoreiras  o  Jardim  das  Tuilherias,  como  primeira  expe- 
riência^ apesar  da  fortíssima  opposiçâo  de  Sully  (Dumreicher,  Op,  cit.,  pag. 
28).  Vide  o  que  Macedo  adirma  retro,  Parte  i,  cap.  viii.  O  livro,  impresso 
em  Paris  em  1635,  em  que  elle  viu  o  Decreto  de  Henrique  iv  sobre  a  intro- 
ducçâo  da  Fabrica  da  Seda  seria  o  tratado  sobre  a  creação  do  bicho  da 
seda  de  Christovão  Isnard,  que  serviu  de  base  ao  compendio  de  Bluteau  ; 
n'este  caso  deverá  lér-se  i665.  Sobre  as  localidades  citadas  v.  Dumreicher, 
pag.  74.  Foi  muito  conhecido  até  fíns  do  século  passado  o  estofo  de  seda 
gordetur  (eros  de  Tours;  como  gordenaple — gros  de  Naples,  etc). 

'  Os  pannos  inglezes  finos  apparecem  com  frequência  em  Portu- 
gal, na  segunda  metade  do  século  xv:  Lomdres,  Brystoll,  etc,  J.  P.  Ribei- 
ro, Disserí,  chronol,^  vol.  v,  passím;  mais  raros  no  sec.  xiil,  sob  D.  Affonso 
lu ;  Ley  de  i233  com  a  taxa  dos  preços. 

^  João  Botero,  com  o  sobrenome  BenisiuSy  escriptor  italiano  (i54p- 
1617]  e  diplomata.  Escreveu,  entre  outras  obras,  puramente  litterarias,  as 
seguintes  poUUcas:  Delia  ragione  di  stato,  refutação  de  Machiavelio;  Delle 
cause  delia  grandez^a  delle  città,  a  que  Macedo  allude,  etc. 


3oa 


serem  mais  povoadas  que  outras  de  igual  território ;  mas  este 
Milagre  obrão  as  Artes,  porque  o  preço  delias  corre  abundan- 
temente á  subsistência  dos  territórios  visinhos,  ou  dos  Reinos 
estranhos,  se  he  marítimo  o  lugar  onde  se  fabricão. 

CAPITULO  IV 
Continua  a  mesma  matéria 

Vejamos  outra  razão  mais  natural.  O  commum  dos  ho- 
mens vive,  ou  da  lã,  ou  das  lavouras,  ou  do  trabalho  das  Ar- 
tes, de  sorte  que  os  meios  geraes  da  subsistência  dos  povos  são : 
a  cultura  da  terra,  e  a  Fábrica  das  Artes,  e  assim,  onde  mais 
se  cultiva  a  terra  ha  mais  Lavradores,  e  onde  mais  se  fabrica^ 
mais  Artiíices ;  mas  estes  dois  nreios  de  subsistência  se  ajudão 
tão  reciprocamente,  que  nao  pôde  haver  muitos  Lavradores 
onde  não  houverem  muitos  Artifíces,  e  pelo  contrario,  ha  muita 
abundância  destes  onde  as  Artes  ílorecem. 

Os  Lavradores  cultivão  a  terra  até  tirarem  delia  os  fru- 
ctos  que  podem  gastar,  e  de  que  podem  tirar  o  necessário  para 
vestir  suas  familias,  para  comprar  instrumentos  de  lavoura,  re- 
servando huma  porção  para  tornar  á  terra,  de  modo  que,  ven- 
dendo os  fruaos,  restituem  o  dinheiro  ás  Artes,  pelas  roupas 
e  instrumentos  de  que  necessitão ;  mas  se  estas  obras  de  Arte 
vem  de  fora,  não  são  os  Artifíces  os  que  lhes  gastão  os  fructos; 
e  o  dinheiro,  que  lhes  dérão  por  elles,  passa  a  ser  utilidade  dos 
Estrangeiros. 

Mas  supponhamos  que  se  introduzirão  as  Artes  na  Cida- 
de onde  vivia  este  Lavrador,  e  que  o  número  dos  Artifíces 
augmentou  o  número  dos  moradores  de  2000  pessoas ;  crescia  ne- 
cessari^amente  o  gasto  dos  fructos,  e  o  Lavrador  que,  por  exem- 
plo, não  lavrava  mais  que  dez  moios,  porque  só  a  esta  quanii* 
dáde  achava  gasto,  procurará  cuidadosamente  tirar  da  terra 
tpdos  os  mais  fructos,  cujo  gasto  lhe  segura  o  maior  número 
da  gente  da  Cidade. 

Segue-se  daqui,  que  o  Lavrador,  que  se  acha  com  mais 
cabedal,  o  restitue  ás  Artes,  porque  veste  mais  limpamente  a 
sua  famiiia  e,  crescendo  na  lavoura,  compra  mais  instrumentos 
para  ella,  e  por  consequência  os  Artifíces  crescerão  em  número, 
porque  cresceo  por  este  mesmo  caminho  o' gasto  das  Fábricas, 
c  se  aperfeiçoarão  no  trabalho. 

Fassemos  mais  adiante.  O  Lavrador  que  se  vê  com  ca- 
bedal, passa  naturalmente  db  necessário  ao  supérfluo ;  e  venda 


3o3 


na  Cidade  as  Artes  e  obras  de  que  se  contenta,  servíndo-se, 
por  exennplo,  de  bancos  até  então,  compra  cadeiras,  e  igual- 
mente todas  aquellas  cousas  que  servem  ao  ornato,  e  não  á 
necessidade ;  e  daqui  na.<ce  que  achando  huns  e  outros  utilidade 
oavidaquetem,e.«>eguraa  sua  subsistência  no  trabalho,  se  appli- 
cSo  a  elie,  e  se  animâo  todos  a  ter  famílias,  e  casar  suas  filhas. 
Para  confirmação  destes  argumentos,  se  não  necessita  de 
mais  prova.  Baste  lançar  a  consideração  aos  muitos  Ariifices, 
que  entre  as  Nações  Estrangeiras  se  occupão  em  lavrar  as  fa- 
zendas e  géneros  de  que  necessitamos,  e  delles  recebemos. 
Supponhamos  que  ha  hum  milhão  de  pessoas  que  se  sustentão 
commodanrente  no  Reino ;  se  nellé  se  obrarem  aquellas  Fábri- 
cas, crescerá  o  gasto  aos  fructos,  sustentar-se-ha  muito  maior 
número  de  gente,  e  o  Reino  logrará  a  grande  felicidade  de  ser 
muito  mais  rico  e  muito  mais  povoado  K 

CAPITULO  V 
A  falta  das  Artes  he  causa  da  falta  de  gente  em  Castella 

A  prova  maior  dos  Capítulos  antecedentes  he  examinar 
o  damno  que  causão  os  Direitos  com  que  se  acha  Castella.  D. 
Sancho  de  Moncada  refere  sobre  esta  matéria  cousas  que  cau* 
sio  horror.  Diz,  que  os  Curas  de  Toledo  dérão  hum  Memorial 
a  Ei-Rei,  advertindo,  que  faltava  naquella  Cidade  a  terça  parte 
da  gente ;  porei  aqui  as  mesmas  palavras  do  Author: 

tEn  la  carniceria  se  peza  menos  de  la  mifad  dela  carne, 
que  solia.  Es  cosa  lastimosa,  que  de  sessenta  casas  de  Mayo-^ 
razgos  de  a  três  mil  Ducados  de  rema,  que  sofía  ter  Toledo, 
no  quedan  seis,  y  de  toda  Castilla,  Andalusia,  Mancha,  Reino 
de  Valência,  y  asta  Sevílla,  todos  son  dei  Pueblo.  Y  el  Padxe 
Fr.  Diego  dei  Rscurial,  refiere  que  IjC  dixo  el  Obispo  de  Avila^ 
que  de  poço  acà  faltaban  sessenta  y  três  Pilas  '  en  su  Obís- 
pado. » 


^  Estes  dons  capítulos,  ni  e  rr,  com  as  suas  conclusões,  reclama- 
riam um  longo  commentario  sobre  as  relações  do  lavrador  e  do  industrial 
(qo  sentido  restricto  em  que  Macedo  applica  esta  palavra).  Stetson  deduz 
o  predominio  dos  leading  staies  da  grande  Republica  americana  da  condi- 
ção de  superioridade  natural,  oue  resulta  da  transformação  de  um  estado 
agrícola  em  estado  industrial.  (V.  o  problema  mais  por  miúdo  em  o  nosso 
estudo:  Reforma  do  ensino  de  desenho.  Porto,  Í879,  pag.  xvn.) 

^  f3eve  entender-^se  por  pilaSt  (pia  baptismal)  a  parocbia,  com  o  re^ 
^isto  do  movimento  da  população;  as  parocbias  estavam  desertas. 


3o4 


Este  he  o  lastimoso  estado  de  Hespanha,  tSo  fértil  em 
outro  tempo,  e  tão  abundante  de  gente,  que  refere  Júlio  Pacen- 
se,  que  no  tempo  de  Augusto  (se)  mandou  cumerar  os  VassaKos 
do  Império,  e  se  achavâo  (sic)  somente  em  Lusitânia  cinco  mi- 
lhões e  sessenta  e  oito  mil  pares  de  famílias  ^.  He  observada  en- 
tre  os  Authores  a  fecundidade  das  mulheres  Portuguezas,  e  os 
frequentes  partos  de  taes  filhos. 

As  causas,  que  commummente  dá  o  Mundo  para  esta 
falta,  são  as  Colónias  das  índias,  a  expulsão  dos  Mouriscos,  e 
as  guerras  de  Itália  e  Flandres ;  porém  todas  estas  causas,  oa 
opinião  do  Author  citado,  são  sem  fundamento.  Na  expulsão 
dos  Mouros  sahírão  de  Hespanha  seiscentas  mil  pessoas,  nú- 
mero fácil  de  restaurar  em  poucos  annos  *.  Ha  vinte  e  cinco  an- 
nos  que  em  Nápoles  morrerão  de  peste  duzentas  mil  pessoas,  e 
hoje  se  acha  este  numero  restaurado. 

Depois  da  Conquista  de  Granada  até  ao  Reinado  de  Fi- 
lippe  III  não  houve  guerras  em  Hespanha,  e  no  anno  de  1600 


^  ^  Ha  grande  exaggero  n'esta  cifra,  tendo-se  mesmo  em  conta  a  ex- 
tensão do  território  da  antiga  Lusitânia^  cujas  fronteiras  eram  mui  differen- 
tes  das  actuaes  de  Portugal^  y.  Kiepert,  Atlas  antíquus,  x.  A  população  de 
Portugal  no  reinado  de  D.  João  i  pouco  excedia  a  um  milhão ;  duplicou  até  D. 
Manoel,  e  estava  reduzida  á  antiga  cifra,  pouco  mais,  na  época  dos  Felipes 
(i. 200:000).  V.  a  oMemoria  sobre  a  população  e  a  agricultura  em  Forttir 
gal  (io^l'i'ò^o),  por  Rebello  dà  Silva.  Lisboa,  1868.  Parte  i. 

s  Moncada  não  diz  a  verdade.  Os  Reis  CathoUcos  expulsaram  uns 
800:000  hebreus,  de  que  o  nosso  D.  João  11  se  aproveitou,  e  que  D.  Manoel 
destruiu.  Depois  Felipe  m  expulsou  os  Mouriscos  (1609-1610),  perdendo  a 
Hespanha  mais  algumas  centenas  de  milhares  de  indivíduos  íos  cálculos 
variam  de  3 00  mil  a  um  milhão),  que  formavam  a  parte  mais  laboriosa  da 
sua  população;  que  tinham  nas  mãos  a  agricultura  e  as  artes,  precisamen- 
te. Em  paga,  a  terra  augmentou  em  frades,  em  ociosidade  e  vicios.  Note-se  que 
esses  mouriscos  pagavam  só  na  provinda  de  Valência  doze  milhões  de  rea- 
les  de  tributo;  o  seu  trabalho  dava  para  isto,  e  a  sua  economia  ainda  lhes 

Eermittia  juntar  os  thesouros  com  que  se  encheu  Felipe  m  e  o  seu  valido 
erma.  Restaurar  o  desfalque  produzido  pela  perda  de  600:000  almas  po- 
derá parecer  iacil  a  Moncada,  mas  o  queé  irremediável  é  a  perda  completa 
das  tradições  do  trabalho  nacional,  desde  a  arte  de  regar  um  campo  atóá  arte 
de  tecer  um  estofo.  Note-se,  finalmente,  que  esta  perseguição  de  I609  era  a 
segunda  que  soífriam  os  mouriscos,  Goriija-se  tudo  o  que  diz  Moncada 
pela  exposição  de  Lafuente.  Historia  de  Espana*  Barcelona,  I879,  voi.  IM, 
pa^.  258  e  seg.  Este  ultimo  conclue  o  seu  eloquente  capitulo  com  a  se- 

gjinte  phrase :  «Cierto,  la  herida  que  con  ello  recibio  la  riqueza  publica  de 
spafia  fuó  tal,  que  no  es  dei  todo  aventurado  decir  que  aun  no  ha  aca- 
bado de  reponerse  de  ella».  Veja-se  Ranke,  Die  Osmanen  und  die  spanische 
Monarchie.  (vol.  xxxve  xxxvi  das  Obras  com  pi.)  Leipzig,  1877,  pag.  298  e 
seg.;  pag.  4^3  e  se^.;  as  consequências  da  intolerância  liespanhola  estão 
alli  pintadas  em  meia  dtuia  de  paginas. 


3o5 


se  começou  a  sentir  a  falta  de  gente.  Em  França  houve  qua- 
renta annos  contínuos  de  guerras  civis,  e  não  se  conheceo  no 
ultimo  diminuição  nos  Povos,  donde  se  segue  que  a  guerra  não 
pôde  ser  a  causa  da  falta  de  gente  em  Castella,  assim  como  o 
Dão  foi  em  França. 

Também  as  Colónias  e  os  Descobrimentos  não  são  a 
causa,  porque,  commummente  fatiando,  não  sabe  da  sua  pátria 
para  viver  nas  alheias  quem  tem  subsistência  certa  na  própria. 
As  innundaçoes  de  gente,  de  que  temos  tantos  exemplos  na 
Historia,  succedêrão  como  as  innundações  dos  rios,  que  sabem 
dos  Canaes  a  alagar  os  campos  quando  as  aguas  não  cabem  no 
caminho  natural  por  onde  corrião.  Quando  os  Godos,  Vânda- 
los, Suecos,  e  mais  Nações  Septentrionaes  passarão  o  Rhirn  e 
o  Danúbio,  não  deixarão  desertas  as  suas  Pátrias,  antes  tão 
povoadas  como  hoje  as  vemos.  A  nova  França,  a  Virgínea,  e 
as  muitas  Ilhas,  que  tem  as  Colónias  Inglezas  e  Francezas,  não 
diminuem  a  povoação  de  França,  e  de  Inglaterra. 

Outra  causa  commummente  se  aponta,  que  são  as  muitas 
Religiões  que  ha  em  Hespanha,  porque  Navarrence  affirma 
que  havia  no  seu  tempo  70^  Frades;  mas  esta  não  pôde  ^er  a 
causa,  porque  em  França  ha  muito  maior  número  de  Religio- 
sos e  Conventos,  sem  que  hajão  de  diminuir  a  povoação  da- 
quelie  Reino  ^.  Todas  estas  causas  podem  concorrer  para  a  falta 
de  gente,  mas  não  são  as  eficazes.  D.  Sancho  de  Moncada  re- 
futa todas  estas  causas,  com  a  razão  de  que  são  mais  antigas 
que  a  falta  de  gente,  e  conclue,  que  a  falta  das  Artes  he  a 


^  Moncada  occulta  mais  uma  vez  a  verdade.  Precisamente  no  anno 
da  publicação  do  seu  livro,  em  x  de  fevereiro  de  16I9  o  granJe  Consejo  de 
Castilla  apresentou  a  Felippe  iii  uma  consulta  que  lhe  fora  pedida,  e  que 
ficou  celebre.  O  capitulo  yi  clama  aos  céos  (apúd  Lafuente,  Histor.  de  ES' 
pana,  vol.  iii,  pag.  284)  A  Hespanha  era  sugada  por  milhares  de  funda- 

S5es  pias ;  só  conventos  de  freiras  havia  uns  ^88,  todos  repletos ;  só  em 
uas  religiões:  dominicanos  e  franciscanos,  havia  32: 000  indivíduos;  dous 
pequenos  bispados,  Famplona  e  Galahorra,  tinham  de  sustentar  24:000 
frades  e  clérigos.  Gonçalves  Da  vila,  um  notável  escriptor  e  sacerdote,  que 
cita  estas  cifras,  exclama :  «Sacerdote  soy,  pêro  coníieso  que  somos  mas  de 
los  que  son  menester.»  Mas  Felipe  iii  respondia  a  estas  queixas  que  )á  vinham 
repetidas  do  século  anterior :  «No  conviene  que  sobre  esto  se  haga  novc- 
dad.»  (Ranke,  Op,  cit.,  pag.  3ii).  Pôr  em  parallelo  o  clero  de  Hespanha 
cotn  o  de  França  ó  um  absurdo,  sob  o  ponto  de  vista  da  sciencia  e  do  tra« 
balho,  quanto  mais  do  numero  de  habitantes.  Em  compensação,  crescia  a 
invasão  dos  estrangeiros  nos  domínios  da  coroa;  em  16 10  eram  nada  menos 
de  160:000, sendo  10:000  genov£zes,que  ganhavam  25  milhões  por  anno  com 
a  peregrinação  dos  castelhanos  para  as  índias,  e  a  expulsão  dos  outros. 


3o6 


oníca  causa  dos  desertos  de  Casielia,  porque  depois  de  se  per- 
derem as  Artes,  faltou  a  gente. 

E>ta  be  a  razão,  e  não  pôde  ser  outra ;  mas  demos  a  co- 
nhecer a  causa  natural  deste  effeito.  Todas  as  causas,  que  ficão 
apontadas,  não  podião  despovoar  Hespanha,  porque  ficarão  os 
muitos  meios  para  se  restaurar  aquella  falta,  como  he  a  feciip- 
didade  das  mulheres,  e  o  ter  com  que  subsistir  a  gente.  Logo 
a  falta  das  Artes  tirou  este  segundo  meio,  e  he  a  causa  de  se 
achar  Hespanha  falta  de  gente.  A  menor  desta  cooclusão,  fica 
provada  por  todo  e^te  Discurso  *. 

CAPITULO  VI 

Qual  he  a  causa  de  se  perderem  as  Artes  em  Hespanha 

Dirão  que  Hespanha  sempre  foi  falta  de  Artes,  o  que  he 
falso,  porque  sempre  teve  as  que  lhe  erão  necessárias.  Ainda 
hoje  em  tod<  s  os  Reinos  da  Europa,  quando  querem  encarecer 
por  boa  huma  seda,  dizem  que  he  Granada^  e  quando  huio 
bom  panno,  dizem  que  he  Segopia.  Sabemos  que  os  Catalães 
ti  verão  trinta  Nãos,  com  que  navegavão  ao  Levante  manufactu- 


^  Ribeiro  de  Macedo  não  quiz  dizer  tudo  o  que  sabia ;  de  resto» 
n'este  capitulo  sobre  o  estado  de  Castella^  elk  dta  apenas  a  opinião  de 
Moncada.  Richelieu  classificou  a  expulsão  dos  mouriscos,  a  empreza  do  ar- 
cebispo de  Ribera^  como  um  dos  actos  mais  bárbaros  da  historia.  Colbert 
cortou  por  todos  os  privikf^ias,  incluindo  os  do  clero,  para  robustecer  as 
finanças  do  seu  paiz,  (Dumreicher).  Severim  de  Faria,  chantre  t  conexo  da 
Sé  de  Êvorãf  clamava  já  em  1653  contra  todos  esses  males  e  abusos,  cuja 
existência  Moncada  pretende  negar.  Este  autor  portugnez  propunha  ^  ai* 
gumas  das  medidas  que  Macedo  reduziu  depois  a  systema,  a  um  projecto 
completo  de  reforma,  sob  a  influencia  dos  modelos  fraocezes.  Noticias  de 
Portugal,  Discurso  i,  pag.  i-69  da  ed.  de  I791. 

Nas  Propostas  do  Concelho  do  Porto  para  as  cortes  de  1697,  os  ar- 
tigos 7- 16  pintam  com  negras  cores  o  systema  de  exploração  do  clero;  es- 
távamos como  a  Hespanha  de  Moncada.  Uma  phrase  só,  do  artigo  9.  «Tem 
a  piedade  Catholica  dos  Senhores  Reys  deste  Reyno  dado  licença  a  diffe^ 
rentes  Fundações  :  e  he  justo  que  se  faça  prezente  a  Sua  Magestade,  que 
na  estreiteza  deste  Reyno  não  cabe  tão  grande  piedade»  (apud.- J.  P.  Ki- 
beiro,  Dissert,  ckronol,,  vol.  i,  pag.  383). 

Note-se  que  estamos  na  ópoca  em  que  o  Paço  pedia  aos  dez  e  vtote 
mil  réis  emprestados,  para  a  despeza  diária.  (Cartas  do  Padre  Vieira  a  Ma- 
cedo, pag.  x46 ;  mas  raros  eram  os  conventos  em  que  se  não  vissem  ma* 
Snificas  obras  e  accresccnta mentos,  segundo  diz  o  Artigo  lo  das  Propostas 
o  Concelho  do  Porto.  A  resposta  foi  fecharem  as  cortes  para  sempre,  e  de» 
clarar  D.  Pedro  11  o  poder  absoluto. 


3o7 


ras  Hespanholas,  e  hoje  que  não  tem  que  navegar,  não  possuem 
huma  barca.  Em  Missina  ha  uma  casa  de  Consulado,  como 
em  Anvers  outra,  que  conservâo  o  nome  de  Portugal  ^. 

Mas  resta  ver  como  se  perderão  as  Artes  em  Hespanha, 
que  ao  menos  servirá  para  conservar  as  pouces  que  ha  no 
Reino,  quando  não  cuidemos  em  introdiizillas  de  novo.  Os 
Descobrimentos  das  índias,  as  grandes  Coloni&s,  que  naquelle 
vasto  Mundo  se  descobrirão,  e  a  que  foi  necessário  acudir,  foião 
causa  de  que  se  necessitasse  de  mais  roupas,  e  de  mais  manu- 
facturas do  que  os  Artífices  de  Hespanha  podião  fabricar,  e 
por  consequência  que  os  moradores  pedissem  humas  e  outras 
ás  Nações  visinhas,  as  quaes  com  a  ambição  do  ouro  e  prata, 
porque  as  commutavão,  acudirão  a  Hespanha  com  mais  cópia 
do  que  se  lhes  pedia. 

Como  as  Mercadorias  Estrangeiras  erão  mais  custosas, 
ainda  que  na  sub.^tancia  falsas,  e  ?s  davao  a  melhor  preço  do 
que  as  podião  dar  os  Artifíces  de  Hespanha,  começarão  a  ter 
grande  gasto,  não  só  nas  InJias,  para  onde  forão  buscadas, 
loas  em  Hespanha.  Para  isto  ajudou  o  ordinário  erro  com  que 
entendemos  que  tudo  o  que  vem  de  fora  he  o  melhor  ^.  Com 
este  engano  foi  insensivelmente  faltando  o  gasto  a  todos  os  gé- 
neros que  se  fabricavão  em  Hespanha,  e  por  consequência 
perdendo-se  os  Ariifkes,  porque  não  podião  fabricar  o  que  não 
gastavão;  e  todos  se  passarão  ás  índias  a  buscar  cutro  modo 
de  vida  •. 


^  Houve  as  seguintes  feitorias  de  Portugal  no  sec.  xvi :  em  Malaca, 
e  Sevilha,  não  só  pela  importância  d'esta  ultima  cidade,  como  empório 
commercial  das  índias  occidentaes,  e  pela  grande  colónia  portugueza  que 
atli  vivia,  mas  também  por  ^ausa  do  prompto  provimento  dos  lugares  de 
Africa,  com  os  cereaes  da  Andaluzia,  ctc.  A  feitoria  de  Flandres  esteve  no 
fim  do  sec.  xv  em  Bruges,  antes  de  se  transferir  a  Anvers.  Em  França  di- 
rigia os  negócios  a  feitoria  de  Rouen:  a  de  Itfessina  é  menos  conhecida.  V. 
os  nossos  estudos  sobre  a  teitoria  de  Flandres  em  Arch,  artist,  fase.  iv.  De 
Barcelona  basta  dizer  que  foi  a  cidade  que  creou  o  Consolai  dei  mar,  o  mo- 
derno código  marítimo  das  nações  européas;  o  seu  commercio  dominava  o 
Mediterrâneo  nos  sec.  xni  e  xiv.  V.  Heyd.  Levantehandel.,  vol.  i,  pag.  368, 
466,  523,  etc.  A  industria  de  tecidos  de  Segóvia  e  Granada  era  um  dos 
muitos  e  preciosos  legados  da  cultura  árabe,  continuada  pelos  mosarabes  ou 
mouriscos.  Nas  cortes  de  I472-73  os  povos  aHudiam  ainda  á  riqueza  de 
Granada,  produzida  pela  seda ;  as  medidas  adoptadas  por  D.  Aífonso  v  fo- 
ram porém  impróprias  (v.  retro,  pag.  2Íj  e  255,  notas). 

•    Nore-se  bem  que  se  escrevia  isto  em  I675 1 ! 

>  Recorde-se,  mais  nnoa  vez,  que  o  trabalho,  a  experiência,  o  saber, 
os  segredos  das  culturas  e  dos  processos  de  (abrico  estavam  na  população 
mosarabe,  porque  os  trabalhos  manuaes  eram  considerados  como  aviltante» 


3o8 


Não  se  reparou  neste  dam  no,  que  pudera  ter  facil  remé- 
dio no  principio,  e  ficou  Hespanha  sem  Artes,  e  sem  os  mui- 
tos homens  que  das  Fábricas^  e  uso  delias,  se  alimentavão,  e 
dando  ás  Nações  Estrangeiras  pelas  roupas,  todo  o  ouro,  e 
prata  que  navegavão  das  índias.  Quem  não  dirá  quee^te  foi  o 
ca>tigo  das  crueldades  que  os  Castelhanos  executarão  nos  in- 
nocentes  moradores  daquelle  vasto  xMundo,  e  que  despovoando 
aqucllas  Regiões  de  seus  antigos  moradores,  cahio  sobre  elles 
aquelle  castigo—  Remanebitis pauci  numero  ^. 

CAPITULO  VII 

QiÂe  a  Vortugal,  mais  que  a  outra  Nação  da  Europa,  he  uttl, 
e  necessária  a  Introducção  das  cartes 

A  introducção  das  Artes  he  útil,  e  necessária  a  todas  as 
Nações  do  Mundo,  mas  especialmente  a  Portugal,  mais  que  a 
nenhuma  outra  Nação. 

1  ^  Porque  a  falta  das  Artes  lhe  será  nnais  damnosa  que 
a  nenhuma  outra  Nação. 


pela  immeasa  maioria  dos  bespaahSes.'  Este  preconceito  ainda  nio  está  hoje 
destraido.  De  Valeacia,  Murcia,  Aragão,  Catalunha,  das  doas  Castelias,  da 
Mancha,  da  Estremadura,  de  todas  as  províncias  (porque  elles  estavam  es- 
palhados por  todo  o  paiz)  vieram  soUícitações  da  nobreza  e  das  camarás,  pe- 
dindo para  lhes  deiíarem,  ao  menos,  alguns  poucos  mouriscos  que  podessem 
ensinar  os  christãos  velhos ;  mas  esses  poncos  não  conseguiram  inspirar  o 
amor  do  trabalho  a  uma  nação  enervada  pela  ociosidade.  Ainda  assim,  a  or- 
ganisação  dos  offlcios  em  corporaç5ds,  confrarias  ou  mesteres,  (que  remon- 
tam em  Hespanha  ao  sec.  \iv,  e  que  era  muito  secara),  ajudada  pelas  tradi- 
ções antiqaissimas  da  technica  oriental,  traasmittídas  pelos  árabes,  deu  ainda 
as  artes  índustriaes  em  Hespanha  força  sufflciente  para  sustentarem  com  a 
importação  estrangeira  uma  lucta  tenaz,  que  vae  em  decrescendo  até  ao  ad- 
vento da  casa  de  Bourbon  (1701),  a  qual  consagrou  o  triumpho  da  industria 
e  das  modas  francezas. 

^  O  reinado  de  Felipe  iii,  o  soberano  de  Moncada,  acaba  assim:  <Fe- 
Hpe  III,  tan  celoso  católico  como  descuidado  monarca,  poblaba  y  enriquecia 
los  convientos,  y  dejaba  eapobrecer  y  despoblar  el  reino.  Ci^pulsaba  los  mo- 
riscos,  y  mataba  la  industria  y  las  artes :  las  communidades  religiosas  se 
multiplicaban,  y  los  labradores  abrumados  de  tributos  dejaban  el  arado  y 
pedian  limosna.  Felipe  iii  que  por  sus  virtudes  privadas  hubíera  sido  un 
particular  aprecíable,  como  rey  fué  funesto  á  su  pueblo.  Acaso  ganó  para  si 
la  gloria  eterna,  pêro  las  nacíones  necessitan  reyes  que  sepan  ser  algo  mas 
que  santos  varones.»  (Lafuente,  Op.  cit.,  vol.  in,  pag.  285).  Alargámo-nos 
mais  nas  notas  d'este  capitulo  para  que  se  saiba  também  o  que  sodremos 
nós,  03  portuguezes,  com  o  governo  d*estes  Felípes ;  as  cifras  estio  retro> 
pag.  250,  nota  i. 


3o9 


2  *  Porque  a  abundância  das  Artes  lhe  será  muito  uti) 
pela  sua  situação,  e  pela  inconnparavel  qualidade  do  Povo  de 
Lisboa  *. 

Quanto  ao  primeiro  ponto  se  prova  facilmente.  A  Nação 
Portugue7a  naturalmente  bellicosa,  e  ambiciosa,  não  intentou 
estender-se,  e  accrescentar  o  dominio  da  Europa,  ou  por  guar- 
dar  a  boa  fé  com  os  visinhos*,  ou  porque  a  de^tinou  Deos,  com.o 
parece,  para  outros  fins;  e  não  cabendo  nos  limites  deste  Reino,  ^ 
sahío  a  conquistar  e  descobrir  o  Mundo,  primeiro  em  Africa, 
depois  na  Ásia,  e  na  America.  Nesta  ultima  parte  possue  800 
iégoas  de  co.^ta,  que  achámos  inculta  e  bárbara,  mas  sem  dú- 
vida a  mais  fértil  e  ricn  parte  do  Mundo.  Nella  temos  várias 
Colónias  onde,  em  poucos  anros  de  pa?,  crescerão  em  grande 
número  de  habitantes,  e  ao  me^  mo  passo  que  crescerão,  neces- 


^  £'  pena  que  Ribeiro  de  Macedo  nao  analyFaFPe  a  orgaDÍFação  dos 
oflBfios  em  corporações,  D'esie  reino.  A  corporação,  confraria  oo  mester  dava 
08  socorros  na  doença,  sustentava  o  ensino,  recolhia  todos  os  elementos  úteis 
da  tradição,  garantindo  o  trabalho  honrado,  velava  pelos  costnnr  es  dos  ope- 
rários; representava,  em  sumua,  os  ofiicios  com  te  da  a  dignidade.  Em  Por- 
tugal as  coufrarias  organisaram-se  n  uitissimo  tarde,  no  princi^)io  do  sec. 
ivi,  e  alguns  officios  só  no  século  xvii  e  xviii  é  que  trataram  seriamente  do 
ensino,  tendo-se  limitado  até  alli  a  ministrar  socorros  em  caso  de  dcença  ou 
morte,  a  festejar  os  padroeiros  com  missas  e  procissões.  A  esta  ciicunístan- 
cia,  principalnente,  á  tardia  organisação  de  um  solido  ensino  nas  confiarias, 
e  às  deflcientes  disposições  dos  nossos  estatutos,  n  uito  inferiores  aos  hespa- 
nhoes,  se  deve  attntuir  a  pobreza  da  nossa  industria,  a  falta  de  caracter  nos 
productos  da  nossa  arfe  industrial,  em  continua  £luctuaçF:o,  obedecendo  ás 
influencias  mais  contradíctorias. 

Conhecemos  documentos  do  sec.  xv,  p.  ex.  um  Begiwrnío  dos  cviive- 
zes  de  1472,  e  referencias  avuUas  aos  cfficios,  em  outros  papeis  de  14f  2.  mas 
são  testemunhos  isolados.  D.  João  r  estabeleceu  a  casa  dos  Vinte  e  qfiatro.  (Í383) 
em  cujo  governo  entravam  os  oflRcios,  mas  não  ha  docun  enio  que  nos  dé  a 
conhecer  a  organisação  que  elles  tinham  então.  Em  15i7  (Begimenío  da  Pro^ 
ciísão  de  Corpvs  Chrhíi  em  Coimbra)  apparccem  os  ofRcios  com  suas  ban- 
deira?, e  em  iUbi  vemo]-os  em  Lisboa  arrvados,  isto  é,  localisados,  cada 
oflleio  em  sua  rua,  separadamente.  Sobre  a  organisação  dos  oflicios  nada  ha 
escripto.  além  dos  nossos  estudos  n*esta  Bevista,  vol.  11,  pag.  173,  2H,  e 
Arte  Porivgveza,  pag.  46).  Keves  (Variedades,  vol.  i,  pag.  96)  pouco  on 
nada  diz  na  sua  Memoria  sobre  as  corporações  de  ofícios,  artes  e  commercio; 
a  questão  começa,  para  elle,  nos  fins  do  sec.  xvii.  hebello  da  Silva,  Eift,  de 
Portugal,  vol.  iv,  pag.  496,  conhece  como  documento  mais  antigo  o  Be^- 
mento  dos  ofícios  mechanicos  de  Lisboa,  reformado  por  Duarte  Nunes  de  Leão 
em  1572 :  nós  encontrámos,  porém,  regimentos  muito  anteriores,  na  Biblio- 
theca  do  Porto. 

*  Isto  não  é  lá  muito  verdade;  lembremo-nos  das  guerras  de  D.  Fer- 
nando, e  de  D.  Afifonso  v,  do  juramento  de  D.  Manoel  em  Toledo,  como  her- 
deiro de  Castella. 


3io 


sitárão  de  todo  o  género  de  roupas  e  manufaauras  da  Euro- 
pa, dando  em  troco  tudo  o  que  a  cultura  tem  até  agora  desca- 
berto,  e  todas  as  riquezas  que  o  tempo  e  a  industuia  inven*> 
tárão.  Se  as  obras  de  que  necessitarem  forem  Estrangeiras, 
será  dos  Estrangeiros  a  utilidade,  que  a  nossa  indústria  descô' 
briu,  e  nosso  trabalho  cultivou  \  e  viremos  a  ser  no  Brazil  bans 
Feitores  das  Nações  da  Europa  ^,  como  são  os  Castelhanos,  que 
para  ellas  tirão  das  entranhas  da  terra  o  ouro  e  a  prata. 

A  experiência  nos  tem  mostrado  isto  mesmo  em  Moçam- 
bique, ou  nos  rios  de  Sena.  Âquella  vasta  e  riquissima  R^iâo 
que  possuímos,  sem  a  conhecer,  necessita  de  roupas,  pelas 
quaes  nos  commuta  ouro,  e  marfim,  que  por  ellas  recebemos; 
e  porque  as  roupas  são  da  índia,  para  a  índia  vai  todo  o  ouro, 
c  marfim,  que  por  ellas  se  recebe.  E  por  ultima  conclusão:  a  In- 
troducção  das  Artes  ha  de  obrar,  que  sejamos  Senhores  úteis 
do  Brazil ;  a  falta  delias,  que  seja  aquelle  Estado  dominio  útil 
das  Nações  da  Europa. 

Este  Reino  tem  pela  introducção  das  Artes  duas  qualida* 
des  especificas,  que  não  convém  a  nenhum  outro  Reino.  i.*Quc 
corre  a  el'e,  por  caminho  mais  natural,  todo,  ou  a  maior  parte 
do  dinheiro  que  corre  de  Gastella  para  as  mais  Nações  da 
Europa ;  porque  cem  légoas  de  continente,  com  que  estamos 
unidos  a  ella,  serão  outras  tantas  portas  para  entrarem  as  fa- 
zendas lavradas,  tanto  mais  commodamente,  quanto  se  poupará 
de  fretes,  câmbios,  seguros,  piratas,  e  riscos  do  mar.  E  os 
Castelhanos  tefn  hum  grande  interesse  nesta  parte,  porque  hc 
certo  que  os  Estrangeiros  lhe  fazem  a  guerra  com  o  seu  ouro, 
e  que  nós,  sendo  invadida  Hespanha,  acudiremos  a  defendella, 
Tão  cega  hc  a  sua  paixão,  e  tão  mal  entendida  neste  particular, 
que  defendem  de  nós  com  maior  cuidado  o  seu  Commercio, 
que  das  mais  Nações  da  Europa. 

^  A  segunda  utilidade  específica,  que  se  propõe,  he  o  porto 
de  Lisboa,  o  quil  se  reputa  sem  questão  (entre  os  Authores  que 
tratão  esta  matéria)  por  hum  dos  melhores  dois  portos  da  Eu- 
ropa, ^ue  são:  Lisboa  e  Constantinopla  ;  e  por  conseguinte  estas 
duas  Cidades  unicamente  capazes  de  serem  os  maiores  dois 
Empórios  do  Mundo,  e  ambos  igualmente  grandes,  e  seguros. 


^  E*  o  que  estamos  sendo  hoje  nas  nossas  possessSes  de  Africa.  Os 
que  pretendem  desviar  a  emigração  do  Brazil  paraalli,  esqueeem-se  mia  cas- 
to u  perto  de  quatro  secalos  a  encaminhal-a  para  a  America  do  Sol,  e  qoe 
•essa  ideia  nâo  nasceu  para  elles^  os  sábios,  senão  ha  meia  dozia  de  annos; 
o  povo  analphabeto  precisa,  natoralmente,  de  mais  tempo. 


3ii 


Oinstantinopla  e&tá  entre  dois  mares,  situada  em  Europa,  visi- 
nha  da  Ásia,  e  não  distante  da  Africa ;  porém  a  siuiação  de 
Lisboa  he  incomparavelmente  melhor,  porque  está  no  Oceano^ 
e  sessenta  légoas  ás  portas  do  Mediterrâneo.  Antes  que  do- 
brássemos o  Cabo  da  Boa  Esperança,  e  antes  que  se  descobrisse 
a  America,  se  poderia  considerar  Constantinopla  em  melhor  si- 
tuação a  respeito  do  Mundo  conhecido ;  porém,  ilepois  que  pe- 
los mares  se  communicou  o  Occidente  com  o  Oriente;  depois 
que  se  descubrio  hum  novo  Mundo,  Constantinopla  he  o  me- 
lhor porto  do  Mediterrâneo,  mas  Lisboa  o  melhor  porto  do 
Mundo  *. 

Isto  supposto,  o  Cofnmercio  se  faz,  ou  pelas  Producções 
da  Natureza,  ou  pelas  Obras  da  Arte.  O  Reino  he  abundante 
das  producções  da  Natureza,  de  quasi  todas  as  espécies;  mas 
porque  a  Providencia  as  dividio  pelos  climas,  Lisboa  as  pôde 
receber  de  todos,  e  mandar  de  huns  a  outros  mais  fácil  e  com- 
modamente.  Se  tiver  Obras  da  Arte  em  igual  abundância  ás 
Producções  da  Natureza,  será  senhora  do  Commercio  do 
Mundo. 

Amsterdão  he  uma  Cidade  que  está  oito  mezes  no  anno 
cuberta  de  neve,  e  que  tem  quatro  canaes  e  portos  gellados. 
As  entradas  necessitão  de  que  se  alimpem  todos  os  annos,  e  se 
abrão.  Todos  os  ventos  rijos  lhe  são  contrários,  e  pouco  bran- 
dos e  favoráveis ;  porém  iodos  estes  deffeitos  naturaes  suprio 
a  industria,  e  o  trabalho  dos  homens,  de  sorte  que  Amsterdão 
com  as  Artes  e  Commercio,  que  tem,  se  faz  porto  célebre  c 
riquissimo. 

Londres  tem  huma  Ribeira  capacíssima,  e  he  Corte  de 
h';m  grande  Reino ;  mas  o  que  a  faz  populosa  são  as  Artes, 
de  sone  que  sem  ellas  seria  huma  Aldêa,  em  que  assiste  hum 
Rei  e  a  sua  Corte. 

Muitos  entendem  que  a  causa  da  grandeza  de  Parfs  pro- 
cede de  ser  Cabeça  de  hum  grande  Reino,  e  assistir  nella  a 
Corre;  mas  vemos,  que  Madrid  he  Cabeça  de  hum  grande 
Reino,  e  assiste  nella  um  grande  Rei,  e  he  comtudo  huma  Al- 
deã, comparada  com  Amsterdão,  Londres,  e  Parfs. 

A  riqueza  e  grandeza  de  Paris  procedem  de  ser  Univer- 
sidade de  toda  a  Europa.  As  Sciencias,  as  Artes  liberaes  e  H>e- 
chanicas   se  ensinão  c  obrão  em  Paris  com  tanta  perfeição, 


^    y.  os  estados  do  geographo  Kohl  sobre  os  fatoros  destinos  do 
porto  de  Lisboa. 


3l2 


2ue  nos  Gollegios  e  Academias  estudão  e  aprendem  dois  mil 
.avalheiros  das  Nações  visinhas,  entre  os  quaes  ha  commutn- 
mente  Príncipes  de  Casa%  Soberanas  K  Âs  Obras  da  Arte  são 
tão  estimadas,  que  eu  ví  fazerem-se  carroças,  paramentos  de 
camas,  e  adornos  de  casas  para  o  Imperador,  quando  casou; 
para  El-Rei  de  Dinamarca;  para  o  Duque  de  Brunswick;  e  pe- 
direm-se  sedas  a  Paris,  para  galla,  em  ca<(amentos  dos  Gran- 
des do  Reino,  e  dos  Nobres  de  Génova.  Estes  são  os  grandes 
effeitos  que  produzem  o  uso  e  a  abundância  das  Artes  mecha* 
nicas.  Se  ajuntarmos  em  Lisboa  as  prerogativas  da  Arte  ás  da 
Natureza,  que  bastarem  a  fazella  huma  das  maiores  Cidades  da 
Europa,  será  sem  dúvida  a  maior  do  Mundo. 

(ckmané).  Duarte  Ribeiro  de  Macedo. 


A   EXPOSIÇÃO   DE   CERÂMICA 

(CoBtiDOftçio,  T.  pag.  S81) 

Temos  de  analysaro  que  se  fez  em  Vianna  e  em  Barcel- 
los,  em  Extremoz,  em  Coimbra  e  no  Porto,  de  1770  em  diante, 
durante  quarenta  annos,  até  á  estatistica  de  Neves ;  e  ella  pa- 
rece não  ser  completa.  O  nosso  autor  não  cita,  por  exemplo, 
nenhuma  fabrica  em  Vianna  do  Castello,  e  a  exposição  offerece 
productos  nuníerosos  e  muito  notáveis,  com  marca  local,  um  V. 
sublinhado.  Não  é  provável  que  seja  a  inicial  do  nome  de  Van- 
deili,  que  julgamos  reconhecer  em  um  magnifico  prato  da  ex- 
posição, pertencente  ao  snr,  A.  Moreira  Cabral  (armário  B  n.* 
i3).  Além  d''isso  a  marca  supra  está  em  objectos  que  vieram, 
sem  excepção,  de  Vianna,  e  pertenceram  a  casas  religiosas;  a 


^  Esta  afflrmação  é  completamente  exacta.  Aquelles  que  imagiDam 
que  a  omnipotência  da  moda  franceza  nos  sec.  xvii  e  xvrii  foi  só  o  resul- 
tado do  servilismo  e  da  adulação  das  cortes  europôas  perante  a  poderosa  po- 
litica dos  Bourbons,  ouumaomiteraçàodosenso  commam,enganam-se redon- 
damente. A  França  imperava  nataralmente,  pela  soperiorídaae  do  sen  ensino 
technico,  da  sna  arte  indastriai,  das  snas  officinas,  graças  a  um  programma 
de  educação  nacional^  que  bavia  passado  pelas  màus  de  três  mestres:  Ri- 
ehelieu,  Mazarin,  Colbert,  sem  a  menor  solução  de  continuidade^  durante 
sessenta  annos.  (V.  Dumreieher,  Op,  cit.,  eap.  iii.  Der  Golbertismns,  e  Hon- 
necer.  Kritische  GegchicfUe  der  franzõsiscKen  CtUtureinflusse  in  den  4etsten 
Jahrhunderíen.  Berlin,  1875,  pag.  53-132^  obras  que  representam  a  luz  e  a 
sombra  d^essa  begenrM)nia. 


3i3 


maior  parte  acham-se  dispostos  no  armário  C  n.^*  65,  66  e  70 
(pratos)  71  (areeiro  hexagonal)  no  armado  D  está  uma  abun- 
dante collecção  de  floreiras,  n,^*  171-176  e  178-184,  cuja  simi- 
Ihança  de  familia  accusa  a  mesma  procedência,  quando  as  mar* 
ras  uniformes  nâo  bastassem  para  provar  o  próximo  parentesco. 
Nas  Memorias  económicas,  publicadas  pela  Academia  ^  citam- 
se  jazigos  de  argilla  porcellana  em  Villa  do  Conde  e  de  barro 
de  faiença  em  vianna.  Além  da  marca  apontada  téem  os  pra^ 
tos  grandes,  n/* 66  e  70,  as  iniciaes  H.  C.  na  face;  e  ha  ainda 
mais  marcas  Jnéditas.  É^  muito  interessante  a  marca  P  entre 
duas  aspas,  de  um  prato  grande,  n.^  gS  do  armário  D,  o  qual 
tem  na  face  o  nome  «Possidonio».  E'  obra  talvez  do  Porto. 
Sao  ainda  do  Porto,  com  toda  a  provabiiidade,  uma  >serie  de 
peças  marcadas  com  um  R  especial,  que  se  distingue  dá  mesma 
inicia!  da  fabrica  do  Rato  pelos  seguintes  caracteres : 

O  do  Rato  tem  as  hastes  de  grossura  desigual;  o  toque 
do  pincel  forma  linhas  agudas,  cortantes,  e  voltas  grossas.  O 
R  do  Porto  tem  hastes  grossas,  iguaes,  e  é  de  côr  azul,  varian- 
do a  côr  do  outro,  que  ora  é  azul,  ora  côr  de  vinho,  ora  áma- 
rello,  ora  preto.  E'  muito  curioso  o  resultado  da  comparação 
dos  RR  de  duas  canecas,  que  estão  no  armário  D,  em  boa  vi- 
sinhança ;  são  os  n.**  97  (Rato)  e  98  (Porto).  E'  possível  que 
alguém  descubra  ainda  outras  differenças  calligraphicas ;  a 
questfío  parece-nos  digna  de  toda  a  attenção,  e  sentimos  só  não 
poder  acompanhar  a  descripção  com  os  monogrammas,  falta 
que  se  ha-de  remediar  na  Revista  da  Sociedade,  na  qual  se  fará 
taínbem  a  descripção  technica  e  artística  das  peças  portugue- 


^  Lisboa,  I780;  Yol.  I,  pag.  229.  «Em  varias  partes  do  Reino,  e  das 
Conquistas  estão  Argilias  boas  para  a  Porcelana  ^  Fajança  ^  para  os  Cadi- 
lhos '  e  outras  qualidades  de  Ipuça  ^,  para  as  Telhas  e  Ti)olos :  em  muitos 
logares  não  faltáo  margas  para  fertilizar  os  Terrenos  ^.»  £  logo  abaixo : 

«Para  as  Fabricas  de  Vidro  e  vidrar  as  Louças,  temos  excellentes 
Quartzos  \  Arêas  bem  fuziveis  7,  o  Espato  fuzivel  para  a  Porçolana  B.«  Em 
as  notas  citam-se  as  seguintes  localidades : 


X  ArgUÍA  Poraellana  <slo).  S.  Pedro  do  Sol.  VllU  do  Conde. 

S  Coimbra,  Aveiro,  YUnaft,  Alcebaça,  Caldai  dft  Kaloha,  LUbo*. 

5  Soure,  Cordlnbfto. 

4  Coimbra. 

6  Argilla  Marga :  Coimbra,  Torre  Bella,  Ll«boa,  Oeyi  ii3,  Leiria. 

6  Quarteam  Hyaliiíum, 

7  Arnui  iiioMi»»albaade  Goto,  Leiria,  Alfeite. 

5  Geres,  Sorra  da  Eetrolla. 

RBVISTA  DA  SOGIKDADB  DK  mSTRUCÇÃO  DO  PORTO.  21 


3i4 


2fls,  n*UTD  catalogo  especial  K  Entretanto  diremos,  dasde  já,  que 
as  differenças  artísticas  não  são  muito  sensíveis;  a  louça  do 
Porto  é  de  boa  íhassa,  bem  cosida,  com  um  esmalte- bastante 
branco  e  muito  brilhante ;  o  schema  das  cores  é  menos  abaih 
dante  do  que  nas  peças  do  Rato,  mas  é  possível  que,  appare* 
tendo  mais  peças,  surjam  cores  mab  variadas  K 

Temos  ouvido  fallar  da  faiença  de  Barceilos,  mas  a  ex- 
posição não  nos  apresenta  typos  que  convençam.  Accursio  dia 
Neves  cita,  em  1812^  á  fabrica  dos  herdeiros  de  António  José 
Gomes  Ferreira,  na  freguezia  de  Darque,  ao  pé  de  Barcellos, 
que  fabricava  louça  fina  para  o  reino  e  exportava  para  fora, 
segundo  uma  informação  official  do  corregedor  da  comarca  a 
3o  de  novembro  de  1812.  No  Porto  citava  em  1814  somente 
as  fabricas  de  Manoel  Duarte  Silva  e  Francisco  da  Rocha  Soa- 
res, que  exportavam  para  fora,  mas  ambas  em  estado  decaden* 
te,  devido  por  certo  aos  desastres  da  invasão  franceza,  porque, 
posteriormente,  a  fabrica  de  Rocha  Soares  prosperou  muito. 
Neves  não  cita  a  denominação  da  fabrica,  mas  era  sem  duvida 
a  de  Miragaya,  fundada  por  João  da  Rocha  em  1775,  o  qual 
falleceu  a  3i  de  dezembro  de  1779  ^,  tendo  por  seu  successor 
seu  sobrinho  José  Bento  da  Rocha ;  dVste  passou  a  um  sobri- 
nho, que  é  o  Francisco  da  Rocha  de  que  tratamos. 

Dez  annos  depois  da  informação  official  que  dava  a  sua 
fabrica  como  decadente.  Rocha  Soares  tinha  reorganisado  o  seu 
negocio,  corria  as  feiras  das  provincias  (1824),  e  com  tal  êxito, 
que  teve  de  arrendar  duas  fabricas  do  Porto,  a  de  Massarellos 
e  a  de  Santo  António  de  Viila  Nova  de  Gaya  até  1829,  anuo 
em  que  falleceu ;  seu  filho,  do  mesmo  nome,  continuou  o  ar- 
rendamento da  mesma  fabrica  até  i833  e  o  da  segunda  até  1844. 

Em  i836  el-rei  D.  Fernando-visitou  a  fabrica  e  conde- 
corou a  Rocha  Soares,  filho,  com  o  habito  de  Christo.  Os  pro* 
duetos  eram  bons,  de  roda  e  forma,  imitando  muito  bem  os 


^  ToJas  estas  promessas  foram  cumpridas.  Vide  os  documentos  pi> 
blicados  na  Revista,  vol.  n,  numero  de  Dezembro.  Para  a  verificação  das 
marcas  deverá  recorrer-se  ás  estampas  e  ao  Índice  d'ellas,  publicado  a  pag. 
649-6lfo-. 

'  Appareceram  depois,  com  effeito,  n*um  prato  do  snr.  Marciano  de 
Azuaga  e  em  productos  da  Real  Fabrica  do  Cavaquinho ;  nas  peças  de 
Vianna  notámos  qualidades  eguaes,  quando  não  superiores,  á  da  louca  do 
Rato,  pincel  facll,  expedito,  abundância  de  motivos  e  excellente  esmalte. 

^  A  il  de  junho  de  1782  publicava-se  ainda  um  alvará,  isentando 
de  direitos  de  entrada  as  matérias  primas  para  a  fabrica  de  louça  de  Joio 
da  Rocha.  (Latino  Coelho,  Hitt.  de  Portug.,  vol.  1^  pag.  297)* 


3i5 


typbs  estrangeiros.  As  transacções  a1argarà\n-se  até  ás  colónias, 
fandando-se  varias  agencias:  em  Lisboa  (1S42),  em  Setúbal 
^1844),  no  Funchal  (1841)  e  em  Lôanda  (1839). 

Em  1845  estabeleceu  na  rua  da  Esperança  um  deposito 
de  louça,  onde  estavam  representadas  seis  das  principaes  f abri* 
cas  do  Pjrto,  mas  o  contracto  de  deposito  terminou  em  1848. 

Nove  annos  depois  morria  Rocha  Soares  íilho,  e  a  fabrica 
vendia*se  em  hasta  publica.  Assim  terminou  uma  firma  notá- 
vel, que  desenvolveu  grande  actividade  e  á  qaal  é  attribuída 
precfsamente  a  marca,  inicial  R  azul,  de  que  filiámos,  em  op- 

Ksição  á  marca  do  Rato.  Nio  é  possível  tratar  as  restantes 
>ficas  do  Porto,  no  fim  do  secalo  passado,  com  i;;ual  desen- 
volvimento; algumas  ainJa  fjnccionam,  e  então  encontrar-nos- 
hemos  com  ellas,  quando  passarmos  em  r^ivista  os  trabalhos 
da  actualidade.  Temos  sobre  todas  ellas  interessantes  noticias 
históricas,  fornecidas  pelo  snr.  Francisco  Gomes  Pereira,  ainda 
próximo  parente  dos  fundadores  das  fabricas  de  Miragaya,  no*» 
ticias  que  serão  integralmente  publicadas  em  outro  lugar  ^.  No 
emtanto,  citaremos  só  qs  títulos  das  restantes  fabricas,  os  no* 
mes  dos  fundadores  e  a  data. 

Massarellos,  por  Manoel  Duarte  Silva  em  1 738,  com  privi- 
legio de  Real:  por  tanto,  vinte  annos  antes  da  fabrica  do  Rato  1 

Miraqaya,  por  João  da  Rocha  em  1775. 

Santo  Qántonio  de  Palie  de  Piedade  (Gaya),  por  Fran- 
cisco Rossi  em  178. . .  (data  incerta  no  ultimo  alsjarísmo). 

Do  CaPãco  (Gaya),  por  um  parente  do  barão  de  Sar- 
cnento  em  i^8...  (data  incerta). 

E'  mutto  provável  que  seja  a  que  Neves  cita  com  o  nome 
de  Cavaquinho  e  que  foi,  com)  vimos,  fundada  por  Vandelli 
depois  de  1787. 

Na  exposição  universal  dePariz,  em  1867,  esteve  um  prato 
de  faiença  com  a  legenda  pintada:  Nã  real  fabrica  do  Capa- 
fuinho.  Era  ornamentado  a  cores:  azul,  amarello,  violeta  e 
verde,  o  schema  do  Rato ;  nas  quatro  bordas  ramos  soltos,  e 
no  centro  uma  fonte  e  um  medalhão  sobreposto,  sustido  por 
dooft  anjos,  com  a  legenda  citada.  Ha  na  exposição  (armário  A 
n.*  i6o)  uma  molheira  com  a  marca  P  Q  picada  sobre  o  es"- 
fiialte,  que  pôde  ser  da  mesma  fabrica  '. 


*  Vide  Reviêta,  vol.  n.  Documento  v,  pag.  859-563. 

*  Examinando  depois,  detidamente,  esta  peça  pareceu-nos  que  era 
porcelana  e  que  a  marca  podia  ser  apocrypha ;  em  todo  o  caso  é  uma 
ttiai-ca  sBiq>eita. 


3i6 


Da  Fervença  (Gaya),  fundada  por  Manoel  Nunes  da  Co- 
cha ecp  182.. . 

Do  Monte  Copoco  (Gaya),  fundada  pelo  padre  Goalter 
da  Piedade  Queiroz  ou  Que^io^  nome  de  seu  pai,  que  era  ita- 
liano. 

^Do  Carvalhinho  (Porto\  fundada  por  Tbomaz  Nanes  da 
Cunha  em  i83. . . 

Da  Bandeira  (Gaya),  fundador  e  data  ignoram-se.  E* 
hoje  de  Gaspar  G<  nçaKes  de  Castro. 

Do  Senhor  d* Alem  \Gaya),  idem.  E'  hoje  de  José  Antó- 
nio de  Sousa  Braga  &  Irnnão. 

Do  Alio  da  Pontinha  (Porto),  fundada  por  Manoel  Joa- 
quim Gonçalves  &  Irmão  em  i83... 

Da  Afurada  (Gaya),  ignora-se  o  nome  do  fundador  e  data. 

Do  Landal  (Gaya),  idem. 

De  Entre-  Quintas  (Porto),  por  Guilherme  de  Sou/a  Reis 
em  ]8b. • • 

Do  Cavaco  (bis,  Gaya),  por  João  Nunes  da  Cunha  em 
186... 

Das  Deveras.  Muito  conhecida,  fundada  pelo  snr.  Antó- 
nio de  Ainreída  Costa. 

Da  Torrinha,  por  Manoel  José  Soares  em  184. .  • 

Não  se  pôde,  pois,  dizer  que  a  actividade  do  Porto,  na 
industria  cerâmica,  haja  diminuído;  pelo  contrario,  e  a  expo^ 
si<;ão  o  prova.  Os  productos  do  Porto  estão  em  toda  a  parte; 
encontrámol-os  nos  logares  mais  pequenos  do  Alemtejo  e  do 
Aigarve.  Ha  mesmo  um  grande  receio  da  concorrência  do 
Porto  nas  provincias  do  sul,  que  tem  .^eu  fundamento. 

Em  todo  o  Alemtejo  não  ha  hoje  uma  única  olaria  de 
faienqa,  uma  única  fabrica  de  louça  branca  vidrada,  e  em  todo 
o  Algarve  ha  apenas  uma,  em  Olhão,  que  tendo  promettido, 
formalmente,  concorrer  á  exposição,  e  dado  a  palavra  ao  signa- 
tário, faltou  com  medo  á  industria  do  Porto,  estatuto  a  traba- 
lhar ha  do7:e  annos  I  O  Alemtejo,  uma  das  regiões  mais  ricas 
e  mais  distinctas  pelos  seus  celebres  barros  (Évora,  Estremoz, 
Yilla  Viçosa,  Redondo,  Reguengos,  Aldeia  do  Matto,  Beja,. 
Castro  Verde,  etc.))  abundantissima  em  material,  em  espécies 
variadíssimas  e  preciosas — o  Alemtejo  não  sabe  produzir  uma 
boa  coberta,  um  bom  esmalte  branco;  apenas  o  snr.  Arcádio 
da  Silva,  de  Villa  Viçosa,  o  conseguiu  ha.  muito  pouco  tempo, 
continuando  com  êxito  os  seus  ensaios,  dignos  de  larga  pro- 
tecção. 

Esta  penúria  contrista,  quando  nos  lembramos  que  el-rei 


3i7 


D.  Sebastião  não  duvidou  apresentar  n^um  grande  banquete, 
tlado  ao  cardeal -Lega  do  Alexandrino,  os  celebres  productos 
de  Estremoz,  no  meio  da  su  i  baixella  de  ouro  ^  Ainda  no  fim 
do  século  passado  a  fabrica  da  Viuva  Antunes  produzia  alli 
faiença,  que  rivalisava  com  a  melhor  de  Portugal,  e  pouco  fi- 
caria a  dever  á  de  França,  a  julgar  por  um  pote  de  considerá- 
veis dimensões,  que  vimos  no  pequeno  muzeu  da  Camará  Mu- 
nicipal ;  a  pasta,  a  coberta,  a  modelação,  a  pinrura,  tudo  era 
excellente. 

A  peça  tem  em  lettras  bem  visiveis,  na  frente,  o  nome  do 
fabricante  uiuua  antunes.  Uma  outra  fabrica  muito  notável  de 
Estremoz  era  a  de  frei  Luiz  Pernancho ;  vivem  ainda  pessoas 
que  a  conheceram,  e  essas  apontam  também  as  localidades  de 
mais  quatro  ou  cinco  fabricas  '.  E,  comtudo,  não  ha  hoje  mais 
de  oito  a  dez  oleiros  em  Estremoz,  e  nenhum  produz  faiença  t 
E'  tudo  barro  vermelho,  vidrado  ou  tosco.  N'uma  ca^^a  parti- 
cular ^de  Évora  descobrimos,  além  de  varias  peças  do  Rato, 
mais  uma  marca  nova :  LoBo  em  um  prato  pequeno,  de  so- 
bremesa, muito  distincto  pela  sua  modelação  e  com  pintura 
igual  ás  meihores  peças  que  temos  visto  do  R  uo. 

A  commissão  aguarda  uma  caixa  com  cerca  de  cincoenta 
peças  de  antiga  louça  de  Estremoz,  que  o  signatário  conseguiu 
reunir  na  localidade  e  em  Évora  ^. 

Não  pára  aqui  a  lista,  a  noticia  de  mil  cousas  esquecidas. 
Quem  nos  sabe  dizer  o  que  é  feito  dos  productos  de  treze  fa- 
bricas de  Coimbra,  existentes  em  i8i3  (além  da  de  Vandelli), 
da  fabrica  de  Aveiro  pertencente  a  Custodio  Ferreira  da  Silva 
á  C*  (1811),  da  fabrica  de  Alcoutim  (Alemtejo,  iSiS),  da  fa- 


^  V.  a  Relação  da  Embaixada  do  Cardeal-Legado  Alexandrino  a 
D.  Sebastião  no  Panorama.  Lisbon,  184 1  e  1842.  tSobre  a  mv^sa  estava 
semcre  um  grande  vaso  de  prata  cheio  d'3gua,  do  cjual  se  deitava  em  um 
jarro,  chamado  na  lingua  portugueza  púcaro^  do  feitio  de  uma  urna  antiga, 
d*altura  dum  palmo,  e  feito  de  certo  barro  vermelho,  subtilissimo  e  luzi- 
dio, que  chamam  barro  (ÍEitremo^s  pelo  qual  eirei  bebeu  seis  vezes»  (pag. 
347  do  anno  i842). 

•  São  informações  que  nos  deram  na  própria  localidade.  No  /«- 

Í\uerito  industrial  de  iS8i.  (Inquérito  directo.  2.*  parle.  Visita  às  fabricas, 
ivro  3.»),  diz-se  que  Frei  Luiz  falleceu  no  primeiro  quartel  d'este  século,  e 
cita-se  um  prato  de  faiença  estampada  «imitação  da  porcelana  da  (ihina», 
da  sua  fabnca.  Notaremos  que  a  única  peça,  ^ssignada,  do  museu  munici- 
pal, é  o  pote  da  Viuva  Antunes  (fim  do  sec.  xviii),  que  nunca  foi  amphora» 

•  Chegou  só  a  coUecção  de  Estremoz,  composta  de  vinte  peças  an- 
tigas, que  o  snr.  António  Augusto  Franco,  proprietário  da  localidade,  ge* 
nerosamenie  offereceu  ao  museu  doesta  Sociedade. 


i 


$18 


de  Porto  de  Moc  (Ef treonadura),  de  quatro  fabricas  de 
Martím  Longo  (A)cmteio^,  de  outras  tantas  en  Alhandra  t  de 
cinco  que  havia  cm  Lisboa,  e  que  não  são  as  que  citioros  ba 
pouco?  Tudo  isto  vivia  de  1811  a  i813,  satisfazendo  o  con- 
sumo do  reino,  das  ilhas  e  das  colónias. 

Concluiremos  este  capitulo  de  historia  antiga  com  a  iista 
das  fabricas  de  Lisboa,  na  e5peranqa  que  estes  breves  aponta- 
mentos di^pertarSo  a  curiosidade  dos  collcccàonadores,  e  dV 
quelles  que  o  não  são,  e  tecm  talvez  em  casa  alguma  peça  di^ 
gna  de  voltar  a  tm  legar  de  honra ^ro  aparador,  como  louça 
pertugueza,  ou,  ao  menos,  uma  peça  quebrada,  que  pode  ser 
posta  a  bom  recado  em  vm  muzeu. 

José  Rodrigues  de  Magalhães;  na  Bica  do  Sapato,  oo' 
bairro  de  Alfama.  Estava  decadente  em  i8i3. 

José  Maria ;  na  travessa  dos  Ladrões,  no  bairro  Alto.  No 
mesmo  estado ;  mesmo  anno. 

Pedro  Celestino  Soares ;  na  travessa  do  Pé  do  Forno,  no 
bairro  do  Mocambo.  Estava  em  bom  estado  e  fornecia  o  reioo, 
as  ithas  e  America  (1812). 

Jcãc  Moniz  Vieira ;  na  travessa  da  Bella  Vista.  Estacionaria. 

António  Alves  da  Silva  Bastos;  mesma  travessa.  Idem.. 

11 

A  INDUSTRIA  ACTUAL 

Começaremos  com  a  das  cidades  e  villas.  Porto,  AveirQ 
e  Ílhavo  (Vista  Alegre),  Coimbra,  Caldas,  Lisboa  e  fabrica  de 
Sacavém,  que  pôde  ser  addiciopada  ás  da  capital,  flis  a  l|st|^ 
que  pomos  aqui  por  extenso,  porque  nos  poupará  o  trabalho  e 
fncommodo  de  muitas  repetições. 

Porio  e  Villa  Nova  de  Gaya : 
Massarellos — João  da  Rocha  Souza  e  Lima. 
Santo  António  de  Vai  Piedade  — Mc noel  Alves  Fcrrjrira 
jpinto.  Chamal-a-hemos  simplesmente  Sanio  António. 
Torrinha  —  Viuva  de  Soares  Rego. 
Senhor  d'Além  —  Braga  &  Irmão. 
Bandeira  —  Cândido  Augusto  de  Sá  Castro. 
Cavaco — Angelo  da  Silva  Macedo. 
Carvalhinho  —  Thomaz  Nunes  da  Cunha  e  Silva. 
Devezas  —  António  Almeida  da  Costa  d  C* 

oAveiro : 
Luiz  de  Mello  GuimarSes  d:  Noirbertp, 


3 19 


Vista  Al^re  (Uhato) : 
Fabrica  Pinto  Bastos. 

Coimbra  : 
Bento  Jo^é  da  Fonseca  &  Filhos. 
Adelioo  Augusto  Pessoa  de  Irmão. 
José  António  da  Cunha. 

Fii^ueira  da  Fo^  (Viso) ; 
José  Maria  Gonçalves  Amaro. 

Caldas  da  Rainha : 
M.  Mafra. 

Lisboa : 
Viuva  Lamego  (Intendente). 
José  Gregório  Baudoin. 
João  Roseira. 
Pinto  Magalhães  de  C* 
Fabrica  Nacional  -  -  Simão  José  Pereira. 
Fabrica  de  Sacavém  —  Stott  Howorth  (gerente). 

Das  ilhas  concorreu  somente  o  snr.  Manoel  Leite  Pereira 
(S.  Miguel)  e  em  boa  hora  o  ftz^  porque  os  seus  productos  fi* 
guraro  entre  os  mais  distinctos  da  exposição,  como  veremos. 

Ha  ainda  a  apontar  o  snr.  Francisco  Raphael  Gorjão 
Henriques,  da  Abrigada,  que  não  incluímos  na  lista  porque  ex* 
p5z  só  uma  especialidade ;  tubos  de  grés,  e  do  mesmo  modo 
omittimos  a  Empreza  Cerâmica  de  Lisboa,  que  expôz  só  telha 
e  tijolo  do  typo  marselhez. 

Serão  ambas  mencionadas  especialmente,  quando  tratar» 
mos  dos  materiaes  de  construcçSo. 

De  Lisboa  faltaram  os  snrs.  Correia  com  fabrica  na  rua 
da  Imprensa  Nacional,  e  a  fabrica  das  Jaoellas  Verdes.  Esta 
ultima  está  n^um  período  de  reforma,  porque  mudou  de  pro* 
príetarío  ha  poucos  mezes.  A  outra  não  tinha  porém  nenhuma 
razão  para  faltar,  tendo  o  signatário  ido  lá  pessoalmente,  duaa 
vezes.  O  mesmo  diremos  da  fabrica  de  Olhão  (Algarve).  Em 
geral,  os  fabricantes  suppozeram  que  a  exposição  da  Sociedade 
reclamava  d'elles  esforços  desusados,  e  que  era  necessário  apre- 
sentar obras  especiaes,  obras  que  podessem  ^^t/rar.  Por  estas 
observações^  repetidas  varias  vezes,  apesar  das  declarações 
osuiio  positivas  e  muito  explicitas  do  programma,  se  cocciue 
que  muitos  não  o  leram,  ou  o  leram  mal.  As  exigências  das. 
grandes  exposições  internactonaes  estabeleceram  n^esta  parte  un% 
mau  precedente- 

As  peças  que  as  nossas  fabricas  de  cerâmica  podem  exer 


320 


cutar,  como  trabalho  excepcional,  sahem  tão  caras,  que  o  fa- 
bricante não  as  torna  mais  a  fazer,  e  essas  mesmo,  pôr  muito 
notáveis  que  sejam,  não  podem  ainda  concorrer  com  pecas  idên- 
ticas das  fabricas  estrangeiras,  que  ellas  li  consideram  excep- 
cionaes.  Assim  é  que  a  fabrica  das  Janellas  Verdes  (Compaaua 
Constância)  tendo  feito  um  prato  pintado  de  figuras,  uma  peça 
no  género  das  majolicas  italianas  (v.  as  peças  do  snr.  Cifka), 
de  grandes  dimensões  (5o  a  6o  centim.  de  diâmetro)  a  mandou 
para  Paríz  em  1867,  onde  foi  feita  em  pedaços,  na  secção  por- 
fugucza. 

O  possuidor  não  quiz,  com  razão,  arriscar  a  peça  irmã, 
que  lhe  resta,  para  não  perder  gofjooo  réis,  preço  do  fabrico. 
O  serviço  de  transportes  ainda  é  feito  no  paiz  com  pouco  cui* 
dado  para  que  se  possa  arriscar  uma  obra  de  tanto  valor;  a 
Sociedade  teve  mesmo  nas  suas  peças  algum  prejuízo. 

Outro  contratempo: 

O  sionatario  ouviu,  por  toda  a  parte,  as  mais  amargas 
queixas  a  respeito  do  mau  êxito  de  anteriores  certamens.  Â  Ex* 
posição  portugue  a,  pnncipalmente,  realisada  no  Rio  de  Janeiro 
a  6  de  agosto  de  1879  pela  Companhia  fomentadora,  deixou  as 
mais  tristes  lembranças.  Foi  nas  suas  consequências  uma  der- 
rota económica  e  moral,  cujos  efleitos  sentirão  ainda,  pesada- 
mente, e  por  muito  tempo,  todos  aquelles  que  se  lembrarem  de 
pedir  o  auxilio  dos  industriaes  portuguezes  para  novas  tentati- 
vas, embora  ellas  sejam  feitas  no  reino,  e  com  a  maior  since^ 
ridade. 

Não  compete  ao  signatário  apurar  as  responsabilidades 
d^essa  derrota ;  o  que  elk  pretende  é  sublinhar  os  obstáculos 
que  encontrou  no  seu  caminho.  Queixas  e  reclamações  por  toda 
«  parte;  um  resentimento  ainda  vivissimo,  apesar  dos  quatro 
annos  que  já  passaram  por  cima  da  defuncta  Companhia  fo- 
mentadora  ^  I  Elle  pôde  apenas  responder-lhes  que  a  Sociedade 
nada  ofiferecia,  nada  promettia,  nem  ganâncias,  nem  prémios^ 
porque  então  nem  tinha  sequer  os  3oo^ooo  réis  que  lhe  conce- 
deu o  governo ;  que  ella  apenas  tentava  inspirar  a  fé  n^umas 
certas  ideias,  a  fé  no  trabalho  nacional,  que  se  ia  honrar  em 


^  O  titulo  primitivo  era  Soàedade  fomentadora  das  artes  e  indu- 
strias portuguesas,  mudado  depois  em  Companhia  fomentadora  das  IndU' 
st  rias  e  Agricultura  de  Portugal  e  suas  colónias.  Veja -se  a  historia  da  em- 
preza,  publicada  sob  o  titulo:  Subsidios  para  a  historia  da  primeira  ejcpo* 
siçáo  portuguesa  no  Rio  de  Janeiro,  na  Revista  da  exposição.  Rio  de  Janeiro, 
2879.  N.-  I  a  5. 


321 


nossa  casa,  ás  nossas  portas,  em  um  edifício  que,  por  certo, 
não  representava  pela  ideia  dos  fundadores,  nem  ganância,  nem 
criminoso  egoísmo.  Foi  isto  o  que  elle  disse,  e  importa  affir- 
mal-o  novamente,  e  todos  os  dias,  para  que  as  próximas  expo- 
sições de  ourivesaria  e  indusiVias  caseiras  dêem  bom  resultado. 

O  nosso  lucro  nVstas  tentativas  é  conhecido ;  está  patente 
nas  nossas  contas,  publicadas  com  pontualidade.  Que  o  lucro 
dos  fabricantes  nSo  é  para  despresar,  provam-n^o  os  >  umero.<os 
bilhetes,  com  a  marca  vendido,  e  as  encommendas  que  não  são 
poucas,  nem  pequenas.  A  sociedade  não  tira  d'essas  vendas  a 
menor  percentagem;  paga  uma  contribuição  bastante  pesada  á 
direcção  do  Palácio  de  Crystal,  e  distribue  ainda  algumas  cen- 
tenas de  bilhetes  gratuitos. 

Confiamos,  pois,  que  os  snrs.  fabricantes  ponuguezes  se 
convencerão  de  que  a  sua  causa  é  a  nossa,  e  que  o  operário  por- 
tuguez  poderá  dizer  um  dia  que  encontrou  na  sociedade  a  luz 
da  instrucção  e  o  bom  exemplo,  que  vale  um  pouco  mais  que 
a  esmola. 

Os  productos  da  actualidade  occupam  as  quatro  extensas 
bancadas  da  nave,  que  correm  parallelas,  duas  a  duas.  Entre 
ellas,  no  centro,  sobre  um  grande  octogono,  estão  os  productos 
da  fabrica  das  Devezas.  A^  entrada  vêem-se  os  azulejos;  os 
amigos,  em  semi-circulo,  envolvendo  os  modernos;  e  no  fim  da 
nave,  junto  das  escadas  que  sobem  para  o  palco,  em  uma  ex- 
tensa linha,  os  productos  da  Vista  Alegre,  que  occupam  ainda 
um  grande  espaço  das  linhas  perpendiculares  immediatas,  na 
parte  interna.  Encostadas  ás  columnasque  sustentam  as  gale- 
rias da  nave  estão  ainda  duas  linhas  cerradas  com  a  obra  das 
aldeias.  O  palco  foi  aproveitado  para  a  louça  antiga  portuguezá 
(armários  A-E)  e  para  a  da  índia,  China  e  differentes  paizes 
da  Europa. 

A^  Empreza  Cerâmica  de  Lisboa  foi  concedida  licença 
para  construir  um  çhalet  no  palco,  no  qual  se  pôde  estudar  o 
systema  de  cobertura  marselhez.  Figuram  alli  também  os  la- 
drilhos mosaicos  da  firma  Pinto,  Magalhães  &  C  %  de  Lisboa 
e  Porto.  Apesar  das  grandes  dimensões  da  nave  foi  necessário 
occupar  a  galeria  superior  do  lado  direito  com  uma  grande 
quantidade  de  material  de  construcção,  telhas,  tijolos,  etc.  Tam- 
bém alli  foi  collocada  a  remessa  da  Fabrica  Nacional  de  Lis- 
boa, que  chegou  com  atraso. 

Faltou  ainda  lugar  especial  para  a  grande  coUecçao  de 
barros  nacionaes,  que  estão  na  segunda  bancada  do  lado  di- 
reito, encobrindo  uma  parte  da  louça  preta. 


Í%2 


Com  os  azuleios  estio  as  estampas-modêlos  da  indostria 
cerâmica,  procedeme»  das  e&cholas  dVte  indascrial  de  Vienoa^ 
Munich,  Stuttgart,  Níirnberg^  etc,  e  no  palco  as  estampas  doa 
antigos  compêndios  portuguezes  e  alguns  livros  sobfe  cerâmica 
portuguezes  e  estrangeiros.  E^  esta  a  dispoaiçio  geral. 

Não  pretendemos  fazer  uma  revista  completa  da  exposi- 
ção ;  falta-nos  lugar,  e  cansaríamos  o  leitor.  Também  não  pre* 
tendemos  ser  infalliveis,  O  que  dissermos  representa  apenas 
uma  opinião  particular ;  mais  nada-  Na  nossa  analyse  convide* 
raremos  os  grupos  de  objectos,  chamando  á  presença  do  leitor 
os  expositores  que  os  representam.  Ânalysando  os  grupos,  não 
podemos,  já  se  vê,  considerar  as  variantes  senão  quando  apre* 
sentarem  qualquer  feição  notável. 

Em  primeiro  lugar  devcmcs  mencionar  os  serviços  de 
uso  quotidiano^  a  louça  domestica.  Ha  alli  muito  exemplar  bom« 
por  preços  muito  económicos,  e  com  o  apuro  suficiente  para  as 
nossas  famílias  burgueza*».  Aquelles  que  quizereni  ser  ou  pare-» 
cer  muito  fidalgos  podem  continuar  a  comprar  louça  francezi 
de  refugo  ou  a  louça  da  China,  feita  ás  portas  de  Paris. 

Em  gera),  a  faiença  portugueza,  mesmo  as  peças  da  fabrica 
de  Sacavém,  ainda  téem  um  longo  caminho  a  percorrer,  sob  o 
ponto  de  vista  da  manipulação  e  da  mistura  dos  materiaes,  da 
modelação  e  da  pintura.  Os  esmahes  e  as  cobertas  são  ás  ve* 
zes  brilhantes,  mas  as  peças  sahem  tortas;  temos,  por  exem^* 
pio,  seis  chávenas  todas  do  m&^mo  serviço  de  chá  e  todas  do 
differente  tamanho,  porque  entortaram  no  fõmo,  e  entortaram, 
porque  o  oleiro  não  conheceu  nem  o  grau  de  calor,  nem  a  mis-» 
tura  do  material,  nem  as  partes  componentes  da  mistura :  o  ca<» 
racter  chimico  dos  diSerentes  barros,  hs  a  força  exacta  das  dó-> 
ses.  Outras  peças  téem  boas  cores  de  pintura,  isto  é,  intensi^* 
dade  da  cõr  e  transparência,  mas  estes  recursos  foram  maiba-- 
ratados  n^um  péssimo  desenho.  Dír^se-hia  que  muitos  dos  nos* 
SOS  desenhadores  vieram  de  qualquer  colónia  chineza,  tal  é  a 
monomania  do  assumpto  chinez.  A  fabrica  de  Sacavém  mesmp^ 
cukivava  esse  género  ainda  ha  pouco  com  singular  teÍ0M>sia* 
Certos  fabricantes,  sentindo  a  falta  de  bons  amríces  para  bons 
e  variados  desenhos,  recorreram  ás  cores  unidas,  ao  serviço  de 
côr  uniforme,  e  o  publico  comprou  a  valer,  seduzido  pela  ex- 
trema barateza,  e  não  reparando  que  a  graduação  igual  da 
mesma  côr  é  um  requisito  indispensável  em  peças  do  mesim» 
serviço.  Estamos  convencidos  que  o  publico  pagaria  mesmo  a 
dobro  do  preço,  uma  vez  que  se  remediassem  os  defdtoa  apoQ«» 
tados  e  mais  sensiveis,  a  côr  desigual  e  a  variação  no  tamanho» 


^^ 


Em  geral  ix>ta*se  que  o  fabricante  portuguez  só  ambiciona  sur- 
tir o  mercado  portuguez,  e  dentro  do  mercado  portuguez  ape* 
4Das  a  faroiiia  popular,  ou,  quando  muito,  a  de  medianos  have- 
jre$.  Âbstrahe-se  então  do  apuro,  do  aperfeiçoamento  das  formas^ 
do  bom  desenho,  da  harmonia  das  cores,  e  attende-se  somente 
é  barateza.  E,  com  effeito,  essa  barateza  causa  espanto  nos 
productos  do  snr.  Souza  Lima  (Massarelios^),  do  snr.  Silva  Ma« 
cpdo  ("Casaco),  do  snr.  Cunha  e  Silva  (Carvalhinho)  e  do  snr. 
Baudoin  (Li&boa),  que  são  as  que  mais  se  distinguem  n^e^ses 
serviços  de  lavatório,  de  chá,  de  mesa,  etc,  baratíssimos.  Os 
preços  regulam  gns  pelos  outros,  com  pouca  diífererça: 

Serviço  de  lavatório  }4ooo  a  2^800  réis,  com  quatro  a 
Wo  peças ;  duas  peças,  bacia  e  jarro,  pintaco  e  esmaltado  400 
réis  (>nr.  Baudoin). 

Qs  serviços  de  chá  e  cafTé  parcceram-nos  ainda  mais  bara- 
tos ;  para  seis  a  doze  pessoas,  çhá  e  café,  3^ooo  a  4i9í5oo ;  para^ 
quatro  i^í6oo  réis  por  nove  peças. 

Os  serviços  de  mesa  apresentam  preços  não  menos  con^ 
vldativos ;  assim  houvesse  um  pouco  mais  de  apuro,  embora  os 
preços  subissem  alguma  cousa.  O  snr.  Souza  Lima  tem  um 
serviço  de  mesa  de  setenta  e  seis  peças,  faiença  branca  com 
y^tas  verdes^  que  custa  apenas  y^jlcoo  réis ;  toi  logo  vendido» 
Ao  pé  fstá  outro  com  pintura  azul  mais  pretenciosa  e  menos 
lelia  (rococo)  ppr  i2i9k}oo  réis;  ainda  não  sç  vendeu.  São  tam- 
bém dignos  de  menção  os  serviços  de  mesa  dos  snrs.  Cunha  e 
SUva^  e  Silva  Macedo,  que  não  valem  menos  pela  feitura. 

Fciltam-lhe,  porém,  os  preços.  Rogamos  aos  interessados 
novamente  (como  já  o  fez  a  commissão)  o  obsequio  de  marca* 
rcNSi  os  preços  a  todas  as  peças  que  ainda  não  os  téem ;  quem 
perde  nSo  somos  nós.  O  snr.  Souza  Lima  que  marcou  tud<^ 
vendeu  também  quasi  tudo,  a  estas  horas. 

Re^ta-nos  fatiar  da  faiença  de  Sacavém,  que  se  pôde  con* 
siderar,  entre  nós,  como  faiença  de  primeira  classe ;  mas  entre 
este  classe  e  a  segunda,  de  que  falíamos  antes,  já  pouca  distan- 
cia ha.  Te-^ha  a  fabrica  de  Sacavém  isto  como  um  aviso;  03 
9^us  progressos  sob  o  ponto  de  vista  do  desenho,  da  novidade, 
da  variedade  e  do  bom  gosto  dos  padrões  são  muito  modestos. 
Eco  todos  os  seus  productos  notámos  só  dous  padrões,  um 
noico  nos  serviços  de  lavatório  e  dous  nos  serviços  de  mesa; 
um  d^esteç,  porém,  é  do  antigo  fundo  da  fabrica  e  foiappli- 
cado  a  um  único  serviço  de  moldes  antigos  (peças  grandes  oi- 
tavadas), porque  os  restantes  serviços  de  mesa,  com  peças 
^aade»  eUipticas,  são  de  um  único  padrão.  O  merecimento  re« 


324 


ativo  dos  productos  doesta  fabrica  está  na  boa  mistura  do  ma- 
terial, na  boa  cosedura,  porque  as  peças  estão  direitas,  não  em- 
penaram, e  na  igualdade  (aproximada)  do  colorido.  O  esmalte 
é,  porém,  muito  amarello  ainda,  o  que  dá  á  louça  um  aspeao 
men  js  favorável. 

Um  exame  rápido  das  peças  de  serviço  de  mesa  e  chá  do 
snr.  Cunha  e  Silva,  que  estão  defronte,  deve  dar  que  pensar 
aos  snrs.  fabricantes  de  Sacavém,  se  se  dignarem  visitar  a  ex- 
posição. 

Os  preços  de  Sacavém  regulam  pelo  seguinte : 

Serviço  de  lavatório,  cinco  peças,  Sf^ogo  réis,  preço  ge- 
ral; um  único  serviço  de  padrão  antiquado,  2^91240  réis. 

Serviço  de  chá  para  doze  pessoas,  dezesete  peças,  réis 
2^600. 

Serviço  de  mesa  (meio  serviço),  noventa  peças,  lôjjíooo 
réis.  Idem,  de  padrão  antiquado  (peças  oitavadas),  i3^ooo  réis. 

Adiante  trataremos  das  peças  avulsas  do  serviço  domes- 
tico, das  canecas  de  variadíssimas  formas,  em  que  se  distingue 
a  collpcção  do  snr.  Pinto  (Santo  António),  dos  bellos  vasos  de 
flores  da  snr.*  viuva  Lamego,  da  louça  preta  vidrada,  especia- 
lidade da  fabrica  da  snr.*  viuva  Soares  Reí^o,  e  de  vários  ou- 
tros productos  das  provincias,  que  exigem  ainda  um  exame 
mais  demorado. 

Da  casa  para  o  jardim  a  distancia  não  é  grande;  uma 
mesa  sem  flores  é  cousa  que,  no  Porto,  já  não  se  comprehende 
bem  em  certas  familias.  O  que  se  gasta  em  vasos  francezes  de 
faiença  e  porcelana  (ou  antes  vidro)  nas  casas  remediadas  do 
Porto,  não  é  pequena  quantia;  nos  jardins  ainda  se  sustentam 
as  grandes  figuras  de  faiença,  as  quatro  estações  e  as  cinco  par- 
tes do  mundo,  umas  tristes  figuras  brancas  como  a  neve,  que 
fazem  frio  á  gente^  umas  allegorlas  estafadas,  que  ninguém  sabe 
d'onde  vieram.  Emparelham  com  esses  phantasmas  brancos 
uns  certos  cães  felpudos  de  agua,  uns  tantos  galgos  melancóli- 
cos, que  são  irmãos  de  outros  de  igual  temperamento,  espalha* 
dos  pelos  nossos  cemitérios. 

Tudo  isto  tende  a  desapparecer,  felizmente.  A  fabrica 
das  Devezas  já  faz  ha  annos  typos  populares  com  os  trajes  na- 
cionaes,  em  ponto  grande,  que  são  bem  modelados  e  bem  co- 
loridos. Melhor  seria  ainda  se  os  fabricasse  em  faiença  vidrada 
e  colorida,  como  os  Robbias  faziam  as  grandes  figuras  italianas 
dos  séculos  xv  e  xvi. 

As  outras  peças  grandes  decorativas,  de  jardins  epateos9 
estão  muito  bem  representadas  na  coUecção  dai  Devezas;  vasos 


325 


de  todas  as  dimensões,  fontes,  repuxos,  cercaduras  de  taboIei% 
ros,  centros,  floreiras  em  ponto  grande,  peças  de  ornamentação 
para  pateos,  entradas  de  casas,  e  escadas,  etc,  em  summa:  uma 
exi>osição  muito  distincta,  e  que  abona  o  talento  do  artista  mo- 
delador da  fabrica  o  snr.  Teixeira,  sócio  do  snr.  Costa.  O  esta- 
belecimento das  Devezas  ainda  se  acha  representado  em  outras 
especialidades;  teremos,  pois,  de  o  citar  mais  de  uma  vez. 

Seria  injustiça  não  mencionar  com  especial  louvor  os  va- 
sos de  faiença  da  snr.*  viuva  Lamego,  de  Lisboa.  A  fabrica 
teve  o  cuidado  de  nos  mandar  dous  exemplares  de  algumas 
peças,  de  sorte  que  o  mesmo  typo  se  pôde  estudar  em  biscoito, 
isto  é  sem  esmalte,  nem  tinta,  com  a  côr  natural  do  barro,  e 
prompto  de  todo,  isto  é:  esmaltado  ou  vidrado  e  colorido.  Os 
seus  vasos  grandes  de  6,  8,  lo  e  i2f$ooo  réis  são  excellentes 
majolicas,  de  bsllo  effeito;  um  par  foi  logo  vendido;  o  exem- 
plar cem  lavor  de  folhas  de  carvalho  e  bolotas,  assentado  sobre 
três  pés  com  mascaras  de  satyros,  é  uma  das  peças  de  faiença 
mais  distinctas  da  exposição.  E'  magnifica,  de  um  beiio  effeito 
decorativo,  e  relativamente  barata,  a  sua  grande  talha  para  agua 
(4iií5oo  réis);  já  devia  estar  vendida.  O  mesmo  favor  m^ereciam 
dous  bellos  vasos  dzues,  ornados  de  plantas  aquáticas. 

^E'  muito  notável  também  a  collecção  de  vasos  pequenos 
de  sala,  da  fabrica  de  Massarellos  (snr.  Souza  e  Lima).  São 
trinta  e  tantos  typos  difFerentes,  uma  parte  faiença,  mo  é,  barro 
vidrado  e  pintado,  outra  parte,  barro  simplesmente  pintado  a 
tinta  de  óleo,  e  dourado  ou  prateado.  Alguns  exemplares  po- 
dem sofTrer  a  comparação  com  muitos  va>os  /rancezes  de  sala, 
que  apparecem  em  o  nosso  mercado,  não  faltando  na  questão 
de  preço,  porque  é  impossível  produzir  mais  barato  e  com  um 
esmero  superior  á  própria  louça  de  mesa  do  mesmo  fabricante. 
Se  esta  fosse  levada  a  igual  apuro,  a  fabrica  de  Sacavém  es- 
taria supplantada. 

Apresentam  ainda  vasos  muito  baratos,  mas  de  execução 
mais  simples,  os  snrs.  Pereira  (Fabrica  Nacional,  Lisboa) ;  Fer- 
reira Pinto  (Santo  António),  Baudoin,  de  Lisboa,  Silva  Ma- 
cedo (Cavaco),  este  ultimo  com  bellos  esmaltes. 

Com  os  vasos  andam  em  boa  companhia  as  jarras  de 
flores,  que  5ervem  para  ornar  os  altares  das  nossas  igrejas.  Os 
antigos  conventos  ainda  conservam  alguns  typos  muito  curio- 
sos n'esta  especialidade.  Já  nos  referimos  á  collecção  vinda  de 
Yianna,  do  snr.  Azuaga.  Os  typos  da  exposição  são  em  grande 
parte  cópias  de  padrões  do  século  passado.  Teem  espécimens 
muito  interessantes  o  snr.  Ferreira  Pinto,  viuva  Soares  Rego 


H6 


(k>iiça  preta),  Canha  e  Silva,  e  a  fabrica  nova  de  Aveiro,  dt 
fiina  Gjimarâes  é  Norberto,  que  apresenta  alguns  exemplares 
de  fórmi  cylindrica  que  parecetn  cópias  de  certos  typos  antigos 
do  snr.  Azuaga. 

Ha  pojco  promettetnos  mencionar  ainda  uma  serie  de 
peças  avolsas  de  serviço  domestico,  que  não  petencem  pro^ 
priamente  ao  serviço  de  mesa,  no  sentido  em  que  as  fabncas 
consideram  este)  termos  e  agrupam  as  respeaivas  peças. 

São  as  canecas,  os  galheteiros,  as  tijdlas  de  variadíssimos 
tamanhos  e  desenhos,  as  compoteiras,  os  boíões  de  doce,  os 
pratos  de  sobremesa  de  phantasia,  as  garrafas  de  agua,  os  pa^ 
liteiros,  etc.  Ha  na  exposiçlo  umi  grande  variedade  d'esses 
objecto^,  muita  phantasia,  mjita  ideia  arriscada,  que  faz  sor- 
rir,  mas  que  agrada  e  também  muita  cousa  feia,  que  não  se 
justifica,  muitas  invenções  monstruosas,  especialmente  n'essa 
louça  tão  apregoada  das  Cildas  da  Rainha.  D*estes  snrs.  olei- 
ros das  Caldas  devemos  dizer  que  nao  se  dignaram  nem  cod- 
correr  á  exposição,  nem  responder  ás  circulares  da  commissao: 

Não  houve  uma  única  excepção.  E'  um  modo  especial  de 
corresponder  a  um  convite  cortez;'  uma  cortezia  particular  dos 
industriaes  da  localidade.  E^  claro  que  os  objectos  que  estão  na 
exposição,  graças  á  generosidade  de  um  sócio  que  os  comprou, 
nao  entram  em  concurso,  nem  o  jary  se  occupará  d'elles. 

(GraK»«a.)  JoAQUIM  DE  VaSCOMCELLOS. 


A  NOÇÃO  DE  ESPÉCIE  EM  ZOOLOGIA 

Diz  Henri  Aron  que  para  além  da  duvida  começa  a  de- 
composição íntellectual.  Succedia  infelizmente  assim  ao  fallecidO 
professor  António  Luiz  Ferreira  Girão,  um  dos  ornamentos  da 
xiossa  Accademia  Polytechníca.  A  theoria  darwiniana,  a  mais 
brilhante  concepção  que  viu  a  luz  em  o  nosso  século,  fornecia- 
lhe  apena?  margem  para  anecdotas  jocosas,  ditos  sarcásticos, 
com  pilhéria.  Talento  eminentemente  lúcido,  mas  desorientado 
pelo  scepticismo,  todas  as  theorias  ainda  as  mais  pujantes  pare- 
dam-lhe  sonhos.  Ria-se  de  tudo,  zombava  de  tudo,  rebaixai^a 
tudo,  mettia  tudo  a  ridículo.  Quem  o  ouvia  admírava-lhe  o  ta- 
lento e  perguntava  a  si  mesmo  se  effectivamente  a  sciencia  vale 
menos  do  que  uma  chávena  de  café.  Mas  emquanto  o  illustrado 
professor,  prestes  a  exhalar  o  ultimo  suspiro,  se  precipitava  broa- 
camente  nos  braços  da  fé,  a  theoria  darwiniana  radicava  cada 


i^^ 


vez  mais  no  espirito  do  século,  ganhava  mais  adeptos;  neophy- 
tos  de  grande  talent'^  se  enfileiravam  debaixo  da  sua  bandeira, 
e  o  principio  da  evolução  despontava  radioso,  quasi  triumphan- 
te^  proje<:tando  uma  luz  viva  sobre  todas  as  sciencias,  invadin- 
do-as,  modificando,  subvertendo  doutrinas  seculares, — em  uma 
palavra:  renovando  tudo* 

I 

A  espécie,  define  Cuvier,  é  a  «coUection  de  tous  les  êtres 
organisés  descendus  les  uns  des  autres,  ou  de  parents  communs,  et 
d^  ceux  qui  tisssemblent  autant  qu^ils  se  ressemblent  entre  eux.» 
Esta  definição  é  essencialmente  errónea,  porque  attríbce  á  es- 
pecicL  uma  característica  que  não  é  exclusiva  d^ella  e  por  isso 
está  forage  de  a  caracterisar :  a  descendência  commum. 

O  illustre  fundador  da  Paleontologia,  pelos  seus  vastos 
es^Jdos  de  Anatomia  Comparada,  pela  grande  massa  de  factos 
adquiridos  por  observação  própria,  estava  mais  do  que  ninguém 
no  caso  de  comprehender  as  vistas  profundas  de  Lorenz  Óken. 
Gaspar  Fríedrich  Wolf,  oppondo  a  theoria  da  Episenese  á 
doutrina  da  Preiormação,  d^involução,  d* emèotl ementa  do  grande 
Haller;  Vicq-d'A2Ír,  mostrando  o  parentesco  dos  Vertebrados 
em  um  exceliente  estudo  comparativo  sobre  os  membros  ante- 
riores e  posteriores;  a  theoria  dos  órgãos  rudimentares,  as  mil 
e  uma  monstruosidades,  a  teratologia,  emfim,  dando  um  solemne 
desmentido  da  creação  dos  seres  organisados  conforme  um  plano 
preconcebido,  maduramente  premeditado,  fizeram  comprehen- 
der a  Oken  que  a  Ontogenia  é  a  historia  das  phases  por  que 
passou  cada  espécie;  das  diíFerentes  moditícações  que  o  meio 
lhe  imprimiu;  das  varias  metamorphoses  que  ella  soíTreu  atra- 
vez  do  tempo  e  do  espaço  para  chegar  á  forma  actual. 

Mas  Cuvier  não  comprehendeu  esta  concepção  larga  do 
philosopho  allemâo,  elle  que  fez  tão  bem  o  inventario  das  po- 
pulações anti-diluvianas,  d^essas  immensas  necropoles  onde  se 
encontram  fosseis  qUe  apresentam  uma  semilhança  espantosa 
cotn  os  animaes  da  fauna  contemporânea,  e,  não  percebendo  o 
laço  que  une  as  faunas  de  dous  periodos  consecutivos,  sepa- 
rou as  por  grandes  revoluções,  por  terríveis  catastrophes,  por 
cataclismos  desoladores,  que,  á  maneira  do  diluvio  mythico,  ti- 
nham o  funesto  condão  de  varrer,  de  destruir  tudo,  omne  pitmm^ 
setn  ffiesmo  respeitar  cousa  que  se  parecesse  com  a  celebre  arca 
lia  Noé,  que  salvou,  segundo  rezam  os  livros  sagrados,  um  casal 
dtt  cada  espécie,  o  sufficiente  para  a  propagação  da  n)esma ! 


328 


Cuvicr  que  se  ria  desdenhosamente  do  grande  Voltwre^ 
por  esie  pensar  que  as  conchas  que  se  encontram  nos  Alpes  ha- 
viam sido  recolhidas  no  Oriente  e  espalhadas  nas  montanhas 
pelos  peregrinos  que  iam  a  S.  Thiago  de  Qompostella;  Cuvicr 
qu**  se  admirava  de  Kircher  por  este  acreditar  que  os  fossds 
eram  lapides  figurati  a  que  a  Natureza  havia  dado  a  forma  de 
animaes  c  de  vcgetaes,  não  podendo  communicar-lhes  a  vida  e 
o  seniimento,  —  mette  dó  quando  o  vemos  professar  com  Kant 
c  Burdach  a  doutrina  da  Preformação,  sustentar  contra  La- 
marck  e  Geoffroy  Saint-Hilaire  a  inalterabilidade  da  forma  ani- 
mal, a  immuiabilidadc  da  espécie,  e  repetir  a  phrase  banal  e 
pueril  de  Linneu :  Tot  numeramus  species  quot  ab  iniíio  crea- 
vit  vifinitum  Ens. 

Era  a  concepção  teleológica,  dualistica,  a  dominar  o  sabia 
c  tirar  todo  o  seu  valor  aos  preciosos  maieriaes  que  o  iUustre 
naturalista  tinha  reunido  com  tanta  paciência  e  talento.  Porém 
o  signal  da  revolta  iá  havia  sido  dado.  Com  effeito,  no  dia  em 
que  o  cónego  de  Warmy  deu  um  golpe  fatal  no  sysihema  geo- 
cêntrico de  Ptolomeu;  no  dia  em  que  Gallileu  descobriu  o  te- 
lescópio; no  dia  em  que  appareceram  as  famosas  leis  kepleria- 
nas;  no  dia,  emfim,  em  que  Newton  engendrou  a  admirável 
theoria  da  gravitação  universal,  sujeitando  a  queda  da  maçará 
mesma  lei  que  o  movirrenio  de  Júpiter  á  roda  do  sol,  ou  o  vôo 
abrasai  do  de  um  cometa  atra  vez  do  systema  planetário, — n'essc 
dia  imha-se  operado  uma  revolução  immensa  no  mundo  scien* 
tiiico. 

As  causas  mechanicas,  eficientes,  condemnadas  ao  ostra- 
cismo pela  meiaphy-ica  de  Sócrates,  soi  disant  sublime,  reto- 
mam o  seu  império ;  e  a  philosophia  de  Demócrito  e  Kanada 
surge  radiante  do  sepulchro. 

U  chimico  interroga  o  alomo,  o  geólogo  pede  á  terra  a 
sua  génese ;  o  astrónomo  pergunta  ao  céu  a  sua  hi^toria ;  o  phy- 
sico  investiga  a  causa  do  raio,  da  chuva,  dos  ventos,  das  tem- 
pestades. Laplace  explica  a  origem  dos  mundos;  Palias  apre- 
senta um  trabalho  notável  sobre  as  ossadas  fosseis  do  norte  da 
Europa  ( Voyage  en  Sibérie);  Dolomieu  estuda  os  vulcões,  Voigt 
os  basaltos,  Owen  as  aves  e  os  reptis  fosseis,  Agassizos  peixes 
das  faunas  extinctas ;  Cuvier,  Brogniard,  Elie  de  Beaumont, 
Humboldt,  Leopold  de  Buch,  Buckland,  Labiche,  Lortet,  Bou- 
cher  de  Perthes,  dão  á  geologia  e  á  paleontologia  um  potente 
impulso;  Ch.  Lyell  e  Forbes  explicam  a  formação  da  crusta 
terrestre  e  a  extincção  das  faunas  sem  fazer  itilervir  as  caus- 
trophes,  demonstrando  ao  mesmo  tempo  a  continuidade  e  inin- 


329 


terrumpção  da  historia  orgânica  dos  seres  atravez  dos  séculos ; 
Lamarck  formula  a  theona  da  descendência  sustentando  a  uni- 
dade do  plano  na  organisação  dos  seres  e  explicando  as  diffe- 
renças  typicas,  especificas,  pela  adaptação  ao  meio,  pelo  uso  ou 
não  uso  dos  órgãos,  pela  alteração  da  funcçao,  cpar  les  modi-- 
íications  dans  la  manière  d'agir,  dans  les  habitudes»  etc,  dif- 
ferenças  accumuladas,  capitalisadas  lentamente  e  transmittidas 
pela  hereditariedade  de  geração  cm  geração. 

Esta  theoría,  observa  Haeckel,  comprehende  duas  conse- 
quências as  mais  extremas:  a  apparição  dos  primeiros  seres 
por  via  da  geração  espontânea  e  a  origem  simiana  do  ho- 
mem. 

Esta  ofTendia  o  orgulho  humano,  e  ambas  iam  de  encontro 
com  o  texto  bíblico.  Demais  Kant,  o  ardente  propugnador  do  Me- 
chanicismo,  o  celebre  auctor  da  Theoria  do  céOj  havia  de- 
clarado cathegorica mente  que  era  impossível  explicar  o  mundo 
organisado  sem  fazer  intervir  as  causas  finaes  sobrenaturaes, 
e  que  era  absurdo  esperar  que  um  dia  «surgisse  um  Newton, 
que  nos  desse  a  explicação  da  geração,  ainda  que  fosse  de  um 
bocado  de  herva,  pelas  cegas  leis  naturaes»,  peias  simples  cau« 
sas  eficientes. 

'  Pelo  contrario,  a  immutabilidade  da  espécie  que  Cuvier 
sustentava  estava  de  accordo  com  o  dogma,  e  a  opinião  de 
Cuvier  fazia  lei.  Tanto  bastou  para  que  a  theoria  de  Lamarck, 
e^(orço  gigantesco  de  um  grande  pensador.,  cahisse  em  completo 
e^squecimento,  sem  mesmo  merecer  as  honras  d'uma  discu.ssão, 
sendo  considerada  pelos  naturalistas  d''então  como  uma  imbeci- 
lidade, uma  loucura,  une  reverie  cTun  esprit  maladif! 

A  concepção  dualistica  estava  tão  arreigada  no  espirito 
dos  sábios ;  os  zoologistas  e  os  botânicos  tão  identificados,  para 
não  dizer  enkistados,  na  génese  mosaica  que,  apezar  de  Ch. 
Lyell  haver  reduzido  quasi  a  nada  a  theoria  das  catastrophes 
de  Cuvier  {Principies  ofGeology)^  teimavam  ainda  em  admittir 
revoluções  extraordinárias,  destruindo  periodicamente  toda  a  po- 
pulação animal  e  vegetal,  seguidas  d^um  fiat  que  possuia  a 
virtude  mirífica  de  plantar,  n^um  abrir  e  fechar  de  olhos,  os  re- 
cifes de  coral  no  fundo  do  mar,  a  arvore  de  Mammuth  sobre 
os  rochedos  escarpados  da  Sierra  nevada,  e  de  povoar  de  novo 
o  globo  com  espécies  animaes  e  vegetaes,  muitas  das  quaes  pa- 
reciam vasadas  em  moldes  mais  ou  menos  alterados  da  fauna 
e  da  flora  da  época  precedente. 

Accresce  a  isto  a  circumstancia  de  que  os  seres  vivos  eram 

BXyiSTA  DA  SOCISDADB  DE  mSTRUCÇlO  DO  PORTO.  9S 


33o 


quasí  sempre,  como  observa  Edm.  Pemer  \  estudados  inde- 
pendentemente do  meio  em  que  vivem»  c  indepmdenteaieate 
das  relações  reciprocas  que  contrahem  entre  si.  Cada  um  d^el- 
les  parecia  ser  uma  entidade  distincta,  creada  Semblée,  de  iou- 
ies  pièceSy  tendo  em  vista  certas  e  determinada^^  condições  tnt- 
sologicas,  admiravelmente  adaptadas  ás  mesmas,  em  perfeito 
equilíbrio  com  esse  meio  que  se  suppunha  ser  immutavel  durante 
largo  espaço  de  tempo,  mas  condeirnadas  a  desapparecer  fatal- 
mente lo^o  que  rompesse  o  equilíbrio.  Assim  a  opinião  de 
Cuvier  encontrou  a  mais  completa  adhesáo  e  foi  universalmente 
aceite. 

Mas  á  medi  dl  que  a  sciencia  avançava,  á  medida  que  o 
homem  penetrava  nos  mistérios  da  natureza,  á  medida  que  es- 
tudava a  astronomia,  a  geologia,  a  paleontologia,  a  archeolo- 
gia  prehistonca,  a  etnographia,  a  chorologia,  a  dysteleolc^ia,  a 
botânica,  a  zoologia,  a  physica,  a  chimica,  a  linguistica,  a  anato- 
mia comparada, a  embriologia  —  accumulavam-seos  factos;  mui- 
tiplicavam-se  as  prova<; ;  uma  nova  luz  irradiava  d*esse  estudo 
*sobre  o  problema  diiliciliimo  da  origem  das  espécies;  enfra- 
queciam-se,  dis^ipavam-se  os  prejuízos  theologicos;  o  espírito 
humano  sacudia  essa  educação  falsa,  eivada  de  principios  pas- 
sados pela  fieira  dos  frades  e  dos  jesuitas,  e  prepara va-se  para 
uma  concepção  mecânica,  monistica. 

Foi  n^estas  condições  que  appareceu  Darwin. 

Ninguém  melhor  do  que  elle,  diz  de  Canaolle,  podia  refe- 
rir todos  os  phenomenos  á  theoria  do  iransformi^^mo,  que  elle 
attribuia  a  uma  cau*.a  muito  importante  —  a  selecção — causa 
a  que  ninguém  aitcndê^-a,  a  njío  ser  Wallace,  que  tinha  tido 
egual  idêa  e  ao  mesmo  tempo.  Mas  Alfredo  Wallacc  é  só  zoolo- 
go,  ao  passo  que  Darwin  era  phy-iologisia,  botânico,  zoolo- 
gista c  até  geólogo,  como  provou  á  evidencia  na  relação  da 
sua  viagem  em  volta  da  terra,  nas  descripções  dos  Cirrhipedes 
e  na  sua  bella  memoria  sobre  as  ilhas  madreporicas. 

Todas  as  suas  publicações  posteriores  a  estas  icem  por 
base  essa  prodigiosa  varieJade  de  conhecimentos.  Cra-lhe  fácil 
descobrir  e  discutir  argumentos  em  todos  os  ramos  das  scien- 
cias  naturaes.  Eram-lhe  também  familiares  muitas  occupações 
pouco  consideradas.  Assim,  por  exemplo,  fez  se  educador  de 
pombos  para  poder  evidenciar  as  variações  d'uma  espécie  de 


*    Darwin,  Role  des  vers  de  terre  dans  la  /ormatian  de  la  terre  ré- 
gétale,  avee  une  préface  de  M.  Edm.  Perríer,  Paris.  18S2. 


33 1 


que  muko  se  occupavam  em  Inglaterra.  Observava  a  iníluen* 
cia  dos  animaes  sobre  os  vegetaes,  na  qual  mal  se  tinha  rq>a- 
rado  até  então,  e  de  taes  observações  tirava  curio^^issimas  con-^ 
clusoes.  Dotado  d^ima  grande  perseverança,  de  muito  methodo, 
diurna  sagacidade  extraordinária,  tão  forte  nas  pequenas  cousas 
como  nas  idêas  geraes,  deu  ás  sciencias  naturaes  um  impulso 
de  tal  ordem,  que  não  tinha  exemplo  anterior,  e  que  até  mesmo 
se  propagou  ás  sciencias  sociaes  e  históricas  ^. 

No  decurso  d''este  pequeno  artigo  o  leitor  verá  como,  gra- 
ças aos  trabalhos  de  Darwin,  Haeckel,  Huxley,  Cari  Vogt,  Owcn 
von  Baer  e  outros,  cahiu  a  noção  da  espécie,  admittida  por  Lmneu 
e  Cuvier,  e  defendida  vigoro!>amenie  por  Agassiz  c  Quatrefâges. 
Então  a  adaptação  dos  organismos  ao  meio  em  que  vivem  lhe 
apparecerá  não  como  um  poderoso  argumento  em  favor  da  dou- 
trina das  causas  fmaes,  mas  como  uma  maravilha  a  admirar 
e  um  problema  a  resolver;  e  as  classificações  zoológicas  perde- 
rão para  sempre  a  sua  aridez  já  lendária,  para  se  tornarem  to- 
das palpitantes  de  interesse  histórico,  porque  nos  contam,  para 
empregar  a  phrase  de  Espinas,  a  serie  de  condições  de  que  o 
reino  animal  é  o  resultado  e  ao  mesmo  tempo  o  mais  eloquente 
testemunho. 

II 

Dissemos  que  para  Cuvier  a  espécie  orgânica  é  um  typa 
fixo,  invariável  e  que  todos  os  individuos  que  a  constituem  des- 
cendem directa  ou  indirectamente  d^uma  mesma  forma  ancestral, 
de  um  par  ou  de  um  casal  produzido  por  um  acto  creador,  de 
maneira  que,  segundo  esta  hypothese  todos  os  carvalhos  pro- 
vêem de  um  só  carvalho  primitivo,  como  todos  os  cães  d^um 
só  casal  d'estes  animaes,  como  todos  os  homens  ade  um  peque- 
no homem  e  de  uma  pequena  mulher ^^  que  Deus  houve  por  benn 
crear,  collocando-os  no  Paraizo  terrestre,  e  fazendo-os  respeitar 
de  todos  os  outros  animaes.  Sem  esta  ultima  medida  os  dias 
da  humanidade  estariam  contados,  e  Adão  e  Eva,  nás,  comple- 
tamente desarmados,  privados  de  todos  os  meios  de  defeza, 
não  tardariam  muito  a  ser  victimas  de  animaes  carnívoros  e  a 
succumbir  em  virtude  da  lucta  pela  existência. 

Supponhamos  por  um  momento  que  as  espécies  zoologt- 


^    Veja-se  o  artigo  de  Candolle  sobre  Darwin  na  Revista  de  Gene^ 
òra    i883. 


332 


cts  são  typos  fiios  e  immutavds,  que  não  accusam  entre  si  pa- 
rentesco algum,  que  nao  se  cruzam  nunca  ou  que,  quando  muito, 
dão  productos  que  não  tardam  a  voltar  ao  typo  paterno  ou 
materno;  esqueçamos  as  notáveis  experiências  sobre  o  cruza- 
mento das  espécies,  realizadas  por  Geoffroy  Saint-Hilaire,  Bufr 
fon,  Naudin,  Godron,  Paulo  Broca  e  outros;  supponbatnos 
mesmo  que  ignoramos  a  existência  do  Lepus  Darwinii,  pro- 
veniente do  cruzamento  de  duas  espécies,  Lepus  ttmidus  (le- 
bre) e  Lepus  cuniculus  (coelho);  do  hybrido  do  carneiro  e 
da  cabra,  pertencentes  a  espécies  de  género  differentes,  e 
que  se  criam  em  grande  escala  no  Chiii;  dos  hybrídos  dos 
cardos  etc. ; — perguntamos  nós  aos  partidários  da  6xidade 
da  espécie:  como  se  explica  a  semelhança  dos  fosseis  da  época 
terciária  com  os  animaes  da  fauna  contemporânea  ?  Por  que  ra- 
zão os  Desdentados  e  os  Roedores  d'essa  época  lembram  as 
espécies  que  vivem  actualmente  na  America  do  Sul?  tJe  n'oublie- 
rai  jamais,  escreve  Darwin  a  Ernesto  Haeckel,  la  surprise  que 
féprouvai  en  déterrant  un  débris  de  Tavou  gigantesque  analo- 
gue  au  Tatou  vivam». 

Se  as  espécies,  os  géneros,  as  familias,  as  classes,  etc,  náo 
teem  entre  si  nenhum  parentesco,  qual  a  razão  porque  o  grupo 
dos  Vertebrados  apresenta  debaixo  das  variadas  e  multiplices 
formas  que  reveste  uma  unidade  de  composição,  um  mesmo 
fundo  de  organisaçao,  uma  mesma  estructura  esqueletologica? 
Por  que  é  que  a  pata  do  Leão,  a  aza  do  Morcego,  a  mão  do  Ho- 
mem, são  órgãos  compostos  de  egual  numero  de  peças  ósseas? 
Por  que  é  que  a  anatomia  comparada  declara,  pela  bocca  de  um 
dos  mais  eminentes  anatomistas  de  actualidade,  Kart  Gegenbaur, 
que  o  esqueleto  cephalico  de  todos  os  Vertebrados  deriva  do 
dos  Selaquios  ? 

Rasgue-se  o  seio  da  terra  e  examinem-se  os  despojos  de 
espécies  extinctas,  que  encontramos?  Cadáveres  petrificados, 
alinhados,  sobrepostos  uns  aos  outros,  revelando  a  sua  genea- 
logia pela  sua  dentição,  pela  disposição  dos  membros  thoraci- 
cos  e  pelvianos,  pela  forma  d<^s  suas  phalanges,  etc.  Ha  mais: 
numerosos  seres  intermediários,  formas  de  transição,  verdadei* 
ras  medalhas  da  creação  que  nos  conduzem  forçosamente  a 
admittir  um  laço  genético  entre  as  espécies,  géneros  e  outras 
categorias  superiores.  . 

Com  effeito,  o  Amphioxus  ligando  os  Vertebrados  aos  In-        | 
vertebrados ;  a  Archaeoptera  Macrura  e  o  Compsognatus  li- 
gando as  Aves  aos  Reptis ;  o  Metarctos  estabelecendo  a  tran- 
sição entre  os  Ursos  eos  Cães;  o  Helladotherium  denunciando 


333 


o  parentesco  da  Antílope  com  a  Girafa ;  o  Mastodonte  Peníe^ 
leci  do  Mastodonte  com  o  elefante,  sâo  perfeitamente  compa- 
ráveis ás  formas  fosseis  veicos,  feronti^  eit,  que  accusam  a  filia- 
ção do  latim  vícus  do  indo-europeu  vaikas^  dcferunt  de  Bha- 
ronti  e  de  it  de  aiti  ou  eiti  ^sendo  o  a  primitivo  equivalente  ao  e). 

Foi  assim  que  Rutymeyer  construiu  a  arvore  genealógica 
dos  Ruminantes;  Niemayer  a  dos  Ammonitas;  Hilgendorff  a 
de  Planorbis  SMuUiformis, . . 

Interroguemos  a  Embriologia,  e  a  theoria  da  descendên- 
cia, segundo  a  qual  as  espécies  derivam  umas  das  outras,  recebe 
uma  brilhante  confirmação.  E  de  feito,  as  formas  que  a  Paleon- 
tologia nos  indica  como  sendo  ancestraes,  geradoras  das  con- 
temporâneas, revestem  estas  durante  a  sua  vida  embrionária, 
demonstrando  doesta  sorte  o  seu  parentesco  com  as  faunas  ex- 
tinctas.  Assim  o  apparelho  circulatório  das  Aves  antes  de  attin- 
gir  a  íórma  definitiva  apresenta  uma  disposição  semelhante  á 
que  se  encontra  nos  Reptis ;  nos  Batraquios,  segundo  Milne- 
Édwards,  o  mesmo  apparelho  é  ao  principio  semelhante  ao  dos 
Peixes;  o  próprio  Homem,  finalmente,  durante  a  sua  vida  in- 
cra-uterina,  soffre  espantosas  metamorphoses:  n^uma  certa  épo- 
ca não  se  distíngue  do  Peixe,  da  Salamandra,  da  Tartaruga; 
n^uma  outra  do  Coelho,  do  Boi;  n'uma  outra  ainda  do  Macaco. 
(Veja-se  a  Antropogenia  de  Haeckel). 

Ora  se  a  espécie  é  immutavel,  se  foi  creada  tal  como 
hoje  a  vemos,  pergunta  Victor  Meunier  {Philosophie  noologique\ 
qual  a  rasão  porque  em  cada  geração  o  novo  ser,  em  vez  de  re- 
vtsÚT  d^emblée  os  caracteres  da  espécie  á  qual  pertence,  os  vae  ad- 
quirindo successí vãmente  ?  — porque  é  que  a  epigenese  é  verdadei- 
ra e  a  theoria  da  preexistência  dos  germes  falsa  ? — porque  esse  la- 
borioso caminhar  para  o  estado  especifico  e  não  para  a  posse 
immediata  do  mesmo?— porque  razão  é  que  um  animal  na  sua 
gestação  atravessa  diversas  phases,  toma  a  forma  de  animaes 
differentes,  veste  a  libré  de  espécies  que  lhe  são  inferiores  ? 

Para  tornar  bem  patente  o  modelo  segundo  o  qual  serão 
estabelecidas  as  phases  da  evolução  de  outros  animaes  n^um 
período  futuro,  mais  ou  menos  remoto,  responde  Agassiz: 
«C^est  dans  ces  temps  reculés  comme  la  prophétie  d^un  ordre  de 
cboses  impossible  avec  les  combinaisons  zoolo^iques  predo- 
minantes alors,  mais  qui,  realisé  plus  tard,  attestera  dune  ma- 
nière  frappante  que  dans  la  gradatíon  des  animaux,  chaque 
être  a  éxtpréconçu.  (Agassiz,  De  Vespèce^  pag.  1182). 

Segundo  esta  singular  theoria,  observa  com  razão  Durand 
de  Gros,  commentando  a  passagem  acima  citada,  «ce  n'est 


354 


poínt  \e  trpc  fntemd  qà  iyorc^  !a  n^Jz-z  iz  vrpt  serirjifit 
át  fcníant,  irais  c'cst  ílans  ca  -:  c  c-*  fa-rrin  c^-cròcr  fa- 
plkatJon  et  la  cau««  ics  trcit*  c-:  caracter- ?«=r  .c  pcre.» 

Dfpoi»  de  apontar  o  con^^qjcr.t-  co— ?•  ca^*««  do  ictccc- 
dente,  Agas«iz  tran^^pona-ve  cocn  enh^-ii^To  ao  \ír  qt*  o 
reino  animal  *c  coírpóc  de  di^r^as  csti-ez"-^^  *-b<yrdi:adi$ 
CDtresf,  h*erarch!&âda«,  c  qjc  const-tuem  as  c-pcc<*,  o$  e««- 
ro*,  as  farr.i.ja&,  e:c.,  e  armra  se  cc  que  c<  -lar-rají^tas  cáo 
▼ejam  n^^to  uma  prova  evíJccic,  pa  pa\c*,  í:*um  paço  madu- 
ramente pensado  c  *ah;»irentc  rcs  i-a*:o.  O  scbrenai»  raU  qac 
a  cada  p^s^o  rpparece  debaixo  dos  biccs  da  sua  perca,  c  tão 
Corte,  domina-o  a  tal  pcnio,  cuc  A^as-^iz  se  esquece  da  eiisien- 
cia  de  nuíT.ero^os  orpaos  rud.irenare*,  d^nra  quaciidsdc  de 
appare!ho5  deformes,  feics,  grotesco*,  disparatados,  re^u^tado 
iTuma  accomfrod<;ção  forçada  á*  tx'gencas  do  ircio,  órgãos  c 
apparelhcs  que  >6  por  si  são  sufficiertcs  p:ra  recu2Ír  a  cada  a 
doutrina  dãs  causas  finaes.  tão  %:goro^£I^ecte  defendida  for 
Paulo  Janet. 

Em  apoio  do  que  acabamos  de  dizer,  pertriíta-nos  o  lei- 
tor a  transcnpç^o  das  segurntcs  palavras  qte  o  sábio  piofe? sor 
de  Heidcibcrp,  M.  Hciírhoiíz  %  preferiu  nYma  conferencia  sobre 
«O»  progressos  recentes  na  theoria  da  vjsão» :  As  ínexacndõcs 
c  a»  imperfeições,  que  temos  encontrado  no  appareiho  óptico  e 
Da  imagem  rctiniana,  não  são  nac^a,  comparados  com  as  incon- 
gruências que  descobrimos  no  domínio  da  sensação.  Parece  qoe 
a  natureza  quiz,  de  propósito,  accumular  as  contradicções  para 
tirar  todo  o  fundamento  á  doutrina  da  harmonia  preexistente». 

Ora  SC  o  embrião  de  todos  os  animaes  soffre  diversas 
metamorphoses  (Aga.ssiz);  se  a  larva  que  não  c  mais  do  que 
um  cmbryão  da  vi  Ja  independente,  para  empregar  a  exp^es^Jo 
dcQuatrefages,  pódc  transformar-se  em  borboleta;  se  a  amoceta 
que  ainda  ha  pouco  era  considerada  como  formando  uma  parte, 
distincta  da  lamprêa,  pôde  transformar  se  n^esta  (Aug.  Mãller) 
porque  é  que  uma  empece  não  pôde  dar  origem  a  outra? 

Porque  as  espécies  não  se  cruzam  nunca ;  quando  muito, 
dão  productos  cujos  caraaeres  morphologicos  são  muito  in^ta- 
veis  e  participam  ao  mesmo  tempo  do  typo  paterno  e  materno. 
Tal  é  a  resposta  banal  que  dão  os  partidários  da  fíxidade  da 
espécie  desde  Cuvier  até  Quatrefages. 

Dissenr.os  banal  porque,  além  dos  factos  mencionados, 


^    Hoje  na  universidade  de  Btrlim. 


335 


que  provam  d'um  modo  irrefragavel  o  cruzamento  das  espé- 
cies, conhecem-se  actualmente  animaes  e  plantas  taes  como  a 
Primula  acaulis  e  P.  officinalis^  o  Aegilops  e  o  Trigo,  que  dão 
hybridos  fecundos  e  bastante  estáveis.  O  snr.  Quatrefages  per- 
cebendo a  importância  d'estes  factos^  pretendeu  tirar-lhes  todo 
o  seu  valor,  e  escreveu  com  respeito  ao  hybrido  proveniente  do 
crusamento  do  Aegilops  e  do  Trigo  as  seguintes  palavras,  que 
a  nosso  ver  não  dizem  nada:  c£ste  hybrido  excepcional  deve  a 
sua  fecundidade  á  cultura». 

Que  importa  que  assim  seja,  perguntamos  ao  sábio  pro- 
fessor de  zoologia  ?  Este  facto,  pelo  contrario,  não  provará  assaz 
que  a  diversa  aptidão  reproductiva  das  espécies,  que  a  sua  fe- 
cundidade ou  esterilidade  não  depende  do  seu  parentesco,  mas 
sim  das  condições  physiologicas  do  meio  em  que  vivem  ? 

O  snr.  Quatrefages  não  ignora  de  certo  que  o  coelho  de 
Porto-Santo  é  descendente  do  coelho  da  peninsula,  e  comtudo 
este  não  se  cruza  com  aquelle;  que  o  gato  do  Brazil  é  de>cen- 
dente  do  gato  europeu,  e  comtudo  este  manifesta  por  aquelle 
uma  grande  repugnância.. .  Que  concluir  doestes  factos?  Se  a 
theoría  de  Quatrefages  fosse  verdadeira,  isto  é,  se  o  cruzamento 
ou  não  cruzamento  fosse  o  padrão  pelo  qual  se  devesse  afiTerir  o 
parentesco  d^uma  espécie  com  a  outra,  decerto  que  o  coelho  de 
Porto-Santo  e  o  coelho  da  peninsula  seriam  duas  espécies  e 
não  duas  variedades. 


Da  discussão  que  precede,  resulta  que  as  espécies  são 
simples  raças  constituídas  sob  a  acção  do  meio  selvagem  e  des- 
tituídas, por  certas  circumstancias,  de  afiinidade  reciproca  de  re- 
producção,  que  o  meio  domestico  cu  cultural  assegura  ás  raças 
formadas  no  seu  seio,  e  que, restilue  eifip^rte  ás  próprias  espé- 
cies. Se  assim  é,  pergunta  Durand  de  Gros  vale  a  pena  «se 
forger  à  plaisir  des  chímères  et  livrer  de  gaieté  de  coeur  le 
champ  de  la  science  aux  fantõmes  du  merveilleux  en  donnant 
aux  espèces  une  origine  surnaturelle,  alors  qu^^il  est  si  naturel 
de  voir  dans  ces  créations  Paction  d^uneloi  générale  et  unique,  de 
la  loi  de  morphogénie  qui  preside  sous  nos  yeux  à  la  formation 
des  races?» 

£  dep-DÍs  disto  faz-se  mister  uma  grande  audácia  que 
checa  a  ser  pedantismo  para  affirmar  com  Agassiz  que  o  dar-- 
winismo  é  uma  theoria  a  priori^  um  systema  que  exclue  quasi 
toda  a  massa  de  conhecimentos  adquiridos,  conservando  e  as- 


•asr^ 


pecn  «:  íjrmr.  m  A.^jcr,zjk  i>  ^^^    ^"^i    TFi  jcc    se  -^ 
Mt,pOftumt  ^o  H.   Telxijpe   W.   B*:^  :  le  i:st.=iciEr  m- 

daTzuxc  ptno  úc  b'y  a-nos,  cniáo  se  cocf  ..-^^..^  ^  ^ 
psoc  nào  é  u-na  forma  fixa,  ngíJa,  laalicrmrc  or»  «  r 
mas  dt gcoTict-ia,  mas  qjc,  pc o contrar.o,  é bãsU^e pl^st^L^ 
rtoPâL  setfufuio  a  mudancã  do  meio;  que  i:  %um  wa^Uixt  i 
du  miUeu  qudle  habite»  —um  trpo  que  coTserwa  ^  j«j  /> 
emquanto  as  coniiyjes  mtsrÀ.gicas permanecerem «  aussaas;  t 
íue,  por  ianto^  nao  represejUa  sendo  um  momento  ax  kistaru 
orgânica  dos  seres  pípos,  uma  simples  caihcgoria  oa  hicrmrdisa 
do  rano  aoimal.  ^ 

Acosmoio  DC  SoczA. 


CATALOGUE  DES  INSECTES  DU  PORTUGAL 


siTioirLa  F  ABsicma 

787.    H.  flaTomaonlata  Bosenh. 

Ifaid  Faun.  Etr.  i,  p.  58. 

Bragança ! . 

La  graodcur  est  extrêmement  variable. 


337 


Gana  OMOSITA  BRIOHSON 


788.    o.  disooldea  F. 

Erichs,  Nai.  Ins,  Deut.  m,  p.  i68. 

Coimbra  I. 


OuftB  SORONIA  BRIOHSON 


789.    S.  grisea  L. 

Erichê.  Nai.  Ins.  Deut,  m,  p.  i63. 

Coimbra ! 


QuniB  PRIÁ  BTBPHBN8 


790.  P.  Duloamarae  Soop. 

Erichs.  NaU  Ins,  Deut,  m^  p.  169. 

Coimbra!,  Vizella!. 

QnRB  MBLIQBTHES  STBPHBNS 

791.  H.  aeneus  F. 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  m,  p.  174. 

Coimbra  I,  Guanla!,  Bussaco  et  Gerez  (L.  v.  Heydeni), 
Bragança. 

792.  H.  viridesoens  F. 

Erichs.  Nat.  Ins,  Deut.  m,  p.  I75. 

Guarda!  (L.  v.  Heyden!),  Coimbra!,  Serra  de  Monchi- 
que!, Yizeila!  Bussaco! 

Je  les  possède  vcrts,  bleus,  violettes  et  bleus  avec  le  cor- 
selet  vert. 

793«    H.  disooideus  Er? 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  iii,  p.  aoo. 

Je  possède  un  seul  individu  pris  à  Bragança,  mais  il  est 
un  peu  abimé  et  je  ne  peux  assurer  qu'il  appartient  à  cette 
espece. 


33« 


04. 


i 

Ericks.  Sãi.  /«#.  1>ad,  n,  p.  304. 
Cca  et  Pena  (L.  r.  Heyiea  " 


71>5.    K.  idannncalnB  Heer. 

Ericks,  Aj/.  /«.  D^ii/.  ni,  p.  193. 
Guarda  ÍL.  v.  Heyicii!),  Doaro?.  Estmrrc)a!. 

70Q.    M.  6XÍ1ÍB  StaniL. 

£rkAi.  Aol.  Ins.  Deut.  m. 

Douro!,  Fcigueira!. 

797.  M.  eryfhropus  O7IL 

Ericks.  Sat.  Ins.  Deut,  in,  p.  2o5. 

Cea  et  Guarda  (L.  v.  Heydcn !) 

798.  M.  fli8Cii8  OUt. 

Olivier.  Em.  n,  i3,  p.  10,  pi.  i,  f.  9  a  b. 

Fcigueira!,  Guarda!,  Vallc  d' Azares!.  Bossaco!,  Coimbra! 

On  trouve  aus>i  les  variétés  Lamy  Ros  (Ros.  Thier.  And. 
i836  p.  10  f)  et  bicolor  Luc  (Luc.  E.\pl.  Alg.  p.  216,  pi. 
21,  f.  6). 

OnmB  XEBOSTHOKOTLUa  WOLUkSTOH 

799.  X.  DeyroUey  Duv. 

Jacq,  Duval.  Glan.  Eni.  1860,  2  p.  140. 

Leiria  (Dr.  A.  Xavier). 

IPINI 

OBasm  ORYPTABCHA  SHUGKAKD 

800.  O.  strigata  F. 

Ericks.  Nat.  Ins.  'Deut.  m,  p.  221. 
Bussaco!. 


339 


RHIZOPHAGINI 

Gnam  RHIZOPHÁQUS  HBRBST 

801.  R.  parviaus  Oyll. 

Sturm.  Ins.  'Deut,  ixii,  p.  25,  pi.  396  f.  c.  C. 

Dans  la  plupart  des  exemplaires  qu^on  prend  au  Bussaco 
la  couleur  de  Ia  tête,  corselet  et  élytres  est  três  foncée,  souvent 
d'uii  noir  de  poix. 

TROGOSITIOAE 

Gsnm  MEM0S03CA  LATRBILLB 

802.  N.  elongatom  L. 

Erichs.  Nat.  In$,  Deut,  lu,  p.  239. 

Je  possède  un  seuI  indívidu  du  Portugal. 

GuRB  TBOGOSITA  OLIYIBB 

803.  F.  ooerolea  Oliv. 

Erichs.  Nat.  Ins.  DeuL  in,  p.  241. 
Azambuja  (J.  Antuoes!) 

GURS  TBNEBRIOIDBS  PILLBR 

804.  T.  Hanritanioa  L. 

Erichs»  Nat,  Ins.  Deut.  m^  p.  243. 

Coimbra  !• 

Qmmuu  THTXALUS  LATRBILLB 

905.    T.  limbatus  F. 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  m,  p.  249. 

Serra  do  Gerez  fL.  v.  Heyden !) 


340 


COLYDIIDAE 

SYXCHITÍNI 

OnsB  BHD0PHU)BU8  ULTBMSLLM 

806.  S.  teretioomis  Er. 

Eridks.  Nat.  Ins,  Deut.  m,  p.  261. 

VIzelia!  9 

OníftB  TBRBTRinS  BRICBaOH 

807.  T.  spinnlosiis  Lat. 

Ericht.  Nat.  Ins.  Deut,  m,  p.  226. 

Bussaco!,  Serra  do  Gerez  (L.  V.  Heyden!) 

Obmbb  TABPHIUS  BRI0E80N 

808.  T.  Eiesenwetteri  Heyd. 

Heyden  Ent.  Qieise  etc.  i87o  p.  io5. 

Serra  do  Gcrez  (L.  V.  Heyden !) 

GOLYDIím 

QmKmm  OOLTDIUK  FABBI0IU8 

809.  O.  elongattixii  F. 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  m,  p.  278. 

Bussaco !,  Serra  do  Gerez  (L.  V.  Heyden !) 

810.  O.  flliforme  F. 

Erichs.  iVaf .  Ins.  Deut,  m,  p.  279. 
Serra  do  Gerez  (L.  V.  Heyden  I) 

OnrBB  AQLBNUS  BB10H80R 

811.  A.  1}niimeas  G7II. 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  ni|  p.  285. 

G>iaibra !. 


341 


BOTHRIDERINI 

OnmB  BOTHRIDBRB8  BRIOHSON 


812.  B.  Interstitialis  Heyd. 

Eeyd.  EnL  Qifiise  etc.  1870,  p.  107. 

Gerez  (L.  v.  Heydcn!) 

CERYLONINI 

Gmnm  OERTLON  LATREILLB 

813.  O.  Msteroides  F.      , 

Erichs.  Nat,  Ins.  Deut,  ni,  p.  294. 

Bussacol  (L.  v.  HeydenI),  Douro!  Les  exemplaires  du 
Bussaco  sont  ferrugineux. 

814.  O.  fermgineuxn  Stepli. 

Sieph.  III.  Brit.  m,  p.  98. 

Angustatum  Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  m,  p.  98. 

Serra  do  Gerez  (L.  v.  Heyden  I) 

815.  O.  deplanatuxn  O7II. 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  m,  p.  296. 

Serra  do  Gerez  (L.  V.  Heyden!) 


CUCUJIDAE 
PAS8ÁNDRINI 

Oxna  PR08T0UIS  LATREILLB 

816.    P.  mandibnlaris  F. 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  m,  p.  3o6. 

Bussaco  (L.  V.  Heyden I),  Coimbra!. 


342 


VLEIOTINI 

I 

Qbmbs  VLBIOTA  LATRBILLS 

817.  V.  planata  L. 

Erichs,  Nat,  Ins,  ^eut,  m,  p.  332. 

Bussar.o  et  Gerczl  (L.  V.  Heyden!)  Vizella! 
V.  pallens  F. 

Erichs.  loc.  cie.  p.  332. 

Gerez!,  Bussaco!. 

SILVANINI 

Owrmm  LÁEMOPHLOBUS  BRIOHSON 

818.  L.  testaoeus  F. 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  in,  p.  320. 

Bussaco ! 

819.  L.  oortiLoinus  Er? 

Erichs.  Nat.  Ins.  Deut.  ni,  p.  327. 

Coimbra  1 

A  cause  Ju  mauvais  éiât  de  1'exemplaire  que  j^ai  prís,  )e 
ne  suis  pas  .>ur  s^il  appartient  à  ceiíe  espèce. 

820.  L.  fraotipennis  Mot. 

Buli.  Mosc.  1845, 1,  p.  91. 
Bussaco!. 

QBVftB  aSLYANUS  LÁTBE^LLB 

821.  S.  surinamensls  L. 

Steph.  III.  Brit.  ni,  p.  104. 
Frumentarius  F. 

Erichs.  Nai.  Ins.  Deut.  ni,  p.  336. 

Estarreja!. 


343 

822.  S.  unidentatus  F. 

Erichs.  mt.  Ins.  "Beut,  iii,  p.  338. 
Gcrez  (L.  V.  Heyden  I) 

Qbweb  AIRAFHILU3  REDTBNHÂOHER 

823.  A'  subferrugineus  Reit. 

Cette  espèce  doit  être  décrite  dans  un  prochain  numero  du 
Berl.  Ent.  Zeit.  de  Kraaiz.  Valle  d'Azares!,  Serra  d''Estrella!. 

824.  A.  flbulatus  Kraatz. 

Kraat^ç  BerL  Ent,  Zeit.,  186a,  p.  ia8. 

Dans  le  catalogue  de  Dejean  \é  Q/í*  asperatus  H^ej,  de  la 
Lusitanie  est  indique  et  cette  e>pèce  cl'après  le  catalogue  Harold 
est  identique  avec  le  A.  Jibulatus  Kraat^. 

Gekrk  cathartus  beichb 

825.  O.  advena  Walfl. 

Sturm.  Ins.  Deut,  xxi^  p.  loo,  pi.  390  f.  B. 

Coimbra !. 

MONOTOMINI 

GsvBB  HOKOTOMA  HERB8T 

826.  M.  spinioolUs  Aubé. 

Aubé  óMon.  An.  Soe.  Ent.  Fr,,  1837,  p.  468,  pi.  17,  f.  6. 
Valle  d'AzaresI. 

GRYPTOPHAGIDAEi 

TELMATOPHILINI 

Qbhsb  TFLMATOPHILUS  HBER 

827.  T.  sparganli  Abrens. 

Kiesenw.  Nat.  Ins.  Deut.  iv,  p.  671. 
Aveiro  (Heyden !). 


1  Mr.  Reitter  a  eu  Ia  complaisance  de  déterminer  quelques  espé- 
ces  de  cette  feinille  que  je  n' avais  pas  encore  étudiées  attentivement.  J'écri8 
le  nom  de  mr.  Reitter  à  la  suite  des  espèces  non  classées  de  ma  collection 
et  qu'il  a  déterminées. 


344 


828.  T.  breviooUis  Aubô. 

Kitienw,  ^ãt.  Ins.  Deut.  vr,  p.  67a. 

D^après  une  lettrc  de  mr.  L.  V.  Heyden  il  se  troave  à 
à  Aveiro  de  mêmc  que  Pespèce  precedente. 

CRYPTOPHAGINI 

OnrsB  BETARIA  KULSANT 

829.  S.  serioea  Mais. 

An.  Soe.  Lyon,  x,  p.  2. 

Cea  (L.  V.  Heyden!)      . 

auRB  ORTPTOPHAQUS  HBRB8T  ^ 

830.  O.  afflnis  Sturm. 

Erichs.  NaL  Ins.  m,  p.  36o. 
Coinnbra !  Valle  d^ Azares  !• 

831.  O.  soanioos  L  (Reitter). 
F.  céllaris  Sturm. 

Sturm.  Ins.  Deut.  xvi,  p.  84,  pi.  3i5,  f.  B. 

Commun  dans  le  nord. 
V.  hirtulus  Kraati. 

Berl  Ent.  Zeit.,  i858,  p.  i38. 

Fremedal. 

(OMtínúa).  Manoel  Paulino  de  Oliveira* 


3.«  ANNO 


I  DE  AGOSTO  DE  i883 


N.«  8 


OS  TRABALHOS  DO  NATURALISTA  BRAZILEIRO 

J.  BARBOSA  RODRIGUES 

Enganam-se  aquelles  que  suppõem  o  Brazil  alheio  ao 
movimento  civilisador,  caracterisado  pelo  desenvolvimento  das 
sciencias.  Um  impulso  de  grande  importância,  e  podemos 
mesmo  dizer  de  grande  futuro,  se  os  governos  d'aquelle  paiz 
souberem  cumprir  os  seus  deveres,  está  dado;  d^alguns  annos 
a  esta  parte,  um  grupo  de  investigadores  dedicados  e  hábeis, 
embora  pouco  numeroso,  tem  despertado  a  attenção  para  os 
estudos  originaes  e  encetado  uma  nova  era  scientifica. 

J.  Barbosa  Rodrigues  representa  um  dos  mais  valentes 

gropulsores  doesse  movimento  de  emancipação  scientifica  no 
irazil.  Os  seus  esplendidos  estudos  de  botânica,  especial- 
mente nas  familias  das  Orchideas  e  das  Palmeiras,  dão-lhe 
um  logar  dos  mais  distinctos  entre  os  botânicos;  e  os  seus  es- 
tudos ethnologicos  lançam  luz  sobre  muitos  problemas,  que 
dizem  respeito  ás  raças  do  continente  americano. 

A  presente  noticia  sobre  a  sua  vida  é  uma  simples  mas 
sincera  homenagem  de  admiração  de  quem  teve  a  fortuna  de 
examinar  os  materiaes  para  o  estudo  colligidos  pelo  infatigá- 
vel investigador,  e  de  notar  o  enthusiasmo  pelas  sciencias  em 
que  tem  revelado  aptidões  excepcionaes. 

J.  Barbosa  Rodrigues  nasceu  em  22  de  julho  de  1842  e 
é  filho  de  João  Barbosa  Rodrigues,  natural  de  Vianna  do  Cas- 
tello,  que  exerceu  o  commercio  em  Minas,  onde  se  tornou  no- 
tável pelos  seus  sentimentos  de  caridade,  e  de  D.  Maria  Car- 
lota da  Silva  Santos,  brazileira. 

A  vocação  irresistivel  para  o  estudo  da  natureza  de  que 
dera  provas  colleccionando,  ainda  muito  novo,  plantas  e  inse- 
ctos, desviou-o  da  vida  commercial,  para  que  seu  pae  o  desti- 
nava. Em  1869  tinha  terminado  o  curso  de  lettras.  O  falleci- 
mento  de  seu  pae  obstou  a  que  elle  seguisse  o  curso  de  medi- 
cina, em  que  pretendia  matricular-se;  e  vêmol-o  agora  occu- 
par  successivamente  o  lugar  de  secretario  do  Instituto  Com- 

REVISTA  DA  SOCIEDADE  DE  INSTRUCÇÃO  DO  PORTO.  23 


346 


mercial,  secretario  e  depois  professor  de  desenho  no  Collegio 
de  Pedro  11. 

O  primeiro  trabalho  botânico  que  emprehendeu  foi  a  mo- 
nographia  das  orchideas  do  Brazil,  que  começou  em  1868. 
Hoje  esta  obra,  sob  o  titulo  de  Iconographie  des  Orchidées  du 
Bré:{ilf  comprehende  17  grandes  volumes  com  1:000  estampas 
primorosamente  coloridas,  representando  não  só  o  porte  dV 
quellas  plantas,  mas  todos  os  detalhes  analyticos  para  a  des- 
cripção  e  classificação  d^ellas.  E'  uma  obra  monumental  que, 
de  per  si  só,  firmaria  a  reputação  de  mais  de  um  botânico. 

O  auctor  sollicitára  do  parlamento  brazileiro,  na  sessão 
de  1871,  um  subsidio  para  a  publicação  da  sua  obra;  mas  o 
respectivo  projecto  de  lei,  que  chegou  a  ser  approvado  pela 
camará  dos  deputados,  cahiu  na  camará  dos  senadores,  dan- 
do-se  por  motivo  o  estar  escrevendo  para  a  Flora  braiiliensis 
de  Martins,  subsidiada  pelo  Estado,  uma  monographia  sobre 
o  mesmo  assumpto,  a  primeira  authoridade  em  orchideas,  o 
sábio  allemão  dr.  Henr.  Gustav  Reichenbach.  Entretanto  o 
eminente  sábio  J.  E.  Hooker,  director  dos  jardins  de  Kiew, 
a  quem  a  obra  depois  foi  presente,  classifica-a  de  preciosa  e 
declara  que  ella  e  eminentemente  digna  de  publicação.  Seis 
annos  depois  o  sábio  orchideologista,  a  que  nos  referimos,  pede 
por  intermédio  do  botânico  sueco  André  Regnell  a  collabora- 
ção  do  botânico  brazileiro,  que  não  acceita  por  motivos  de 
amor  pátrio,  e  renuncia  a  escrever  a  dita  monographia  depois 
de  muitos  annos  de  estudo.  O  próprio  director  d  aquella  im- 
portante publicação  o  dr.  Eichler  pede- lhe  também  por  inter- 
médio do  dr.  Wawra  a  sua  cooperação  com  o  dr.  Kraenzlin 
Cara  a  mesma  monographia,  que  elle  igualmente  não  acceita. 
odas  estas  circumstancias  revelam  o  alto  valor  do  trabalho 
de  Barbosa  Rodrigues,  que  não  podendo  publical-o  comple- 
tamente por  lhe  faltar  o  auxilio  ofíicial,  indispensável  para  as 
obras  que  se  tornam  demasiadamente  dispendiosas  pela  parte 
iconographica  sobre  tudo,  se  resolveu  a  dar  á  luz  as  descri- 
pções  de  algumas  espécies  e  géneros  novos,  em  dois  vol.  que 
tem  por  titulo  Genera  et  species  orchidearum  novarum,  o  1.* 
em  1877,  contendo  23o  espécies  novas,  e  o  segundo  no  anno 
passado,  com  mais  de  3 10  espécies  novas. 

Em  1871,  sob  a  regência  da  Princeza  imperial,  foi  encar- 
regado pelo  governo  imperial  de  explorar  o  valle  do  Amazo- 
nas, tendo  entre  outras  obrigações  a  de  completar,  corrigir 
e  augmentar  o  «Genera  Palmarum»  do  venerando  Martius. 
N 'estas  regiões,  já  percorridas  pelo  desventurado  naturalista 


347 


portuguez — Alexandre  Rodrigues  Ferreira, —  se  demorou  três 
annos  e  meio.  Explorou  os  nos  Capim,  Tapajós,  Trombetas, 
Jamundá,  Urubu  e  Jatapíi,  sobre  os  quaes  publicou  em  iSyS 
cinco  relatórios  que  em  poucos  mezes  estavam  esgotados.  O 
auctor  tem  em  manuscripto  as  duas  obras:  La  vallée  des  Ama- 
:(ones,  notes  d'un  natur aliste  brésilien;  e  Récits  de  Pqyages 
dans  l'Ama:{one,  onde  §ão  descriptas  as  peripécias  d'esta  ex- 
ploração difficil  em  que  a  fome  e  as  intempéries,  a  lucta  com 
os  Índios  e  os  animaes  ferozes,  a  subida  das  cachoeiras  n^uma 
das  quaes  teve  perdida  a  esposa,  põem  a  vida  em  constante 
risco.  Foi  n'esta  viagem  que  recolheu  os  materiaes  para  a  sua 
obra  sobre  palmeiras,  que  publicou  em  iSyS  sob  os  auspí- 
cios do  ministério  de  agricultura,  com  o  titulo  de  Efiumera- 
tio  palmarum  7iovarum,  na  qual  são  contidas  as  diagnoses 
de  sessenta  e  duas  espécies  novas.  Tendo  voltado  do  Ama- 
zonas, partiu  em  1870  para  Minas-Geraes  e  ahi  recolheu  no- 
vos materiaes,  com  os  quaes  e  os  colhidos  anteriormente  orga- 
nisou  a  sua  obra  Sertufii  palmarum,  acompanhada  de  estam- 
pas coloridas,  e  que  ainda  não  foi  publicada. 

Depois  de  uma  exposição  publica  de  seus  trabalhos,  que 
se  pôde  realisar  pela  protecção  da  Princeza  imperial  e  que  foi 
aberta  pelo  Conde  d'Eu  em  3o  de  julho  de  1876,  e  tendo  sido 
suspenso  da  commissão  que  desempenhara,  e  emfim  não  achan- 
do o  sufficiente  favor  nos  poderes  públicos  para  fazer  valer 
os  seus  trabalhos,  retirou-se  um  pouco  desgostoso  á  vida  par- 
ticular; e  hoje  está  dirigindo  uma  fabrica  de  sulfureto  de  car- 
bone,  pertencente  a  um  particular,  no  Rodeio,  que  fica  na  es- 
trada de  ferro  de  D.  Pedro  11,  a  86  kilometros  da  corte. 

Alem  dos  seus  trabalhos  botânicos  devem  notar-se  os  de 
archeologia  e  ethnographia.  N^esta  especialidade  mencionare- 
mos as  suas  Antiguidades  do  Amazonas,  publicadas  em  1879, 
o  seu  estudo  sobre — o  primeiro  iaolo  ama\onico;  as  lendas  e 
crenças  indigends;  o  muirakitan,  precioso  coevo  do  homem  an- 
ti'Columbiano.  O  sábio  italiano  H.  Giglioli,  perante  a  socieda- 
de anthropologica  de  Florença  e  na  presença  do  Imperador 
do  Brazil,  na  occasião  da  ultima  viagem  doeste  pela  Europa, 
fez  sobre  os  trabalhos  etnographicos  de  Barbosa  Rodrigues 
uma  conferencia  em  que  muito  o  apreciou,  e  que  foi  publicada 
com  o  titulo  Lo  estúdio  d'ell  etnologia  ai  Bra:{ile. 

Em  1878  occupou-se  do  Curare,  fazendo  sobre  este  ponto 
conferencias  e  experiências  publicas  na  Faculdade  de  Medicina 
e  na  Academia  de  Medicina,  tendentes  a  demonstrar  a  efifica- 
cia  do  sal  commum  como  antídoto  d^aquelle  enérgico  veneno 


34» 


indígena,  terminando  por  fazer  em  lo  de  outubro  de  1880 
uma  conferencia  sobre  o  assumpto,  perante  o  Imperador.  A 
importância  que  assumiu  esta  matéria  em  consequência  das 
contestações  a  que  deu  lugar  fez  sentir  a  necessidade  da  crea- 
ção  de  um  laboratório  de  Physiologiã  experimental,  que  foi 
ânnexado  ao  Museu  nacional  do  Rio  de  Janeiro,  e  onde  tra- 
balha, entre  outros,  o  dr.  J.  B.  de  Lacerda  que  descobriu  ser 
o  permanganato  de  potassa  o  antídoto  do  veneno  das  serpen- 
tes. Hoje  existe,  além  doesse,  outro  laboratório  análogo  na  Fa- 
culdade de  Medicina. 

Alem  dos  trabalhos  referidos  outros  tem  feito  o  autor, 
que  existem  archivados  em  diversas  revistas  e  jornaes  do 
Brazil.  Tem-lhe  sido  também  preciso  revindicar  a  prioridade 
na  descoberta  de  espécies  novas  de  palmeiras  do  Brazil,  e  so- 
bre o  assumpto  escreveu:  o  Protesto  appendice  á  Enumeraíio 
pcdmarum  novarum,  1879,  em  contestação  ao  professor  de 
Aberdeen,  J.  W.  H.  Trail,  que  com  elle  herborisou  no  Ama- 
zonas em  1874;  e  Les  palmiers,  1882,  em  que  faz  algumas 
observações  á  monographia  das  palmeiras,  devida  ao  prof. 
Drude  e  que  faz  parte  da  Flora  bra^iliensis. 

Os  merecimentos  do  auctor  tem  sido  devidamente  reco- 
nhecidos na  Europa.  Elle  entretém  relações  com  diversos  sá- 
bios notáveis.  É  membro  da  real  e  imperial  sociedade  de  Bo- 
tânica de  Vienna,  por  proposta  do  botânico  Dr.  H.  Wawra 
von  Fernsee,  que  o  visitou  em  Agosto  de  1879;  da  Real  so- 
ciedade botânica  de  Edimburgo,  por  proposta  do  sábio  Bal- 
four;  da  dos  naturalistas  de  Freiburg,  proposto  pelo  Conse- 
lheiro Fischer,  director  do  Museu  mineralógico  de  Baden;  da 
real  sociedade  anthropologica  e  ethnologica  de  Florença,  por 
proposta  de  Giglioli;  da  nossa  Academia  das  Sciencias,  pelo 
conde  de  Ficalho;  da  sociedade  de  Horticultura  de  Marselha, 
pelo  conde  des  Voisins,  etc. 

É  laureado  com  a  medalha  de  ouro  pela  Academia  Na- 
cional de  Paris.  De  seu  paiz  é  membro,  desde  1876,  da  socie- 
dade mais  importante  que  é  o  Instituto  Histórico  e  Geogra- 
phico  do  Brazil. 

O  governo  do  Brazil  forneceu-lhe  ensejo  de  estudar  du- 
rante algum  tempo  a  flora  d'aquelle  paiz  como  já  dissemos; 
mas  não  lhe  tem  dado  a  protecção  de  que  carecia,  quer  para 
continuar  os  seus  estudos,  quer  para  a  publicação  acurada  das 
suas  principaes  obras,  publicação  excessivamente  dispendiosa, 
pela  reproducção  das  estampas  coloridas.  Já  a  imprensa  bra- 
zileira  promoveu  em  1 879,  uma  subscripção  nacional,  para  a 


349 


publicação  do  Sertum  palmarwn;  mas  esta  snbscripção  ainda 
náo  attingiu  a  somma  precisa.  Assim,  associando-nos  ao  «Jor- 
nal do  Commercio»  do  Rio  de  Janeiro,  lamentamos  deveras  o 
abandono  em  que  tem  sido  deixado  um  sábio  de  uma  vocação 
especial,  de  talento  tão  altamente  comprovado  e  que,  inspi- 
rado pelo  bom  nome  do  seu  paiz,  tem  sacrificado  á  causa  da 
sciencia,  a  sua  fortuna,  a  sua  saúde,  a  sua  intelligencia  e  até 
arriscado  a  vida;  e  fazemos  votos  para  que  o  Brazil  repare 
esta  injustiça,  de  modo  que  trabalhos  tão  importantes  sejam 
devidamente  aproveitados  e  apreciados,  (i) 

A.  J.  Ferreira  da  Silva. 


PREPARAÇÕES  ZOOLÓGICAS 

(Continuação,  v.  pag.  i83) 


XI 

montagem  daves 

Contar  uma  ave,  é  dar-lhe  artificialmente  o  aspecto  que 
tinha  erh  vida.  Requer  esta  operação  muitos  conhecimentos 
da  natureza,  para  se  não  cahir  no  grande  erro  de,  por  exem- 
plo, empoleirar  um  pato,  ou  dar  a  qualquer  das  trepadoras  a 
posição  vulgar  dos  pássaros. 

Gomo  o  leitor  bem  comprehende,  só  depois  da  ave  des- 
carnada é  que  se  pôde  montar;  para  isso,  estende-se  n]uma 
mesa,  em  posição  idêntica  á  já  aconselhada  para  principiar  a 
descarnação.  Procura-se  então  arame  da  grossura  capaz  de 
sustentar  o  specimen;  yale  mais  que  o  arame  perca  por 
grosso  do  que  por  fino,  pois  as  aves  preparadas  com  arames 
muito  finos,  tornam-se  quasi  sempre  incapazes  de  receber  po- 
sição, visto  que  o  arame  das  pernas  náo  sendo  sufficiente- 
mente  forte  para  sustentar  o  peso  do  corpo,  verga-se  dema- 


(i)    O  original  doeste  artigo  foi  entregue  em  fins  de  Julho.  (Nota  da 
Redacção,) 


35o 


siado,  tornando-o  defeituoso.  Antes  de  nos  servirmos  do  ara- 
me, devemos  expol-o  por  um  momento  ao  fogo,  até  se  tornar 
rubro,  operação  que  entre  os  preparadores  é  conhecida  por 
recoser  o  arame.  Este  trabalho  tem  em  vista  permittir  o  do- 
brar-se  o  arame  em  todos  os  sentidos,  sem  quebrar,  o  que 
facilmente  acontece,  quando  está  por  recoser.  A  demora  do 
arame  no  fogo,  deve  ser  convenientemente  graduada,  para 
não  se  recoser  demasiado,  o  que  o  tornaria  muito  brando  e 
incapaz  de  servir.  Tirado  do  fogo,  lança-se  n^uma  bacia  de 
agua,  onde  instantaneamente  arrefece. 

Assim  preparado,  corta-se  um  pedaço  um  pouco  mais 
longo  que  a  distancia  do  bico  á  extremidade  da  cauda,  e  ou- 
tros dous  desde  o  principio  da  abertura  do  lado  do  pescoço 
até  um  pouco  mais  além  da  pata  da  ave.  Se  esta  tem  de  ser 
montada  de  azas  abertas,  e  também  necessário  um  quarto 
arame,  desde  uma  á  outra  extremidade  das  azas. 

É  escusado  advertir,  que  este  arame,  se  torna  desneces- 
sário logo  que  as  azas  fiquem  fechadas.  Introduz-se  uma  das 
extremidades  do  arame  na  pinça  de  prender,  e  com  ajuda  de 
uma  lima  aguça-se  o  mais  possivd,  repetindo-se  a  operação 
nos  restantes,  e  duplicando-a  no  arame  das  azas  que  neces- 
sita de  ser  aguçado  nas  duas  extremidades.  Terminadas  estas 
operações  trata-se  da  formação  do  esqueleto  artificial  que 
ha-de  sustentar  a  ave  e  concorrer  para  ajuda  da  sua  futura 
boa  posição.  Tira-se,  para  isso  o  algodão  que  se  lhe  collocou 
para  substituir  a  falta  de  carne,  e  introduz-se-lhe  o  primeiro 
arame,  operando  do  seguinte  modo.  Faz-se  no  meio  do  arame 
um  annel  maior  ou  menor  segundo  o  tamanho  da  ave;  este 
annel  tem  por  missão  não  deixar,  depois  da  ave  cheia,  mo- 
ver-se  o  arame  em  todos  os-^sentidos.  Introduz-se  depois  a  ex- 
tremidade aguçada  atravez  o  pescoço  até  sahir  pelo  meio  do 
craneo,  e  faz-se  passar  a  outra  do  lado  inferior  atravez  o 
cocyx;  o  annel  deve  ficar  um  pouco  abaixo  das  azas  no  sitio 
do  esterno. 

Em  seguida  agarra-se  uma  das  patas  da  ave,  e  com  o 
furador  d^aço  abre-se  caminho,  atravez  d'*ella,  para  o  arame,  ou 
se  a  ave  é  pequena,  póde-se  empregar  para  esse  fim  o  próprio 
arame;  introduz-se  para  isto,  o  furador  ou  o  arame  atravez  o 
iarso,  e  faz-se  penetrar  até  á  articulação  do  fémur  com  a  tí- 
bia. Chegado  lá  volta-se  a  pelle  da  perna  sobre  o  tarso,  e  im- 
pelle-se  o  arame  até  passar  um  pouco  alem  da  tibia,  exce- 
dendo também  a  pata  um  comprimento  suíficiénte  para  an^a- 
vessar  o  tronco  ou  taboa  onde  tiver  de  ser  montada.  Ata-se 


35 1 


solidamente,  com  um  fio  o  arame  á  tibia,  dá-se  uma  camada 
de  preservativo  no  osso  e  na  pellç,  e  faz-se  entrar  tudo  no 
seu  lugar.  Prompta  uma  perna,  passa-se  á  outra,  que  se  dis- 
põe do  mesmo  modo.  Alguns  preparadores  costumam  pren- 
dei os  arames  das  pernas  ao  annel  do  arame  central,  mas 
este  processo  é  prejudicial,  por  isso  que  depois  de  cheia  a  ave, 
não  se  lhe  pôde  facilmente  dar  a  posição  em  virtude  da  resis- 
tência dos  arames,  especialmente  do  das  pernas,  a  volta- 
rem-se  para  onde  õ  desejamos;  deve-se  antes,  como  ensina  o 
ex.™°  snr.  Augusto  Luzo,  cortar-lhe  a  extremidade  aguda  e 
vergai -a  em  forma  d^annel  deixando-os,  comtudo,  soltos. 

Se  as  azas  não  teem  necessidade  de  arame,  atam-se  inte- 
riormente com  um  barbante  as  duas  extremidades  do  osso 
humertis,  deixando  entre  ellas  o  espaço  que  pouco  mais  ou 
menos  tinham  em  vida.  Esta  operação  é  uma  das  mais  valio- 
sas, por  isso  que  impede  a  demasiada  distencção  da  pelle  ao 
encher,  o  que,  depois,  causaria  defeitos,  quasi  que  irremediá- 
veis. Feito  isto,  dá-se-Ihe  por  todo  o  lado  interno  da  pelle, 
especialmente  na  cabeça,  anus,  azas  e  pernas,  uma  boa  ca- 
mada de  sabão  Becoeur,  para  a  preservar  da  corrupção  e  de- 
vastação dos  insectos,  e  tracta-se,  em  seguida,  de  encher  o 
specimen,  principiando  pelo  pescoço.  Esta  operação  póde-se  fa- 
zer de  dous  modos:  se  a  ave  tem  o  pescoço  curto,  depois  de 
introduzido  o  arame  central,  enche-se  pela  abertura  do  peito  e 
pelo  bico;  mas  se  apresenta  como  por  exemplo  a  cegonha,  a 
garça,  o  grou,  o  cysne,  etc,  um  pescoço  d^um  comprimento 
fora  do  commum,  difficilmente  se  chegaria  a  bom  resultado 
por  meio  doeste  processo,  sendo  necessário  em  tal  caso,  antes 
de  introduzirmos  ò  arame  central,  envolvel-o  em  algodão  ou 
estopa  até  formar  um  pescoço  artificial  da  espessura  e  com- 
primento necessário,  introduzindo-o  depois  no  vasio  deixado 
pelo  natural.  O  algodão  ou  estopa  que  se  eftrola  no  arame  do 
centro  para  formar  este  pescoço,  deve  ser  excessivamente 
comprido,  não  só  para  facilidade  da  sua  introducção  atravez 
a  pelle,  mas  também  para  que  não  se  disforme  seccando. 

Enchem- se  em  seguida  as  pernas,  fazendo  sempre  o  mais 
possivel  a  fim  de  que  o  arame  e  a  tibia  fiquem  no  centro,  para 
o  que  se  introduz  sempre  a  substancia  que  as  deve  encher, 
entre  elle  e  a  pelle.  Cheias  as  pernas,  vae-se  dispondo  a  es- 
topa desde  o  cocyx  até  á  base  do  pescoço,  sempre  sob  os 
arames,  isto  é,  entre  elles  e  a  pelle  das  costas,  recalcando-a 
methodicamente  para  que  fique  um  pouco  dura.  Dá-se  ao  ven- 
tre e  peito  a  forma  oval  que  elles  tem  em  vida,  o  que  permit- 


332 


lirá  poJer-se  collocar  bem  as  azas  e  a  cauda.  Assim  que  se  vê 
que  o  arame  está  ao  centro,  pouco  mais  ou  menos  e  que 
p;;!a  parte  inferior  estio  todos  os  vazios  perfeitamente  cheios, 
cont.r/^a  se  a  introduzir  estopa  para  os  dous  lados  do  peito  e 
cauda  ati  o  corpo  apresentar  o  volume  que  tinha  em  vida  do 
animal,  e  cose  se,  tinaimente,  a  abertura,  principiando  pelo  lado 
do  pescoço  a  introduzir  uma  agulha  enfiada  n^uma  forte  li- 
nha, que  se  faz  passar  atravez  a  pelle  sempre  debaixo  para 
cima.  Lnidas  assim  as  duas  extremidades  da  pelle,  retira-se 
alguma  penna  que  por  acaso  fique  presa  na  costura,  que  se 
termina,  cortando  o  fio  junto  ao  ventre. 

Com  o  auxilio  de  uma  agulha  comprida,  comp5em-se  as 
pennas,  o  que  facilmente  se  obtém  levantando-as  e  dispon- 
do-as  de  modo  a  encobrir  completamente  a  abertura.  Se  as 
pernas  estão  demasiado  compridas  impellem-se  para  dentro 
do  corpo  até  tomarem  a  posição  natural,  e  no  caso  contrario 

Çuxam-se  e  curvam-se  na  juncção  da  tibia  com  o  peroneu. 
em-se  prompto  o  pedestal  em  que  a  ave  deve  ser  montada, 
isto  é  um  tronco,  se  ella  se  empoleira,  e  no  caso  contrario 
uma  taboa  mais  ou  menos  torneada. 

Só  o  desenvolvido  estudo  da  historia  natural  é  que  per- 
mittirá  ao  amador  uma  boa  e  natural  collocaçáo,  limitando- 
nos  somente  a  dar  umas  pequenas  noções  para  evitar  ao 
principiante  certos  erros  de  péssimo  effeito. 

Com  uma  verruma,  fazem-se  dous  orifícios  no  logar  por 
onde  devem  penetrar  os  arames  que  atravessam  as  pernas  da 
ave,  e  introduz-se  em  cada  um  d''elles  o  arame  dos  pés  que 
se  puxam  do  outro  lado  para  que  fiquem  bem  unidos  ao 
sócco,  vergando-os  e  prendendo-os  á  madeira. 

Levanta-se  a  ave,  dispondo  o  corpo,  se  a  queremos  col- 
locar  em  attitude  de  repouso,  de  modo  que  uma  imaginaria 
linha  vertical,  cahindo  da  cabeça,  passe  atravez  o  pescoço, 
meio  do  peito  e  termine  exactamente  entre  as  cluas  patas  e  a 
egual  distancia  d'*ellas.  Dá-se  posição  á  cabeça,  que  se  volta  , 
no  sentido  desejado,  ergue-se  ou  abaixa-se  o  bico  até  tomar  a 
posição  horisontal  que  se  vê  em  quasi  todas  as  aves,  e  com  o 
alicate  próprio  corta-se  a  parte  excedente  do  arame  central 
que  passa  do  lado  externo  da  cabeça. 

Collocam-se  as  azas  na  posição  usual,  segurando-as  còm 
alfinetes,  se  o  exemplar  é  pequeno,  ou  se  é  maior  com  papeis 
que  se  lhe  enrolam  á  volta  do  corpo,  e  que  costumam  ser  em 
numero  de  três.  O  primeiro  vae  unir  as  pennas  dianteiras  do 
pescoço,  e  segura-se  do  lado  superior,  com  alfinetes;  o  se- 


353 


gundo  envolve  o  corpo  e  serve  para  sustentar  e  fazer  com 
que  as  azas  sequem,  tomando  a  forma  natural,  e  o  terceiro 
passa  sob  o  abdómen  e  vem-se  fixar  nas  costas,  por  cima  das 
azas. 

É  necessário,  comtudo,  tirar  estes  papeis  ao  menos  uma 
vez  por  dia  e  anedeiar  as  pennas,  tornando-os  em  seguida  a 
collocar  de  modo  que  comprimam  bem  o  corpo.  Esta  opera- 
ção repete-se,  até  que  a  ave  esteja  completamente  secca,  o 
que  tem  lugar  pouco  mais  ou  menos  em  oito  dias  no  verão  e 
vinte  no  inverno. 

Para  sustentar  a  cauda  aberta,  fazem-se  passar  as  pen- 
nas  atravez  um  fragmento- de  canna  seníi-fendida,  que  se  apoia 
na  parte  descendente  do  arame  central.  Passa-se,  por  ultimo, 
pelo  bico  e  patas,  um  pincel  embebido  em  verniz  ou  tereben- 
tina,  para  lhe  conservar  o  colorido  natural  e  preservar  mais 
eficazmente  dos  insectos.  Se  a  ave  que  montarmos  pertencer 
á  divisão  pcdmipedes  é  bom,  antes  de  a  collocar  no  pedestal, 
dar-lhe  uma  boa  camada  de  sabão  arsenical  na  extremidade 
inferior  da  pata. 

XII 

^  CASOS    PARTICULARES 

N'uma  collecção  ornithologica  é  não  só  curioso,  mas  tam- 
bém útil,  ter  alguns  ninhos  com  avesinhas  ainda  implumes, 
para  podermos  analisar  as  espécies  menos  vulgares,  n^uma 
phase  da  vida  em  que  o  corpo  apresenta  formas  totalmente 
differentes  das  do  individuo  adulto.  Deve-se  collocar  o  pae  e  a 
mãe  ao  lado  do  ninho,  o  que  torna  mais  rápida  e  sensivel  a 
comparação. 

O  processo  seguido  para  a  descarnação  d''estas  pequenas 
aves,  é  o  mesmo  que  para  as  grandes;  somente  é  necessário 
muito  mais  cautella,  por  isso  que  a  pelle  é  tão  fina,  que  até 
se  despedaça  com  uma  mais  forte  compressão  dos  dedos,  e  o 
craneo  se  disforma  com  a  extracção  da  massa  cerebral. 

Enchem-se  substituindo  o  algodão  branco  por  algodão  côr 
de  rosa,  para  imitar  a  carne,  visto  a  excessiva  transparência 
da  pelle  n^esta  phasé  da  vida  das  aves.  O  sabão  arsenical  dis- 
solve-sé  em  álcool  juntamente  com  uns  poucos  de  pós  verme- 
lhos, e  dá-se  com  elle  uma  pequena  camada  na  pelle,  por  isso 
que  ella,  fina  como  é,  de  pouco  necessita.  Estas  aves  devem 
montar-se  aninhadas,  não  só  porque  é  quasi  impossível  dis- 

REVISTA  DA  SOCIEDADE  DE  INSTRUCÇÃO  DO  PORTO.  24 


354 


farçar  a  costura,  mas  também  porque  nas  primeiras  epochas 
ellas  raras  vezes  se  levantam  do  ninho. 

Se  a  avesinha  está  completamente  nua,  isto  é,  se  não  tem 
ainda  pennugem,  é  bom,  logo  que  seccar,  com  um  pincel  em- 
bebebido  em  tintas  de  cores  apropriadas,  pintar-lhe  o  bico  e 
as  veias  mais  salientes  que  antes  atravessam  o  corpo.  E  con- 
veniente possuir  na  collecção  algumas  aves  com  as  azas  aber- 
tas; as  andorinhas,  pedreiros,  etc,  são  muito  mais  elegantes 
assim.  Para  isto,  depois  de  se  ter  mettido  o  arame  central  e 
os  das  pernas,  introduz-se  um  outro  que  vá  desde  uma  á  outra 
extremidade  da  aza. 

O  processo  para  fazer  passar  o  arame  atravez  as  azas  é 
o  mesmo  que  o  seguido  para  com  o  das  pernas,  formando 
apenas,  para  lhe  dar  mais  tixidez,  um  annel  no  meio  do  arame 
que  atravessa  as  azas.  Acontece  muitas  vezes  ter  de  se  prepa- 
rar uma  ave  morta  na  epocha  da  muda.  N^essa  Qccasiáo,  as 
pennas  por  fcilta  de  solidez  cahem  facilfnente;  devem-se  guar- 
dar as  que  se  desprenderem  durante  a  descarnação,  e  logo  que 
a  ave  estiver  secca,  levantar-lhe  as  pennas  próximas  do  logar 
da  falha  e  introduzir-lhe  por  baixo  as  cabidas,  havendo  antes 
a  cautella  de  lhe  embeber  o  tubo  em  gomma  arábica.  Em  se- 
guida rebatem-se  e  disp5em-se  o  melhor  possivel.  Se  receber- 
mos a  ave  já  com  falha,  arrancam-se,  depois  de  montada, 
aqui  e  alli  algumas  pennas,  que  se  collocam  onde  forem  mais 
necessárias. 

As  aves  que  teem  os  dedos  unidos  por  membranas,  con- 
servam-se  estas  distendidas  por  meio  de  alfinetes  que  lhe 
passam  atravez  a  pelle  e  vão  prender  na  madeira.  Acontece 
muitas  vezes  ser  a  cabeça  das  aves  ornada  de  carunculas 
que  a  impossibilitam  de  passar  pelo  pescoço,  durante  a  des- 
carnação ;  faz-se  n^este  caso  uma  abertura  no  sitio  da  cabeça 
onde  houver  mais  penas,  e  procede-se  por  ella  á  limpesa  do 
craneo,  cosendo-se  á  sutura  logo  que  terminar  a  operação 
para  que  foi  necessária. 

"  Esta  abertura  deve  ser  feita  desde  o  meio  do  craneo  até 
á  segunda  ou  terceira  vértebra  do  pescoço.  A  crista  da  ave, 
se  é  carnuda,  mantem-se  na  posição  querida  por  meio  de  alfi- 
netes que  passam  atravez  ella  e  vão  segurar  no  craneo;  logo 
que  está  secca  pinta-se  segundo  o  processo  indicado  no  capi- 
tulo especial.  O  methodo  de  substituir  as  cristas  naturaes  por 
outras  de  cera  ou  eesso,  é  não  só  sem  valor,  mas  até  prejudi- 
cial, por  isso  que  laz  perder  ao  specimen  o  seu  valor  scienti- 
fico. 


355 


As  aves  em  pelle  também  se  podem  dispor  em  álbum, 
formando  collecções  para  estudo,  não  tão  bellas  como  as 
montadas,  mas  muito  mais  económicas  e  portáteis.  D'este  gé- 
nero, vi  ha  tempos  um  curioso  álbum  de  aves  colhidas  em 
Inglaterra.  Esta  collecção  era  agradável  á  vista,  e  tinha  a 
grande  vantagem  de  n^um  volume  portátil  abranger  cento  e 
tantas  aves.  O  processo  para  uma  collecção  doeste  género 
consiste  em  empregar  uma  pelle  a  que  somente  se  deixou  o 
bico,  azas,  peito,  patas  e  cauda.  Devemos  dispol-as  dos  dous 
seguintes  modos  alternados,  que  tornam  mais  bella  e  valiosa 
a  colíecção.  O  primeiro  consiste  em  abrir  a  a^e  pelo  ventre  e 
costas,  separando  o  corpo  e  cabeça  em  duas  partes  e  ficando 
n^este  caso  a  ver-se  parte  do  peito,  costas  e  uma  aza;  o  se- 
gundo em  fendel-as  pelas  costas  ficando  salientes  o  peito  e  as 
azas  que  se  abrem,  e  as  pernas  que  se  desviam  para  os  dous 
lados.  Preparada  doeste  modo,  e  depois  de  alizadas  as  pen- 
nas,  colloca-se  a  pelle  entre  ^  duas  folhas  de  papel  botânico  e 
introduz-se  n^uma  prensa.  É  necessário  mudar  o  papel  ao 
menos  duas  vezes  por  dia,  para  que  possa  ser  absorvida  toda 
a  humidade,  e  findo  esse  praso,  dá-se-lhe  uma  boa  camada 
de  sabão  arsenical,  deixa-se  estar  fora  da  prensa  umas  doze 
horas,  findas  as  quaes  se  coUoca  outra  vez  entre  o  papel  bo- 
tânico e  se  mette  na  prensa,  até  á  completa  dissecação. 

Logo  que  a  pelle  está  completamente  secca,  dá-se-lhe  uma 
boa  camada  de  gomma  arábica  e  fixa-se  ou  n^um  cartão  ou 
na  folha  d\im  álbum.  Antes  de  terminar  este  capitulo  não  po- 
demos deixar  de  dizer  duas  palavras  relativas  ás  differentes 
posições  das  aves. 

As  de. presa  devem-se  montar  empoleiradas,  por  isso 
que,  geralmente,  todas  tomam  essa  posição;  algumas  varieda- 
des que  tem  os  tarsos  muito  carnudos  é  necessário  fendel-os, 
extrahir  os  músculos,  dar  preservativo,  e  depois  de  collocar 
algodão,  colar  a  fenda  com  gomma  arábica.  A  posição  das 
corujas  e  mochos,  é,  corpo  quasi  vertical,  pescoço  direito  e 
muito  curto,  bico  tocando  no  pescoço  e  pernas  estendidas. 

Os  pássaros,  em  grande  parte  empoleiram-se  e  a  sua  po- 
sição é  pouco  mais  ou  menos  epual  á  do  pardal,  pintasilgo, 
canário  e  coxixo,  muito  conhecidos  nas  nossas  cidades.  Os 
trepadores  collocam-se  com  os  pés  e  a  cauda  fixos  em  um 
supporte  vertical  pelo  qual  vão  subindo. 

Para  a  posição  dos  gallinaceos  servem  de  typo  o  gallo  e 
o  peru  que  todos  diariamente  vêem.  Os  pernaltas  teem  o  pes- 
coço direito,  o  bico  horisontal,  corpo  um  pouco  inclinado  e 


356 


pernas  curvas.  Os  patos  e  quasi  todos  os  palmípedes  teem  o 
corpo  e  bico  horisontal,  e  o  pescoço  duas  vezes  curvo  em  for- 
ma de  S. 

fContinúaJ. 

'      ^  Eduardo  Sequeira. 


CITANIA  NO  SÉCULO  XVII 

O  autor  do  opúsculo  que  em  seguida  publicamos  é  quasi 
desconhecido.  O  seu  Discurso  é  muito  raro,  e  talvez  esta  cir- 
cumstancia  explique  o  geral  esquecimento.  Até  hoje  ninguém 
deu  noticia  circumstanciada  d^elle,  quando  sempre  merecia 
ser  citado,  pelo  menos  sob  o  ponto  de  vista  histórico,  como 
representando  uma  phase,  embora  vencida  em  grande  parte, 
da  questão  archeologica,  que  se  debate  entre  nós  ha  annos. 
Parece-nos,  porém,  que  algum  grão  aproveitável  ha  no  meio 
do  joio. 

Pedro  Henriques  de  Abreu  foi  natural  de  Évora  ^erto 
de  Alcobaça,  prov.  da  Extremadura),  Licenciado  em  Câno- 
nes, Reitor  da  Igreja  parochial  de  S.  Pedro  de  Farinha  Po- 
dre po  bispado  de  Coimbra.  Os  biographos  gabam  muito  a 
sua  erudição  de  antiquário  em  assumptos  não  só  nacionaes, 
mas  estrangeiros. 

A  sua  única  obra  impressa  é  a  seguinte,  a  que  anda  an- 
nexo  o  Discurso  citado: 

Vida,  e  martj^rio  \  da  gloriosa  \  Santa  Qpiteria,  |  e  de 
svas  oyto  irmãas  \  todas  nacidas,  de  hvm  parto,  \  Vortugue\c& 
€  Proto  martyres  de  Hespanha.  \ 

Segue  uma  gravura  (vinheta)  de  Santa  Quitéria  com  a 
inscripção:  Veni  sponsa  christi  accipe  coronam, 

(Jontinúa  o  titulo  depois: 

Com  hum  discurso  |  sobre  a  antiga  cidade  Cinania  J  Por 
Pedro  Henriquez  d^Abrev  |  Reytor  da  Parochial,  &  Matriz 
Igreja  de  São  Pedro  de  |  Farinha  Podre,  Bispado  de  Coim- 
bra. I  Em  Coimbra.  |  Na  officina  de  Manvel  de  Carualho  Im- 
pressor da  Vnivers.  An.  i653.  4.**  de  xx  (inn.)  —  824  pag. 

Innocencio  da  Silva  (vol.  v,  p.  411)  indica  xxiv  pag.  inn.; 
não  sabemos  como,  porque  o  nosso  exemplar  está  completo: 

1.  Titulo;  verso,  branca;  3-6  Licenças;  Prologo  ao  ley- 
tor  7-9;  poesias  laudatorias  10-16;  Index  17-19;  e  o  verso 
branco. 


357 


O  Discurso  começa  a  pag.  289  e  acaba  a  pag^  323 ;  na 
ultima  pagina  324  um  Soneto. 

Joaquim  de  Vasconcellos. 


CAPITVLO   PRIMEYRO 

Discurso  sobre  a  Cidade  Cinania,  ou  Cininia 

de  Valério  Máximo 

He  chegado  o  tempo  de  dar  cõprimento  á  promessa,  que 
no  cap.  i3  fiz  aos  conosos  desta  hçáo,  de  lhe  dar  noticia  do 
que  smto  acerca  da  antiga  Cinania  (á  qual  em  outra  parte 
chamey  incógnita  por  me  parecer  que  o  sitio,  que  ategora  Jhe 
dão  nossos  escritores  se  lhe  não  pode  attribuir)  dando  satis- 
fação ao  prometido,  tanto  polo  ter  feyto,  quanto  pola  dar 
também,  a  outro  paragrapho  da  carta  do  amigo,  que  atraz 
referi,  quãdo  tratei  de  è.  Marinha,  que  diz  o  seguinte. 

Lembrame  que  fallando  comigo  alguma  vez  sobre  este 
nosso  cuidado  de  papel,  &  tinta  me  disse,  que  não  aueria' 
alguém  que  lhe  disesse  onde  fora  Cinania:  &  não  deyxou  de 
me  dar  cuidado  este  de  v.  m.  elle  me  obrigou  a  trasladar 
esse  discurso,  que  inuio,  que  inda  que  tem  pouco  »meu,  não 
tem  tão  pouco  que  não  tenha  a  lembrança.  Bem  pode  v.  m. 
passar  os  olhos  por  elle,  comi  esta  cautela,  que  não  sou  tão 
néscio,  que  não  entenda  que  diz  Aristóteles,  que  ao  sábio 
nada  he  nouo.  Atequi  a  carta. 

De  grande  vtilidade  forão  em  todo  o  tempo  as  aduerten- 
cias  a  quem  escreue:  porque  de  ordinário  trazem  cõsigo  duas 
vtilidades  grandes,  fogir  de  cair  em  erros,  &  estimular  a  con- 
tinuar na  exnpreza,  quando  he  Justa,  &  louuauel.  Desta  vitima 
me  aprouéitarei,  ao  ■  menos,  quando  não  possa  conseguir  a 
primeyra,  em  que,  polas  difficuldades,  que  pode  auer  em  cou- 
sas tão  antigas,  como  pouco  auerigoadas,  &  menos  examina- 
das de  nossos  antepassados,  não  poderey  proceder  com  a  se- 
gurança de  não  errar,  posto  que  com  mayor  desejo  de  o  não 
lazçr.  Com  tudo  seruirá  este  meu  trabalho  de  apurar  os  en- 
genhos, &  aparar  as  penas,  a  quem  com  mais  vêtagens  se- 
guir este  exercicio- 

A  três  pontos  principais  reduzo  todo  este  discurso,  sendo 
o  primeyro,  que  ouue  a  Cidade  Cinania:  &  o  segundo,  que 


358 


não  podia  estar  onde  querem  que  estiuesse  os  que  ategora 
dclla  tratão,  &  o  terceyio  (conforme  ás  razões,  que  para  isso 
mostrarei;  onde  alcanço  que  fosse  a  tal  Cidade. 

Que  ouuesse  Cinania,  poucos,  ou  para  milhor  dizer,  ne- 
nhum dos  que  escreuerão  das  cousas  de  Portugal  o  negâo: 
que  fica  sendo  ponto  quasi  infalliuel,  porque  desses  poucos, 
que  tenho  visto  fazem  menção  delia,  Garibay  (i),'o  Mestre 
André  de  Resende  (2).  O  Doutor  Frey  Bernardo  de  Britto  (3), 
na  primeyra  parte  da  Monarchia  no  lib.  terceyro  capit.  i3. 
&  no  23.  do  4.  liuro,  &  em  outros  lugares,  Manoel  de  Faria  (4) 
no  seu  Epytome.  O  Cónego  Gaspar  Staço  (5)  nas  suas  antigui- 
dades, Ambrósio  de  Moraies  {(])  no  lib.  8.  cap.  5. 

Isto  quanto  a  nossc^s  escriptores,  que  dos  estranhos  só 
Valério  Máximo  nos  dá  a  c<^nhecer  Cinania;  noticia  de  que 
todos  os  que  desta  Cidade  fazem  menção  se  aproueytaráo 
para  no  Ja  darem  referindo  todos,  seus  ditos  ao  do  mesmo 
Salerio  Máximo  que  com  a  breuidade  custumada,  em  seus 
exemplos  diz  o  seguinte. 

Cuius  mentio  mihi  subjicit  quod  advcrsus  D.  ^rutum  in 
Hispânia  grauiter  dictitm  est  rcfen^e.  Nam  cum  se  ei  tol^ 
pjHc  iMsitj.nia  dedissd,  ac  sola  pcntis  cius  vrbs  Cininia  peiii- 
nacitcr  arma  retineret,  tcntata  redemptioiíc,  propemodwn  vno 
ore  legatis  Bruti  respondit:  Ferrum  sibi  à  maior ibus  quo  vrbem 
iuerentur,  non  aurum  quo  libertatcm  ab  Imperatore  auaro  em- 
rent  relictnm,  Meliiis  sine  dúbio  istud  nosiri  sanguinis  homines 
dixissent,  quam  audissent. 

Vem  a  dizer  \'alerio  Maxirno,  que  auendose  Decio  Bruto 
apoderado  de  quasi  toda  a  Lusitânia,  só  huma  Cidade  dos 
Lusitanos  trataua  ousadamente  de  defender  sua  liberdade  pelo 
rigor  das  armas;  &  que  vendoos  Decio  Bruto  resolutos  em 
sua  defensão,  tratou  de  ver  se  podia  acabar  c5  elles,  que  ao 
menos,  remissem  sua  vexação  a  troco  de  ouro,  que  como  tim 
principal  os  fazia  vir  de  Roma  a  conquistar  Hespanha:  mas 
foylhe  rechaçada  a  proposta  com  a  resoluta  reposta,  que  de 
seus  antepassados  não  auião  erdado  ouro  com  que  comprassem 
sua  liberdade  de  hum  Capitão  tão  auaro,  mas  que  somente 
lhe  tinhão  deyxado  ferro  có  que  a  defendessem.  Reposta,  que 

(i)  Garib.  l.  6  cap.  12  pa^.  i83. 

(2)  Resende,  de  antiqiiit.  lib.  1  foi.  3i  1.  3  f.  117. 

(3)  Monarch.  p.  i  1.  3  c.  i3. 
Í4)  Epit.  pag.  no. 

(5)  Staç.  cap.  20. 
(C)  Mor.  1.  8  c.  5. 


35(3 


em  tudo  se  quer  parecer  á  que  em  outro  tempo  derão  ao  pri- 
meyro  dos  Emperadores  Romanos,  os  indómitos  Herminios, 
&  rnuy  conformes  ambas  com  o  primeyro  lance  de  arrogância 
Lusitana,  se  com  a  firmeza,  &  constância,  acompanhadas  da 
prudência,  se  souberão  aproueytar  do  valor  de  seus  ânimos. 

Cala  o  successo,  &  effeyto  destas  embaixadas  Valério; 
&  pelo  cõseguinte  nenhum  outro  autor  nos  sabe  dar  mais 
cota  delles,  que  somente  crerem  todos,  que  ouue  Cinania, 
como  eu  lambem  cõfesso,  seguindoos  a  elles,  mas  na  resolu- 
ção de  ser  onde  a  apõtão  reparo,  &  duuido,  polas  seguintes 
razões,  nas  quais  fundo  o  segundo  ponto. 

Dos  autores  atraz  referidos,  Garibay  diz  (i). 

Desta  manera  conquisto  quasi  toda  Lusitânia  donde  vno 
de  los  pueblos,  que  mas  resistência  hi:{0  fue  Cinania,  Ergo  Ci- 
nania era  de  Lusitânia,  &  não  de  Galliza. 

O  Mestre  Resende  tratando  em  especial  do  valor,  &  es- 
forço dos  Lusitanos  diz. 

Cceterum  ad  fortitudinem  pertinet,  quod  Strabo  ait  Lusi- 
taniam  annis  plurimis,  Romanorum  armis  oppugfiatam,  For- 
titudifiem  (juoqiie  arguit  constaits  ac  grauissimum  Decio  Bruto 
Cinanienstum  responsum,  quod  affert  libro  sexto  Valerius. 

Que  (diz  elle)  deyxadas  as  de  mais  cousas,  á  fortaleza  dos 
Lusitanos  pertence  o  que  escreue  Strabão,  quando  diz,  que  a 
Lusitânia  foy  conquistada  em  muytos  annos  com  as  armas 
dos  Romanos,  cuja  fortaleza  também  se  infere  da  constante, 
&  grauissima  reposta,  que  a  Decio  Bruto  derão  os  moradores 
de  Cinania  conforme  a  escreue  Valério  Máximo  no  liuro  sexto. 

Resende  quando  isto  escreue,  trata  de  prouar,  &  mos- 
trar o  valor,  &  fortaleza  dos  Lusitanos,  &  para  exemplo  delia 
traz  a  reposta  dos  Cinanienses.  Ergo,  Lusitanos  erão,  &  não 
de  outra  Prouincia. 

O  mesmo  Mestre  no  terceyro  liuro  diz  o  que  se  segue. 

Brutus  igitur  hic  Lusitaniam  vsque  ad  Oceanum  perdo- 
muit.  Qiiamquain  vt  Valerius  Maximus  lib.  6.  cap,  4.  ait. 
Pene  tota  se  ei  sponte  dediderat,  prceter  Cinaniam  vrbem,  &c. 

Que  o  Deciò  Bruto,  de  que  vay  tratando,  sogeitou  a  Lu- 
sitânia até  o  mar  Oceano,  supposto  que  como  diz  Valério 
Máximo  no  sexto  liuro,  quasi  toda  se  lhe  auia  dado  volunta- 
riamente, tirada  a  Cidade  Cinania. 

Resende  falia  da  Lusitânia  que  se  auia  entregue  quasi 
toda  a  Bruto  tirando  Cinania,  ergo  Cinania  da  Lusitânia  era. 


(i)  Vbi  supra. 


36o 


Dos  três  Autores,  que  ficão,  o  Doutor  Frey  Bernardo  de 
Britto  he  mantenedor  nesta  estacada  contra  minha  opinião:  & 
Manoel  de  Faria  como  seu  abreuiador  de  força  se  ha  de  con- 
formar com  elle,  polo  que  deyxando  as  prouas  das  cõsequen- 
cias  venhamos  a  apertar  por  outra  via,,  pois  nesta  occasiáo 
me  fauorece  tanto  (aliem  de  outras  razões)  a  opinião  do  Có- 
nego Gaspar  Staço  que  em  abono  da  que  sigo  diz  o  seguinte, 
no  capitulo  19.  que  referirei  por  extenso,  por  escusar  mais  tra- 
balho, &  pola  certeza,  que  tenho  de  seu  dito  como  testemu- 
nha de  vista. 

«Legoa,  &  meya  de  Guimarães  contra  o  Norte  em  hum 
monte  alto  diz  o  vulgo,  que  foy  huma  Cidade  chamada  Citania. 
Naõ  sei  o  que  delia  sintio  Frey  Bernardo  de  Braga,  mas  Fr. 
Bernardo  de  Britto  na  sua  Monarchia  diz,  que  desejando 
muyto  saber  onde  foy  a  antiga  Cidade  Cinania,  depois  de 
muitas  diligencias  feytas  veyo  a  dar  em  suas  ruynas,  que  diz 
serem  estas,  com  sinais  de  muros,  &  torres,  &  que  com 
pouca  corrupção  os  naturaes  da  terra  lhe  conseruauaõ  o  nome 
antigo,  chamando-lhe  Citania.  Entendo  que  a  semelhança  dos 
nomes  Citania,  &  Cinania  sem  consideração  do  sitio,  deu  mo- 
tiuo  a  esta  opinião,  mas  a  meu  parecer,  não  pode  esta  Citania 
ser  a  Cinania  de  Valério  Máximo,  da  qual  entre  todos  os  es- 
critores só  elle  faz  menção,  &  diz  ser  Cidade  de  Lusitânia.  E 
como  elle  fosse  Cidadão  Romano  auia  de  entender  Lusitânia 
demarcada  poios  limites  dados,  &  sabidos  pelos  Romanos, 
que  são  os  que  traz  Florião  de  Ocampo  com  mu3''ta  particu- 
laridade, &  certeza,  como  diz  Ambrósio  de  Morales.  Estes  li- 
mites da  parte  do  meyo  dia,  &  Ovcidente  érão  toda  a  costa 
do  mar  Oceano,  que  vay  da  boca  do  rio  Guadiana  á  boca  do 
rio  Douro  agoa  arriba  ú  quasi  vinte  &  cinco,  legoas,  &  dalli 
huma  linha  estendida  pelo  certão,  que  hia  parar  no  rio  Gua- 
diana. E  segundo  esta  demarcação  Romana  Lusitânia  da  parte 
do  Norte  começaua  do  rio  Douro  contra  o  meyo  dia,  o  que 
claramente  diz  Plinio  nestas  palauras.  A  Durio  iMsitania  in- 
cipity  Turdiili  veteres^  &c. 

Hora  supposto  isto  (continua  o  Cónego)  dentro  na  Pro- 
uincia  cõprehendida  nestes  limites  estaua  Cinania,  pois  Valé- 
rio diz  ser  Cidade  de  Lusitânia,  &  assim  como  os  Romanos 
chamauão  a  esta  terra  Lusitânia,  assim  elles  mesmos  chama- 
uão  Galliza  á  terra  dentre  Douro,  &  Minho,  que  começa  do 
rio  Douro  cõtra  o  Norte,  o  que  também  disse  Plinio  no  liuro 
quarto  onde  aflfirma,  que  o  Douro  diuide  os  Lusitanos  dos 
Gallegos.  Estes  mesmos  limites  põe  os  escriptores  modernos 


36 1 


seguindo  os  antigos,  chamando  á  terra  do  Douro  cõtra  o  Sul 
Lusitânia,  &  do  mesmo  Douro  contra  o  Norte,  Galliza.  E 
Florião  accrescenta,  que  esta  Comarca  d''Entre  Douro,  &  Mi- 
nho, nunca  foy  de  Lusitânia.  Donde  se  collige,  que  a  Cidade 
Cínania  não  estaua  nella. 

Ha  outra  razão  para  esta  terra  ser  chamada  Galliza  em 
tempo  de  Bruto,  a  quem  a  Cidade  Cinania  respondeo  o  que 
conta  Valério  Máximo,  o  qual  he  que  Liuio  no  liuro  sincoenta 
&  sinco,  diz  que  este  Capitão  conquistou  Lusitânia,  &  no  li- 
uro sincoenta  &  seis  diz,  que  venceo  aos  Gallegos.  E  das  ta- 
boas  Capitolinas,  que  traz  Onuphrio  consta,  que  triumphou 
dos  Lusitanos,  &  Gallegos.  E  por  Strabo,  quando  falia  do 
Minho,  sabemos  que  esta  jornada,  &  cõquista  de  Bruto  não 

f  assou  do  dito  rio  Minho,  &  assim  diz  elle  segundo  a  versão 
taliana  de  Buonaccioli ;  questo  termine  non  passo  Bruto  col 
essercito. 

Hora  se  Bruto  neste  espaço  de  terras,  que  he  a  Lusitâ- 
nia, &  delia  té  o  Minho,  venceo  estas  duas  nações  Lusitanos, 
&  Gallegos,  necessariamente  auemos  de  dar  no  mesmo  es- 
paço as  duas  Proiíincias  Lusitânia,  &  Galliza:  &  isto  não 
pode  ser  se  não  fazendo  Lusitânia  té  o  rio  Douro,  &  Galliza 
delle  mesmo  para  diante  contra  o  Norte  conforme  a  demarca- 
ção Romana.  Logo  a  Cidade  Cinania,  que  Valério  põem  na 
Lusitânia  não  estaua  nesta  comarca  d''Entre  Douro,  &  Minho, 
pois  era  Galliza. 

Por  aqui  dá  o  Cónego  fim  ao  capítulo  dezanoue,  &  ao 
vigessimo  dá  principio  na  maneyra  seguinte. 

Continuando  a  mesma  matéria  lembrame  que  Ambrósio 
de  Morales  também  entende  a  demarcação  antiga  destas  Pro- 
uincias,  como  fica  referida,  chamando  a  esta  terra  d'Entre 
Douro,  &  Minho,  Galliza:  mas  enganouse  em  dizer,  que  nes- 
tas guerras  de  Galliza  cercou  Bruto  huma  Cidade  chamada 
Cinania  que  lhe  resistio  perseuerada mente,  cotando  o  mais 
que  diz  Valério  Máximo,  não  aduirtindo  que  este  autor  faz 
aquella  Cidade  de  Lusitânia,  &  não  de  Galliza,  &c.  E  mais 
abayxo. 

O  Mestre  Resende  notou  melhor  o  texto  de  Valério,  por- 
que diz  nas  suas  antiguidades  de  Lusitânia,  que  esta  Prouin- 
cia  Lusitânia  quasi  toda  se  deu  a  Bruto,  tirando  a  Cidade  (Ci- 
nania. E  logo  immediatamente  diz,  que  Biuto  também  cõnie- 
teo  aos  Bracharos  gente  de  Galliza,  &  ci^ue  dclles  huma  gíã- 
de  vitoria,  nas  quais  palauras  he  claro  chamar  Gal!i/a  a  esla 
terra  d^Entre  Douro,  &  Minho.  E  como  Cinania  fos.^e  Cid^idc 

REVISTA  DA  SOCIEDADL  DE  INSTKH .^MJ  DO  KfHfO.  2^ 


' 


362 


de  Lusitânia,  &  o  outeyro  Citania  esteja  em  Galliza^  em  ne- 
nhuma maneyra  pode  elle  ser  a  Cinania  de  Valério  Máximo. 
Vay  continuando  o  Cónego  com  a  autoridade  de  Plutarco, 
&  outras  cousas  dirigidas  ao  fim  de  seu,  &  meu  intento,  com 
o  que  vou  abreuiando  por  me  parecer  já  a  proua  demasiada, 
&  causar  mais  fastio,  que  sabor,  a  este  discurso:  como  tam- 
bém pola  mesma  causa  não  infiro  por  menor  a  noticia,  que  o 
mesmo  autor  nos  dá  da  vista  que  fez  no  mesmo  outeyro  de 
Citania,  porque  he  cousa  sabida,  o  qual  achou  quasi  em  tudo 
difFerenie   do   que   nolo   pinta    o  Doutor  Frey.  Bernardo  de 
Britto:  com  tudo,  poderia  muy  bem  ser,  que  com  os  desejos, 
que  este  tinha  de  achar  o  sitio  a  Cinania  lhe  parecião  bastan- 
tes  indicios  de  auer  sido  alli:  &  as  impossibilidades,  que  ao 
Cónego  lhe  parecia  auer  em  estar  esta  Cidade  no  centro,  & 
coração  d'*Entre  Douro,  &  Minho,  o  ajudarião  a  desenganar 
mais  facilmente  com  a  pouca  memoria,  que  no  tal  lugar  acha- 
ria desta  encantada  Cidade,  que  tanto  dá   em  que  meditai 
aos  estudiosos  destas  golosisses  de  antiguidades,  não  auendc 
mais  texto  sobre  que  o  fazer  que  as  breues  palauras  de  Va 
lerio  Máximo,  que  parece,  que  com  ellas  nos  quis  deyxar  hum 
enredado  enigma  em  que  se  exercitassem  os  entendimentos 
Portuguezes  no  adeuinhar  o  sitio  desta  Cidade.  E  porque  eu 
(inda  que  o  mais  limitado  de  todos  clles)  também  me  acco- 
modo  nisto,  com  o  parecer  do  Cónego  (a  <juem  deuo  agrade- 
cer o  trabalho  de  que  em  approuar  esta  mmha  opinião  me  li- 
urou)  &  com  elle  nego  ser  Cinania  onde  aponta  o  Doutor  Fr. 
Bernardo  de  Britto,  &  despos  elle  todos  os  que^  o  seguirão, 
acho   que  tenho  obrigação  restituir  aos  coriosos"  desta  lição 
a  celebrada  Cinania,  ou  Cininia,  porque  não  percão  de  vista 
esta  tão  grade  relíquia  de  antiguidade,  pois  o  não  he  menor 
do  valor,  &  esforço  dos  antigos  Lusitanos,  o  que  farey  com  a 
liberdade,  &  licença  de  que  ategora  vsarão  os  que  delia  tra- 
tarão, que  he  (como  tenho  dito)  a  modo  de  adeuinhar,  pois 
Valério  Máximo  nos  não  deyxou  em  memoria  mais  que  auer 
huma  Cidade  dos  Lusitanos,  que  teue  brios  para  responder  a 
Bruto  o  que  fica  referido,  sem  declarar  se  a  combateo,  ou  se 
passou    de   largo,  nem   outro  algum  effeyto,  que  causassem 
nem  a  proposta  do  Capitão  Romano,  nem  a  reposta  do  presi- 
dio Lusitano. 


363 


CAPITVLO  II. 
Em  que  se  mostra  onde  foy  a  antiga  Cinanta 

He  muy  ordinário",  &  custumado,  entre  os  discordes, 
auer  quem  interuenha  c5  tratos  de  concertos,  &  pazes,  com 
que  não  perdendo  nenhuma  das  partes  no  particular  de  seus 
interesses,  se  fiquem  todos  conformando  em  paz,  e  quietação, 
o  que  pola  mayor  parte  se  costuma  fazer  partindo  (como  di- 
zem) a  contenda  pelo  meyo. 

As  que  nesta  occasião  se  ofFerecem  entre  as  desconfor- 
midades  de  opiniões,  he  huma,  que  o  primeyro  que  com  tanto 
affecto  de  acertar,  como  o  fez  o  Doutor  Frey  Bernardo  de 
Britto,  nos  deu  o  sitio  de  Cinania,  a  põem  no  Centro  da  Gal- 
liza  interamnense,  &  depôs  elle  os  que  o  imitarão  neste  género 
de  lição;  a  outra,  que  o  Cónego  Gaspar  Staço  (a  quem  neste 
particular  me  inclino)  não  conuem  em  que  a  tal  Cidade  fosse 
onde  o  Doutor  lhe  assina  o  sitio;  &  assim  para  virmos  á 
concórdia,  digo,  que  a  tal  Cidade  não  esteue  dentro  dos  ter- 
mos da  Lusitânia,  mas  que  era  dos  moradores  da  mesma  Lu- 
sitânia, posto  que  estiuesse  fora  de  seus  limites.  O  primeyro 
ponto  em  que  me  fundo  he  nas  palauras  do  mesmo  Valério, 
quando  diz,  que  depois  de  Bruto  se  auer  senhoreado  de  quasi 
toda  a  Lusitânia,  só  lhe  ficaua  por  sogeytar  a  seu  senhorio, 
&  poder  huma  Cidade  daquella  gente  (Ac  sola  gentis  eius 
vrbs  Cinninia,  &c,)  que  he  o  mesmo  que  dizer,  que  só  lhe  fi- 
caua para  ter  sogeytos  os  Lusitanos  numa  Cidade  dos  mes- 
mos Lusitanos,  posto  que  da  mesma  Prouincia  não  fosse,  mas 
que  estaua  por  elles  presidiada;  assim  como  vemos  que  Ceyta, 
Tanger,  &  Mazagão,  não  estão  na  Lusitânia,  antes  fora  da 
mesma  Europa,  &  mais  c5  propriedade  lhe  podemos  chamar 
Cidades  da  coroa  de  Portugal,  &  pelo  conseguinte,  lugares 
dos  Portuguezes,  mas  não  podemos  dizer,  que  o  são  da  Lu- 
sitânia, como  também  hoje  vemos  (causandoo  o  valor  Portu- 
guez)  a  Villa  de  Saluaterra  que  está  em  Galliza,  &  he  dos 
Portuguezes,  como  também  o  são  as  que  ficão  do  Guadiana 
aliem,  ficando  todas  ellas  fora  dos  limites  da  Prouincia  da 
Lusitânia. 

Assim  desta  maneyra  bem  podia  Bruto  deyxar  domada 
a  Lusitânia,  &  querendo  passar  a  fazer  o  mesmo  á  Galliza 
Bracharense  achar  nos  limites  de  huma,  &  outra  Prouincia  a 
Cidade  Cinania,  como  presidio  que  os  Lusitanos  tiuessem  do 


364 


Douro  aliem,  ou  para  reprimir  os  incursos  dos  Bárbaros  mo- 
radores das  ásperas  serras,  que  ha  entre  a  Lusitânia,  &  a 
Galliza  interamnense,  ou  por  lhe  ficar  mais  franca  a  passa- 
gem do  caudaloso  Douro  para  seus  commodos,  para  os  quais 
em  todos  os  tempos  ouue  stadistas,  &  defensores  das  razões 
doestado,  inda  entre  as  mais  barbaras  nações. 

Bem  está:  me  dirão  alguns  (porque  não  sei  se  serão  to- 
dos) mas  vejamos  onde  nos  dai^  a  vossa  Cinania,  pois  nos 
vemos  alheos  da  que  ategora  possuiamos?  He  bem  dar  satis- 
fação a  requerimentos  tão  ajustados:  &  assim  lhe  darei  a  que 
pode  justihcar  minha  opinião,  quando,  ao  menos  não  possa 
refutar  as  contrarias. 

He  a  serra  do  Marão  hum  dos  mais  celebres  motes 
deste  Reyno  de  Portugal,  que  hoje  diuide  a  Prouincia  d'*Entre 
Douro,  &  Minho  da  de  Trás  os  motes :  serra,  ou  monte,  que 
pode  competir  com  os  mais  celebrados  de  Hespanha, , porque 
o  nacimento  (como  os  de  mais  delia)  o  tem  dos  tão  nomeados, 
&  conhecidos  Pirineos,  de  quem,  como  legitimo  descendente, 
parece,  que  erdou,  as  áreas  do  fino  ouro  que  se  acháo  em 
suas  fontes,  &  ribeyros,  a  abundância  do  finissimo  estanho, 
que  dos  mesmos  se  colhe,  como  o  testemunharão  os  rios  de 
Ansiães,  &  Ouelha,  &  o  precipitado  Ollo,  com  seus  regatos, 
&  todo  o  Conselho  de  Hermello.  E  assim  como  nestas  rique- 
zas imita  as  rayzes,  &  troncos  donde  procede,  assim  o  faz  a 
os  de  mais  montes  de  Hespanha,  recebendo  em  si  a  abundân- 
cia da  neue  de  Siabra.  Criando  a  variedade  de  feras,  &  ani- 
mais das  ásperas  montanhas  do  Gerez.  Competindo  c5  o 
nosso  tão  afamado  Herminio,  na   altura,   &    eminência,  nos 

Castos,  &  abundância  de  trutas,  &  outras  caças,  como  ^am- 
em o  faz  na  copia  de  claras,  &  abondosas  fontes,  &  rios, 
que  de  si  lança.  Com  a  fresquissima,  &  amena  serra  de  Ossa 
na  frescura,  &  variedade  de  frutas.  No  nome  bosques,  &  vi- 
nhas com  a  fértil  serra  Morena.  E  emfim  o  que  mais  o  real- 
ça, a  nobreza  das  montanhas  Leonesas  pois  por  todas  as 
partes  donde  he  habitado,  em  suas  faldras,  &  derredores  he 
pouoado  de  muy  nobres  famílias,  &  casas,  tão  conhecidas  nas 
mesmas  partes  pola  comunicação,  &  trato,  como  nas  Cidades 
&  cortes  destes  Reynos,  por  suas  eminentes  virtudes,  assim 
em  letras,  como  em  armas,  podendo  ainda  neste  credito  tes- 
temunhar as  mais  remotas  partes  do  Oriente. 

São  quasi  todas  as  terras  ao  derredor  desta  tão  dilatada 
serra,  assim  de  huma  como  de  outra  parte  das  mais  illustres 
famílias  deste  Reyno:  qual  foy  da  casa  de  Villa  Real  o  Mar- 


365 


quezado,  dos  Condes  de  Penaguião  o  mesmo  Conselho,  da  de 
Cantanhede,  os  de  Hermello,  Ceruas,  &  Athei.  Do  de  Basto 
o  mesmo  Condado.  Do  Cõselho  de  Bayão,  o  senhor  delle, 
dos  de  Gouuea,  &  Gestaço  os  mesmos  senhores  delle;  entre 
os  quais  vemos  as  nobilissimas  familias  de  Noronhas,  Mene- 
zes, Castros,  Cunhas,  Sousas,  &  Sás. 

Alem  das  sobreditas,  que  supposto  que  sejão  dos  senho- 
res das  mesmas  terras,  as  não  podemos  dar  por  naturaes 
delias,  ficão  familias  muy  nobres  neste  Reyno  como  são  Pin- 
tos, Rebellos,  Pereyras,  Guedes  Cardozos,  Azeuedos,  Lemes, 
Prados,  Borges,  Mesquitas,  Queyroz,  Cerqueyras,  Barbosas, 
Aluarengas,  &  outras  muytas,  a  estas  nada  inferiores,  que 
abayxo  de  casas  titulares  poucas  das  mais  nobres  deste  Reyno 
lhe  leuão  ventagem.  Podendo,  pois  esta  serra,  &  monte  ser 
comparado  com  todos  os  mais  de  Hespanha,  nas  excellencias 
referidas,  me  parece,  que  só  na  aspereza,  &  medonhos  roche- 
dos o  não  pode  ser  senão  com  ella  mesma:  &  muyto  mais  na 
parte  onde  precipitandose  de  excessiua  altura  com  que  vem 
continuando*  desde  seu  principio,  se  parece  humilhar,  &  reco- 
nhecer vassalagem  ao  auarento  Douro,  ou  com  cortesia  offe- 
recerlhe  passagem  por  seus  limites:  porque  nesta  paragem,  os 
preruptos  rochedos,  as  cortadas,  &  rasgadas  penhas,  os  su- 
bidos, &  leuantados  pináculos,  os  profundos,  &  medonhos 
valles,  mais  parecem  em  tudo,  milagres,  &  portentos  da  natu- 
reza, que  lugar,  que  possa  penetrar  criatura  humana.  Com*^ 
tudo  sendo  tal  qual  aqui  o  tenho  mostrado,  não  escapou,  nem 
á  mesma  natureza  de  prouer  de  subida  ao  mais  alto,  nem  aos 
homens  de  acharem  caminho  para  sobir  ao  mais  leuantado  do 
mesmo  monte,  nenti  a  deuacão  dos  comarcãos  desta  serra  si- 
no  para  aperfeyçoarem,  &  rematarem  este  tão  alto,  &  ás- 
pero monte  com  huma  casa,  &  imagem  da  Virgem  Senhora 
nossa,  cuja  deuacão  nestas  terras  a  esta  Senhora  he  tão  an- 
riga,  que  não  se  pode  alcançar,  nem  ainda  c5  a  tradição,  seu 
principio.  Suspensa  fica  neste  passo  esta  débil  pena  com  a 
lembrança  desta  Santa  casa,  &  Senhora,  mas  por  \he  não  ser 
possiuel  ser  de  pomba,  irey  continuando  com  minha  derrota. 

He  pois  este  sitio  tão  áspero,  &  desabrido  de  inuerno, 
como  alegre,  aprasiuel,  &  gracioso  de  verão;  assim  pola  espa- 
çosa vista  a  que  os  olhos  se  estendem,  como  pola  variedade 
em  que  se  podem  deleytar. 

Tem  esta  serra  como  fica  dito  seu  principio  nos  montes 
Pirineos,  que  diuidem  ou  para  milhor  clizer  defendem  nossa 
Hespanha  da  França,  &  vindo  por  varias  partes  ter  ao  Reyno 


366 


de  Galliza,  assima  de  Mõterey  se  aparta  em  três  braços,  to- 
mando hum  para  o  Nacente  donde  volta  a  fazer  a  serra  de 
Siabra,  que  diuide  Galliza  de  Castella  a  Velha,  &  Portugal  des- 
tes Keynos,  &  do  de  Leão.  O  outro  se  aparta  para  o  Poente, 
&  depois  de  fazer  algumas  quebradas  em  Galliza,  entre  Ginso, 
&  Montercy,  faz  a  asperissima  serra  do  Gerez,  que  por 
aquella  parte  diuide  o  nosso  Entre  Douro,  &  Minho  da  Gal- 
liza das  Limias.  O  do  meyo  he  o  nosso  Marão,  que  não  dey- 
xando  sua  derrota,  como  vem  cortando  de  Norte  a  Sul,  assim 
vay  cõtinuando,  passando  pela  antiga  Villa  de  Chaues,  cha- 
mada antigamente  Aquas  Flauias,  &  deyxando  como  á  mão 
direyta  as  montanhas  de  Barroso,  &  Alturas  de  Basto  com  o 
conselho  de  Aguiar  de  Pena,  vem  á  semelhança  de  hum  muro 
diuidindo  as  Comarcas  d''Entre  Douro,  &  Minho,  com  a  de 
Trás  os  montes,  &  passando  a"  vista  de  Villa  Real  (que  lhe 
fica  da  parte  do  Nacente)  deyxando  á  do  Poente  a  Ribeyra 
de  Pcnna,  &  os  Cõselhos  de  Athei,  Ceruas,  &  Hermello,  vay 
ter  parte,  &  quinhão  na  Villa  de  Amarante,  tão  conhecida,  & 
frequentada,  como  ditosa  polo  precioso  thesouro,  que  em  si 
encerra  do  corpo  do  glorioso  b.  Gonçalo.  E  porque  com  o 
objecto  deste  deuoto  bantuario  me  fui^decendo  muito  ao  pé 
desta  serra,  por  onde  vou  caminhando,  me  he  necessário  tor- 
nar ao  mais  alto  delia,  donde  torne  a  ver  a  sobredita  Villa 
Real  pois  me  obriga  ficar  para  esta  parte  a  melhoria  deste 
monte,  qual  he  o  termo,  &  Marquesado  da  mesma  Villa  que 
pelas  faldras  da  mesma  serra,  ao  Nacente  delia  se  vay  esten- 
dendo atee  entestar  no  Conselho  de  Penagião,  Apenino  Por- 
tuguez,  a  quem  Peramãca,  Ourem,  Touro,  Allarejos,  Cas- 
salha,  &  Ourense,  não  leuão  ventagem,  nem  na  bondade,  nem 
na  quantidade. 

Nesta  paragem,  &  sitio  (como  fica  dito)  se  leuanta  este 
soberbo  gigante,  quasi  como  queyxandose  ao  Ceo  de  lhe  ser 
forçado  torcer  o  caminho,  &  não  continuar  com  sua  derrota 
(que  era  ir  dyreito  ao  Sul)  por  não  se  atreuer  a  passar  as 
profundas  agoas  do  soberbo  Douro,  ou  por  ver  diante  de  si 
opposto  outro  quasi  tão  grande  mostro  como  elle,  que  como 
hum  forte  muro  lhe  vay  negando  a  passagem,  que  parece 
apetecia,  para  se  ir  encontrar  c5  o  mayor  dos  montes  deste 
Reyno:  mas,  ou  seja  por  hum,  ou  por  outro  respeyto,  (a  ma- 
neyra  das  prosperidades  desta  vida)  onde  se  ve  mais  altiuo, 
soberbo,  &  leuantado,  dahi  a  pouco  espaço  d^e  terra,  se  acha 
tão  humilde,  que  não  cobrando  mais  cousa  alguma  da  sua 
arrogância,   inda  que  sempre  mostrando  o  que  he,    se    vai 


367 


acompanhando  o  mesmo  Douro,  atee  que,  quatro  legoas 
assima  da  Cidade  do  Porto,  sendolhe  negada  licença  para  poder 
entrar  na  Corte  do  Oceano  (como  se  concedeo  ao  nosso  Her- 
minio)  se  fica  como  enfadado,  tomado  outro  caminho  tão  dif- 
ferente,  que  por  pouco  náo  torna  a  endireytar  com  o  Norte, 
seu  principio.  E  assim  indo  cercando  a  terra  da  Maya,.sem- 

Íre  á  vista  do  espaçoso  Oceano,  se  vai  como  outro  ícaro,  ou 
^haetonte  precipitar  no  rio  Aue. 

Por  acompanhar  este  nosso  defunto  á  sepultura  me  alon- 
guei tanto  dõde  o  celebrei  viuo,  &  do  propósito  com  que  me 
estendi  a  fazer  delle  esta  memoria,  que  era  mostrar  o  sitio 
da  antiga,  &  incógnita  Cinania,  para  o  que  me  he  necessário, 
tornar  aonde  este  memorauel  monte,  deixando  a  mayor  altura 
se  humilha  tanto,  que  dá  passagem  aos  caminhantes,  que  da 
Cidade  de  Lamego,  &  raais  Prouincia  da  Beyra  passão  para 
Entre  Douro,  &  Minho,  pela  estrada  que  vai  pela  Villa  de 
Teixeyra  ter  á  Amarante. 

Nesta  paragem  pois,  &  no  pé  deste  alto  mote  está  a  Villa 
de  Meijãofno  em  hum  cerro,  que  corre  quasi  de  Norte  a  Sul, 
banhado  da  parte  do  Nacente,  do  grade  Douro,  &  da  do  Poente 
do  rio,  que  nacendo  no  mais  alto  desta  serra  ao  pé  da  Er- 
mida assima  dita  da  Virgem  S.  nossa,  &  vindo  pela  ponte  da 
Teixeyra,  pouco  depois  se  vai  (como  os  de  mais  destas  Co- 
marcas) entregar  ao  mesmo  Douro.  He  esta  Villa  tão  alegre, 
fresca,  &  deleitosa,  como  honrada  polas  muitas  familias  no- 
bres, que  a  pouoão.  Hurtia  legoa  desta  Villa,  ribeyra  do  mes- 
mo Douro  arriba  está  a  freguesia,  &  lugar  de  Cidadelha,  ou 
Cidadelhe,  que  he  termo  da  mesma  Villa,  junto  do  qual  lugar 
ao  Norte  delle  ficão  as  ruynas  de  huma  grande  força,  c5  ar- 
gumentos de  maior  antiguidade,  pois  as  paredes,  que  m»s- 
trão  serem  os  ossos  desta  defunta,  mais  arguem  fortaleza, 
que  policia  em  seus  edifícios,  dos  quais  os  que  hoje  nos  ma- 
nifestão  sua  grandeza,  he  hum  grande  laço  de  muro,  que  se 
vai  continuando  por  espaço  considerauel,  indo  por  deredor 
delle  o  caminho,  que  vai  da  freguezia  de  Villamarim,  &  da 
dita  -Villa  de  Meijãpfrio,  para  o  lugar  de  Cidadelhe,  sendo 
feyto  de  pedras  tão  bem  lauradas,  que  não  as  auendo  naquelle 
sitio  de  gram,  fazem  tão  boa,  &  bem  cortada  cantaria,  que 
aonde  o  muro  está  em  seu  ser  parecem  ser  vnidas  humas  nas 
outras. 

Serue  por  esta  parte  este  muro  (de  altura  em  algumas 
de  seis  ou  sete  palmos)  de  tapagem  de  muitas  &  fermosas  vi- 
nhas, que  dentro  em  seu  âmbito  se  encerrão.   Ficão  estas  re- 


368 


liquias  deste  muro  para  a  parte  do  Poente,  &  pela  que  este 
sitio  tem  de  menos  aspereza,  &  pela  parte  do  Norte  dece 
rasgado  hum  caminho,  que  vay  dar  no  no  Sermenha,  que  do 
alto  da  serra,  vindo  pela  freguezia  de  Sediellos,  &  passando 
pela  ponte  Cauallar,  vem  por  hum  profundo  valle  cercando 
pela. parte  do  Nacente  o  pee  deste  oiteyro  onde  esteue  esta 
grande  força,  seruindo-lhe  em  muytas  partes  descerca  os  ras- 
gados penedos,  &  rochas,  que  caem  sobre  este  rio:  sitio  para 
aquelles  tempo  táo  inexpugnauel,  que  o  era  bastantemente 
para  poder  resistir  a  tal  poder  como  o  de  Bruto.  Depois  de 
cercar  este  rio  o  pee  deste  monte,  &  com  hum  intractauel 
valle  o  diuidir  da  freguesia  de  Oliueira  (que  d^  parte  do  Na- 
cente lhe  fica  defronte)  vay  embocar  com  sua  íoz  no  mesoio 
Douro,  c5  cujas  agoas  se  banha  também  o  pee  do  mote  aonde 
estão  estas  ruynas,  &  lugar  de  Cidadelhe  da  parte  do  Sul, 
para  o  qual  se  dece  do  mesmo  lugar  por  huma  ladeyra,  gue 
tem  um  quarto  de  legoa.  Tornando  á  cerca  que  tenho  dito, 
com  coriosidade  entrey  algumas  vezes  nella,  tendo  já  naquelle 
tempo  lida  a  primeyra  parte  da  Monarchia  Lusitana,  &  fal- 
lancio  sobre  a  Cidade  Cinania  me  contarão  algumas  pessoas 
graues,  &  coriosas  que  alli  auia  alguma  tradição  que  fora 
esta  Cidade :  allegando  alguma  aparência  do  nome  coníi  Cida- 
delhe.  E  achei  hum  grande  lanço  de  muro  no  mais  eminente 
do  sitio,  que  ainda  tinha  altura  de  mais  de  quinze  palmos,  & 
por  bayxo  delle  ficaua  huma  grande  planicie  que  ao  presente 
tudo  está  pouoado  de  uinhas.  Dentro  deste  muro  estaua  o  pee 
de  huma  torre  quadrada,  de  grossas  paredes,  demostradoras 
de  grandeza,  &  antiguidade,  tudo  o  mais  se  veyo  com  o  tem- 
po a  resolver  em  montes  de  pedras  que  os  donos  das  vinhas, 
que  ficão  de  dentro  desta  grande  cerca  composerão  nelles, 
inda  que  fosse  a  troco  de  descompor  a  memoria  do  que  podia 
auer  sido  tão  grandes  vestígios :  contentando-se  o  vulgo  so- 
mente com  dizerem,  que  aquella  Cidade  fora  de  Mouros,  abu- 
são, &  absurdo  em  que  tem  dado  todo  este  Reyno,  (o  vulgo 
delle  digo)  que  tudo  o  que  ha  de  antiguidades  lhes  attribuem 
a  elles;  como  se  esta  barbara  nação  seruisse  em  Hespanha 
de  mais  que  de  sepultar  suas  memorias,  conseruando  somente 
as  Cidades,  &  lugares  mais  importantes,  &  arruinando  tudo  o 
de  mais:  antes  ouso  affirmar  que  estes  bárbaros  não  edifica- 
rão em  Hespanha  lugar,  nem  Cidade  alguma:  que  destruissem 
muytas  sim.  Disseo  primeyro,  (tomandoo  do  Mouro  Rasis)  o 
Padre  Martin  de  Roa  nestas  seguintes  palauras. 


369 


No  puo,  di:^e  T(asis,  Ciudad  ni  Villa  buena  en  Hespaíía, 
que  no  la  destrutessen  los  Moros,  &c. 

De  que  destruíssem,  nem  pouoassem  esta  não  nos  consta, 
porque  assim  como.  sabemos,  de  Viseo,  Lamego,  Coimbra,  & 
outras  muytas,  atee  de  S.  Martinho  de  Moufos  (que  daqui 
fica  huma  legoa,  ou  pouco  mais)  consta  que  foy  delles  habita- 
do, &  outros  lugares  de  que  nossas  Chronicjas  fazem  meiicão 
por  esta  Comarca,  sem  ja  mais  alguma  fazer  de  que  neste 
sitio  que  aponto  ouuesse  alguma  pouoacão',  que  naquelle  tem- 
po se  conquistasse:  polo  que  venno  a  inferir  que  esta  Cidade, 
&  força,  foy  antiquíssima,  &  dantes  dos  Romanos,  porque  se 
fora  do  seu  tempo  sempre  ficarão  algumas  lembranças,  de  le- 
treyros,  ou  outros  edincios  mais  políticos,  como  de  ordinário 
se  achão  nos  lugares  delles  habitados.  Também  entendo,  que 
esta  Cidade  deuia  ser  já  desbaratada  em  tempo  dos  Godos, 
porque  se  assim  não  fora,  ouuerase  de  fazer  rpenção  delia  em 
algum  dos  Cõcilios,  que  se  celebrarão  em  Hespanha,  como 
vemos  de  Britonia,  de  Eminio,  de  Caliabria,  &  de  outras  que 
hoje  não  conhecemos;  &  huma  vez,  que  se  acha  em  algum, 
he  como  Igreja  parochial,  como  hoje  he  a  que  se  dá  a  Braga, 
que  deue  ser  a  do  lugar,  a  que  hoje  chamão  Citania  junto  á 
mesma  Braga,  a  que  o  Concilio  chama  Cetania :  polo  que  esta 
Cidade  entendo  ser  a  Cinania,  que  o  Doutor  Fr.  Bernardo  de 
Britto  (i)  nos  leuou  ao  outeyro  de  Citania,  não  tendo  mais  di- 
reyto  para  nola  dar  por  tal,  do  que  eu  o  tenho  para  -affirmar 
auer  sido  neste  lugar  que  digo.  E  se  as  razões  que  aponto 
em  fauor  desta  minha  opinião  inda  não  bastão,  nem  contenta- 
rem a  os  escrupulosos,  vejão  com  attenção  as  de  forçosas 
conjecturas,  que  no  capitulo  seguinte  mostrarei,  &  se  com 
tudo  se  não  derem  por  satisfeytos,  confesso  que  não  posso 
mais  fazer :  deyxando  lugar  a  quem  com  mayor  força  de  jus- 
tiça me  tirar  a  que  em  abono  de  minha  opinião  aqui  offereço, 
que  não  sou  tão  pertinaz  que  me  não  conheça  rendido,  a 
quem  com  sl  força  da  razão,  &  justiça  se  mostrar  vencedor. 

CAPITVLO  III. 

Em  o  qual  se  mostra  por  forçosas  conjecturas 
ser  Cinania  ondejica  dito. 

Com  a  entrada  de  Decio  Junio  Bruto  em  Lusitânia  en- 
trou também  a  noticia  desta  Cidade  Cinania  de  que  ategora 


(i)  Brit.  2.  p.  c,  14. 

REVISTA  DA  SOaEDADE  DE  INSTRUCÇÃO  DO  PORTO.  26 


Syo 


fallei,  que  atee  sua  vinda  não  se  achão  entre  os  que  escreue- 
rão  desta  Prouíncia  auem  delia  fizesse  menção  começando 
esta  noticia  na  que  delia  tão  abreuiadamente  nos  dá  Valério 
Máximo,  de  que  se  tem  aproveytado  todos  os  escritores  que 
das  cousas  de  Hespanha  escreuerão,  como  atraz  deyxo  ^ef^ 
rido.  Depois  o  que  com  mais  particularidades  escreue  os  suc- 
cessos,  et  progressos  de  Bruto  nesta  Prouincía,  &  na  Bracha- 
rense,  he  o  Ik>utor  Fr.  Bernardo  de  Britto,  &  consequente- 
mente com  mais  particularidades  nos  conta  os  successos  & 
fim  desta  Cidade,  causado  das  guerras,  que  ouue  entre  ella, 
ft  a  de  Braga,  como  se  pode  ver  no  cap.  26.  do  liuro  4.  da 
primeyra  parte  da  sua  Monarchia,  a  quem  em  tudo  vay  se- 

Suindo  Manoel  de  Faria  no  seu  Epytome.  Ambos,  pois  nos 
izem,  que  tendo  guerra  entre  si  as  Cidades  do  Porto,  .e  Bra- 
ga, ficando  os  do  Porto  na  primej/ra  refrega  vencedores,  í 
s^uindo  os  de  Cinania,  a  voz  de  víua  quem  vence,  se  ager- 
manarão  com  os  do  Porto,  pola  qual  razâo^os  Bracharenses, 
depois  de  terem  desbaratados,  &  vencidos  os  do  mesnK)  Por- 
to, tratarão  de  tomar  satisfação,  &  usar  da  mesma  vingança 
nos  moradores  de  Cinania,  &  sua  Cidade,  o  que  diz  o  mesmo 
Doutor  cõseguirão  á  medida  de  seus  desejos. 

Deyxo  de  apurar  esta  antiguidade,  porque  "me  não  quero 
attríbuir  o  titulo  de  apurador  delias,  como  já  fez  algum  com 
menos  felicidade  do  que  (pode  ser)  se  prometia:  mas  não 
admittindo  que  as  taes  guerras  (se  as  ouue)  fossem  com  a 
Qdade  do  Porto,  pois  ainda  então,  nem  muytos  annos  depois 
a  auia,  &  duuidando,  que  os  recontros,  que  nos  debuxâo  po- 
dião  passar  do  modo  que  no  los  descreaem,  polas  dificulda- 
des que  está  manifestando  o  soberbo,  e  caudaloso  Douro,  que 
de  força  auião  de  conquistar  primeyro  os  Bracharenses  para 
auerem  de  bater  os  muros  de  Cale :  mas  suppõdo  que  ouve  a 
tal  guerra,  &  pelo  conseguinte  a  confederação  entre  Cinania, 
A  Qile,  (que  he  a  com  quem  naquelle  tempo  podia  ter  guerra 
Braga)  vejamos  agora  como  com  mais  comnK>didade  se  po- 
dião  cejebrar  estas  amisades  com  Cinania  estando  no  lugar, 
que  apõto,  que  se  estiuera  onde  a  situa  o  Doutor  Frey  Ber- 
nardo de  Britto. 

A  sua  Cinania  põem  elle  sobre  o  rio  Aue,  legoa  &  meya 
da  Cidade  de  Braga,  para  o  Nacente  da  mesma  Qdade  me- 
tendose  entre  huma  &  outra  a  serra  de  Falperra,  ficando  o 
tal  sitio  (quando  menos)  noue  legoas  da  Qdade  do  Porto, 
mais  para  o  intimo  do  sertão  d^^Entre  Douro  &  Minho,  não 
sendo  do  mesmo  Porto  a  Braga,  mais  de  oyto  legoas,  &  aliem 


371 


disto  nâo  faltando  no  caminho  de  Citania  para  o  Porto  difi- 
culdades para  se  poderem  comunicar  com  socorros,  tendo  rios' 
de  passar,  como  ne  o  mesmo  Aue,  ou  quando  menos  o  Aui- 
sella,  &  serras  como  sâo  a  de  Roris,  &  Montecorua,  c5  às 
auais  tendo  tâo  poderosos  ímigos,  como  erão  os  Bracharenses 
a  porta,  quisessem  arriscar-se  aos  ter  por  taes,  inda  que  ven- 
ciaos  forao,  por  irem  buscar  a  amisade  tanto  ao  longe :  quan- 
to mais  que  parece,  que  conforme  a  boa  razão  de  estado  mais 
conuinha  ajudar  os  vesinhos,  que  tinhão  á  porta,  &  cujos  na- 
turais deuião  ser  liados,  &  aparentados  huns  com  os  outros 
como  todos  da  mesma  Proumcia  da  Galliza,  &  os  de  Cale 
sendo  da  Lusitânia,  &  de  nação  de  gente  difTerente.  E  quanto 
a  dizerse,  que  os  de  Cinania  por  verem  seus  visinhos  menos 
poderosos  fauoreceriâo  os  de  Cale,  não  sei  como  podessem 
pretender  diminuilos  conhecendo  seu  valor,  &  potencia  tanto 
de  perto,  nem  deixarem  de  ver  que  huma  Cidade,  que  tanto 
tinha  resistido  a  Roma,  inda  que  em  algum  acontecimento 
aduerso  ficassem  de  menos  partido,  se  não  portassem  melhor 
em  outro  encontro,  sendo  muytas  vezes  causa  de  alcançar 
grandes  vitorias  os  vencidos,  o  estimulo,  &  sanha  de  o  terem 
sido. 

Polo  que  suppostâs  estas,  &  outras  dií&culdades  para  po- 
der estar  a  Cidade  Cinania  neste  sitio,  que  lhe  assina  o  Dou- 
tor Frey  Bernardo  de  Britto,  venhamos  ás  conueniencias,  que 
ha  para  auer  sido  Cinania  aonde  ^ua  aponto. 

Seja  a  primeyra  a  distancia  que  ha  de  huns  lugares  a  ou- 
tros, porque  já  sabemos,  que  de  Cale  a  Braga  são  oyto  le- 
goas:  da  mesma  Braga  a  Cidadelhe  são  treze  legoas,  &  da 
mesma  Cidadelhe  ao  Porto  por  Canaueses,  são  (]uatorze,  & 
por  Amarãte  quinze,  ficando  quasi  tão  longe  da  Cidade  imiga 
como  da  confederada,  para  onde  podião  communicar-se  sem 
receyo  de  encontros  com  os  Bracharenses;  auãto  mais  que  a 
tal  communicação,  &  trato  de  amisade  se  podia  continuar  com 
muyta  facilidade  pelo  rio  Douro,  (como  hoje  se  faz)  sobindo 
por  elle  assima  aliem  de  Cidadelhe  muytas  legoas,  assim  que 
pelo  rio  lhe  podia  ir  todo  o  soccorro,  tanto  de  mantimentos, 
quanto  de  gente,  com  tanta  breuidade,  que  muytas  vezes  acõ- 
tece  que  partindo  do  Porto  da  Rede  (que  fica  pouco  abayxo 
de  Cidadelhe)  pela  menhaã,  chegão  á  noyte  ao  Porto. 

Outra  seja,  que  os  de  Cinania  (estando  aonde  digo)  tinhão 
mais  razão  de  se  confederarem  com  os  de  Cale,  &  fauorecelos 
contra  os  de  Braga,  pois  vemos,  que  os  huns,  &  os  outros 
erão  Lusitanos;  &  ja  pode  ser  que  os  tais  tiuessem  aquella 


372 


Cidade,  &  presidio  nos  confins,  &  limites  da  Galliza,  para  re- 
frearem os  mesmos  Bracharenses,  c6  os  quais  não  andarião 
por  esse  respeyto  muy  vnidos  em  paz,  &  amisade.  E  polo  co- 
mercio do  no,  &  causas  apontadas  o  estariâo  sempre  com  os 
de  Cale. 

Que  os  Bracharenses  se  vingassem  depois  dos  Cinanicn- 
ses,  &  lhe  viessem  destruir  sua  Cidade,  ficando  tão  distantes 
delles,  melhor  o  podião  fazer,  que  se  os  tiuerão  á  porta,  que 
como  elles  erão  senhores  de  toda  aquella  Prouincia,  &  os  Ci- 
nanienses  estariao  nella  como  os  nossos  estão  hoje  em  Salua- 
terra  do  Minho  aliem,  &  se  achauão  vencedores,  com  facili- 
dade podião  ajuntar  assi  todo  o  poder  da  mesma  Prouincia, 
conuocandoos,  tanto  com  o  pretexto  de  tomarem  delles  a  ap- 
petecida  vingança,  quanto  por  lançarem  de  si  o  freo  de  seu 
mal  sofrido  presidio;  pola  qual  razão  não  he  de  estranhar, 
que  se  ajuntassem  para  a  destroição  desta  força  todas  as  da 
mesma  Prouincia,  que  comprehendia  atee  os  arrabaldes  da 
mesma  Ginania,  o  que  podião  ordenar  em  tempo,  que  o  cau- 
daloso Douro  negasse  a  passagem  aos  Lusitanos,  que  da  ou- 
tra parte  lhe  ficauão  para  poderem  soccorrer  aos  cercados  Ci- 
nanienses,  que  não  desmentindo  cousa  alguma  de  seu  natural 
valor,  &  brio  deixarão  primeiro  as  vidas  em  mãos  de  seus 
contrários,  mais  auentajados  (se  não  no  valor)  no  numero,  & 
ventagens,  que  vão  de  cercadores  á  cercados:  ficandolhe  em 
poder  tão  defuntos  os  corpos,  como  arruinada  sua  Cidade; 
para  que  pois  que  não  podião  deyxar  de  ser  vencidos,  ao  me- 
nos se  não  gloriassem  seus  vencedores  de  triunfarem  delles 
com  vida,  nem  se  jactassem  de  os  obrigarem  a  outras  tão  in- 
fames leis  como  erão  as  que  se  referem  que  derão  aos  venci- 
dos moradores  de  Calle  que  (se  he  verdade  que  os  ouue,  do 
que  eu  duuido)  melhor  lhe  fora  aos  taes  acabarem,  Cidadões, 
&  Cidade  como  acabou  Cinania,  em  hum  dia,  que  estarem 
sogeytos  a  tais  leis  huma  ora. 

O  que  tenho  dito,  he  quanto  ao  que  se  escreue  das  guer- 
ras entre  os  Bracharenses,  &  Cinanienses;vagora  me  importa 
tirar  outras  conjeyturas  da  jornada  de  Bruto  de  nossa  Lusitâ- 
nia á  Galliza  Bracharense,  para  vir  a  mostrar  que  neste  sitio, 
que  díço,  ficaua  a  Cidade  Cinania. 

Lá  vimos  dos  autores  allegados  como  Bruto  atrauessando 
a  Lusitânia,  &  entrando  nella  pela  parte  meridional  a  veyo 
sogeytando  atee  o  mar  Oceano  que  banha  as  prayas  dos  CoV 
tos  de  Alcobaça  onde  se  vio  em  tão  grande  aperto  com  os 
moradores  de  Alfeyzeráo,  ou  de  minha  pátria  Euora,  chama- 


373 


da  naquelles  tempos,  Eburo,  ou  Eburobritium  (cuja  auerigoa- 
ção  não  cabe  neste  lugar)  que  lhe  foy  necessário  recorrer  a 
suas  diuindades  (digamos  assim)  para  se  liurar  do  risco  em 
que  estaua  de  ficar  destruído  com  todo  seu  exercito.  Vendose 
porem  de  quasi  vencido  vencedor,  &  de  quasi  desbaratado 
triunfante  veyo  combater  a  antiga  Collipo,  onde  em  nossos 
tempos  vemos  a  fresca  Leyria.  Daqui  tomou  seu  caminho 
para  a  Galliza,  que  hoje  he  Entre  Douro  &  Minho,  na  qual 
entrou  depois  de  ter  domada  (ou,  como  diz  Máximo)  depois 
de  se  lhe  entregar  quasi  toda  a  Lusitânia. 

Para  Bruto  ir  de  Collipo  por  mais  breue  caminho,  pare- 
ce, que  auia  de  passar  o  Douro  em  Calle.  E  se  assi  o  fizera, 
fícaualhe  não  piquena  parte  da  Lusitânia  por  sogeytar;  & 
não  a  menos  briosa  gente  de  domar,  quaes  erão  os  morado- 
res da  Beyra,  &  entre  elles  os  do  monte  Herminio,  que  he  a 
nossa  tão  afTamada  serra  da  Estrella,  que  prouauel  he,  que 
estaria  outra  vez  pouoada  de  habitadores.  E  nesta  Prouincia, 
pode  muy  bem  ser,  tinha  Bruto  mais  lucro,  &  interesse,  polas 
muytas  minas  d''ouro  que  nella  auia  por  todas  às  ribeyras  dos 
rios  Mondego,  &  Alba,  &  muytas  pouoaçôes  de  importância, 
quais  erão  (aliem  das  de  menos  conta)  a  Cidade  de  Viseo,  & 
Lamego,  &  outras  de  que  -se  perdeo  a  noticia.  Polo  que  (sal- 
uo  o  melhor  juyzo)  a  mim  me  parece,  que  elle  de  Collipo 
vindo  pola  antiga  Colimbriga,  iria  pelo  pé  da  serra  da  Estrella 
atee  onde  apontado  Doutor  Frey  Bernardo  de  Britto,  que  teue 
a  batalha  sobre  o  rio  Tauora,  &  dahi  bayxando  a  Lamego, 
ou  naquelle  tempo,  Lanconimurgi,  dõde  auendo  de  passar  o 
Douro,  o  melhor  passo,  que  tinha  para  o  fazer,  era,  ou  aonde 
agora  chamamos  a  Regoa,  ou  aonde  vemos  a  barca  de  por 
Deos":  que  he  no  pee  do  oiteyro  onde  fica  o  lugar  de  Cidade- 
Ihe,  &  onde  vimos  as  ruynas  que  aponto.  Por  qualquer  des- 
tas partes,  que  passasse  auia  de  encontrar  com  esta  força,  & 
Cidade,  &  assim  seria  cousa  muy  conforme,  que  nesta  passa- 
gem em  que  auia  de  ir  demandar  a  das  serras,  &  asperezas 
do  Marão,  pola  parte  em  que  hoje  esta  Meijâofrio,  &  Teixey- 
ra,  cometesse  o  partido  aos  Cinanienses,  que  diz  Valério  Má- 
ximo, pois  era  logo  em  passando  a  Lusitânia,  &  depois  de  a 
deyxar  sogeyta,  &  querendo  entrar  na  Galliza.  E  supposto 
c|ue  Máximo  nos  não  dá  conta  do  efTeyto  da  reppâta  dos  de 
Cinánia,  eu  julgo  que  Bruto  por  se  ver  apertado  com  as  difli- 
culdades  dá  passagem  dos  montes,  &  por  se  não  arriscar  a 
outro  encontro  como  o  que  tinha  tido  junto  ao  rio  Tauora, 
como  quem  deuia  ter  sabido  quanto  lhe  importaua  ir  aperce- 


374 


bido  para  auançar  com  os  Bracharenâes,  a  quem  hia  deman- 
dar, dissimularia  com  os  de  Gnania,  determinando^  quan^ 
elles  menos  o  cuidassem,  &  vindo  com  as  armas  vitoriosas, 
dar  sobre  elles  o  que  lhe  não  soccederia  por  lhe  ser  forçado 
ir  por  caminhos,  mais  breues,  &  desempedidos  outra  vez  acu- 
dir aos  tumultos,  &  rebelliões,  aue  auia  nos  lugares  da  Lusi- 
tânia que  aponta  o  Britto :  fícandolhe  este  caminho  para  a  O- 
dade  Moro  (onde  fez  seu  assento  depois,  por  alguns  annos) 
pela  estrada  que  hoje  chamamos  Coimbraa. 

Fauorece  esta  minha  opinião  o  que  diz  o  mesmo  DoutOT 
contando  os  trabalhos  que  Bruto  passou  nesta  passagem  da 
Lusitânia  para  a  Galliza,  assim  poía  aspereza  da  terra,  como 
por  se  ver  perseguido  dos  naturaes  que  pelas  fraguras  o  per- 
s^uião  com  contínuos  assaltos,  tanto  de  dia,  como  de  noyte, 
&  com  as  continuas  neues,  que  auia  nos  montes,  que  lhe  im- 
pediáo  a  passagem.  Tudo  o  que  não  podia  auer  se  não  nas 
do  Marão,  desde  a  Villa  de  Chaues  atee  a  de  Meijãofrio,  que 
vem  a  ser  catorze  legoas  pouco  mais,  ou  nnenos,  não  auendo 
em  toda  esta  distancia,  mais  accomodada  passagem  para 
quem  vay  da  Deyra  para  Braga,  que  esta  da  Teyxeira ;  sendo 
com  tudo  para  conducçáo  de  exercito  tão  perigosa,  que  se 
não  pode  passar,  sem  de  huma,  e  outra  parte  receber  grandes 
danos,  &  durando  a  neue  por  estas  partes  mais  que  por  todas 
as  outras  da  mesma  serra :  os  (|uais  impedimentos  não  achara 
Bruto  se  entrara  nesta  Prouincia  pela  parte  de  Cale :  supposto 

aue  dahi  (que  he  o  mesmo  que  do  Porto)  atee  esta  paragem 
e  Meijáofrio  os  tinha  mayores,  por  lhe  ser  impossiuel  passar 
com  exercito,  por  respeyto  das  berras  de  Monte  de  Muro,  & 
Manhouce.  Assim  que,  ou  Bruto,  entrando  na  Galliza  não 
auia  de  achar  as  difticuldades  que  diz  o  Doutor  Frey  Bernar- 
do de  Brito,  ou  se  as  achou  não  podia  ser  se  não  por  esta  parte 
onde  digo  que  esteue  a  antiga  Cinania,  ou  Cinínta  de  Valério 
Máximo. 

Tenho  trabalhado  quanto  pude  por  dar  comprimento  ao 

aue  tinha  prometido,  &  por  communicar  aos  coriosos,  inclina- 
os  a  este  estudo  de  historia,  &  antiguidades,  aonde  foy  a  Q- 
dade  Cinania,  não  pretendendo  porem,  que  esta  minha  opinião 
seja  infalliyel,  mas  expondoa  ao  juizo,  &  parecer  dos  que  delia 
quizerem  julear,  que  nunca  vou  a  perder  nada  neste  trabalho 
pois  não  pode  ficar  baldado,  inda  que  não  sirua  de  tnais,  que 
de  despertar,  &  tirar  a  terreyro  os  entendimentos  mais  subtis, 
&  leuantados,  ou  a  emmendarem  meus  erros,  redarguindo  mi- 
nha opinião,  ou  a  descobrirem  mais  certeza  com  a  autoridade 


375 


das  suas,  dandome  por  qualquer  destas  vias  por  satisfeyto,  & 
o  ficara  muyto  mais,  se  poderá  nestes  meus  discursos,  e  tra- 
balhos nocturnos  agradar,  &  contentar  a  todos  os  que  delles 
tiuerem  noticia:  ainda  que  he  cousa  tão  impossivei  que  se 
veyo  desta  impossibilidade  a  fazer  o  adagio  que  diz.  Júpiter 
non  omntbus  ptacet. 

G>m  tudo,  inda  que  posto  nesta  desconfiança,  nao  deixa- 
rey  de  rematalos  com  o  Epitaphio  que  á  sepultura  desta  de- 
funta se  pode  applicar,  posto  que  para  outra  (que  de  seme- 
lhante mal  de  coração  acabou)  se  ordenasse,  que  por  vir  tanto 
a  propósito  neste  lugar  referirey  com  mudança  de  poucas  pa- 
lauras. 


T)/  pasíquam  cosiam,  St  nardi  cumulauit  aristas 
Ad  bustum,  cunasque  suas  reparabilis  ales, 
Cognatosque  ignes  totós  admisit  in  artus. 
Se  renouat  tumulo,  damnoque  renascitur  ipso, 
Experíens  vltro^ammis  mutatur  iisdem, 
Prtncipium,  Jimsque  sui,  viuitque  cadendo: 
Sic  ruit  ipsa  iH)lens,  svreuitque  Cinania  mortem^ 
Cum  Vracharus  pálidas  reuocauii  ad  arma  cohoríes, 
Quas  reperit  segnes  &  quas  dissuasor  honesti 
Perdiderat  luxus  turpisque  licentia  facti : 

Hcec  cum  chusa  suo  non  possèt  cedere  vallo, 
Quae  toties  fuso  pitam  donauerat  hosti,     t 
Vrgcretquefcmes,  St  spem  iam  pacis  honestae 
Fcedera  nuUa  darent,  ferro  se  absumpsit  St  igne: 

En  iacet  ad  dextram  Durii  picina  fluentis. 
Horrendas  molis  spirant  immania  saxa 
Inuicios  ânimos  gentis,  quamquam  incl^ta  bello 
Huc  fortuna  piros  ^racharae  constantis  adegit. 

Qát  Durius  p(^uli  mortem  indignatus  amici, 
Contorsit  rubras  accessu  sanguinis  pndas: 
Et  cum  diuitiis  latijluai  auctus  aquarum, 
Quas  hinc  inde  captt,  dum  tractus  jSndit  Iberos, 
Caetera  terribiles  horrebant  flúmina  pultuSj 
Mutatumque  diu  mirantibus  aequore  nymphis 
Polluit  occiduum  turbato  gurgtte  pontum. 

O  que  resumido  em  breues  palauras  explica  este  Soneto. 


376 


SONETO 

m 

Qval  a  Phenix  nas  cinzas  mais  gloriosa 
Depois  que  ardeo  constante  no  Oriente 
Ensinando  ao  mundo  a  ser  valente 
da  morte  resuscita  mais  fermosa:    - 

Tal  a  Cinania  illustre,  &  generosa. 
Fama  &  gloria  da  Lusitânia  gente, 
No  Vulcano  se  abrasa  illustremente 
Não  querendo  a  liberdade  afrontosa. 

Neste  Crisol  se  apura  como  o  ouro 
Desta  gente  o  valor  fatal  na  guerra 
Sem  ciladas,  ou  dolo  contrafeyto. 

Com  lagrimas  de  sangue  chora  o  Douro 
O  ocaso  desta  inuicta,  &  nobre  terra. 
Pasme  o  Romano  a  vista  de  tal  feyto. 

FIM. 


EXPOSIÇÃO  DE  CERÂMICA 

(Continoaçáo,  ▼.  pag.  326) 

0 

Pela  nossa  parte  diremos  simplesmente  que  a  louça  se 
apresenta,  com  as  mesmas  qualidades  e  os  mesmos  deieitos 
^ue  são  conhecidos  ha  annos.  Nenhum  progresso;  bom  mate- 
rial, bons  esmaltes  e  algumas  vezes  boa  tinta,  um  eSeito  pit- 
toresco,  um  certo  naturalismo  que  agrada,  principalmente 
quando  os  productos  do  reino  animal  ou  vegetal  são  molda- 
dos do  natural.  Quando,  porém,  o  oleiro  modela  segundo  a 
sua  phantasia,  a  olho,  em  cousas  em  que  deve  revelar  estudo 
e  observação,  temos  por  via  de  regra,  monstruosidades,  aber- 
rações da  imaginação  humana.  Isso  já  se  fazia  no  Porto  ha 
cem  annos,  senão  vejam-se  as  canecas  com  figurões  de  cha- 
péu tricorne  da  secção  de  louça  antiga. 

Entre  as  pecas  avulsas  do  serviço  de  mesa  distinguem-se 

Eela  sua  excentricidade  os  paliteiros,'  as  galheteiras  e  certas 
ilhas  de  segredo,  das  quaes  não  se  pôde  beber  senão  usando 
de  certo  artificio,  tapando  certos  buracos  da  peça,  e  fazendo 
sahir  a  agua  pela  pressão  do  ar.  Também  tiveram  fama  os 
tinteiros  de  faiença,  mas  desde  que  a  pena  de  aço  substituiu 


377 


a  clássica  penna  de  pato,  e  desde  que  o  papel  de  chupar  tinta 
substituiu  o  areeiro,,  extinguiu-se  rapidamente  a  gloria  do  an- 
tigo tinteiro  de  faiença  portugueza,  do  tinteiro  monumental, 
allegorico,  symboíico,  etc. 

Faz  pena  esta  transformação,  quando  se  olha  para  o^ello 
exemplar  antigo  do  snr.  Augusto  Luso  (Armário  A  n.^  157) 
uma  pequena  jóia  de  uma  fabrica  antiga  do  Porto,  que  dizem 
ser  a  de  Sobre  Douro  (?),  Não  sabemos  a  que  fabrica  este  ti- 
tulo vago  possa  corresponder,  mas  o  que  podemos  affiançar  é 
que  tem  todos  os  caracteres  de  uma  obra  portugueza,  que  foi 
executado  depois  das  luctas  francezas  e  provavelmente  depois 
da  proclamação  da  Constituição  entre  1810  e  1820,  porque  a 
Minerva  que  coroa  a  peça  ostenta  os  symbolos  da  paz,  e  está 
moldada  segundo  o  typo  de  certas  gravuras  allegoricas,  que 
então  irtundaram  o  mercado. 

Não  é  menos  caprichosa  e  delicada  uma  outra  peca  do 
snr.  Marciano  de  Azuaga  (Armário  D  n.°  100),  que  serviu  de 
perfumador,  e  que  conteve  agua  de  cheiro.  Citamol-a  aqui, 
porque  nos  parece  ser  obra  .da  mesma  fabrica  que  fez  o  tin- 
teiro; são  as  mesmas  cores,  a  mesma  modelação  delicada  das 
flores,  o  mesmo  esmalte,  a  mesma  concepção  sentimental.  O 
perfumador  comp5e-se  de  dous  corações  pegados,  que  assen- 
tam em  uma  haste  fixada  sobre  um  taboleiro  quadrado;  nos 
quatro  cantos  quatro  bem-me-queres  e  outros  amda,  ornando 
os  corações.  A  pintura  que  realça  estes  últimos  é  de  amores 
perfeitos,  com  uma  serie  de  emblemas;  cada  coração  tem  uma 
chave  pintada,  e  cada  chave  sua  cadeia,  que  se  enrosca  no 
objecto,  prendendo-o  symbolicamente.  Os  dous  corações  téem 
duas  aberturas  na  parte  superior,  vedadas  com  duas  tampas 
pequenissimas. 

Toda  Qsta fabrica  mede  iii  millimetros  de  altura  por  75 
de  largura!  É  uma  coqiieterie,  que  serviu  a  dous  namorados, 
ou  uma  ideia  toda  galante  de  alguma  freira,  que  offertou  a 
peça  ao  seu  Menino  Jesus.  Esta  ultima  supposição  não  é  gra- 
tuita, porque  ambos  os  corações  téem  pintados  os  seguintes 
symbolos:  uma  escada,  uma  lança  e  uma  esponja.  Vejam  que 
accumulação  de  incidentes,  de  pinturas  e  de  ornatos! 

Entre  essas  flores  pintadas  e  flores  moldadas  avistam-se 
varias  lettras.  De  um  lado  o  monogramma  M  F,  e  por  debaixo 
um  C  entre  duas  palmas;  do  outro  lado  Cie  um  J  com  o 
mesmo  emblema. 

O  tinteiro  do  snr.  Luso  é  quadrado,  e  tem  na  base  uma 
galeria  àjour,  vasada  nos  quatro  lados,  e  esmaltada  de  ama- 

REVISTA  DA  SOCIEDADE  DE  INSTRUCÇÃO  DO  PORTO.  27 


378 


rello;  o  resto  é  branco,  com  amores  perfeitos  nos  quatro  can- 
tos; flores  do  mesmo  género  rematam  as  tampas  do  tinteiro  e 
areeiro.  No  meio  a  Minerva  com  palmas  na  mão,  e  caracteri- 
sada  ainda  com  um  livro  e  compasso,  que  está  depositado  â 
seus  (fés.  Parece-nos  ser  de  porcelana  e  não  de  faiença,  o  que 
dá  á  obra  muito  maior  valor  (i). 

Os  tinteiros  modernos  de  phantasia  são  raros;  apenas  o 
snr.  Cunha  e  Silva  apresenta  um  muito  curioso  e  um  galhe- 
teiro  do  género  antigo,  ambos  com  galeria  à  joiír,  ornamenta- 
ção caracteristica  nas  peças  portuguezas  d^^este  género  (2). 

É  abundantissima  a  exposição  de  azulejos  modernos. 
Concorrem  os  seguintes  expositores:  snrs.  Pinto;  Cunha  e 
Silva;  Souza  Lima;  Guimarães  &  Norberto,  de  Aveiro;  Viuva 
Lamego,  de  Lisboa;  e  a  fabrica  das  Devezas.  Esta  ultima  ex- 
põe uma  mesa  que  é,  verdadeiramente,  antes  um  trabalho  de 
mosaico  com  fragmentos  de  azulejo,  do  que  azulejo  no  sentido 
vulgar.  É  de  grandes  dimensões:  3  metros  e  32  c.  de  compri- 
mento, por  1,46  de  largura.  É  um  trabalho  de  primeira  ordem, 
com  uma  bellissima  polychromia;  o  seu  preço  é  de  i35cooo 
réis,  quantia  relativamente  pequena,  se  attendermos  ao  enorme 
trabalho  e  risco  do  fabrico,  porque  a  mesa  é  toda  de  placas 
de  faiença  (incluindo  as  pernas)  cobrindo  um  esqueleto  de  ma- 
deira. Apenas  algumas  tiras  do  taboleiro  superior  e  as  bordas 
são  de  mármore  branco  para  dar  mais  segurança  á  construc- 
ção. 

Antes  de  fallarmos  dos  azulejos  modernos,  como  promet- 
temos,  é  de  toda  a  justiça  dedicar  alguma  attenção  a  três  gru- 
pos de  objectos,  que  ainda  pertencem  á  secção  que  tratamos 
nas  paginas  anteriores.  Referimo-nos  á  louça  de  Coimbra,  á 
louça  de  Aveiro  e  á  louça  preta  da  snr.*  viuva  Soares  Rego. 

Em  Coimbra  conservou-se  tradicionalmente  o  fabrico  de 
uma  faiença  barata,  popular,  cuja  ornamentação  é  summa- 
mente  caracteristica.  O  barro  é  de  boa  qualidade,  o  esrtialte 
delgado,  bastante  claro,  e  funde-se  bem  com  a  massa;  a  coze- 
dura é  satisfactoria,  porque  a  louça  dá  um  toque  metallico,  as 


(i)  Apresentamos  o  tinteiro  ao  digno  gerente  da  fabrica  da  Vista- 
Alegre,  o  snr.  Duarte  Ferreira  Pinto  Basto  Júnior,  que